quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O que é Anima e Animus na visão de Jung

13.07.2015
O que é Anima e Animus na visão de Jung

Denise Ribeiro - Palas Athena

Fonte: http://www.palasathena.org.br/noticia_detalhe.php?noticia_id=163

 “O processo terapêutico, vivenciado nas sessões de análise entre o cliente e o terapeuta, como fez o próprio Jung, tem como um de seus objetivos a gradual conscientização dos padrões de manifestação da anima ou do animus nas atitudes do paciente. Dessa maneira, podemos enriquecer nossas vidas com a integração de um certo grau dessas entidades autônomas e, assim, também evitar suas manifestações mais exageradas e fora de proporção em nossas vidas”. O professor e psicanalista Marcelo Jordão tratará desses temas com maior profundidade nas palestras que dará em julho na Palas Athena. Nesta entrevista, ele antecipa parte dos conceitos que discutirá nas aulas.


O que são anima e animus na visão de Jung? 
O animus e a anima constituem aspectos psicologicamente autônomos dentro de todos nós, isto é, temos pouco controle consciente sobre suas influências em nossas atitudes. Isso ocorre porque a raiz do animus e da anima está em nosso inconsciente. A anima é tida como o aspecto feminino presente em todo homem e que tanto pode atuar como uma mulher primitiva, tomada de um sentimento de fúria ou de ciúme, quanto como uma sabedoria feminina capaz de intuir sobre o funcionamento do mundo e da vida.
O animus é o correspondente aspecto masculino presente na mulher, que pode atuar como um homem frio e violento ou apresentar a determinação masculina de se levar algo até o fim ou, ainda, como uma entidade que acaba inspirando espiritualmente a mulher.

Uma mulher com grande capacidade de acolher as pessoas sem julgar, que goste de se relacionar e de receber pessoas e que se sinta viva e empolgada com a vida, apesar de suas complexidades, desafios e injustiças, pode, de repente, responder friamente a uma pessoa querida, falando “verdades” chocantes e trazendo para o presente situações há muito ocorridas que ficaram “atravessadas na garganta”.
Um homem calmo e racional poderá, de repente, se surpreender com um ataque de mau-humor e então a menor provocação de fora despertará nele uma enxurrada de ressentimentos e reclamações de cunho emocional. A mudança é brusca e impressiona profundamente quem o observa, pois é como se algo houvesse tomado conta dele, algo que não tem nada a ver com sua personalidade dominante.

Jung observou atentamente que, às vezes, ele próprio era tomado por esse repentino ataque de mau-humor e, aos poucos, reconheceu que suas reações nesse estado não correspondiam ao que ele pretendia conscientemente. Ele observou, ao longo dos anos, o mesmo tipo de padrão em seus clientes e, assim, ele elaborou os conceitos de anima e de animus.


Como se deve proceder em relação à anima e ao animus? Com trabalho psicológico é possível integrar essas entidades do inconsciente? 
A integração de nossa contrapartida de gênero constitui um imenso desafio para o homem e para a mulher. Esse é um processo de trabalho árduo e contínuo e sem limite para acabar, já que não há um limite final para a integração. Trata-se de um trabalho para a vida toda.

É importante avisar, no entanto, que as pessoas não devem se candidatar a esse trabalho guiadas por uma ambição de lucrar com tal integração. O trabalho de individuação (integração de conteúdos inconscientes) é muito diferente de um curso de pós-graduação ou de uma academia de ginástica, já que nele não há espaço para objetivos imediatistas e ambiciosos do tipo “quanto mais, melhor!”. O trabalho de individuação, como o da integração da anima/animus, é extremamente difícil e pode levar o candidato até mesmo para um resultado oposto ao de suas ambições conscientes! Sempre digo aos meus clientes: procure a terapia, se sentir uma necessidade de se melhorar como ser humano, não de melhorar seu currículo profissional para o mundo.

Caso a pessoa já sinta há muito tempo a necessidade de se conhecer melhor ou até mesmo esteja sofrendo com a constante e inadequada manifestação (fora do controle consciente) de sua anima ou de seu animus, a terapia junguiana é indicada. Se o trabalho de integração dos conteúdos de anima/animus, para esse perfil, for bem sucedido, a pessoa irá aos poucos diminuir as manifestações exageradas da anima/animus em sua personalidade.

Há como manter a anima/o animus em equilíbrio? Por que a identificação excessiva não é recomendável? 
Sim, há como manter a anima (para o homem) ou o animus (para a mulher) em equilíbrio com nossa personalidade. Para isso é preciso muito preparo e atenção para notar suas manifestações em nossas atitudes cotidianas e entender o que a anima/o animus quer de nós. Não para fornecer-lhe exatamente o que é exigido, mas sim para abrir uma espécie de canal de discussão que possa encontrar maneiras de integrar (ou apenas reconhecer) suas demandas à nossa vida.

Um homem muito másculo, que pense quase sempre em conquistas e poder, por exemplo, poderá perceber um chamado interno (da anima) para voltar sua atenção a coisas mais sensíveis e imateriais. Talvez ele atenda a essa demanda interna e, aos poucos, encontre nisso o necessário equilíbrio à sua intensidade masculina primária. Pode também ocorrer, no entanto, que tal chamado apenas o irrite e ele o reprimirá, evitando sua mudança e cortando o canal de comunicação com sua anima.

Se esse canal de comunicação e de negociação não estiver aberto e funcionando de modo saudável, a anima (ou o animus) irá se tornar cada vez mais forte e ameaçadora até o momento em que seus conteúdos irão irromper em nossa personalidade, por bem ou por mal. O homem másculo de nosso exemplo acima pode, eventualmente, caso esteja reprimindo a manifestação de sua anima, cair num choro compulsivo ao entrar em contato com algum conteúdo emotivo. A anima potencializada se fez manifestar para seu grande incômodo e vergonha.

O cenário descrito até aqui se refere à anima (ou animus) que não encontra espaço para ser ouvida ou integrada à personalidade de alguém. Há, no entanto, uma outra ocorrência bastante comum atualmente: quando o homem está demasiadamente identificado com a anima, ou a mulher, com seu animus.
Nesse caso, o homem irá promover predominantemente seus aspectos femininos em detrimento de sua natureza masculina (independentemente de sua opção sexual), valorizando sua sensibilidade, dotes artísticos e espontaneidade, em detrimento de sua agressividade e assertividade primitivas. No caso da mulher, ocorrerá o oposto: ela desenvolverá atributos masculinos em detrimento dos femininos.

Essa identificação excessiva com a anima (ou animus) traz outra gama de conflitos ao indivíduo. Pacientes homens, desse perfil, normalmente se queixam de insegurança em seu contato com o mundo. São pessoas normalmente muito afáveis e sensíveis que se associam a outras pessoas mais fortes no mundo (muitas vezes suas próprias mulheres ou mães) para que os ajudem a enfrentar os desafios da vida.
As mulheres, nessa situação de identificação excessiva com o animus, queixam-se de falta de espontaneidade e de energia para enfrentar suas inúmeras obrigações cotidianas, como se a vida se resumisse a uma lista muito grande de desafios que é automaticamente renovada a cada dia. Tais mulheres também normalmente se associam a pessoas mais sensíveis e espontâneas, tentando complementar assim o que lhes falta.

É importante destacar que aqui não há espaço para conceitos simplistas de certo ou errado ou de melhor ou pior. Tudo depende de como o indivíduo se sente e do que seus sonhos pedem dele. Eu posso até achar que uma pessoa está excessivamente identificada com sua anima (ou animus), mas, se ela não sente isso como um problema e não há nenhuma demanda específica em seus sonhos, não há indicação de mexer nessa questão. No caso específico das mulheres, por que a “revolta contra as injustiças do mundo” pode ser um problema e não uma vantagem para o indivíduo?

Essa é uma questão complexa e novamente vai muito além de avaliações simplistas sobre o que é certo ou errado. É natural querermos melhorar as condições de nossas vidas e das pessoas de que gostamos; muitas vezes, queremos até mesmo melhorar o mundo. No entanto, em minha experiência, mulheres que se incomodam com uma identificação excessiva com o animus (ou o espírito da verdade), apresentam, como uma das principais queixas, um sentimento de raiva e impotência diante das injustiças da vida e do mundo. Essa situação pode gerar atitudes neuróticas incapacitantes.

Tive uma paciente, por exemplo, que não conseguia desligar do noticiário, ela pulava de um canal a outro na televisão e também checava a internet em busca de notícias. Isso a incomodava mas ela não conseguia se conter. Não é nenhuma surpresa o fato de que, quando eu a confrontava, pedindo para ela citar algo positivo que havia ouvido em todas essas noticias, ela raramente conseguisse relatar algo. Estava à caça de injustiças 24h por dia! Ela estava permanentemente revoltada com o mundo e pensava possuir várias soluções (simplistas) para os conflitos da humanidade.

Não creio que o mundo possa ser “consertado”, pois ainda que existisse um gênio da lâmpada que nos concedesse tal realização, esse mundo ideal variaria demais dependendo de que quem o idealizaria. Cada um de nós tem ideais próprios para o mundo e não necessariamente representativos.
Portanto, ainda que o mundo pudesse ser consertado, quem disse que chegaríamos a um consenso sobre o modelo final? Costumo provocar os pacientes dizendo que, se a questão das injustiças fosse simples de resolver, nós poderíamos dispensar advogados e juízes de suas funções! E não somente eles, poderíamos acabar com toda a complexidade dos trâmites da justiça! Se a verdade e a justiça fossem tão simples de se definir, qualquer um saberia julgar e condenar e todos os demais concordariam imediatamente com o veredicto de qualquer indivíduo.

Conceitos como o de justiça, da verdade e até mesmo do que é certo dependem de uma elaboração coletiva e possuirão, portanto, um grande grau de subjetividade. Buscar a verdade e a justiça coletiva absolutas é o mesmo que tentar definir a mulher mais bonita do mundo ou o melhor vinho já produzido! Como eu disse, essa é uma questão bastante complexa e, quando a pessoa sofre das neuroses resultantes de um insaciável senso de injustiça, talvez seja melhor considerar lidar com esse problema por meio da terapia junguiana. Assim como o conceito da verdade absoluta, aqui também não existe uma saída simplista a ser ofertada a essas pessoas.

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