terça-feira, 30 de junho de 2015

Antropologia é ciência?


Antropologia é ciência?

Motivado por uma recente polêmica internacional sobre essa questão, Luiz Fernando Dias Duarte comenta, em sua coluna de estreia, as tensões existentes entre a faceta científica e objetivista e o lado interpretativo e subjetivo dos vários campos do conhecimento.
Por: Luiz Fernando Dias Duarte
Publicado em 11/02/2011 | Atualizado em 11/02/2011

Antropologia é ciência?
A antropologia abrange desde propostas que valorizam mais o cientificismo, como a do sociólogo francês Émile Durkheim (à esquerda), até modelos mais interpretativos, como o do sociólogo alemão Max Weber (à direita). (fotos: Wikimedia Commons)
No começo de dezembro de 2010, um artigo publicado no The New York Times com o mesmo título acima desencadeava uma polêmica internacional. O texto foi escrito a partir da constatação de que um documento programático da prestigiosa Associação Antropológica Americana (AAA) deixava de mencionar a categoria ‘ciência’ entre os objetivos da associação e levantava diversas dúvidas sobre o sentido dessa decisão, umas mais políticas, outras mais epistemológicas.
A posterior declaração oficial da associação de que não tinha havido uma intenção específica para a controversa ausência não amainou a celeuma.
A questão que aí se apresenta não é específica da antropologia, nem do conjunto das ciências humanas, mas abrange todo o empreendimento em que se construiu a ambição de um conhecimento objetivo, não mediado e sistematicamente controlado sobre a chamada ‘realidade’.
O projeto iluminista de esclarecimento racional universal permanece mais vivo do que nunca
O projeto iluminista de esclarecimento racional universal baseado na redução e controle das circunstâncias empíricas dos fenômenos naturais começou a se institucionalizar no século 17, sobretudo a partir da poderosa obra do físico e matemático inglês Isaac Newton (1643-1727).
E hoje permanece mais vivo do que nunca, alimentado pelo crescente poderio da tecnologia derivada das ciências naturais e pela ambição de uma autonomização ilimitada da experiência humana em relação às condições originárias da espécie.
Ocorre, porém, que, desde muito cedo, levantou-se no Ocidente uma dúvida e reação a esse projeto. Essa reação, que se pode englobar sob a rubrica de uma filosofia romântica, ponderava que a experiência humana era muito mais complexa e mediada do que a da simples matéria, mesmo que não se considerasse necessário recorrer a concepções de cunho religioso, sobrenatural ou extraordinário.
A mediação pela percepção subjetiva se impunha como limitação constante à ambição de um conhecimento puramente objetivo e também como condição para uma verdadeira e profunda compreensãodas condições e do sentido da presença humana no mundo.

O nascimento das ciências humanas

As ciências humanas nasceram ao longo do século 19 como resultadoda tensa imbricação entre o empenho iluminista e a pulsão romântica.
As ciências humanas nasceram como resultado da tensa imbricação entre o empenho iluminista e a pulsão romântica
A antropologia, desde o seu início, apresenta os sinais dessa tensão de modo paradigmático, já que compõe um leque amplo de investimentos de conhecimento e compreensão, influenciados pelas diversas correntes filosóficas damodernidade, e em confronto com os mais variados sistemas simbólicos alternativos.
Esse leque sempre abrangeu desde propostas mais ‘positivistas’ (que valorizavam o cientificismo), como as que se acredita serem características do sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) ou do cientista social britânico Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955), até propostas mais ‘interpretativas’, simbólicas, como as do sociólogo e economista político alemão Max Weber (1864-1920), do antropólogo britânico Edward Evans-Pritchard (1902-1973), do antropólogo estadunidense Clifford Geertz (1926-2006) ou, mais recentemente, as do antropólogo estadunidense Marshall Sahlins (1930-).
Mas a tensão está presente no interior de cada corrente, de cada obra. O antropólogo polaco-britânico Bronislaw Malinowski (1884-1942) tanto pode ser considerado um defensor de uma visão materialista, objetivista da tarefa antropológica, como o fundador do grande marcoda metodologia compreensiva: o ‘trabalho de campo’, em que a mediação subjetiva não é um obstáculo, mas a condição mesma do saber antropológico.
Bronislaw Malinowski em trabalho de campo
O antropólogo Bronislaw Malinowski inaugurou o uso da observação direta e subjetiva na metodologia antropológica. A foto mostra o pesquisador com nativos nas ilhas Trobriand (Nova Guiné) durante trabalho de campo em 1918. (foto: Wikimedia Commons)
O filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883), o antropólogo germano-americano Franz Boas (1858-1942), o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009), o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), todos os grandes inspiradores da reflexão antropológica apresentam sinais de uma disposição de esclarecimento objetivo entrelaçados com a consciência e explicitação das condições de significação em que a ação e o pensamento humanos se atualizam.
Menciono aqui apenas os clássicos, mas a tensão continua a articular todos os grandes pensadores contemporâneos, tanto mais porque as condições atuais de atividade dos antropólogos vêm favorecendo a adoção de perspectivas mais ‘românticas’, em face dos efeitos destrutivos do projeto iluminista que se alastram por todo o planeta.
A antropologia se construiu pelo diálogo com a alteridade cultural, por meio de uma complexa trama de hipóteses, modelos e interpretações que tem reiteradamente reforçado a desconfiança da máquina de achatamento do mundo implicado pela via iluminista, ‘reducionista’, ‘epifenomenista’, desenvolvimentista. 

Racionalidade X subjetividade

É, assim, apenas mais um movimento dessa tensão constitutiva o fato de a AAA descrever sua tarefa como a de ‘promover a compreensão pública da humanidade’.
Página da Associação Antropológica Americana na internet
Página da Associação Antropológica Americana na internet. A não inclusão dacategoria 'ciência' entre os objetivos da entidade gerou dúvidas e polêmica a respeito dessa decisão.
A locução é muito interessante. O verbo em inglês é ‘to advance’, absolutamente característico do projeto iluminista – e, portanto, científico. Seu objeto é ‘understanding’, que traduz normalmente em inglês a grande categoria romântica da ‘compreensão’ (Weber é particularmente conhecido pelo seu ‘método compreensivo’ – oVerstehen alemão).
E os complementos retornam ao argumento iluminista, sublinhando que deve ser algo ‘público’, a serviço de uma ‘humanidade’ – categorias igualmente constituídas no horizonte de afirmação daracionalidade moderna.
Não há, portanto, muito com o que se preocupar. A antropologia continuará a ser uma ‘ciência’ e um ‘saber’, estratégia de conhecimento e meio de compreensão. Manter essa tensão nunca foi fácil e continuará não sendo; como um grave desafio para cadaantropólogo e para toda a comunidade dos que assim se consideram.
A antropologia continuará a ser uma ‘ciência’ e um ‘saber’, estratégia de conhecimento e meio de compreensão
Alguns, como os “critical anthropologists” citados na denúncia do programa da AAA feita pelo NYT, desejarão que a disciplina seja menos objetivista em nome daassunção da defesa dos interesses de seus interlocutores mais frágeis ou subordinados. Outros, como os “pós-modernos”, desejarão que seja menos objetivista em nome do caráter radicalmente dialogal, interconstruído, de que qualquer saber sobre o humano se revestiria.
Mas afinal, ainda assim, todos estarão de algum modo respondendo à demanda de um ‘avanço’, de uma iluminação, mesmo que paradoxal. Ninguém propugna um encerramento da tarefa de conhecer ou compreender. E talvez a característica mais profunda da ciência seja essa, a de não se resignar com o já sabido, de desconfiar das convenções vigentes e sempre ambicionar mais luz.
A preocupação deve ser ainda menor porque os cientistas ditos “hard” há muito vêm se questionando sobre diversas facetas do projeto iluminista que os constituiu e que os sustenta fundamentalmente.
Mais ou menos próximos de fórmulas ‘românticas’, físicos, biólogos, médicos, matemáticos inquirem-se também sobre o que quer dizer ‘ciência’, ‘matéria’, ‘realidade’, sem que precisem banir essas intrigantes categorias dos programas de suas sociedades. O reconhecimento da mediação subjetiva, seja no plano da própria produção do conhecimento, seja no das implicações sociais do conhecimento científico, tende a se generalizar em todas as áreas.
Se a preocupação não deve ser grande, o interesse de compreender a presente polêmica é enorme, no entanto. Porque, mesmo que reitere um movimento de longo alcance histórico, emerge de uma forma específica neste tempo específico – e é assim sintoma dos agenciamentos de significação que hoje nos cercam. Uma questão de sentido, certamente; mas não apenas da antropologia.

Luiz Fernando Dias Duarte

Museu Nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro



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    Esta coluna somente pode ser felicitada por surgir em boa hora para um debate importante, o qual poderá estimular não somente o interior da academia, mas também seus laços com a opinião pública. De imediato eu me desculpo pelo alongado do comentário, mas acho pertinente expor com clareza algumas dúvidas e críticas ao colunista.
    Talvez seja um grave erro diminuir a falta de preocupação com o caráter científico da antropologia, e assim simplesmente assinalar que a reflexão deve se voltar para os motivos que levam o momento atual a repor tal questão. O problema da fundamentação epistemológica e objetual da antropologia como ciência pertence tanto a nós quanto ao século XIX, tempo este do seu nascimento. A colocação do problema só se deu nesse tempo do seu nascimento, e permaneceu como constante. É um erro falar de reposição de uma questão que jamais se retirou por uma resposta: a situação continua a ser absolutamente a mesma. Ainda mais dificultoso o pensamento sobre o tema se torna quando tratado por meio de dicotomias como iluministas versus românticos. Em primeiro lugar, o texto parece sugerir a identidade entre a requisição por objetividade e o naturalismo ou empirismo. Essa identificação nem mesmo pode ser creditada na conta de Newton, sendo em verdade fenômeno que ganha acentuação no século XIX. Prova disso é que os expoentes do idealismo alemão explicitam e usam o conceito de objetividade, mas jamais caem em fisicalismo. Materialismos e fisicalismos próprios a setores do iluminismo francês caracterizam erroneamente o iluminismo alemão. Tal diferença já reclama cuidado ao se falar de um grande projeto iluminista do Ocidente.
    Também parece simplório indicar que atualmente ainda vivemos sobre o império do dito iluminismo, pelo predomínio da ciência produtora de tecnologia. Como bem destaca Paul Forman em The Primacy of Science in Modernity, of Technology in Postmodernity, and of Ideology in the History of Technology, não há hoje conceito de ciência que confira unidade aos campos de pesquisa, nem mesmo sustentáculos epistemológicos ou objetuais que garantam especializações de campos de pesquisa. A própria tecnologia parece ter se apartado da ciência; e os projetos e estímulos às inovações destronaram a ciência teórica. Em Trouble with Physics, Lee Smolin destaca a contínua perda de diversidade e de riqueza no campo da pesquisa teórica em física. Ainda que possa parecer muito dura essa crítica, o problema da caracterização do conceito de ciência; da possibilidade ou não de um tipo de pesquisa ser um campo autônomo ou não; das condições para que um grupo de questões se converta em uma disciplina, todos esses problemas se transformaram em uma questão de folha de pagamento, manutenção de emprego, produção de laudos. Esse ponto já torna falsa a análise da questão sobre a cientificidade da antropologia simplesmente pela dicotomia entre iluminista versus românticos, ou aquilo que está do lado objetivo e aquilo que está do lado subjetivo.
    A etiqueta de romântico muito foi utilizada por alguns físicos, químicos e naturalistas no processo de autonomização da ciência como campos de pesquisa, com o fim de se separar e enterrar projetos de unidade entre filosofia e ciência, ou mesmo de Filosofias da Natureza (Naturphilosophie). Contudo, projetos de ciência que não são pautados por fisicalismos, reducionismos e empirismos não podem simplesmente receber o título de românticos. Evidentemente que o sujeito tem grande participação na constituição da objetividade na filosofia kantiana; não há dúvida de que o sujeito tem importância nas teorias naturais de Goethe para o acesso à forma originária como arquétipo do desenvolvimento do organismo. Contudo, tal sujeito não é o sujeito romântico capaz de extrair o mundo da própria cabeça, tal como em Novalis. Não é porque Schelling figura no livro sobre o romantismo de Gusdorf que podemos dizer que ele é romântico: o mesmo autor figura da obra de Lange sobre a história do materialismos, e não pode receber tal rótulo. Essa análise não é um simples preciosismo histórico, mas sim o alerta para uso de jargões que acabam por destruir a possibilidade de se reconsiderar e tomar caminhos abandonados ou obscurecidos. Dizer que somente uma pequena parte da filosofia da natureza é romântica, também serve para perguntar qual é afinal a explicitação sobre o conceito de sujeito quando se apela mais uma para a dicotomia sujeito e objeto na explicação de um problema. Aquele que trabalha com o termo sujeito também necessariamente terá de explicitar o conceito de objetividade. Não é também por preciosismos que nós reclamamos essas explicitações, mas porque acadêmicos e parte do público já notam como farsa, obviedade e jargão as palavras mágicas sujeito e objeto.
    Não seria o caso da antropologia ser dissolvida no interior da biologia? Não seria o caso das ciências humanas encontrarem sua dissolução no interior da filosofia? Ainda cabe a manutenção da postura infantil de cada ciência ficar na sua e não atacar as demais, para que assim reine uma falsa paz perpétua, mesmo que o termo ciência tenha assim alcançado a máxima equivocidade? Não seria falso o tratamento dessa questão retornando a um vago iluminismo em uma suposta busca de sua gênese? Não é enganosa a esperança de que a atual e as novas gerações apenas acompanhem as formas novas de surgimento desse mesmo problema? Talvez nós devêssemos pensar melhor com Hegel: “Mas essa esperança só é posta na juventude na medida em que não permanece como está, mas empreende o trabalho amargo do espírito”. Pela repetição do jargão se nota que pouca esperança é depositada na nova geração; e não se deseja pagar o preço do amargor do conceito. 
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        É estimulante receber um comentário crítico sério e bem fundamentado. Certamente o uso de classificações muito abrangentes para análise das idéias e conceitos de uma cultura deixa sempre a desejar. Numa coluna de tamanho necessariamente curto, como esta, muitos níveis de explicitação dos argumentos devem ser deixados de lado, em favor de um efeito iluminador parcial, localizado. Todas as categorias empregadas em minha breve análise são herdeiras de uma longa história, carregadas de camadas múltiplas de significação e ressignificação - como bem acentua o colega. Ainda assim, considero razoável lançar mão delas para delinear - neste caso - os parâmetros de uma questão que faz parte de nosso campo intelectual mais amplo: a questão da cientificidade das "ciências humanas". Para mim, pessoalmente, essa não é uma questão. Mas é uma questão para o campo, e isso sugere que se a explore para um público amplo, muito variado, entre os especialistas de cada um de nossos saberes e as camadas letradas em geral. Sobre seus questionamentos específicos, posso apenas evocar um ou outro, infelizmente. Os conceitos de iluminismo e de romantismo ou os de sujeito e de objeto são ao mesmo tempo "conceitos" e representações nativas da cultura ocidental moderna - o que não facilita em nada qualquer argumentação. Em antropologia usa-se-os, tanto quanto quaisquer outros, como instrumentos aproximados, sempre passíveis de relativização, sempre também capazes de produzir efeitos de conhecimento. A noção de romantismo, imensamente controvertida, é usada por mim muito recorrentemente não porque goste de vê-la reificada, mas porque considero que o reconhecimento das linhas de força que ela pode resumir é um foco importante do trabalho de explicitação das pulsões epistemológicas em ação na antropologia contemporânea. Todas as farsas, obviedades e jargões à nossa volta fazem parte do campo de sentido de nossa cultura e devem ser revisitadas, para iluminação geral. Lamento não poder responder a cada uma de suas objeções e muito menos a suas indagações finais, que não me sensibilizam. Caso lhe interesse saber mais sobre minha definição operacional de "romantismo", por exemplo, podem ser lidos meus artigos: "Formação e ensino na antropologia social: os dilemas da universalização romântica". In: Grossi, Miriam Pillar; Tassinari, Antonella & Rial, Carmen (orgs.). Ensino de Antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além fronteiras. Blumenau: Nova Letra, 2006. 454p. (pp. 17-36). e "A Pulsão Romântica e as Ciências Humanas no Ocidente". Revista Brasileira de Ciências Sociais, 19 (55), 2004 (5-18)
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          FOULCALT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8° ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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            Como quer que se queira, não há porque não considerar antropologia uma ciência, desde que não se queira aplicar a ela critérios de outras ciências, e não se baterá contra outras se não utilizar o seu método como fonte de avaliação e critério de outras. Uma possível disputa nesses termos seria inócua e inútil, pois, como tal, é apenas mais outra dimensão do conhecimento humano. Aquela ciência que quiser discutir outra ciência com base estritamente em seus próprios métodos, deixa de ser ciência para ser crença, convicção.
            Esse é um tema muito oportuno e merece muito mais discussão,para que se pare de criar falsas antinomias ou negações. Cumprimentos ao Autor.
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                Mais importam as perguntas que as respostas...
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                    A questão cabe para "ciencias humanas" como um todo. Edgar DeDecca observou que ciências procuram leis gerais e não tem interesse em casos específicos, enquanto que nas humanidades o objeto de interesse são justamente os casos específicos. As duas áreas tem critérios igualmente rigorosoa, mas a diferença de objetivos e material implica diferença de métodos. Por isso creio que é melhor o termo "humanidades" do que "ciências humanas". Assim, a questão do título a rigor não faz sentido.
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                        O QUE QUER DIZER O TERMO (A ANTROPOLOGIA É A CIÊNCIA DA ALTERIDADE)
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                          legal
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                              Prezado Luiz Fernando:
                              adorei reencontrá-lo dessa forma em uma coluna cujos desdobramentos já antevejo como estratégicos para dialogar com os alunos aqui na UFU; parabéns por mais esta iniciativa; o conteúdo está o que há de melhor: acessível e profundo. Obrigado, em meu nome e de meus alunos também. Paulo Nery.
                                • Avatar
                                  Não sei, mas o que o Ingold define como "filosofia com gente dentro" é bastante confortável para se alojar em um vértice de uma "outra antropologia"; emprestando termos do Laymert, é possível fazer "antropologia" de uma forma implicativa (fugindo às explicações-compreensões e seus mestres) e, porque não, que dessas implicações não estejamos muito mais próximos e operantes em processos de fabricações conceituais micro-teóricas? (lembra do Deleuze também pode ajudar nisso).
                                    • Avatar
                                      Olá, caríssimo! Que prazer "revê-lo" e lê-lo!
                                      Vou logo aproveitar a sua coluna para os nossos novos alunos de Antropologia da UNILA.
                                      Um grande abraço!
                                      Andrea Ciacchi
                                      • Avatar
                                        Olá, boa noite. Parabéns pelo texto e pela coluna. Apenas uma pequena colocação. pois me parece ter faltado mencionar algo a respeito dessa discussão na antropologia norte-americana. Para quem teve acesso aos e-mail trocados, sabe-se que o debate envolve não apenas os "interpretativistas" e os "objetivistas" da antropologia cultural. O debate reflete também o que pensam e querem os antropólogos biológicos (sem contar os arqueólogos e os linguistas), pois, como se sabe, diferentemente do que ocorre no Brasil, a antropologia em outros países, sobretudo nos Estados Unidos, é reconhecida não só como antropologia social e/ou cultural. Lá antropologia também é biologia. Ora, sendo a antropologia também biologia, a questão do estatuto científico ou não da disciplina se apresenta muito mais complexa do que aquela envolvendo os movimentos internos às humanidades. Por que não discutir, também, a dimensão biológica da disciplina e de que modo ela está relacionada a este debate sobre o estatuto da Associação? Rememoro aqui, mais uma vez que, diferentemente do que se pensa no Brasil, em outras partes do mundo o antropólogo é tanto aquele que descreve e analisa um ritual religioso e qualquer outro fenômeno cultural/social quanto aquele que manipula moléculas de DNA no laboratório ou realiza trabalho de campo junto de primatas não humanos. Eis, portanto, uma pimenta das mais fortes a temperar o ânimo de cada partidário.
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                                            Você tem toda razão quanto à questão da "antropologia biológica". Mas não é apenas nos EUA que ela existe: também no Brasil. Foi muito forte historicamente, até a II Grande Guerra, e hoje retoma fôlego em bases muito diferentes do evolucionismo morfológico (e eugenista !) daquela época. Na minha instituição, o Museu Nacional, estamos no mesmo departamento, os "sociais" e os "biológicos" - e nos damos muito bem, trabalhando juntos, por exemplo, no apoio à arqueologia. Mas o "objetivismo" não é privilégio dos antropólogos biológicos; há uma antropologia social evolucionista (ou evolucionária) para a qual a questão é também crucial.
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                                              RETIFICANDO: POR CONSTRUÇÃO E DIGITAÇÃO DO TEXTO, ESQUECI A MUDANÇA SOBRE O QUE HAVIA ESCRITO. O SÉCULO XX FOI UM DOS MAIORES SÉCUOS PARA A CIÊNCIA SIM, INCLUSIVE NA PRODUÇÃO DE SEUS MÚLTIPLOS SENTIDOS, CIENTÍFICOS.
                                                • Avatar
                                                  Eu vejo uma fila de cordeirinhos citando nomes e livros e não conseguem perceber 'o sentido' do debate, muito bem colocado pelos norte-americanos, como sempre; falta de originalidade nossa, como sempre também, tudo isso, devido à falta de interdisiciplinaridade nas academias em nível de graduação e pós-graduação. A filosofia não é infantil. Ela é o sustentáculo dessa história do conhecimento todo até hoje.
                                                  Ao mesmo tempo em que o sentido para os estudos de língua ganhou tal dimensão mal aproveitada, creio, aqui, que o que se quer saber é se a cientificidade de um objeto, a meu ver, se atém em sua própria cientificidade. Ou se ele ganha outros sentidos dentro e fora de sua cientificadade. Isso é muito complexo!
                                                  É uma questão de banalização esse discurso repetitivo acadêmico que quer mostrar que quer saber. Não é isso que interessa. Há muita importância nos caminhos trilhados nos comentários, mas já estamos no Pós-estruturalismo, e ninguem decide se parte da premissa do último ou do Estruturalismo, para qualquer estudo de humanidades contemporâneo. Desculpem a generalização.
                                                  Cansa ser barrado, nada é generalizado, não discordo, mas o que falo não significa uma abrangência máxima.
                                                  Eu entendi Existencialismo hoje. Deem-me um tempinho. Esse discurso mecanicista é estéril. Não complica!... Isso é que banaliza. Vi um vídeo hoje de Filosofia para leigos mesmo, em que o professor ministrante fala de quem é o Sujeito hoje. Segundo Foucault, ele se diluiu em ações, não é mais essência.
                                                  A discussão dos sentidos e da reprodução dos sentidos na ciência, essa preocupação suspeita de tanta delimitação não abrem uma oportunidade para esta questão centenária como colocado também. Há de se tomar cuidado.
                                                  Se comparada ao trabalho, às condições de trabalho e às reproduções de condições de trabalho marxistas, guardadas reservas antimarxistas, enfim, não me interessam mais prós e contras sobre o marximo, os nomes e os livros, inclusive como já dito, ainda se obtem resultados, para uma sociedade em que o marido, acusado em CPI, coloca a esposa no seu lugar para cuidar do dinheiro público em nível nacional. Disse que não estava interessado no cargo. E a academia não tem nada a ver com isso?
                                                  A reprodução dos sentidos na ciência, dos mesmos sentidos, quando comparadas aos sentidos da linguagem, dizem de um discurso que se repete há séculos, de geração em geração, fazendo entender que o que se fala hoje poder-se-ia comparar a certos aspectos de comportamento social exatamente iguais, se se pensar o homem universalmente.
                                                  As questões dos sentidos na Análise Crítica do Discurso são uma chave importante, preenchidas deste sentido marxista em particular. Acabaram por cair também numa esterilidade em que o objeto discurso não ganha a força devida, por causa do enfraquecimento de tendências que estão esvaziando os sentidos das pesquisas feitas. Estão pobres teoricamente ou absolutamente vazias no sentido científico. Predominam os sistemas de análise, nem sempre empíricos. Fogem à sua própria cartilha enumerada.
                                                  O sentido aí não é simplesmente a palavra sentido, é uma questão 'cabeluda', que mesmo com tanta filosofia não foi possível explanar os sentidos desse sentido pós-científico. Quem consegue tender simplesmewnte a um entendimento satisfatório neste momento. Talvez devêssemos começar exatamente pelo vazio, pelas questões negativas, assim como estamos fazendo, para depois quem sabe entender o que está sendo colocado.
                                                  Esvaziar ética e moral é uma coisa impossível e, diria, perigosa, por caprichos doutorandos, masturbação pós-pós-moderna. Esvaziar palavras carregadas de sentidos pejorativos sociais, como preconceito e raça, por exemplo, em todas as culturas e lugares, é exercício de conscientização humana. É a carapuça que te serve. com um bom professor, então, você se pega no pulo, pois a diversidade está ali presente, à distância do palmo do seu nariz. VocÊ sai acabado da aula, não cerceado.
                                                  Agora, não querer preencher outros significados, que sabemos que já existem por si sós na ciência e que nem começamos a entender, será ficarmos mais um século, não tão frutífero quanto o século XX, mas infrutífero como o final do mesmo século e entrada do em que estamos, que o sentido científico mais profundo foi absurdamente esvaziado e não nos foi apresentado nada de novo. Talvez seja essa uma resposta, a primeira que ouço e entendo como pertinente nos útimos cinco anos. Antes disso eu nem imaginava qualquer possibilidade nesse sentido, talvez nem imaginasse que pudesse existir.
                                                    • Avatar
                                                      Lembra, em certo aspecto, a discussão do Jornalismo. Eu não sei o que você pensa sobre o assunto do jormailismo, mas é realmente interessante, no mínimo, sendo um pouco irônico, partir de dentro da academia, da figura que se apresenta, o levante dessa bandeira. Eu conheci professores nesse mínimo tempo de Antropologia ma USP que parecem não pensar em outra coisa a não ser em Antroplogia. a vida é única e exclusivamente a Academia, as viagens, a bolsa, o grupo fechado, como sempre... respiro, olho para o outro lado e continuo me concentrando no que interessa: aprender, saber, engolir conhecimento. 
                                                      A minha formação é Língua Portuguesa e Análise Crítica do Discurso no mestrado da Língua Portuguesa da particular e privada PUC-SP. Eu não coube mais lá, tive de expandir os 'negócios'. Estou me situando nesse rito de passagem. Tô licitando o término do meu mestrado e pensando numa campanha política para o meu doutorado. A empáfia é a maresia da academia, o sol que a esquenta, a cerveja e o camarão de quem não mora na praia, até a vista cinco estrelas da cobertura beira-mar. 
                                                      O que mais? Nâo quero ser juiz, mas há um deslocamento entre o que se faz e o que se fala, visto de dentro mesmo. 
                                                      Um julgamento permanente de competências e habilidades dos mais inteligentes, na falsa corrida intelectual. Não há relaxamento nunca. Impressão... não sei. As desagradabilidades são esfregadas nas caras dos alunos muitas vezes. A vacina entra na corrente sanguínea e você se adapta, você sabe que é difícil, mas ao mesmo tempo sabe que pode também. O risco é 'se tornar um deles', 'mas já estou aqui', 'o que vou fazer com isso?' Volta-se: 'muito!' O ideal se afirma, você se vinga, o dinheiro pinta, você se assenta. Que eu vim fazer aqui mesmo? Ah!... Lembrou! Sem ideal o homem não teria saído das cavernas. Não é uma discussão de um pró e um contra que me vai fazer a cabeça, falando-se dos medalhões.
                                                      Os melhores são os mais calmos, os grandes, os internacionais, não precisam provar nada pra ninguem, são demiurgos. Outra permitem-se ser questionados. E não esvaziam a moral e a ética como tentativa estéril em todos sentidos imagináveis de desumanizar o que é humano, para ver se o ser humano melhora em Gattaca, com viagens torpes infantis, egoístas, de um algoritmo social novo que não sai do papel nunca. Aí a sociedade preconceituosa tem razão em relação à masturbação mental do geninhos, ou pior, às vezes, filhos dos grandes gênios, que não deveram ser tão bons com a família, que determina o comportamento social. até hoje não provaram o cantrário. 
                                                      Ou a família se dessencializaou como o sujeito na melhor terminologia possível para a ciência atual, na pós-modernidade.
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                                                          Sem dúvida é aborrecido lidar com os filisteus da ciência, talvez porque não se espere que aí proliferem. Mas lembre-se que eles podem existir em qualquer rincão de nossas sociedades. Não é nosso privilégio; felizmente !