terça-feira, 28 de março de 2017

Comportamento Humano como fator Ambiental e/ou Genético


Doutorado 2008 Autor: Filipe Cavalcanti da Silva Porto 
EBS-D-006

Título: O Tema Comportamento no Ensino de Biologia.

Orientador: Maurício Roberto Motta Pinto da Luz / Ricardo Waizbort

Área de Concentração: Ensino Formal

Data da Defesa: 13/6/2008

Resumo: Esta tese tem por objetivo discutir o ensino do tema Comportamento na disciplina Biologia com o objetivo de superar o conflito natureza versus cultura. Este conflito é aqui definido como a visão, por vezes dicotômica, que, historicamente, a dupla condição animal e cultural da espécie humana é tratada; ora pela sua faceta biológica pela Biologia, ora pela sua vertente sócio-cultural pelas ciências humanas. Essa ruptura se expressa muitas vezes tanto no contexto das ciências ligadas ao comportamento humano quanto no das disciplinas escolares e parece sugerir que esses aspectos da humanidade são completamente independentes um do outro. Em conseqüência, repassa-se aos alunos do ensino médio uma visão fragmentada da natureza humana. Por outro lado, a Biologia Evolutiva vem há mais de quarenta anos desenvolvendo teorias e dados empíricos em diversas frentes (por exemplo: Neurociências e Psicologia Evolutiva) que sugerem que esse hiato pode ser superado. Se admitirmos que o ensino de Evolução (por sua centralidade para a compreensão da Biologia) e a espécie humana (pelo maior interesse que desperta nos alunos) devem ser uma das prioridades do ensino de Biologia, então o debate natureza/cultura deveria fazer parte dos conteúdos dessa disciplina. Nossa abordagem para esse problema se deu em três etapas. Na primeira avaliamos quantitativamente, por questionários, a visão de estudantes do ensino médio e universitários sobre as origens do comportamento humano. Percebemos que a dicotomia natureza/cultura ainda se encontra presente e deslocada para o pólo cultura desse continuum. Observamos também que essa visão é a mesma entre alunos que optam ao final do ensino médio por cursos universitários de diferentes áreas. Este ponto de vista também não se altera, quando comparamos os universitários próximos ao final do curso com os calouros, independentemente da área a que pertençam esses alunos. Numa segunda etapa, buscamos uma explicação para os resultados acima, analisando livros didáticos de Biologia e notícias científicas publicadas na imprensa brasileira. Descobrimos que os livros didáticos praticamente não tratam do debate cultura/natureza, e quando o fazem tendem a valorizar os aspectos culturais da natureza humana em detrimento dos evolutivos. Ao contrário, a imprensa tem ultimamente valorizado a cobertura de matérias científicas que abordam a importância de nossa herança filogenética para o comportamento. A última fase da pesquisa analisa os resultados de experiências didáticas, onde temas do debate natureza/cultura foram tratados em sala de aula. Em virtude dos dados obtidos nas primeiras etapas da pesquisa, essas experiências enfatizaram os aspectos evolutivos da natureza humana com o objetivo de contribuir para a construção de uma visão menos dicotômica da natureza humana por parte dos alunos. O sucesso dessas atividades foi medido quantitativamente por pré e pós-testes. Percebemos que uma parcela dos alunos é sensível à argumentação evolutiva e passa a apresentar uma visão mais intermediária da natureza humana, enquanto outra tende a permanecer com uma visão ainda polarizada para o pólo cultura deste continuum. Discutimos o conjunto desses resultados à luz dos problemas relativos à seleção de conteúdos que envolvem o ensino de Biologia e da construção histórica da disciplina escolar Biologia.

Palavras chave: 1. Ensino de Biologia 2. Ensino de Evolução 3. Comportamento 4. Debate natureza/cultura

Abstract: This research intends to discuss the possibilities of inserting issues related to animal behavior in Biology high school curriculum in order to overcome the nature versus nurture controversy. We mean by nature/nurture controversy (debate) the historical dichotomic view of the animal (biological) and socio-cultural aspects of human nature. The former is studied by the biological sciences and the latter by the human sciences. This dichotomy has dominated the behavioral sciences and the high school subjects, suggesting that the both extremes of this continuum are not related to one another. Thus high school students are often exposed to a fragmentary view of human nature. However, Evolutionary Biology has been developing for over forty years theories and empirical data that sustains that this dichotomy should be overcome. If we admit to, that the study of Evolution (a central issue for the understanding of Biology), and the human species (a major interest among students) must be, both of them, one of the priorities to the Biology teaching, then the debate nature/nurture should be part of its contents. Our approach to the problem can be divided in three steps. Initially we evaluated quantitatively high school and undergraduate students’ view point about the origins of human behavior. These data suggest that students have an experientialist view of human nature. We have observed that this view is the same among those who chose different undergraduate courses and among those who are about to finish their graduate courses, regardless the area these courses belong to. Second, we tried to explain the results above, by both reviewing Biology textbooks and scientific news in daily journals. The former nearly ignore human behavior, and when they do, nurture aspects are much more emphasized than the nature ones. In the opposite direction, press has recently prioritized coverage of science advances on evolutionary aspects of human nature. Finally, we tested the impact of nature/nurture issues on students’ view of human nature in some classroom situations. According to prior results, these didactic experiences emphasized evolutionary aspects of human behavior. Our goal was to help students to elaborate a more integrated view about human nature. We evaluated the success of these didactic experiences quantitatively through pre and post-tests. These results suggest that some students are more sensitive to evolutionary topics and start to present a more intermediate view of human nature, while others tend to maintain a still more polarized view towards the cultural pole of this continuum. We discussed all these results in the light of the problems related to Biology high school curriculum and the its historical aspects.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Ecologia Libertária \ Anarquismo Verde \ Eco-Anarquismo

https://youtu.be/y74CAiNyg5k
Casa Autônoma Niterói - Ecologia Sociedade e Cinema - 2017 - 03  - 25e26    1


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La Belle Verte (Turista Espacial)
1996 ‧ Comédia ‧ 1h 39m

La belle verte é um filme francês de 1996, escrito e dirigido por Coline Serreau, que também é a personagem central. 

Coline Serreau

  • Solutions locales pour un désordre global
  • L'Académie Fratellini: le cirque de Plain-Pied, Saint-Denis
  • La belle verte
  • Tuttosà e Chebestia
  • Saint Jacques, La Mecque: roman



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Ecologia Profunda - síntese novas ecologias - Fritjof Capra

Rumo à Ecologia Profunda Em seu mais novo livro, A Teia da Vida (Cultrix-Amana), Fritjof Capra mostra como a ecologia profunda - a concepção que não separa os homens da natureza - ganha relevância na nova visão da realidade. Por Fritjof Capra (*) À medida que o século se aproxima do fim, as preocupações com o meio ambiente adquirem suprema importância. Defrontamo-nos com toda uma série de problemas globais que estão danificando a biosfera e a vida humana de uma maneira alarmante, e que pode logo se tornar irreversível. Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o hemisfério meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou a característica mais importante da era pós-guerra fria. Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção. Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, alguns delas até mesmo simples. Mas requerem uma mudança radical em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos valores. E, de fato, estamos agora no princípio dessa mudança fundamental de visão de mundo na ciência e na sociedade, uma mudança de paradigma tão radical como foi a revolução copernicana. Porém, essa compreensão ainda não despontou entre a maioria dos nossos líderes políticos. O reconhecimento de que é necessária uma profunda mudança de percepção e de pensamento para garantir a nossa sobrevivência ainda não atingiu a maioria dos líderes das nossas grandes universidades. Nossos líderes não só deixam de reconhecer como diferentes problemas estão inter-relacionados; eles também se recusam a reconhecer como suas assim chamadas soluções afetam as gerações futuras. A partir do ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são as soluções "sustentáveis". O conceito de sustentabilidade adquiriu importância-chave no movimento ecológico e é realmente fundamental. Este, em resumo, é o grande desafio do nosso tempo: as chances das gerações futuras. A Mudança de Paradigma Na minha vida de físico, meu principal interesse tem sido a dramática mudança de concepções e idéias que ocorreu na física durante os primeiros 30 anos deste século, que ainda está sendo elaborada em nossas atuais teorias da matéria. As novas concepções da física têm gerado uma profunda mudança em nossas visões de mundo; da visão de mundo mecanicista de Descartes e de Newton para uma visão holística, ecológica. A nova visão da realidade não era, em absoluto, fácil de ser aceita pelos físicos no começo do século. A exploração dos mundos atômico e subatômico colocou-os em contato com uma realidade estranha e inesperada. Em seus esforços para apreender essa nova realidade, os cientistas ficaram dolorosamente conscientes de que suas concepções básicas, sua linguagem e todo o seu modo de pensar eram inadequados para descrever os fenômenos atômicos. Seus problemas não eram meramente intelectuais, mas alcançavam as proporções de uma intensa crise emocional e, poder-se-ia dizer, até mesmo existencial. Eles precisaram de um longo tempo para superar essa crise, mas, no fim, foram recompensados por profundas introvisões sobre a natureza da matéria e de sua relação com a mente humana. As dramáticas mudanças de pensamento ocorridas na física no princípio deste século têm sido amplamente discutidas por físicos e filósofos durante mais de 50 anos. Elas levaram Thomas Kuhn à noção de um "paradigma" científico, definido como "uma constelação de realizações - concepções, valores, técnicas, etc. - compartilhada por uma comunidade científica e usada por essa comunidade para definir problemas e soluções legítimos". Mudanças de paradigmas, para Kuhn, ocorrem sob a forma de rupturas descontínuas e revolucionárias. Hoje, 25 anos depois da análise de Kuhn, reconhecemos a mudança de paradigma em física como parte integral de uma transformação cultural muito mais ampla. A crise intelectual dos físicos quânticos nos anos 20 espelha-se hoje numa crise cultural semelhante, porém muito mais ampla. Conseqüentemente, o que estamos vendo é uma mudança de paradigmas que está ocorrendo não apenas no âmbito da ciência, mas também na arena social, em proporções ainda mais amplas. O paradigma que está agora retrocedendo dominou nossa cultura por várias centenas de anos, durante as quais modelou nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o restante do mundo. Esse paradigma consiste em várias idéias e valores entrincheirados, entre os quais a visão do universo como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a visão do corpo humano como uma máquina, a visão da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento econômico e tecnológico, e - por fim, não menos importante - a crença em que uma sociedade na qual a mulher é, por toda a parte, classificada em posição inferior à do homem é uma sociedade que segue uma lei básica da natureza. Todas essas suposições têm sido decisivamente desafiadas por eventos recentes. E, na verdade, está ocorrendo, na atualidade, uma revisão radical dessas suposições. Ecologia Profunda O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o termo "ecologia" for empregado num sentido muito mais amplo e profundo que o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a independência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos). Os dois termos, "holístico" e "ecológico", diferem ligeiramente em seus significados, e parece que "holístico" é um pouco menos apropriado para descrever o novo paradigma. Uma visão holística, digamos, de uma bicicleta significa ver a bicicleta como um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as interdependências das suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso, mas acrescenta-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no seu ambiente natural e social - de onde vêm as matérias-primas que entram nela, como foi fabricada, como seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual ele é usada, e assim por diante. Essa distinção entre "holístico" e "ecológico" é ainda mais importante quanto falamos sobre sistemas vivos, para os quais as conexões com o meio ambiente são muito mais vitais. O sentido em que eu uso o termo "ecológico" está associado a uma escola filosófica específica e, além disso, a um movimento popular global conhecido como "ecologia profunda", que está rapidamente adquirindo proeminência. A escola filosófica foi fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess, no início dos anos 70, com sua distinção entre "ecologia rasa" e "ecologia profunda". A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de "uso", à natureza. A ecologia profunda não separa seres humanos - ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida. Em última análise, a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. Quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência, de conexidade, com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda. Não é, pois, de se surpreender o fato de que a nova visão emergente da realidade baseada na percepção ecológica profunda é consistente com a chamada filosofia perene das tradições espirituais. Há outro modo pelo qual Naess caracterizou a ecologia profunda. "A essência da ecologia profunda", diz ele, "consiste em formular questões mais profundas". É também essa a essência de uma mudança de paradigma. Precisamos estar preparados para questionar cada aspecto isolado do velho paradigma. Ecologia social e ecofeminismo Além da ecologia profunda, há duas importantes escolas filosóficas de ecologia, a ecologia social e a ecologia feminista, ou "ecofeminismo". Em anos recentes, tem havido um vivo debate dos méritos relativos dessas três escolas. Parece-me que cada uma delas aborda aspectos importantes do paradigma ecológico e, em vez de competir uns com os outros, seus proponentes deveriam tentar integrar suas abordagens numa visão ecológica coerente. A percepção ecológica profunda parece fornecer a base filosófica e espiritual ideal para um estilo de vida ecológico e para o ativismo ambientalista. No entanto, não nos diz muito a respeito das características e dos padrões culturais de organização social que produziram a atual crise ecológica. É esse o foco da ecologia social. O solo comum das várias escolas de ecologia social é o reconhecimento de que a natureza fundamentalmente antiecológica de muitas de nossas estruturas sócio-econômicas está arraigada no que Riane Eisler chamou de "sistema do dominador" de organização social. O patriarcado, o imperialismo, o capitalismo e o racismo são exemplos de dominação exploradora e antiecológica. O ecofeminismo poderia ser encarado como uma escola especial de ecologia social, uma vez que também aborda a dinâmica de dominação social dentro do contexto do patriarcado. Entretanto, sua análise cultural das muitas facetas do patriarcado e das ligações entre feminismo e ecologia vai muito além do arcabouço da ecologia social. Os ecofeministas vêem a dominação patriarcal de mulheres por homens como o protótipo de todas as formas de dominação e exploração: hierárquica, militarista, capitalista e industrialista. Eles mostram que a exploração da natureza, em particular, tem marchado de mãos dadas com a das mulheres, que têm sido identificadas com a natureza através dos séculos. Essa antiga associação entre mulheres e natureza liga a história das mulheres com a história do meio ambiente, e é a fonte de um parentesco natural entre feminismo e ecologia. Conseqüentemente, os ecofeministas vêem o conhecimento vivencial feminino como uma das fontes principais de uma visão ecológica da realidade. Novos valores Neste esboço do paradigma ecológico emergente, enfatizei até agora as mudanças nas percepções e nas maneiras de pensar. Se isso fosse tudo o que é necessário, a transição para um novo paradigma seria muito mais fácil. Há, no movimento da ecologia profunda, um número suficiente de pensadores articulados e eloqüentes que poderiam convencer nossos líderes políticos e corporativos acerca dos méritos do novo pensamento. Mas isto é só parte da história. A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores. É interessante notar aqui a notável conexão nas mudanças entre pensamentos e valores. Ambas podem ser vistas como mudanças da auto-afirmação para a integração. Essas tendências - a auto-afirmativa - são aspectos essenciais de todos os sistemas vivos. Nenhuma delas é, intrinsecamente, boa ou má. O que é bom, ou saudável, é um equilíbrio dinâmico; o que é mau, ou insalubre, é o desequilíbrio - a ênfase excessiva em uma das tendências em detrimento da outra. Agora, se olharmos para a nossa cultura industrial ocidental, veremos que enfatizamos em excesso as tendências auto-afirmativas e negligenciamos as integrativas. Isso é evidente tanto no nosso pensamento como nos nossos valores. Uma coisa que notamos ao examinar essas tendências opostas lado a lado é que os valores auto-afirmativos - competição, expansão, dominação - estão geralmente associados a homens. De fato, na sociedade patriarcal, eles não apenas são favorecidos como também recebem recompensas econômicas e poder político. Essa é uma das razões pelas quais a mudança para um sistema de valores mais equilibrados é tão difícil para a maioria das pessoas, em especial para os homens. O poder, no sentido de dominação sobre outros, é a auto-afirmação excessiva. A estrutura social na qual é exercida de modo mais efetivo é a hierarquia. De fato, nossas estruturas políticas, militares e corporativas são hierarquicamente ordenadas, com os homens geralmente ocupando os níveis superiores, e as mulheres, os inferiores. A maioria desses homens, e algumas mulheres, chegaram a considerar sua posição na hierarquia como parte de sua identidade e, desse modo, a mudança para um diferente sistema de valores gera neles medo existencial. No entanto, há outro tipo de poder, um poder mais apropriado para o novo paradigma - poder como influência de outros. A estrutura ideal para exercer esse tipo de poder não é a hierarquia, mas a rede, que é também a metáfora central da ecologia. A mudança de paradigma inclui, dessa maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes. Ética Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia profunda; é, de fato, sua característica definidora central. Enquanto o velho paradigma está baseado em valores antropocêntricos (centralizados no ser humano), a ecologia profunda está alicerçada em valores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências. Quando essa percepção ecológica profunda torna-se parte de nossa consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo. Essa ética ecológica profunda é urgentemente necessária nos dias de hoje, especialmente na ciência, uma vez que a maior parte daquilo que os cientistas fazem não atua no sentido de promover a vida nem de preservá-la, mas sim no sentido de destruir a vida. Com os físicos projetando sistemas de armamentos que ameaçam eliminar a vida do planeta, com os químicos contaminando o meio ambiente global, com os biólogos pondo à solta tipos novos e desconhecidos de microorganismos sem saber as conseqüências, com psicólogos e outros cientistas torturando animais em nome do progresso científico - com todas essas atividades em andamento, parece da máxima urgência introduzir padrões "ecoéticos" na ciência. Geralmente, não se reconhece que os valores não são periféricos à ciência e `tecnologia, mas constituem sua própria base e força motriz. Durante a revolução científica no século 17, os valores eram separados dos fatos, e desde essa época tendemos a acreditar que os fatos científicos são independentes daquilo que fazemos, e são, portanto, independentes dos nossos valores. Na realidade, os fatos científicos emergem de toda uma constelação de percepções, valores e ações humanos - em uma palavra, emergem de um paradigma - dos quais não podem ser separados. Embora grande parte das pesquisas detalhadas possa não depender explicitamente do sistema de valores do cientista, o paradigma mais amplo, em cujo âmbito essa pesquisa é desenvolvida, os cientistas são responsáveis pelas suas pesquisas não apenas intelectual mas também moralmente. Dentro do contexto da ecologia profunda, a visão segundo a qual esses valores são inerentes a toda a natureza viva está alicerçada na experiência profunda, ecológica ou espiritual, de que a natureza e o eu são um só. Essa expansão do eu até a identificação com a natureza é a instrução básica da ecologia profunda. (*) O texto aqui apresentado é um excerto do capítulo 1, "Ecologia Profunda - Um Novo Paradigma", de A Teia da Vida - Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos, recém-lançado no Brasil pela Editora Cultrix. Tradução: Newton Roberval Eichemberg. Revista Nova Era n.5 - Um Guia para a Era de Aquário é uma publicação da PLANETA.

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/Rumo_Ecologia_Profunda_1263222258.pdf

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http://w3.ufsm.br/gpet/files/Historia%20das%20agriculturas%20no%20mundo%20-%20Mazoyer%20e%20Roudart.pdf




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Cartilha: Notas sobre a história da agricultura através do tempo

Essas “notas foram escritas para um curso de formação de Monitores Agrícolas no MEP (Movimento de Educação Popular) do Espírito Santo, em maio de 1988. É uma pequena contribuição para o debate, entre agricultores e agricultoras, dos principais sistemas agrários que marcaram a história da agricultura.

Rio de Janeiro, maio de 1989



= = = = Ecologia Libertária \ Anarquismo Verde \ Eco-Anarquismo

O Anarquismo Verde ou eco-anarquismo ou, ainda, ecologia libertária é uma corrente anarquista nascida nos anos 1970, no bojo do movimento antinuclear. Além de se opor à autoridade e à hierarquia, critica a tecnologia, como forma de dominação da natureza pelo homem.

Propõe a auto-organização, a autogestão das coletividades, o mutualismo e, além disso, segundo os anarquistas verdes, o movimento libertário, para evoluir, deve rejeitar o antropocentrismo e realizar uma mudança radical nas relações entre homem e natureza.

O eco-anarquismo baseia-se nos trabalhos teóricos do geógrafo Élisée Reclus e de Piotr Kropotkin e é próximo da ecologia social, elaborada pelo americano Murray Bookchin.


https://pt.wikipedia.org/wiki/Anarquismo_verde#Ecologia_social

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Piotr_Kropotkin#Ideais_e_reflex.C3.B5es

Kropotkin nasceu na cidade de Moscou em 21 de dezembro de 1842, no seio de uma família da nobreza russa. Seu pai, o príncipe[nota 2] Alexei Petrovich Kropotkin, era dono de grandes extensões de terra espalhadas por três províncias russas, dispondo de mais de mil e duzentos servos a seu serviço.[3] A linhagem genealógica da qual fazia parte ele e seu pai remetia a casa real de Rurik que governara Moscou antes dos Romanov.[4]
Sua mãe, Yekaterina Nikolaevna Sulima, era filha de um importante general russo,[5]que apesar deste fato recebera uma educação aberta e se interessava principalmente por atividades artísticas como a literatura e a pintura. Sulima fora em parte a responsável pela primeira educação do jovem Piotr, que ainda no início de sua adolescência, passada entre Moscou e a casa de campo da família em Kaluga, teve contato com escritos de PushkinNekrasov e Chernyshevsky, graças aos tutores escolhidos por sua mãe para sua educação.
Por ordem do próprio czar Nicolau I,[6] em 1857, aos doze anos teve que ingressar no Corpo de Pajens em São Petersburgo que há época era a academia mais seleta de toda a Rússia fornecendo educação para apenas 150 meninos, em sua maioria filhos da realeza palaciana. O principal objetivo desta instituição focava-se formação de assessores e funcionários de elite do Império Russo.

Imagem da cidade de Moscou em meados do século XIX.
Ainda que Kropotkin detestasse a disciplina militar de sua escola e rapidamente tenha adquirido a reputação de rebelde, sua formação acadêmica foi intensiva, pautada por uma matriz de ensino racionalista e liberal com forte ênfase em ciências. Nesta instituição formou-se nas matérias de astronomiafísicahistórialiteratura e filosofia. Foi nela também que conheceu a obra dos enciclopedistas franceses e teve o primeiro contato com as ideias evolucionistas de Jean-Baptiste de Lamarck que tanto marcariam a sua formação científica

Naturalismo

Em sua faceta de naturalista, Piotr Kropotkin difundiu a importância da cooperação como fator chave na evolução paralelo à competição. Kropotkin esboçou em seu mais famoso trabalho Mutualismo: Um Fator de Evolução os princípios gerais da mutualidade entre humanos, a partir de suas pesquisas nas expedições científicas à Sibéria. Esta obra foi escrita inicialmente em inglês e em francês e rapidamente tornou-se popular em outros idiomas como o espanhol, atualmente podem ser encontrados exemplares de seus escritos em múltiplos idiomas.
Em Mutualismo, Kropotkin faz contraposição às ideias de Thomas Henry Huxley e de Herbert Spencer (considerado por muitos o pai do darwinismo social) que baseados na seleção natural defendiam a necessidade de competição entre indivíduos e grupos sociais para o processo de evolução de uma sociedade. Outro argumento do darwinismo social ao qual Kropotkin fez frente foi a ideia de que a competição entre diferentes sociedades permitiria com que as melhores se sobressaíssem e as piores definhassem e desaparecessem

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Dos anos 60, séc. XX, até a atualidade, popularizou–se a revalorização das teses e práticas "libertárias anarquistas", o surgimento e valorização de movimentos étnicos, indígena e negro por exemplo, de gênero e anti–patriarcais, gays, lésbicas e mulheres, e a verdadeira "febre"” que é o "movimento ecológico internacional", sendo isto, em muito, herdeiro de um arcabouço teórico de origem anarquista, tendo como exemplo evidente a obra "Campos, fábricas e oficinas", de Pedro Kropotkin, e um dos seus lemas mais importantes é sintomático em relação a isto, "pensar globalmente, agir localmente". Apesar deste florescimento de movimentos, ousadias intelectuais e ativistas, o mundo não se tornou uma grande "aldeia–livre".
Estas novas concepções, e as resgatadas, de movimentos e visões de mundo ainda estão sendo digeridas, e talvez o seu pleno potencial ainda seja embrionário e contraditório. Conflitos entre estes elementos não foram totalmente superados, e isto somente a prática social quotidiana poderá silenciosamente responder.
Para assinalar a partir do campo da ação e reflexão anarquista pode ser exemplificada brevemente ao nível geral a polêmica surgida recentemente a respeito da Ecologia social e da Ecologia profunda. Tentar-se-á tratar deste tema como um todo.
Com a popularização das "teses" políticas e ecológicas colocadas em pauta em todo mundo, mais fortemente a partir dos anos 60, nasceram duas vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são a ecologia social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a obra de Murray Boockchin, anarquista norte–americano membro fundador do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e a chamada “Ecologia Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotada pela "eco-guerrilha", ou sabotagem ecológica, pela organização chamada Earth First!, "A Terra Primeiro!", fundada inicialmente nos EUA em 1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente descentralizada, não–violência, ação direta e ecologia profunda.
Entre estas duas vertentes existe uma certa animosidade mútua principalmente no campo teórico, já que a militância da EF! é mais forte e contem muitas individualidades e organizações ácratas. A EF! acusa os ecologistas sociais de excessivamente "antropocêntricos", preocupados apenas com a remediação dos problemas ecológicos, vendo apenas uma parte da vida, o homem, e não atentando para o todo do planeta, a Mãe Terra, categoria forte na EF!. Da parte dos Ecologistas sociais, aviso, nem todos de matriz anarquista já que a ecologia social se pretende enquanto uma das diversas subdivisões da ciência, acusam a Ecologia profunda de misantrópica, alienada das questões sociais e excessivamente "biocêntrica". Na linha de frente desta crítica está o próprio M. Boockchin. Como podem ver, está formada uma querela. Embora o próprio M. Boockchin no seu trabalho "Por uma ecologia social", reconheça a proximidade nos últimos tempos da EF! com a IWW, órgão sindical de orientação libertária, fato deveras inovador neste país onde o sindicalismo tem a tendência e tradição de ser corporativo e atrelado ao paradigma do credo industrial capitalista.
Para complicar um pouquinho mais este quadro, há a posição de setores anarco–sindicalistas portugueses da FAI que acusam os signatários das teses do Boockchin de "neo–anarquistas" de direita, que abandonaram "a luta dos trabalhadores". Fazendo uma breve análise destas questões, no caso específico dos anarco–sindicalistas, existe um equívoco em relação a este assunto. Primeiro por que estes não consideram estas questões. As suas avaliações são realizadas em categorias cristalizadas, desconectadas com o real, feitas na maioria das vezes de forma apriorística, e não que os companheiros sejam obrigados a uma “concordância” inexorável e a se tornarem PhDs em ecologia social, mas um pouquinho de sensibilidade e menos ortodoxias ajudariam bastante a sensibilizarem–se a novas e pertinentes questões. Talvez em Portugal seja um pouco como no Brasil. Em segundo, o anarco–sindicalismo ainda está atrelado ao paradigma da "luta econômica industrialista", sendo que é observado que esta tendência e as suas organizações não são mais um movimento preponderante, e nem representam mais uma alternativa concreta de transformação social. Sua preocupação primordial é promover a luta econômica industrial com tintas "anárquicas", mas estes hoje apenas sobrevivem em formas mumificadas e em discursos radicalmente ultrapassadas, convertendo–os assim em ortodoxos.
Em relação à dicotomia Ecologia Profunda e Ecologia Social, a questão às vezes é meio espinhosa, mas mesmo assim há de se aprender muito com a prática e a teoria das duas vertentes. A princípio, deve-se observar e esclarecer que no caso da Ecologia social esta não consiste numa organização e sim em uma elaboração teórica e proposta, como tantas outras teses anarquistas: o apoio mútuo, a desobediência civil, a ação direta, a autogestão etc. Nos EUA esta prática habita duas esferas: a acadêmica, como uma espécie sui generis de transdiciplinaridade, e o ponto programático, idéia-força, tese e princípio dos grupos organizados anarquistas. Porém existem grandes polêmica sobre os limites desta última esfera por parte de outros ecólogos sociais.
No caso da Ecologia Profunda, esta pode ser considerada como um conjunto de princípios éticos sobre toda forma de vida no planeta, seja humana ou não-humana, como são trabalhadas as categorias de discurso por parte dos ecólogos profundos. Como foi dito antes, a principal organização política que adota esta teoria é a já referida EF!, mas também há a incorporação de pequenos grupos pacifistas e de direitos e liberação animal.
A EF! advoga uma profunda transformação nas estruturas econômicas, políticas e das mentalidades. As suas "ações diretas" de eco-sabotagem são contra os agentes diretos da poluição e depredação da natureza. O alvo principal é o grande capital das megacorporações transnacionais e também nacionais. Tem se observado que nos últimos anos, nas fileiras da EF!, tem crescido bastante o número de militantes de orientação anarquista.
Visto isso, pode-se interpretar que as posições de luta pela melhoria da qualidade de vida das comunidades humanas com uma conseqüente transformação "profunda" da sociedade a pressupostos de defesa de quaisquer formas de vida e seus ecossistemas não são contraditórios e nem oponentes. A dicotomia entre antropocentrismo e biocentrismo é falsa. Mas ocorre um fato além da vaidade e briga por espaço político. Acontece realmente que adeptos da Ecologia profunda, eventualmente, e alguns setores, têm a tendência há um certo "fundamentalismo biológico preservacionista", e talvez isto seja reflexo das proposições do próprio Foreman. Mas o seu empenho ativista, dedicação e base ética bem constituída na esfera da condução filosófica do ativismo, são invejáveis, mesmo se estes ainda engatinharem na clareza de sua análise social para a "comunidade humana". Enquanto que com a ecologia social, esta tem claras e objetivas propostas em relação ao social, mas apenas principia-se em uma visão mais holística com outros elementos vitais ao ser humano e à vida. Prendem-se a vícios do passado que também atrapalham com que esta visão se amplie.
Estas teses e proposições ideológicas, metodológicas, filosóficas, científicas, práticas e éticas devidamente criticizadas são possivelmente intercambiáveis aqui no Brasil. Jamais devemos ser certos de nossas certezas em demais pois isto atrofia a prática, esteriliza a reflexão e dogmatiza o espírito, mas mesmo assim nas condições tropicais brasileiras talvez seja possível florescer uma "Ecologia social de visão profunda" como uma linha de interpretação do mundo e linha de ação. O nosso patrimônio biológico, multicultural, humano e social podem contribuir muito para com a nossa própria sociedade e por que não com o próprio planeta. Esta temática e este tipo de proposta com certeza enfrentaram (e enfrentam) resistências infundadas ou talvez preconceituosas.
Dado que os anarquistas brasileiros, muitos, mas não todos, sofrem de uma estranha doença "da auto-afirmação", depois de anos de inação e auto-enclausuramento em conventos culturalistas, agora que estes estão começando a despertar para a ação nas gerações mais recentes sofrem desta estranha patologia, que é repetir retoricamente um anarco-comunismo datado combinado aos vícios da visão anarco-sindicalista com práticas de análise em “dogmatismos principistas” da esquerda tradicional. Mas esta crítica está associada apenas aos reprodutores da “velha escola” e “culturalistas de classe média” por que já existe uma nova geração composta de elementos sinceros e tolerantes que estão trabalhando para alavancar as lutas sociais vitais para a nossa sociedade.
Pois é nítido, empiricamente comprovado, que o paradigma cartesiano-mecanicista, “industrialista” e utilitarista-econômico hoje, com o processo de globalização, porá em cheque a humanidade e quaisquer formas de vida ameaçando severamente a Mãe Terra.
A militância libertária para este princípio de terceiro milênio além de não transigir com os seus princípios vitais incorporados nas lutas populares, deve ter uma atuação prática dentro de uma visão multidimensional, ou seja, signatária de novos paradigmas Holísticos e transdiciplinares filosóficos-científicos como também otimisadores de outras tradições, saberes; o intuitivo com o racional conjugado com os saberes populares e comunitários, e também dos saberes milenares dos povos ancestrais “originários”, africanos, indígenas e etc. Pois urge cada vez mais o rompimento com as metafísicas mistificadoras religiosas tanto quanto com os vícios e males do materialismo. Deixemos isto para o marxismo.
Neste tempo de demanda por transformações politico–sociais, é contatado que novas formas de conhecimento como a ecologia, que por acaso significa o “estudo da casa”, ou seja ambiente, universo, requer o trabalho sócio-cultural da consciência ambiental irmanado com a questão econômica. Economia significa administração da casa, do ambiente. Para continuarmos a viver e não meramente sobreviver como humanos devemos entender e lutar por quem vai “administrar”, respeitar ou arrumar a casa. Nós todos ou uma casta genocida?
Tanto se fala entre os anarquistas brasileiros e outros ativistas populares na defesa de uma concepção de acordo com a cultura popular brasileira e latino-americana e se faz tão pouco para implementá-la. O paradigma Holístico é uma janela que se abre para esta questão.
Afinal de contas o termo libertário hoje é um conceito muito amplo. Ele não é mais de nenhuma forma monopólio dos anarquistas, devemos ter consciência disto, pois dentro dos próprios princípios dos “autonomistas” europeus, por exemplo, admite-se que em outras culturas, de outros continentes surjam formas diversas de “libertários”. Os “Resistentes”, “Magonistas” e “Zapatistas” podem enquadrar-se neste caso, ou seja, sermos globais, internacionalistas, sem esquecermos de quem somos ou dos nossos rituais culturais comunitários.
O que se entende por "libertários" são aqueles que lutam e ao mesmo tempo têm como princípio a liberdade. Isto dado não apenas numa forma idealizada e abstrata, metafísica, e sim com práticas concretas como, ação direta, descentralização, democracia direta horizontalizada, fóruns coletivos públicos de deliberação e federalismo. Dentro destes princípios existe hoje uma grande multiplicidade de correntes e movimentos sociais adeptos tais como os autonomistas, movimento Zapatista no México, movimento Okupas na Espanha, movimentos ecológicos, ação global dos povos, movimentos indígenas etc. Somente dialogando apoiando, agindo conjuntamente e incentivando estas iniciativas contra o verdadeiro adversário da humanidade que é o capitalismo “globalitarista” promotor de guerras, genocídios e ecocídios, somente através de alianças em “rede” e horizontalizadas que as pessoas poderão resistir “globalmente.”
Desconstruindo quaisquer formas de obscurantismos, mentalidades confortantes e acomodadas mal-disfarçadas de principismo, poderá se construir uma democratização econômica com a descentralização produtiva, com gestão comunitária em rede gerando empregos saudáveis e para todos em oposição às concentrações da produção industrial que é hierárquica, sexista, anti-humana e poluidora. Características típicas da economia capitalista.
Pode-se afirmar que a vida na terra seja humana e não-humana, seja comunitária e que os ecossistemas estão além do que nossas arbitrárias medidas de valores supõem.
Para esclarecer melhor o que foi discutido neste ensaio é recomendada a leitura de obras dos autores clássicos tais como Petr Kropotkin, os irmãos Reclus e de autores recentes como Felix Guatarri, Cornelius Castoriadis, Fritjof Capra, Michel Foucault, Arne Naess, Murray Boockchin, Lewis Munford e Pierre Clastres.
Concluindo, para se trabalhar de forma concreta a consciência ambiental e ecológica, de nossa casa que é o mundo, com um processo de aprofundamento da tomada de consciência social é pertinente se trabalhar na educação popular incluindo na sua área temática e didática a educação ambiental. E esta Educação popular pode apoiar-se no seguinte tripé temático: pedagogia libertária, estudo e aplicação da ecologia social mesclada à ecologia profunda e práticas técnicas para a melhoria direta da comunidade feita em regime de mutirão.
A pedagogia libertária é a educação na vida e a ecologia é a ética na ciência conjugando um “modo de vida” voltado para a vida.
Coletivo Domingos Passos - São Gonçalo, 2001.

https://www.nodo50.org/insurgentes/textos/nos/08ecologiapelegagem.htm



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https://www.youtube.com/watch?v=nOb7vWXgcH0

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http://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/viewFile/8675/6448


No artigo intitulado “O conceito de ecologia social”, de
1985, Murray Bookchin, anarquista nascido nos Estados
Unidos, alertava contra alguns discursos que emergiam
diante da constatação de uma crise da exploração do planeta.
O autor a%rma que, se as transformações que despontaram
na década de 1960 em meio à explosão de uma
contracultura aberta ao sentido de uma grande mudança
social, com novos estilos de vidas comunitários, novos valores
de sensibilidade, música, linguagem, etc., os anos seguintes
anunciavam um retrocesso. Bookchin distingue o
pensamento ecológico que emergiu com força nos anos
1960, de um ambientalismo que se insinuava. Na medida
em que o meio ambiente é passivo à intervenção humana,
“o ‘ambientalismo’ tende a reduzir a natureza a um depósito
de ‘recursos naturais’ ou ‘matérias primas’” (p. 133); a ecologia,
ao contrário, seria “o equilíbrio dinâmico na natureza, a
interdependência entre o vivo e o inanimado” (p. 134).





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https://www.ufrgs.br/bioetica/ecoprof.htm


Ecologia Profunda 
Prof. José Roberto Goldim

A Ecologia Profunda foi proposta pelo filósofo norueguês Arne Naess em 1973 como uma resposta a visão dominante sobre o uso dos recursos naturais. Arne Naes se inclui na tradição de pensamento ecológico-filosófico de Henry Thoreau, proposto em Walden, e de Aldo Leopold, na sua Ética da Terra. Denominou de Ecologia Profunda por demonstrar claramente a sua distinção frente ao paradigma dominante. no Brasil, nesta mesma época, o Prof. José Lutzemberger já propunha idéias semelhantes e desencadeava o movimento ecológico brasileiro com a criação da AGAPAN (Associação Gaucha de Proteção ao Ambiente Natural).
O quadro abaixo demonstra, pelo menos em parte, as propostas de Arne Naess e as suas diferenças frente a visão de mundo predominante.

Visão de Mundo
Ecologia Profunda
Domínio da Natureza
Harmonia com a Natureza
Ambiente natural como 
recurso para os seres humanos
Toda a Natureza tem valor intínseco
Seres humanos são superiores 
aos demais seres vivos
Igualdade entre as 
diferentes espécies
Crescimento econômico e material 
como base para o 
crescimento humano
Objetivos materiais 
a serviço de objetivos maiores de 
auto-realização
Crença em amplas 
reservas de recursos
Planeta tem 
recursos limitados
Progresso e soluções 
baseados em alta tecnologia
Tecnologia apropriada e 
ciência não dominante
Consumismo
Fazendo com o necessário e 
reciclando
    Comunidade nacional 
    centralizada
Biorregiões e 
reconhecimento de 
tradições das minoriais


Naess A. The shallow and the deep, long-range ecology movements: a summary. Inquiry 1973;16:95:100.



Aldo Leopold

Ética da Terra
Definição de Potter - 1998 (Bioética Profunda)
Evolução da Definição de Bioética
Material de Apoio - Conceitos Básicos
Página de Abertura - Bioética

Texto incluído em 22/01/1999
(C)Goldim/1999

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http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/Rumo_Ecologia_Profunda_1263222258.pdf


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1 Anarquismo, contracultura e imprensa alternativa: a história que brota das margens João Henrique C. Oliveira 1 Introdução Na segunda metade do século XX uma nova configuração geopolítica marca um cenário sócio-econômico em que o progresso tecnológico torna-se o mantra predileto dos principais atores da nova ordem, que brota sobre as ruínas da II Guerra. Estados Unidos e União Soviética (URSS) desfilam seus totens da eficiência tecnocrática: 2 viagens espaciais, mísseis, bombas, espionagem, bazófias e fanfarronices de uma guerra retórica... e fria. Tanto a ditadura do mercado (leia-se capitalismo) quanto a ditadura do partido sobre o proletariado (entenda-se “socialismo” ou “comunismo”) são irmãos siameses que vestem suas metades de forma diferente, procurando reforçar dessemelhanças e disfarçar lógicas em comum. Na prática, representam as velhas máquinas estatais encimadas por elites dirigentes portadoras de um discurso falsamente racional, endossado pela ciência e respaldado pelo aparato de propaganda. Poucos foram tão perspicazes quanto Herbert Marcuse ao captar as feições da sociedade industrial contemporânea. 3 Para ele, o bloco capitalista estaria marcado pela chamada “dessublimação repressiva”. Ou seja: a suposta “sociedade livre” oferecia conforto material às camadas médias dos países centrais e havia uma liberdade relativa. Tal liberdade, todavia, era essencialmente voltada ao consumo ou para a escolha entre opções predeterminadas. Dentre as camadas médias urbanas dessas sociedades abastadas estava boa parte da classe operária e dos líderes sindicais. Assim, o ímpeto revolucionário que marcara 1 Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Grupo de Estudos do Anarquismo (GEA), ligado ao Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC/UFF). Este artigo é um pequeno recorte de uma pesquisa recém concluída: Do underground brotam flores do mal – Anarquismo e contracultura na imprensa alternativa brasileira (1969-1992). 2 Tecnocracia: forma de governo que justifica seus atos pelos avanços científicos e tecnológicos. Característica dos dois blocos antagônicos da Guerra Fria. Estabelece-se sobre dois pilares: o antropocentrismo e o progresso. Pode estar subjacente a democracias liberais ou regimes totalitários. 3 Para uma apreciação mais detalhada do pensamento de Herbert Marcuse, vale ler pelo menos três de seus livros mais importantes: Eros e civilização (1968), Ideologia da Sociedade Industrial (1969) e Contra-revolução e revolta (1973). Todas as obras foram editadas pela editora Zahar, do Rio de Janeiro. Os anos entre parênteses são os das edições consultadas. 2 historicamente a categoria era chutado para escanteio em troca das benesses do welfare state. Essa acomodação foi maior nessa geração mais antiga, que acaba por enfrentar os jovens que não passaram pelo terror das duas guerras e tinham energia de sobra para agitar velhas esquerdas acomodadas. As observações de Marcuse e de outros pensadores também serviram de combustível para essa juventude que percebia que a propalada “revolução socialista” na URSS havia se transformado numa estrutura fechada e burocrática. A racionalidade tecnológica tornara-se a racionalidade política, e o progresso material servia de disfarce ao totalitarismo intrínseco aos dois sistemas supostamente “antagônicos”. Para Marcuse, A tecnologia serve para instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle social e coesão social. A tendência totalitária desses controles parece afirma-se ainda em outro sentido – disseminando-se pelas áreas menos desenvolvidas e até mesmo pré-industriais e criando similaridades no desenvolvimento do capitalismo e do comunismo. 4 O clima pós-Segunda Guerra favoreceu, portanto, uma autocrítica no interior das esquerdas. Da mesma forma, a revelação dos crimes do stalinismo nos anos 50 provocou um baque nas fileiras do marxismo-leninismo. Muitos intelectuais romperam com as diretrizes de seus partidos comunistas locais (orientados pela cartilha de Moscou) e endossaram o que passaria para a história como o movimento das Novas Esquerdas. O marxismo se fragmentava em diversas correntes. Outros discursos revolucionários reivindicavam mais espaço. O ambiente depois de Hiroshima e Nagasaki também era de pavor diante da potencialidade destrutiva das máquinas de guerra. Daí que o autoritarismo inerente a qualquer tipo de Estado passa a ser recusado pelos que não queriam compactuar com aquilo. Entre os mais jovens – os filhos do baby boom – ganhava vulto um clamor a práticas e teorias libertárias, que também teriam de se refletir na ação política. Da mesma forma, aumentava a contestação aos valores clássicos da sociedade ocidental, visto que foram estes mesmos valores que conduziram a humanidade à possibilidade da hecatombe nuclear. O primado da razão científica (valorizado por ambos os blocos da Guerra Fria) começava a ser abalado por pensadores que perceberam os usos ideológicos dos avanços da ciência. Por outro lado, o 4 MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1969, p. 18. 3 ritmo acelerado do capitalismo e a voracidade também devastadora dos mega-Estados de inspiração marxista fazem acender o alerta para as questões ambientais. Portanto, não fazia mais sentido falar apenas em luta de classes, proletários contra burgueses, exploração econômica, ou qualquer outra coisa que se limitasse ao mundo da economia política. Novas questões, novas agendas, novas atitudes entram em cena. Estudos investem na análise das estruturas de poder diluídas no cotidiano. A exploração e o autoritarismo não deviam ser encarados apenas no âmbito da relação patrão-empregado; eles deviam ser revelados e denunciados nos ambientes menos usuais, como na escola, na família ou no casamento. A partir daí poderemos entender como e por que o anarquismo foi uma das influências do pensamento radical pós anos 50. Isso porque, guardando as devidas proporções históricas, muitos anarquistas tocaram nestas questões muito antes de se falar de contracultura, Maio de 68 ou esquerdismo. O ponto fundamental que propomos explorar aqui é aquilo que aproxima o ideário de diversos grupos sociais do após-Guerra com as filosofias e táticas anarquistas de outros tempos. Ou seja: os jovens dos anos 60/70 haviam percebido que uma mera mudança de sistemas político-econômicos não fundaria uma nova sociedade. Havia, sim, a necessidade de uma mudança moral, que levasse mais afetividade às relações sociais, que trouxesse a política para perto, que aumentasse os canais de participação democrática e que respeitasse a liberdade e a diversidade. Pois as duas opções hegemônicas de Estados nacionais forneciam sonhos falsos de felicidade (pelo consumo ou pela suposta igualdade) e escancaradamente punham para operar seus enormes sistemas de repressão. Participação anarquista nos movimentos sociais pós-Segunda Guerra O anarquismo se apresenta aos e nos movimentos dos anos 60 como elemento de influência, infiltrando-se em discursos heterogêneos. Essa participação difusa foi maior do que como movimento orgânico, composto por bases relativamente numerosas e ideologicamente coesas. Nesse sentido, o historiador Francisco Foot Hardman procura demarcar bem as diferenças entre aquele anarquismo histórico (umbilicalmente ligado ao universo operário) e as propostas “anarquizantes” retomadas nos anos 60: 4 [...] houve uma ruptura entre o movimento anarquista mundial que interveio na luta de classes até a guerra civil espanhola, início da II Guerra Mundial, e, posteriormente, as gerações que reapareceram já nos anos 60, retomando propostas “anarquizantes”, estando filiadas, contudo, não mais ao movimento operário e sim a movimentos radicais da pequena burguesia nas Universidades, nos meios artísticos, nas manifestações da juventude na Europa e nos EUA, marcadas pelos signos de maio de 68 e Woodstock. 5 Aquela antiga base social fora solapada por diversos flancos. No campo das esquerdas, a consolidação de estados de inspiração marxista-leninista gerou duas forças de desagregação: primeiro, com a migração de alguns militantes para partidos “comunistas” após a Revolução Russa; segundo, com a perseguição exercida por aqueles mesmos estados “socialistas”, ávidos em eliminar seus opositores. No campo das direitas, os regimes fascistas ou liberais caçaram anarquistas e radicais em geral de modo impiedoso. Mas as idéias prevalecem, seguem na memória de alguns, são conservadas e repassadas. Nas décadas seguintes aos anos 30, o anarquismo continua exercendo influência intelectual considerável. Pois, como disse Woodcock, de forma bem poética: Por ser na sua essência um feixe antidogmático e não-estruturado de atitudes relacionadas, que para existir não depende de nenhuma organização permanente, o anarquismo pode florescer quando as circunstâncias são favoráveis e, em seguida, como uma planta de deserto, continuar latente por estações e até mesmo por anos, esperando pelas chuvas que o farão desabrochar. 6 Assim, já nos anos 40 e 50, o ideário anárquico será retomado por uma juventude que começava a observar as falhas e falácias dos dois sistemas dominantes da Guerra Fria. Paradoxalmente, nos países onde a tradição havia sido mais forte – como na Rússia e na Espanha – os anarquistas vergaram sob a pressão de regimes totalitários que se estabeleceram (boa parte da resistência passou a ser feita do exílio, como no caso espanhol). Contudo, nos 5 HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria, nem patrão! Vida operária e cultura anarquista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1983, p.76. 6 WOODCOCK, George. Anarquismo: uma história das idéias e movimentos libertários. Vol. 2: o movimento. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.300. 5 países mais liberais, como a Inglaterra e os EUA, o anarquismo “mostrou maior vitalidade no sentido de interpretar a tradição de novas maneiras”, na opinião de Woodcock. 7 No Reino Unido, o próprio Woodcock participa da reativação do Freedom, o velho jornal de Kropotkin, além de editar a revista literária Now. Já Herbert Read produz obras discutindo arte e pedagogia numa perspectiva libertária. Nos Estados Unidos, Paul Goodman renova a produção no campo da crítica social, com destaque para seu urbanismo inovador. E ainda nos anos 40/50, alguns escritores da geração beat também fazem referências ao anarquismo. 8 Há uma relação também entre anarquismo e alguns movimentos artísticos. É o caso dos surrealistas que, depois de flertarem com o comunismo e o trotskismo, aproximamse dos anarquistas nos anos 50. Nesse diálogo, André Breton, Benjamin Péret e outros artistas colaboraram em Le Libertaire, jornal da Federação Anarquista da França. Num artigo de janeiro de 1952, Breton declarava que: Foi no negro espelho do anarquismo que o surrealismo reconheceu-se pela primeira vez, bem antes de definir-se a si mesmo e quando era apenas associação livre entre indivíduos, rejeitando espontaneamente e em bloco as opressões sociais e morais de seu tempo. 9 Talvez não seja absurdo constatar que já havia historicamente uma tendência libertária no pensamento político e social. Como um grande conjunto, essa ampla filosofia libertária teria se desenvolvido ao longo dos tempos, desde a Antiguidade. Por exemplo, essa é uma opinião de Nicolas Walter, outro intelectual que ajudou a revalorizar o anarquismo nos anos 60. Num texto de 1969 ele falava sobre “anarquistas instintivos” de tempos distantes: 7 Ibid., p.302. 8 A relação entre os beatniks e o anarquismo é bastante indireta, já que esses escritores possuíam um leque bastante eclético de referências, que incluíam a filosofia oriental, as experimentações psicodélicas e até mesmo a noção de “escrita automática” dos surrealistas. De qualquer forma, Allen Ginsberg já foi chamado de “o grande rebelde romântico e poeta-anarquista contemporâneo” pelo tradutor Cláudio Willer (Cf. GINSBERG, Allen. Uivo, Kaddish e outros poemas. Porto Alegre: L&PM, 1999, p.7); e, num de seus livros, Jack Kerouak fez referência a “velhos anarquistas ébrios, com os cabelos desgrenhados”, dando pistas de que o ideário ácrata estava presente entre a boêmia de seu tempo (Cf. KEROUAK, Jack. Os vagabundos iluminados. Porto Alegre: L&PM, 2004, p.15). 9 BRETON, A.; FERRUA, P.; PÉRET, B. (et.alli). Surrealismo e anarquismo. São Paulo: Ed. Imaginário, 2001, p.37. 6 Todos conhecem os anarquistas instintivos que se negam a fazer ou a crer no que lhes dizem precisamente porque lhes tenha sido ordenado. Ao longo da história, esta tendência se encontra nos indivíduos e nos grupos que se revoltam contra quem os governam. A idéia teórica da anarquia é, igualmente, muito velha: de fato, podemos encontrar a descrição de uma idade de ouro já passada, sem governo, no pensamento da China e da Índia antigas, do Egito, da Mesopotâmia, da Grécia e de Roma [...]. Mas a aplicação da anarquia à situação presente é mais recente e é apenas no movimento anarquista do século passado [isto é, do século XIX] que encontramos a exigência de uma sociedade sem governo, aqui e agora. 10 Portanto, no amplo conjunto de práticas e filosofias libertárias, teria se configurado, em determinado período histórico (notadamente entre os séculos XIX e XX), o anarquismo como um corpo doutrinário relativamente coeso, embora embarcando variadas correntes. Já nos anos 60/70, também apareceriam outros movimentos de caráter libertário, tais como os grupos de contracultura e até marxismos menos ortodoxos. Ser libertário não significaria, em tal acepção, ser necessariamente anarquista; mas parece quase impossível encontrar um anarquista que não se diga também um libertário. 11 “A na bola” pichado nos muros da contracultura Alguns teóricos entenderam a “contracultura” justamente como uma cultura minoritária, ou como “um conjunto de valores que contradizem os da sociedade dominante”.12 A partir daí, coexistem duas tendências. A primeira utiliza o conceito acima de fronteiras históricas, generalizando seu significado a outros períodos e movimentos sociais. Assim, seriam considerados “contraculturais” movimentos como a cristandade – na Jerusalém judaica e na Roma pagã – ou algumas seitas da Inglaterra do século XVII. 10 WALTER, Nicolas. Sobre o anarquismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Achiamé, s/d, pp.15-6. 11 O termo “libertário” data de 1850, quando o anarquista Joseph Déjacque (1821-1864) publicou o jornal Le Libertaire, nos EUA. Max Nettlau (1865-1944) diz que a expressão “comunismo libertário” foi usada no Congresso Anarquista Francês em 1880. A partir de 1890 se dissemina, na França, pois os ácratas evitavam uma identificação mais direta devido às duras leis contra os militantes. (As informações foram retiradas do Glossário publicado em CHOMSKY, Noam. Notas sobre o anarquismo. São Paulo: Imaginário/Sedição, 2004, pp. 207- 23). 12 OUTHWAITE, William (et.alli). Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p.134. 7 Uma segunda alternativa (que preferimos utilizar aqui) é tratar a contracultura como um fenômeno historicamente circunscrito, ainda que ela possa tomar como referência movimentos distanciados até por milênios. Interessa-nos, sobretudo, o conceito contemporâneo de contracultura, criado na imprensa para fazer referência “aos valores e comportamentos da mais jovem geração norte-americana dos anos 60, que se revoltava contra as instituições culturais dominantes de seus pais (...)”. 13 Um dos pioneiros nos estudos sobre a contracultura foi Theodore Roszak, que lançou um livro sobre o tema no final dos anos 60. 14 Sua obra é fundamental, mas contém todos os defeitos de uma pesquisa que procura entender um objeto sem que haja um mínimo de distanciamento temporal. Além disso, é um estudo nitidamente norte-americano: após a leitura, fica a impressão de que o principal vetor da contracultura parte somente dos EUA. Nessa linha, Roszak argumenta que os jovens estadunidenses teriam mais condições de implementar a resistência ao status quo porque, diferentemente dos europeus, não seriam tão influenciados pela tradição socialista. Outros autores, entretanto, defendem que grupos fora dos EUA teriam antecipado o que mais tarde viria a se tornar conhecido mundialmente por força da indústria cultural estadunidense. Um exemplo seria o Provos (termo derivado de “provocação”), que se forma na primeira metade dos anos 60, em Amsterdã, Holanda. Para Matteo Guarnaccia, pesquisador desse movimento, o Provos antecipou uma série de questões e atitudes que ganhariam o status de “contracultura” anos mais tarde. E um detalhe reforça nossa tese de que havia relações entre os jovens dos anos 60 e o ideário ácrata: os integrantes do Provos se assumiam como anarquistas e fundamentavam suas inserções políticas nos preceitos da ação direta. 15 Daí que o entendimento da contracultura como fenômeno amplo não deve ignorar, a nosso ver, o cenário europeu e principalmente as agitações nos meios estudantis. Richard Gombin, por exemplo, chamou a atenção para o fenômeno do esquerdismo, que ele define como “uma alternativa radical ao marxismo-leninismo”. 16 E, ao contrário do que julgava Roszak, a tradição socialista da Europa vai fornecer ao esquerdismo sua base teórica mais sólida, demonstrando que os movimentos juvenis do Velho Mundo dispunham, por vezes, de maior consciência política. Nesse sentido, não se negava o papel a ser desempenhado pela 13 Ibid., p.134. 14 Cf. ROSZAK, Theodore. A contracultura. Reflexões sobre a sociedade tecnocrática e a oposição juvenil. Petrópolis: Vozes, 1972. (A edição original data de 1968). 15 Cf. GUARNACCIA, Matteo. Provos. Amsterdam e o nascimento da contracultura. São Paulo: Conrad, 2001. 16 GONBIM, Richard. As origens do esquerdismo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1972, p.21. 8 classe trabalhadora numa eventual revolução (e as manifestações de Paris em 68, reunindo estudantes e operários, servem de prova). O que se criticava frontalmente era o “reinado” de cerca de 50 anos do marxismoleninismo, “monopolizando a direção ideológica do movimento revolucionário organizado”.17 Daí o combate à burocratização/reformismo dos sindicatos e partidos; ao patronato e à autoridade estatal; e às direções operárias. Nessa luta – não alinhada nem ao capitalismo, nem ao socialismo de Estado – tornam-se comuns referências ao ideário anarquista e/ou libertário: Lutando ao mesmo tempo contra as estruturas constrangedoras da sociedade global e contra o domínio das direções operárias, os trabalhadores reencontram reflexos muito antigos, que um Proudhon e um Bakunine haviam sentido melhor do que um Marx ou Lenine. 18 Esse posicionamento dos movimentos esquerdistas acabava por excluir tanto a social-democracia (por não ser revolucionária) e a chamada oposição comunista, entre os quais os maoístas e os trotskistas, por não negarem alguns princípios do marxismo. O esquerdismo, pelo contrário, não admitia dogmas como o da ditadura do proletariado, ao qual opunha o princípio de autonomia, contrário a esquemas autoritários, centralizadores, dirigistas e planificadores. Em suma, almejava-se uma sociedade socialista com autogoverno em todos os escalões, encampando uma luta em variadas frentes para fazer desaparecer alienações psicológicas, sexuais, culturais, ideológicas e econômicas. Tudo isso sem negar a tradição socialista, a qual Roszak entendia como travadora de uma mudança efetiva nas estruturas do ser e da sociedade. Um dos movimentos que representou essa corrente esquerdista foi o 22 de Março, formado pelos irmãos Daniel e Gabriel Cohn-Bendit. Um livro lançado pela dupla, no calor dos protestos de maio/junho de 68 em Paris, tratava de ironizar justamente uma das obras maiores de Lênin – intitulada A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo. Para os Cohn-Bendit, era justamente a hora de ressaltar a “senilidade” do leninismo no contexto de lutas no fim dos anos 60 com um provocativo título: O esquerdismo, remédio à doença senil do comunismo. 17 Ibid., p.12. 18 Id., ibid., p.19. 9 Assim, recuperam-se bandeiras históricas do anarquismo, como a autogestão, a greve geral e a abolição do conceito dirigente-dirigido. Negava-se o explícito vanguardismo em favor de uma maior pluralidade e diversidade de tendências políticas no ambiente revolucionário. Os Cohn-Bendit chegam a afirmar que a base para seu livro deve ser formada por uma antologia dos melhores textos situacionistas, anarquistas e “em menor grau, as revistas trotskistas”. 19 Para os Cohn-Bendit, todas as estruturas da sociedade deveriam ser politizadas; a divisão entre trabalho intelectual e manual teria de desaparecer; e as portas das universidades deveriam ficar abertas ao povo. Além disso, ficava patente a noção – bem característica da contracultura – de que a luta se daria em todas as frentes e de que a revolução deveria também ser um jogo. 20 Uma revolução total, subjetiva, alegre e imediata. Descubra uma nova maneira de se relacionar com sua companheira, ame de outra maneira, recuse a família. Não para os demais, mas com os demais; é para você que deve fazer a revolução. Aqui e agora. 21 A questão central é que, guardadas as devidas proporções históricas, o anarquismo chamado “clássico” já antecipara algumas das idéias e práticas políticas dos anos 60/70. Leia uns dez livros que falam de contracultura e perceba o quanto são recorrentes discursos e atitudes que valorizam a ação direta, a autonomia, a autogestão e a democracia direta. Tudo isso foi dito e praticado por grupos anarquistas no passado, mas com motivações sóciohistóricas bem particulares. Além disso, vemos outros traços como o antiautoritarismo, certa aversão aos partidos políticos tradicionais e o antimilitarismo (relacionado à luta antinuclear 19 COHN-BENDIT, Gabriel;__________, Daniel. El izquierdismo, remédio a la enfermedad senil del comunismo. Paris/Mayo-Junio 1968. México, D.F.: Editorial Grijalbo, 1969, p.20. Traduzido do texto em espanhol: “en grado menor, en las revistas trotskistas”. O “grau menor” usado pelos Cohn-Bendit se explica pelo fato já descrito por Gombin: as oposições comunistas não abandonavam por completo algumas premissas do marxismo-leninismo que não se adequavam ao “espírito” do esquerdismo. Tanto que os autores criticam, em outro ponto do livro, os “grupúsculos marxistas-leninistas de tipo bolchevique (trotskistas o pro-chinos)” que “no ven en el proletariado más que una masa a la cual hay que dirigir”. (Ver p.313). 20 Aqui, mais uma vez, faz-se necessária a remissão às influências anarquistas no contexto dos anos 60/70. A noção de revolução como um jogo é bastante próxima a uma célebre frase da anarquista de origem lituana Emma Goldman (1869-1940): “Se eu não puder dançar, não é minha revolução!”. Outra referência nesse sentido (e que foi muito aproveitada pelos anarquistas do grupo Provos) é a do livro do historiador holandês Johan Huizinga, Homo ludens, escrito em 1938, no qual o jogo é descrito como um dos aspectos fundamentais da história da humanidade. 21 COHN-BENDIT, Gabriel;__________, Daniel., op.cit., p.323. Tradução livre de: “Descubre una nueva manera de relacionarte con tu amiga, ama de otra manera, rechaza a la familia. No para los demás, sino con los demás; es para ti para quien haces la revolución. Aquí y ahora.” 10 no contexto específico dos anos 60/70). Se você acha, por exemplo, que foram os hippies que inventaram as comunidades alternativas, saiba que no final do século XIX o italiano Giovani Rossi tentava implantar no Brasil uma colônia anarquista de nome Cecília. Nessa comunidade, o amor livre foi discutido e, sobretudo, vivido muito antes da tal revolução sexual. Da mesma forma, na Espanha revolucionária dos anos 30, as mulheres anarquistas reivindicavam uma participação igualitária na sociedade revolucionária a ser construída e participavam de discussões sobre sexualidade. 22 Sob a sombra da ditadura: imprensa alternativa, contracultura e anarquismo no Brasil Rivaldo Chinem nos conta que entre “1964 e 1980 nasceram e morreram cerca de trezentos periódicos que se caracterizavam pela oposição intransigente ao regime militar”. 23 Desse amplo e heterogêneo conjunto, escolhemos sete periódicos para perceber as relações entre contracultura e anarquismo: O Pasquim (interessando, em particular, a coluna Underground, assinada por Luiz Carlos Maciel), Tribo, Soma, O Inimigo do Rei, Barbárie, Autogestão e Utopia. Todos lançados entre as décadas de 60 e 90, com uma área de concentração maior entre os anos 70 e 80. Segundo a classificação proposta por Leila Miccolis, 24 os primeiros três títulos da lista acima (O Pasquim/Underground, Tribo e Soma) identificar-se-iam mais com o que poderíamos chamar de “imaginário contracultural”. Os quatro últimos (O Inimigo do Rei, Barbárie, Autogestão e Utopia), embora aludam por vezes à temática da contracultura, investiriam mais no resgate/reafirmação dos princípios ácratas, ressignificados no contexto pós-68. Após a análise da coluna Underground (publicada no interior de O Pasquim entre 1970 e 1972), fica a impressão de que as referências de seu editor, Luís Carlos Maciel, estavam mais voltadas para a contracultura norte-americana. Não há diálogo direto com o 22 Para mais informações sobre a Colônia Cecília e a questão do amor livre, ver FELICI, Isabelle. “A verdadeira história da Colônia Cecília de Giovanni Rossi”. IN: Cadernos AEL. Anarquismo e anarquistas. Campinas: Unicamp, 1999. Sobre a participação feminina na Revolução Espanhola, ler RAGO, Margareth. “Amor, sexo e anarquia na Revolução Espanhola”. IN: Letralivre. Revista de cultura libertária, arte e literatura. Ano 6, nº. 33. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. 23 CHINEM, Rivaldo. Imprensa alternativa: jornalismo de oposição e inovação. São Paulo: Ática, 1995, p.7. 24 MICCOLIS, Leila (org.). Catálogo de imprensa alternativa. Rio de Janeiro: Centro de imprensa alternativa e cultura popular/Rio Arte, 1986. 11 anarquismo. Quando citado, vem das declarações de alguns grupos da contracultura, como o Living Theatre, um grupo de teatro independente que vivia uma experiência comunitária e tinha o anarquismo como influência teórica. Há mais referências a um discurso essencialmente psicanalítico, com destaque para Norman O’Brown (são inúmeras as vezes que Maciel discute ou apresenta textos desse autor). Por outras, são os aspectos religiosos/espirituais que são valorizados, como o zen budismo pregado por Alan Watts. Quando fala de Brasil, faz muitas referências ao grupo de artistas marginais representado por Waly Salomão, Hélio Oiticica, ou os mais conhecidos Caetano Veloso e Gilberto Gil. Tribo e Soma eram editados em menor escala, não tendo a visibilidade de O Pasquim. Mas, assim como Underground, também investiam na temática da contracultura: experimentalismo visual, busca de novas linguagens, diálogo com manifestações da indústria cultural (história em quadrinhos, rock’n’roll, cinema...), culto da estética psicodélica, entre outros tópicos. Mas esses dois jornais trouxeram discursos mais próximos de um imaginário radical que não negava as referências anteriores, como militância social, luta de classes e revolução. Assim, Tribo e Soma conseguem estabelecer pontes com um ideário mais plenamente revolucionário, sem abandonar os revolucionamentos estéticos, espirituais, comportamentais. Nessa linha, Tribo (um jornal de vida curta, com três números publicados em 1972) traz críticas aos problemas sociais em Brasília – cidade onde o tablóide surge, no meio estudantil – e faz referências indiretas (lembremos dos tempos de ditadura) às prisões injustas. Neste último caso cita a desobediência civil de Henry David Thoreau (1817-1862), descrito como “um dos primeiros anarquistas americanos”. E Tribo parecia querer fazer política justamente dessa forma “menos aparente”, nas entrelinhas, no discurso poético. Levando em conta a notória ignorância de muitos censores (e isso está fartamente documentado em diversas obras), a imprensa alternativa opôsse ao regime se aproveitando dessas brechas. Somente um observador mais perspicaz poderia vislumbrar uma utopia muito próxima a um comunismo libertário na poesia de Luiz Cláudio, publicada no número de estréia do jornal: Nós queremos viver de uma maneira muito simples; Sem conflitos, sem neuroses, sem preocupações; [...] Nós queremos tudo livre e repartido 12 tudo solto e compreendido. Nós queremos trabalhar juntos, Pelos nossos ideais e pela nossa sobrevivência, curtindo o nosso som. Nós queremos nosso pequeno comunismo interno, nossa consciência de grupo e nossa consciência individual. Nós queremos uma tribo onde todos se super-conheçam e se amem adoidado. 25 O discurso acima bem poderia ter saído de Kropotkin ou Malatesta. Ele une a noção de liberdade coletiva com a de liberdade individual (que muitos ortodoxos julgavam ser um “desvio pequeno-burguês”). Em relação a isso, Bakunin dizia: “Minha liberdade se amplia ao infinito com a liberdade do outro”. Algo que parece bem próximo do trecho do poema: “Nós queremos nosso pequeno comunismo interno, nossa consciência de grupo e nossa consciência individual.”. Grupo + indivíduo. O investimento nas pequenas células, em vez de grandes estruturas estatais, também faz lembrar os ideais das comunas, reunidas em municipalidades, depois em federações: uma concepção igualmente bakuniniana. Já Soma reproduzia numa linguagem cifrada, em seu terceiro número, notícias de jornal sobre a ditadura getulista do Estado Novo (1937-45). Para os mais atentos, fica claro que a alusão a uma ditadura passada era uma forma de crítica camuflada contra a ditadura de seu próprio tempo – mais ou menos entre 1973 e 1974, já que a datação do jornal não aparece na capa do número analisado. A não-periodização – representando o não-tempo daquelas nãonotícias – expõe todo o experimentalismo da publicação. Seus editores, que se consideravam uma corrente de ruptura artística dentro do campo das artes-plásticas e da poesia, reivindicavam o fim da separação entre arte e política, demonstrando o desejo de engajamento. Nesse sentido, citam Stirner e Bakunin, e falam do individualismo anarquista como uma opção ética, dando apoio às comunidades rurais livres. O posicionamento é francamente libertário, buscando se afastar tanto do capitalismo quanto do socialismo de Estado: 25 CLÁUDIO, Luiz. “Nós queremos viver assim”. Tribo, Brasília, nº1, fev.1972, p.6. 13 Eis aí a grande diferença da ditadura do proletariado, hoje ditadura “sobre” o proletariado, que absorve o indivíduo de tal maneira na coletividade, massacrando-o, despersonalizando-o; enquanto que o modo de produção capitalista aliena o homem, obrigando-o a se tornar um egoísta sensual e insatisfeito através da sociedade de consumo. O Estado é uma instituição histórica transitória, uma forma patogênica-social, a alienação fundamental. 26 Nosso estudo se junta a uma série de outros que buscaram como objetos a imprensa alternativa. Bons trabalhos já foram feitos nessa seara da historiografia brasileira, com destaque para o livro de Bernardo Kucinski, um bom ponto de partida devido a seu aspecto panorâmico. 27 Outros autores investiram em títulos específicos, privilegiando certa gama de publicações que se destacaram no período. Assim, O Pasquim, Opinião e Movimento são constantemente citados como experiências bem sucedidas no universo alternativo. Por conta dessa característica, o amplo objeto “imprensa alternativa” apresenta lacunas. Uma destas se relaciona às publicações de uma determinada fatia das esquerdas, que também estava no amplo exército de opositores ao regime – dos cabeludos da contracultura aos comunistas ortodoxos. Uma minoria, um “grupúsculo” (usando o termo de Guattari), 28 que soprava as brasas do anarquismo histórico, que afinal não tinham se apagado. Uma olhada atenta aos pequenos fluxos da história nos revela alguns grupos que reivindicavam a teoria e a prática anarquistas no Brasil. Eles continuaram existindo ao longo dos anos 30, 40 e 50, publicando jornais, integrando campanhas antifascistas e fundando centros de cultura social. Obviamente, são movimentos relativamente pequenos quando comparados às manifestações de massa integradas por anarquistas, como as greves gerais do início do século XX ou a Revolução Espanhola. Porém, se não quisermos fazer uma história política no estilo do hitoricismo do século XIX (a história dos grandes personagens e fatos), devemos estar atentos para a presença dos marginais, do cotidiano e das manifestações políticas fora dos espaços institucionais. Assim, percebemos essas lacunas ao consultar a bibliografia sobre as esquerdas brasileiras nos tempos de ditadura (1964-85) – embora haja uma série de trabalhos que vêm 26 “An Arkhe”. Soma, s/loc, nº3, 1974 (?), p.3. 27 Cf. KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários. Nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Ed. Página Aberta, 1991. 28 Cf. GUATTARI, Félix. Revolução molecular. Pulsações políticas do desejo. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. 14 recuperando a participação de grupos ácratas no contexto da imprensa alternativa brasileira. 29 Nesse sentido, esta pesquisa serve como mais uma colaboração no esforço de trazer à luz tais experiências sócio-históricas que fazem parte da história das esquerdas. Certamente, outros casos ficarão de fora, o que possibilita a realização de novas pesquisas e abordagens. O foco nos pequenos grupos anarquistas atuando no Brasil nos amplia o retrato das resistências do período. O particular, o micro, ajuda a compor o total, o macro. Afinal o que seria da abstração “totalidade” sem os pequenos fluxos (reais, concretos) que a compõem, que a tornam mais palpável? Desconsiderar as margens significa desconsiderar que as relações de poder e a luta de classes se desenvolvem também de modo rizomático, atingindo variados níveis. A luta de classes contaminou, como um vírus, a atividade do professor com seus alunos, a dos pais com suas crianças, a do médico com seus doentes; ela ganhou o interior de cada um de nós com seu eu, com o ideal de status que acreditamos ter de adotar para nós mesmos. 30 Anarquismo nos tempos de ditadura Quando morre o militante e intelectual anarquista José Oiticica, em 1957, um dos elos geracionais do anarquismo brasileiro se rompe. Oiticica viveu o período em que o anarquismo obteve mais notoriedade entre as esquerdas. Participou da insurreição de novembro de 1918, quando um pequeno grupo pensou ser possível instituir um soviete no Rio de Janeiro, ou seja, um conselho de trabalhadores nos moldes da Revolução Russa. 31 O 29 Leonardo Carvalho Pinto fez uma monografia sobre o IR (Cf. Imprensa anarquista: o inimigo do rei. Trabalho de Conclusão de Curso – Graduação em História. Santo Antônio de Jesus: Uneb, 2001) e publicou o artigo “O Inimigo do Rei: um jornal anarquista” [IN: DEMINICIS, Rafael B.; REIS FILHO, Daniel A. (orgs.). História do Anarquismo no Brasil. V.1. Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: Mauad, 2006, pp.133-45.]. Waldir Paganotto desenvolveu dissertação sobre o mesmo tema [Cf. Imprensa alternativa e anarquismo: “O Inimigo do Rei” (1977-1988). Dissertação (Mestrado em História). Assis: Unesp, 1997]. Da mesma forma, Edgar Rodrigues faz menção aos jornais IR, Barbárie e Autogestão no livro O ressurgir do anarquismo: 1962-1980. (Rio de Janeiro: Achiamé, s/d.). Por fim, Antônio Carlos de Oliveira trabalha com fanzines punks, muitos dos quais de tendência anarquista (Cf. Os fanzines contam uma história sobre punks. Rio de Janeiro: Achiamé, 2006.). 30 GUATTARI, Félix. Revolução molecular. Pulsações políticas do desejo. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.15. O conceito de rizoma nos dá idéia de uma teia ramificada, capilarizada, na qual os variados níveis de poder se desenvolvem. O poder do professor, do homem sobre a mulher, do patrão, do psiquiatra, das instituições disciplinares (escola, prisão, hospício...). Essa leitura, que ganha vulto também entre movimentos de contracultura, é semelhante ao ponto de vista de muitos anarquistas na virada do século XIX ao XX. 31 Cf. ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. 15 professor Oiticica foi preso várias vezes, entrou em choque com o bolchevismo e entrou em polêmicas com os ex-anarquistas que fundaram o PCB. E mesmo com o movimento perdendo força de massa, continuou na propaganda anarquista, tocando o jornal Ação Direta até os anos 50. Os libertários mais próximos de Oiticica seguiram em frente com suas atividades culturais e publicações. Outros ativistas prestam uma homenagem ao criarem o Centro de Estudos Professor José Oiticica (CEPJO) em 1958. O CEPJO realizava palestras, cursos e conferências sobre os mais diversos temas, tais como psicanálise, literatura, medicina, maçonaria e, obviamente, socialismo libertário. Em 1969 (em pleno regime militar) o Centro foi invadido por agentes da Aeronáutica, teve objetos destruídos, livros apreendidos e documentos rasgados. Alguns diretores do CEPJO haviam sido presos no Quartel da Aeronáutica, na Ilha do Governador. Outros detidos foram os estudantes ligados ao Movimento Estudantil Libertário (MEL), acusados de associação ao CEPJO e de distribuir “material subversivo”. Embora declarados “mortos” por boa parte da historiografia brasileira que aborda o período pós-fundação do PCB, o anarquismo e seus militantes não estavam tão falecidos assim para os aparelhos repressivos do Estado. Por diversas vezes, no decorrer dos cursos e palestras realizadas semanalmente no CEPJO, apareceram pessoas estranhas aos meios culturais. Algumas delas, valendo-se da liberdade dos debates, da praxe libertária [...]. 32 No inquérito policial (reproduzido por Edgar Rodrigues) consta que os militantes – 16 ao todo – foram detidos com base na famigerada “Lei de Segurança Nacional”, acusados de difusão de “idéias incompatíveis com a Constituição Brasileira”, “manutenção de atividades perigosas”, “ofensa moral à autoridade” e “incitamento público à desobediência”. No julgamento, a defesa alegou, com base nos estatutos do CEPJO, que a doutrina anarquista não havia sido divulgada no local (uma mentira providencial, obviamente) e que não havia provas suficientes para caracterizar uma “ação subversiva”. Felizmente, todos foram absolvidos. Outro local que manteve acesa a chama do anarquismo no Brasil foi o Centro de Cultura Social (CCS) de São Paulo. Fundado em 14 de Janeiro de 1933, ele é resultante de uma tradição anarquista que remonta aos inícios do século XX. Conforme bem observou Foot 32 RODRIGUES Edgar. O anarquismo no banco dos réus. (1969-1972). Rio de Janeiro: VJR Editores, 1993, p.50. 16 Hardman, 33 os anarquistas foram bastante ativos no que se refere às atividades culturais. Nesse sentido, os CCS serviam de espaço de convivência e de reforço dos laços identitários. Neles se realizavam diversas atividades, como palestras, encenações teatrais, apresentações musicais, bailes etc. O golpe de 1964 e a ditadura que se estabeleceu provocaram receio nos militantes que restaram. Não era recomendável atuar abertamente. Assim, o CCS de São Paulo resolve dar um tempo em suas atividades (e o exemplo da repressão ao CEPJO, no Rio, reforçava o temor dos militantes paulistas). Reuniões, debates e correspondências passam a ocorrer de modo clandestino. Mas no final dos anos 70, com a relativa abertura do regime, novos grupos anarquistas foram surgindo. No ano de 1977, por exemplo, começa a ser publicado, em Salvador (BA), o periódico O Inimigo do Rei (IR). Um jornal simultaneamente militante e bem humorado, engajado e desbocado, que exalava um inconfundível perfume contracultural, trazendo em suas páginas desde textos falando sobre os mártires de Chicago até matérias sobre sexualidade e maconha. A experiência editorial do Inimigo surpreendeu pela longevidade: de 1977 a 1988, com alguns hiatos. Depois dos primeiros números, a Bahia ficou pequena: colaboradores do Rio, São Paulo, Porto Alegre e outros lugares participavam com textos e notícias que tornavam realidade a presença do anarquismo no país. Os ataques do IR, desde seu número de estréia, demonstravam a opção bem típica do anarquismo e de correntes de contracultura: o não alinhamento em relação tanto aos governos de direita quanto aos partidos de esquerda. Esse terceiro caminho permitia ao IR uma postura crítica diante do processo de “redemocratização”, vista pelos editores e colaboradores como um projeto das elites, um mero rearranjo de poder que não beneficiaria a população em geral. Como em IR, a revista Barbárie (Salvador, 1979-82) traz um leque muito semelhante de temas: anarquismo, autogestão, movimento operário, minorias sociais (indígenas, homossexuais, negros, mulheres...), pedagogia libertária, embate anarquismo vs. marxismo (talvez com menos virulência no antimarxismo, comparado ao IR) e espaço para correntes filosóficas contemporâneas que vinham rediscutindo o papel do poder, do Estado e das instituições (Foucault, Deleuze, Chomsky, Guattari...). O discurso de apresentação do Coletivo Barbárie resumia sua proposta: 33 Cf. HARDMAN, Francisco Foot., op.cit, passim. 17 Em contraposição à “barbárie” destruidora do mundo atual, contrapomos outra, libertária e criadora, que nascerá dos escombros dessa primeira. Ao invés do trabalho escravizado e rotineiro, propomos o “direito à preguiça”, o trabalho livre e associativo, autogerido. Ao controle de nossos corpos pelos poderes (pais, educadores, médicos, etc.) sugerimos o direito de dispor de nossos corpos e deles retirarmos todos os prazeres. Em oposição à civilização moderna, burocrática e hierarquizada, propomos a “barbárie” criadora. E libertária. 34 IR e Barbárie representavam grupos sociais bem semelhantes. E naquele contexto de “abertura” e “anistia” – momento em que os “grandes nanicos” (notadamente Em Tempo e Movimento) se celebrizaram pela defesa das “instituições democráticas”, pelo Partido dos Trabalhadores e pelo retorno dos exilados políticos – esses coletivos voltavam sua carga discursiva contra muitas daquelas bandeiras, tendo como base as idéias clássicas do anarquismo (principalmente a profunda desconfiança diante da democracia parlamentar burguesa). Nesse ponto, IR e Barbárie se equivaliam na ácida crítica ao regime que supostamente se amansava. Atualmente, esse próprio regime que torturou e esmagou a maioria do povo brasileiro fala, como se nada tivesse acontecido, em “abertura democrática” e até mesmo em “anistia”. 35 Já o número 3 de Autogestão (São Paulo, junho de 1980) – o único no acervo de imprensa alternativa do Arquivo Geral da Cidade – mostra-se, de todos os periódicos anarquistas analisados, o mais simples em termos gráficos. Um formato de revista, 46 páginas datilografadas e fotocopiadas com raríssimas ilustrações. A proposta da publicação pode ser avaliada pelas chamadas de capa, fazendo referência, sobretudo, a discussões teóricas. Há traduções de textos de autores como Richard Gombin (“A Teoria do Comunismo de Conselhos), Henry Lefevre (“Felicidade e Cotidianeidade”) e Carlos Semprun Maura (“Sonhos e Mentiras da Autogestão”). Intelectuais brasileiros como Maurício Tragtenberg também colaboram nesse número. A escolha dos textos revela uma posição aberta da 34 COLETIVO BARBÁRIE. “Apresentação”. Barbárie. Salvador, nº1, jul. 1979, p. 2. 35 “Quem tem medo?”. Barbárie. Salvador, nº1, jul. 1979, p.3. 18 publicação, permitindo espaço a temáticas e autores libertários, mas não necessariamente anarquistas. No editorial, o mesmo tom crítico diante do processo de abertura, muito discutido no período. Na análise buscava-se chamar a atenção para a manutenção das velhas estruturas de poder e criticar os métodos da abertura proposta pela ditadura enfraquecida. Eis a regra básica do método, que define com considerável clareza para onde caminha o processo de Abertura Política, que do Planalto se irradia; a preservação do poder através da distribuição de migalhas à massa esfomeada e endurecida depois de 16 anos de ofensas. 36 Essa imprensa alternativa anarquista, tendo como marco a publicação de O Inimigo do Rei, continua sua atividade, mesmo após a “morte” do jornal baiano. O coletivo que publicou Utopia (1988-92), de certa forma, é a continuação dessa mesma linhagem, reunindo elementos de diferentes gerações. Faziam parte dele, por exemplo, Ideal Peres e sua esposa Ester Redes, além de antigos militantes envolvidos no episódio de repressão ao CEPJO, em 1969. Outro militante das antigas era Jaime Cubero, com toda uma vida divulgando as idéias anarquistas no país. A estes se juntam elementos de uma nova geração, como Pedro Simonard, Renato Ramos, Pedro Kroupa, Paulo Alcântara e outros. O elo entre gerações, já observado em publicações como IR e Barbárie, se repete no grupo carioca. 37 Dos quatro títulos anarquistas pesquisados, Utopia é o que apresenta a diagramação mais leve e equilibrada, com boas escolhas de ilustrações. Em relação à temática, tinha muito em comum com os outros jornais. Contudo, há uma característica que se sobressai: o investimento no tema da ecologia social. Logo no primeiro número é publicado um artigo traduzido de Murray Bookchin (“Ecologia e pensamento revolucionário”, pp.6-7), anarquista estadunidense que foi um dos responsáveis pela aproximação entre anarquismo e ecologia no fim dos anos 60. Ele voltaria à revista com outro texto no número 4 (verão-outono de 1991). 38 36 “Editorial”. Autogestão, São Paulo, nº3, jun. 1980, p.I. 37 Antes da publicação de Utopia, já vinham sendo realizadas reuniões no chamado Centro de Estudos Libertários (CEL), organizado em torno da figura de Ideal Peres. Além disso, outros coletivos já se formavam na cidade em meados dos anos 80, como o Grupo Anarquista José Oiticica (GAJO). 38 À ecologia social interessaria o estudo das interações entre a sociedade e a natureza. É uma das correntes mais influentes do chamado “eco-anarquismo” e deve muito de seus postulados aos trabalhos de Murray Bookchin (1921-2006). Ao lado de questões especificamente ambientais, a ecologia social busca compreender as crises 19 Em 1992, a revista pára de sair. Mas o encerramento foi relativo apenas à publicação, pois os militantes continuavam a se reunir no Centro de Estudos Libertários (CEL). Outras publicações também surgiram, como o jornal Mutirão, publicado a partir de março de 1991, tendo como bandeira o engajamento nas lutas camponesas e dos sem-teto. Também surgia em 1991 o informativo do CEL: Libera...Amore Mio (depois, somente Libera). O jornal torna-se uma das experiências mais duradouras da imprensa libertária, tendo completado 16 anos (136 números lançados) no ano de 2006, agora como informativo da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ). Conclusões No solo castigado da atualidade, sementes de rebeldia são arrancadas violentamente. Intolerância e autoritarismo são moedas ainda comuns, e a “maior democracia do planeta” é um imenso teatro tragicômico, mal conseguindo esconder os ímpetos imperialistas que escorrem por suas mandíbulas. Nesse quadro, pequenas células mantêm vivo o pensamento libertário, autônomo, autogestionário. E um neo-anarquismo, conforme um tanto impropriamente nomeou Woodcock (pois, em essência, ainda se trata de anarquismo), surge mesclado (e mesclandose) nos mais destacados movimentos sociais da atualidade: os magonistas e zapatistas, no México; os Movimentos de Trabalhadores Desempregados (MTDs), na Argentina; as propostas de mídia independente em todo o mundo; ou as ocupações urbanas no Brasil e os squatts europeus. Nos anos 90, os movimentos antineoliberalismo contaram com muitas bandeiras negras entre as marchas de Seattle ou Gênova – onde, afinal, foi um jovem anarquista a ser assassinado por policiais. Os Black Blocs (com suas máscaras negras) clamam por ação direta como os anarco-sindicalistas de ontem. Os squatters na Europa e as ocupações urbanas dos sem-teto brasileiros reeditam, de certa maneira, a sede por autonomia e autogestão das comunidades libertárias do fim do século XIX. Mais do que idéias ou idealismos reavivados, trata-se de presença concreta, em movimentos sociais ativos, nas ruas, nos choques, nas lutas de classe de cada dia. ecológicas como subprodutos do modo de produção capitalista. Para mais informações cf. BOOKCHIN, Murray. Sociobiologia ou Ecologia Social? Rio de Janeiro: Achiamé, s/d. 20 A conclusão mais óbvia a que chegamos com este trabalho é a seguinte: não há como ignorar a presença anarquista nos movimentos sociais desde, pelo menos, as explosões de Maio de 68. E, antes de ser a opinião de um mero pesquisador num país subdesenvolvido, ela é compartilhada por “autoridades” que têm espaço para escrever em bastiões da “esquerda esclarecida”, como a New Left Review. [...] boa parte daqueles que gostariam de ver uma mudança revolucionária poderia não se sentir satisfeita plenamente ao comprovar que a maior parte da energia criativa e da política radical provém, na atualidade, do anarquismo – uma tradição que, até bem pouco tempo, boa parte deles desprezava – e que levar a sério este movimento levará necessariamente a assumir com ele um compromisso respeitoso. [...] O anarquismo é o coração do movimento, sua alma; a fonte de boa parte do que nele podemos encontrar de novo e auspicioso. 39 Mas todo cuidado é pouco, pois os legados dos movimentos dos anos 60 apresentam-se na atualidade diluídos nas mais variadas interpretações – que podem tanto alimentar discursos revolucionários quanto ajudar a manter intactos os arranjos de poder. Castoriadis, num texto de 1986, criticava justamente as tendências que interpretavam o Maio de 68 “em termos de preparação (ou aceleração) do ‘individualismo’ contemporâneo”, tratando de apagar “tudo aquilo que introduziu uma formidável inovação”. 40 Buscamos ressaltar que a interpretação dos movimentos de contracultura e dos “novos anarquismos” só pode se operar satisfatoriamente levando em conta toda essa problemática. Não há como salvar ou condenar em bloco aquele período, mas percebê-lo como dotado de potenciais caminhos para a transformação. Logo, a atitude aqui explicitamente assumida é aquela em favor de uma memória que ressalte a força de 39 GRAEBER, David. “The new anarchists”. New Left Review, nº 13, jan/feb 2002, pp.61-2. Na versão em espanhol, de onde extraí a citação, está nas páginas 139-40. Obtive o artigo em versão PDF do sítio http://newleftreview.org/A2368. O trecho acima é uma tradução livre do original que se segue: “[...] buena parte de aquellos a los que les gustaría ver un cambio revolucionario podrían no sentirse contentos del todo al comprobar que la mayor parte de la energía creativa de la política radical proviene en la actualidad del anarquismo – una tradición que hasta la fecha buena parte de ellos ha despreciado – y que tomar en serio a este movimiento supondrá necesariamente asumir con él un compromiso respetuoso. [...] El anarquismo es el corazón del movimiento, su alma; la fuente de buena parte de lo que en él podemos encontrar de nuevo y esperanzador.” 40 CASTORIADIS, Cornelius. “Os Movimentos dos Anos 60”. IN: Sobre o Conteúdo do Socialismo/Os Movimentos dos Anos 60. Rio de Janeiro: Achiamé, s/d, p.67. 21 determinados imaginários radicais daquele contexto específico (sempre em conexão com referências passadas). Não se trata de rasteira romantização dos movimentos dos anos 60 ou do próprio anarquismo. Antes, é uma sincera tentativa de fazer emergir deles algo que possa nos fornecer armas na luta atual, cotidiana e incessante contra o avanço de um modo de produção (entendido aí em todas suas esferas, do econômico ao existencial) que está tragando o planeta de uma forma absurdamente acelerada. E o que parece mais promissor nos movimentos dos anos 60 (e de alguns movimentos contemporâneos) foi destacado por Castoriadis, que não deixou de reconhecer os limites e os “fracassos” (uma crítica necessária para que possamos ajustar a luta constante contra o constantemente adaptável quadro de poderes): Aquilo que Maio de 68 e outros movimentos dos anos 60 mostraram foi a persistência e o poder do projeto de autonomia que se traduzia pela recusa do universo capitalista-burocrárico e, simultaneamente, pelas novas idéias e práticas que esses movimentos inventaram ou difundiram. Porém, também foram testemunhas dessa dimensão de fracasso até agora aparentemente indissociável dos movimentos políticos modernos: dificuldade imensa em prolongar positivamente a crítica da ordem existente das coisas e impossibilidade de assumir o projeto de autonomia individual e, ao mesmo tempo, social, que instaurava uma autogovernação coletiva. 41 Por fim, é uma atitude – corroborada por este próprio trabalho – que procura levantar o que fica de positivo, o que se mostra como possibilidade, conquista (ainda que mínima), visto que a paralisia diante das “condições objetivas desfavoráveis” só fez alimentar, no seio das próprias esquerdas, o velho discurso passivo diante da realidade. Dessa forma, o “fracasso” se mostra relativo e parcial, o que nos impele para a manutenção das lutas pelos avanços já conquistados e pela ampliação de novas demandas. Caso seja necessário lembrá-lo, só muito excepcionalmente é que o fracasso é total. Na maioria dos casos estes movimentos conduzem à instituição formal de certos direitos, liberdades e garantias sob as quais ainda hoje vivemos. Em outros casos, sem nada instaurar no sentido 41 Ibid., p.80. Grifo no original. 22 formal, deixam marcas profundas na mentalidade e na vida efetiva das sociedades – tal foi, sem dúvida, o caso da Comuna de Paris de 1871, tal foi seguramente [...] o caso dos movimentos dos anos 60. 42 A história ainda não acabou. 42 Id., ibid., p.81. 23 Sugestões bibliográficas ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 2002. BOOKCHIN, Murray. Sociobiologia ou Ecologia Social? Rio de Janeiro: Achiamé, s/d. BRETON, A.; FERRUA, P.; PÉRET, B. (et.alli). Surrealismo e anarquismo. São Paulo: Ed. Imaginário, 2001. CASTORIADIS, Cornelius. “Os Movimentos dos Anos 60”. IN: Sobre o Conteúdo do Socialismo/Os Movimentos dos Anos 60. Rio de Janeiro: Achiamé, s/d. CHINEM, Rivaldo. 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