segunda-feira, 15 de junho de 2015

Da Rússia aos Estados Unidos, passando pela França

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Fonte: https://www.diplomatique.org.br/print.php?tipo=ac&id=794

DEMOCRACIA
Da Rússia aos Estados Unidos, passando pela França
Nacionalismo e utopismo ideológico definem o populismo russo no século XIX. Nos EUA, um populismo difuso exprime a ansiedade de uma sociedade que oscila entre o liberalismo e o autoritarismo. Na França, a tradição populista remonta Napoleão III
por Alexandre Dorna
De todos os populismos, a versão russa (narodnichestvo) - que inspirou muitos anarquistas no século XIX - é, provavelmente, a mais ambígua. O apelo ao povo contra o absolutismo czarista entre 1850 e 1880 enraizou-se nos protestos do campesinato pobre e da intelligentsia progressista. Mistura explosiva de nacionalismo e utopismo ideológico, ele repercutia como uma volta à unidade e aos valores da alma russa. Esse movimento social de revolta subdividiu-se lentamente sob a pressão da autocracia czarista e, mais tarde, sob a da repressão estalinista, que construiu a lenda negra do populismo para monopolizar o discurso da transformação social.
EUA entre o liberalismo e o autoritarismo

Quanto ao populismo norte-americano, tem origens nas seqüelas da Guerra de Secessão, nas conseqüências sociais da industrialização, na expansão econômica e no descrédito dos representantes políticos. Por isso, o general James B. Weaver, candidato do partido populista à eleição presidencial de 1892, canalizou o descontentamento ante as desigualdades e a rejeição dos partidos democrata e republicano1 . Sua derrota - e, no entanto, faltou pouco para uma vitória inesperada - marcou o declínio do populismo, mas de forma alguma seu desaparecimento. Na verdade, toda a política americana permanece profundamente impregnada por ele. Nos anos 1930, por exemplo, o New Deal do presidente Franklin D. Roosevelt correspondeu a um reconhecimento das reivindicações populares contra os excessos dos "barões ladrões".
O populismo difuso de George W. Bush exprime confusamente a ansiedade de uma sociedade norte-americana que oscila entre o liberalismo e o autoritarismo

Alguns anos mais tarde, Ronald Reagan realizou a síntese, nova e contraditória, do ultraliberalismo e do populismo, ao criticar o Estado-providência em nome dos direitos dos mais fracos, cuja renda é "usurpada" por estruturas intermediárias "parasitárias". Em 1992, o neo-populismo teve muito sucesso com Ross Perot e Patrick Buchanan, que atacavam os desgastes do "capitalismo selvagem". Finalmente, William Clinton ganhou as eleições no interior de uma escalada populista, ao criticar a burocracia e aqueles que com ela se enriquecem, enquanto outros, "que trabalham duro e respeitam a lei, são penalizados2 ". Ele soube captar uma opinião pública bastante inquieta, apresentou uma imagem próxima e confortante. Populista, Clinton? A afirmação pode ser discutida. Mas não faltam indícios: homem de uma plasticidade-pragmática, proximidade aparente, carisma físico, emoção na palavra e nas imagens. Atualmente, George W. Bush, ao denegrir os intelectuais, adota uma postura próxima daquela de seus antecessores. Na realidade, esse populismo difuso exprime confusamente a ansiedade de uma sociedade norte-americana que oscila entre o liberalismo e o autoritarismo.
França populista: crise republicana

Boulanger tinha uma plataforma doutrinária simples: "dissolução, revisão, constituinte". Ela expressa antiparlamentarismo e critica a ineficácia dos governantes

Na França, muitas figuras encarnaram o populismo nos séculos XIX e XX. Napoleão III toma o poder em seguida à irritação burguesa do governo republicano de 1848, que reprime duramente o movimento operário. Luís Napoleão pôde facilmente se travestir de homem providencial que aspira a representar o povo e a reconstruir a glória do império. Agita o espectro da revolta, exalta o anti-parlamentarismo das camadas populares e agrada o mundo operário. No início do famoso golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851, lança um apelo ao povo. Não é surpreendente que uma de suas primeiras medidas tenha sido o restabelecimento do sufrágio universal. Ele reafirma, dessa maneira, os elos diretos entre um povo e seu governante. Durante quase 20 anos, até setembro de 1870, o povo continuará a lhe ser fiel.
Outra figura do populismo francês é o general Georges Boulanger. O boulangismo é expressão de uma crise da sociedade e dos valores republicanos. O crash econômico de 1882 confirma os temores da população que via as inovações tecnológicas como uma ameaça. O protesto crescente contra a classe dirigente se alimenta da nostalgia e de uma recusa ao total poder do dinheiro. Estouram tumultos. Em 8 de maio de 1882, Paul Déroulède funda a Liga dos Patriotas em nome dos "descontentes": homens e mulheres vindos de, praticamente, toda parte, e que não suportam mais a política da direita e os republicanos moderados. Nos conflitos sociais que provocam a intervenção do exército, o general Boulanger mostra-se solícito em relação aos operários. Sua "expulsão" da vida pública libera um vasto movimento heteróclito que mistura dissidentes radicais, nacionalistas, socialistas e monarquistas, e organiza-se em torno de sua imagem de chefe carismático. A plataforma doutrinária é simples, mas sem nenhum simplismo: "dissolução, revisão, constituinte". Ela expressa o antiparlamentarismo e critica a ineficácia dos governantes e sua corrupção. Fiel a sua promessa republicana, Boulanger recusará qualquer tentativa de golpe de Estado.
Século XX: Poujade e De Gaulle

O gaullismo expressa suas tonalidades populistas na crítica dos partidos políticos e no discurso econômico paternalista da participação e exaltação da nação

Temido no poder, desprezado no esquecimento, Pierre Poujade encarna, na segunda metade do século XX, o paradigma do populismo francês. Poujade é conhecido por suas tomadas de posição contra o regime parlamentar e o comunismo. Encarna a causa comercial. Tático hábil e autodidata em política, Poujade não funda partido político e declara praticar ação cívica para combater o regime. Os comícios se sucedem em toda a França. A exploração dos temas da união nacional é hábil e frutífera, seguida por lutas diretas, entre as quais a reação anti-fiscal. Nas eleições legislativas de 1956, seus partidários obtêm 11,6% dos sufrágios, 2 483 000 votos, 52 deputados. A onda poujadista abarca, então, toda a França.
A partir de 1958, de volta ao poder por um golpe político, o general De Gaulle abole a IV República, considerada fraca demais e desacreditada. Sua política estrutura-se desde o início em torno de três idéias fortes: a missão, a independência e o poder da França. Assim o gaullismo encarna uma vontade "transclassista", a unidade do povo da França, a defesa da autoridade do Estado. O que torna o gaullismo inclassificável não é apenas a personalidade fora do comum de seu fundador, mas as tonalidades populistas de seu movimento: crítica dos partidos políticos, discurso econômico paternalista da participação e exaltação da nação.
(Trad. Teresa Van Acker)


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História da Rússia Soviética
da Revolução de 1917 ao Stalinismo

O pensamento revolucionário na Rússia

Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/rev_russa3.htm


Durante séculos a Rússia permaneceu isolada das grandes transformações sociais, econômicas e culturais porque passava a Europa Ocidental. A Reforma ou o Renascimento pouco efeito tiveram em sua paisagem política e cultural. O mesmo acontecendo com o Iluminismo e as Revoluções burguesas. Segundo Kireievski "o alargamento material do império absorveu durante séculos toda a energia do povo russo: o crescimento material tornou impossível o crescimento espiritual ". De fato o antigo principado de Moscóvia no século XIV, não ultrapassava em extensão a atual Finlândia. Trezentos anos depois, estendia seu domínio por mais de vinte e dois milhões de quilômetros quadrados, englobando as mais variadas culturas, religiões e grupamentos raciais - Seus grandes impulsionadores foram os czares Ivan III, Ivan IV (o Terrível), Pedro - o Grande e Catarina II. Submetendo a ferro e a fogo os tártaros, os turcos, os cossacos, os tcherquizes, os mongóis, os poloneses, e as tribos nômades da Sibéria; sua extensão, ia do Vístula na Polônia até o Oceano Pacífico, no extremo Oriente.

O governo dos czares - a autocracia absoluta - foi uma decorrência da necessidade de integração deste vasto território heterogêneo em tudo. Quando Bizâncio caiu em poder dos Turcos Otomanos, o Príncipe de Moscóvia atraiu para sua capital os restos da administração e do clero grego ortodoxo, assimilando suas práticas funcionais e hierárquicas. A igreja, tal como em Constantinopla, estava subordinada ao Estado e seu chefe era nomeado diretamente pelo Imperador. A Rússia desconheceu pois, o latente conflito existente na Europa Ocidental, entre o clero e o aparato estatal.

Esta fusão completa entre Estados e Igreja naturalmente contribuiu para o sufocamento do livre-pensar. A intelectualidade russa vivia permanentemente sob vigilância quer de parte do Estado quer de parte do Santo Sínodo. No entanto, a maior aproximação da Rússia com o Ocidente no século XIX (principalmente depois das guerras napoleônicas) tornou inevitável a penetração dos ideais libertários vindos da Europa. Primeiro sob a forma do liberalismo e em seguida do socialismo. Não deixa de ser um paradoxo que a Rússia do século XIX, pobre e brutalizada, terminasse por gerar grandes talento da literatura mundial tais como Gogol, Dostoevski, Tchecov, Turguenieff, Tolstoi e Gorki. E, na política, homens do porte de Alexandre Herzen, Bakunin, o Príncipe Kropotnik e o introdutor do marxismos na Rússia - George Plekhanov.

Os populistas: As reformas executadas pelo czar Alexandre II (entre 1861-5), tais como a abolição da servidão da gleba, criação das câmaras municipais (zemstvos), atenuação da censura na imprensa e nas universidades) foram provocadas pelo fracasso russo durante a Guerra da Criméia (1853-8) onde foram batidos pelos corpos expedicionários franco-britânicos, que impediram a Rússia atingir Constantinopla e ter acesso ao Mediterrâneo. Esta era de reformas, devido sua timidez, terminou por gerar um descontentamento ainda mais amplo. Desgostou a nobreza porque tornaram os camponeses "insolentes" estes, porque tiveram que se individar para obter sua autonomia; a intelligentsia porque haviam sido suficientemente profundas. É das camadas esclarecidas da população, que parte a primeira tentativa de derrubar o regime por um movimento não-palaciano. Inicialmente denominou-se "Terra e Liberdade" e seu objetivo era convencer a massa rural a sublevar-se contra o czar. O fracasso desta tentativa e a repressão que se seguiu, levou os populistas (narodniks) a embrenharem-se na sina do terrorismo político. Acreditavam que, abatendo as figuras exponenciais do regime czarista, provocariam a rebelião por exemplo. Em 1881 o próprio czar Alexandre foi vitimado por uma jovem militante, Sofia Perovskaia. Os populistas inspiravam-se nos anarquistas ocidentais, pensando poder levar a Rússia ao socialismo devido a existência de comunidades rurais organizadas em torno do mir (uma espécie de unidade de produção comunal) que facilitariam sua implantação. O terrorismo apenas reforçou ainda mais o aparto estatal e justificou a intensificação da opressão e da censura. É neste contexto que o marxismo vai surgir como alternativa à prática política e teórica dos narodniks.

Os social-democratas: Em março de 1898, na cidade de Minsk, nove delegados representando as principais cidades do país, reuniram-se para a formação do Iº Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Denominação inspirada no Partido Social-Democrata alemão fundado por Lassale em 1863 e o mais poderoso partido político operário do Ocidente. Entre os delegados encontrava-se Vladmir Ilich Uliánov, cujo codinome era Lenin, o futuro fundador do Estado Soviético. Como resultado concreto do congresso foi difundido o Manifesto do POSDR, redigido por Peter Struve que, dentro da ortodoxia marxista, aceitava as duas etapas da futura Revolução Russa (a primeira de cunho democrático-burguesa e a segunda socialista-proletária sem fazer menção à ditadura do proletariado nem quais os meios para realizar sua missão). Os marxistas diferiam profundamente dos populistas e, tanto na Rússia como no exílio, intensificaram a polêmica sobre o destino do país e quais as táticas corretas a serem empregadas para a derrubada da autocracia . Em síntese, defendiam as seguinte posições:


Era um profundo equívoco querer transformar a Rússia em um país socialista, pois o capitalismo ainda era incipiente não gerando as condições necessárias para a transição.

A prática do terrorismo era absolutamente inócua pois não abalava a estrutura do regime: "de que adianta abater o czar se o czravitch está logo alí para substituir seu pai? ". Era necessário desenvolver um longo e amplo trabalho de "preparação" das massas, através da propaganda e da agitação. Leva-las à consciência da certeza da derrubada do czarismo como um todo e não em ações isoladas.

Favorecer a implantação do capitalismo na Rússia. Quanto mais empresas e indústrias lá se instalassem mais cresceria o proletariado urbano e favoreceria o surgimento da única classe verdadeiramente revolucionária. Ironicamente, esta posição dos marxistas, serviu para que fossem vistos como menos perigosos pela Okrana, a polícia secreta do Czar, que passou dedicar maior atenção àqueles que, no momento, lhes pareciam mais ameaçadores, os terroristas populistas.

Os próprios marxistas, organizados em torno do POSDR, não estiveram por muito tempo unidos. Cinco anos depois - no exterior - organizaram um IIº Congresso (primeiro na Bélgica e depois em Londres) que terminou por levá-los à cisão. Formando-se duas facções: a da maioria (bolcheviques) e a da minoria (melcheviques). Aparentemente as causas da divisão foram motivos de pequena monta, mas terminaram por alargar-se com o tempo transformando-os em dois partidos distintos, e todas as tentativas de reunificação lograram em fracasso. (Como durante o Congresso de Estocolmo, em 1906).

Mesmo dentro do seu partido, Lenin teve que lutar várias vezes para que seus companheiros aceitassem seus pontos de vista. Como a Rússia, pouco desenvolvida e possuindo uma massa de mais de cem milhões de camponeses, poderia lançar-se na construção do Socialismo? Em primeiro lugar propôs que os operários se aliassem à massa rural, sem esta aliança um partido revolucionário teria escassas possibilidades de sobrevivência.

Em segundo lugar, acreditava que a Guerra Mundial (1914-18) terminaria por desencadear uma série de Revoluções proletárias e a Rússia não ficaria isolada. Deste modo, o evidente atraso econômico, cultural e tecnológico do país, receberia auxílio esterno. Apesar de suas divergências com a social-democracia alemã, Lenin tinha esperança que no momento aprazado o proletariado alemão faria a sua Revolução e socorresse seus camaradas. O fracasso desta expectativa conduziu União Soviética à teoria do "socialismo num só país" e a ascensão de Stalin ao poder supremo.

Mencheviques e Bolcheviques: Não nos cabe aqui expor toda a polêmica surgida em torno da questão do quadro editorial do jornal do Partido - O Iskra - a "centelha que deveria provocar a Revolução", e sim fixar as linhas gerais que levaram a formação das duas correntes.

O mencheviques, influenciados pelo pensamento convencional do marxismo europeu, influenciados pelo pensamento convencional do marxismo europeu, pregavam:


a formação de um partido o mais amplo possível, considerando todo colaborador - direto ou indireto como um membro do partido;
não acreditavam na possibilidade da Rússia transitar rumo ao Socialismo sem antes percorrer o desenvolvimento do Capitalismo;
como conseqüência, deveriam aliar-se à burguesia para depor o czarismo.

Os bolcheviques - liderados por Lenin, apresentavam outra proposta:


o partido deveria ser formado por revolucionários profissionais, só sendo membro quem militasse ativamente nas suas fileiras;

isso se devia à permanente infiltração de "agentes provocadores da polícia secreta do czar e pelas condições gerais da repressão na Rússia, que não permitiam a existência de um partido "aberto";



devido ao atraso das massas operárias e camponesas o partido se tornaria a "vanguarda do proletariado" composto por elementos mais conscientizados e endurecidos na luta política, disciplinados e obedientes ao Comitê Central. De certa forma, bolcheviques e mencheviques terminaram por concretizar as "duas vias" para o Socialismo que estavam latentes no pensamento de Marx e Engels. Quando ocorreu a revolução de fevereiro de 1917, derrubando o czarismo, os mencheviques exerciam uma enorme influência no meio dos operários de Petrogrado. No transcorrer do ano foram lentamente se desgastando na sua vã tentativa de amparar a esquálida burguesia russa, terminado por sucumbir junto com ela.

O leninismo: Podemos dizer que o Leninismo, como pensamento autônomo dentro do Marxismo, fundia-se inteiramente com o Bolchevismo. Pecaríamos pela verdade no entanto se não estabelecêssemos algumas distinções entre o Leninismo e o Bolchevismo, não esquecendo que, após a morte de Lenin, em 1924, o Bolchevismo continuou existindo, se fraccionando em várias tendências. As principais contribuições de Lenin para o plano teórico-prático do Socialismo e da Revolução seriam os seguintes: a) a tentativa de redefinir as perspectivas do desenvolvimento capitalista e/ou revolucionário na era do Imperialismo. Ao seu ver o Capitalismo encontrava-se extremamente consolidado nos países desenvolvidos fazendo com que parte da classe operária passasse a usufruir de uma melhoria substancial em seu modo de vida. Explicava-se a tendência reformista que o Socialismo havia assumido nestes países. No entanto, a dinâmica revolucionária deslocava-se para a periferia do Sistema. Nos países atrasados, onde o Capitalismo era pouco desenvolvido ocorreria a possibilidade de eclosão da Revolução "quebra a corrente capitalista em seu elo mais fraco". As teorias de Lenin foram consideradas verdadeiras heresias contra o pensamento de Marx e sua posição foi de quase total isolamento.

A Revolução Russa de Fevereiro (março pelo calendário atual) foi um enorme movimento de massas que espontaneamente rebelaram-se contra o czarismo. Nenhum partido as insulflou. Ao contrário, a grande maioria dos revolucionários militantes foi surpreendida - acrescente-se que a maioria deles estava presa na Sibéria (como Stalin) ou no exílio (Lenin na Suiça e Trotski nos Estados Unidos). Como também foi espontânea a organização de sovietes (conselhos) em todas as fábricas, repartições, bairros e regimentos militares, que passaram a formar um poder paralelo.

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