quinta-feira, 13 de novembro de 2014

BUTOH (BUTÔ): A DANÇA DAS TREVAS

O dançarino japonês de 69 anos apresenta nesta terça-feira à noite sessão única do projeto ‘Locus focus’
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“Estava diante de um corpo que vivia em um outro tempo, um tempo geológico no qual um corpo biológico lentamente despertava”.
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No Ocidente, fala-se do butô como um gênero, uma técnica japonesa de dança, gesto e movimento. Mas, no Oriente, a perspectiva é outra. E quem a diferencia é um ícone da área, Min Tanaka, que apresenta hoje sessão única do projeto “Locus focus”, no Espaço Sesc. Aos 69 anos de idade, Tanaka explica que o butô não nasce como um gênero, mas que o “butô é uma pessoa, Tatsumi Hijikata”, diz. E foi pelo modo único como Hijikata (1928-1986) se movimentava que nomearam o que ele fazia como ankoku butô, ou a dança das trevas.
— O que Hijikata fazia no começo, nos anos 1950 e 60, não tinha um nome, e então as pessoas começaram a chamá-lo assim, butô. Mas o nome, em si, não traz um significado.
Tanaka faz questão de explicar a origem do termo porque, não raro, sua dança é erroneamente reduzida ao butô. Apesar de assumida influência, ensina que butô e Hijikata são uma coisa só, e que tal dança nasceu como um ato espontâneo de rebeldia frente à influência da dança moderna e ocidental na cultura japonesa do pós-Guerra.
— Foi como o desabrochar de uma repulsa — diz Tanaka. — Assim como as manifestações underground que surgiram no mundo nos anos 1950 e 60. Não era uma questão de estilo ou técnica. Ele fazia aquilo para expressar a dança por si mesma. Havia beleza num sentido social, porque trazia um sistema e uma fisicalidade inconvenientes. Hijikata ambicionava a incompletude, não queria ser reconhecido pela sociedade. Foi depois que o butô virou fenômeno social.
Mais precisamente nos anos 1970, quando o estilo ganhou repercussão no Ocidente, principalmente após uma política de internacionalização da cultura japonesa que teve como epicentro Paris, durante o Festival de Outono de 1978.
— Foi um evento focado na cultura japonesa, então o butô se disseminou através de Paris — diz. — Conheci a dança de Hijikata nos anos 1960, fiquei impactado, mas até os anos 1970 eu era um dançarino de corpo nu, e fui convidado para o festival para mostrar esse tipo de dança por lá. Foi por esse evento que começou a moda do butô, mas eu nunca participei ou tirei vantagem dessa onda.
Nascido em 1945, em Tóquio, Tanaka formou-se em balé clássico e dança moderna, mas rompeu com a comunidade da dança japonesa em 1966. Daí, se estabeleceu como dançarino nu e da “hiperdança”, até iniciar uma colaboração com Hijikata, entre 1983 e 1985.
— Só fui dançar o que se chama butô em 1984, numa peça criada por Hijikata. E essa combinação entre Hijikata e Tanaka surpreendeu as pessoas, se tornou assunto, mas butô é Hijikata.
Assim como Hijikata, Tanaka não dá um nome para a sua forma de dança ou movimento. O modo como seu corpo se move é reflexo de uma relação longeva e profunda com a terra, com a agricultura e os elementos da natureza. Há cerca de 30 anos, Tanaka criou uma fazenda orgânica onde passou a viver e a criar como uma espécie de camponês-dançarino.
— Não me interessa a agricultura como profissão ou meio de ganhar dinheiro — afirma. — O que há é admiração. Estar perto do solo, tocar uma planta, sentir o sol e o vento... Deixo o corpo participar da engrenagem do movimento da natureza. Estou interessado na música e na dança que irrompem do labor, no acesso ao mais simples, o primitivo. Isso dá uma dimensão diferente do que surge num treinamento de estúdio, na cidade. É uma diferença essencial.
SEM COREOGRAFIA
Tanaka atua tanto a céu aberto, sem anúncio formal — “Já tive problemas com a polícia quando dançava nu, no Japão. E há pouco dancei por 50 dias entre as ilhas da Indonésia”, conta —, como em teatros e festivais. Mas ele rompe com a ideia de obra pronta. Cria sua dança no ato, sem coreografia preconcebida, numa dinâmica de criação instantânea, improvisada, que nasce vinculada ao ambiente. Costuma dizer que não dança “em um lugar”, mas “dança o lugar”. “Locus focus” nasce com essa premissa: focar o lugar onde está e dançar a partir do que o contexto oferece. Seja em sua fazenda, no Japão, ou no Espaço Sesc.
— Eu danço sem qualquer aviso, de modo impulsivo — diz. — Mas quando anuncio, é diferente. Aí há uma condição que prevê relação com o público que se reúne e com o lugar.
Suas criações são objeto de estudo do filósofo japonês Kuniichi Uno, que amanhã dá palestra e lança o livro “A gênese de um corpo desconhecido” (n-1 Edições), na Casa de Rui Barbosa. Na obra, Uno descreve o impacto que teve ao assistir a Tanaka pela primeira vez: “Estava diante de um corpo que vivia em um outro tempo, um tempo geológico no qual um corpo biológico lentamente despertava”.

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ANKOKU BUTOH (BUTÔ): A DANÇA DAS TREVAS




Fonte: http://noholodeck.blogspot.com.br/2011/12/ankoku-butoh-buto-danca-das-trevas.html

O Japão do pós-guerra era indignação e dor, e um estilo de dança refletiu as feridas e a decadência dessa sociedade: o Butoh, ou Butô. A dança foi rejeitada em seu próprio país, mas ganhou o mundo com sua estética impressionante e temas polêmicos. Ficou conhecida como a “dança das trevas”.
O butô nasceu no ambiente da vanguarda japonesa, em fins da década de 1950, num contexto sociocultural marcado pela 'invasão' ocidental. Suas apresentações tocam temas como o nascimento, a morte, o inconsciente, a sexualidade, o grotesco.


Numa época atormentada entre o progresso e a tradição de antes da invasão ocidental, o butô questiona o corpo como um instrumento e o afirma como um processo, como condição da existência de um corpo em crise, que tenta dissipar os sedimentos acumulados. Sua matéria prima é a imperfeição e a precariedade humanas. Com esse conteúdo crítico, o butô vai agitar a apatia reinante nos meios artísticos e marcar os pontos de reflexão sobre a vida e a identidade do corpo cultural.


O Butô recupera a vitalidade e a força de um corpo domesticado pelas atividades cotidianas e esmagado pelas regras estabelecidas. O desenho de cada gesto é simbólico e estimula idéias, associações e emoções, tramando uma visibilidade. O corpo é o veículo de expressão dos elementos vitais: terra, água, fogo e ar. A dança realizada por esse corpo começa no coração, que em japonês é pensante.


Os ideogramas da palavra butoh dão idéia da teatralidade da dança, que até hoje não consta dos calendários oficiais como uma arte típica japonesa. O ideograma “bu” evoca as danças xamânicas, movimentos vibratórios dos corpos dos xamãs em transe, para provocar chuva. O caractere “toh” simboliza o fato de pisar a terra, em chamar para si as forças dos espíritos da terra ou ainda a vontade de sacudir, acordar ou abalar o mundo.

VIDEO: DOCUMENTÁRIO DANCE OF DARKNESS



Seus dançarinos quase não usam vestimentas, para eles o corpo veste a alma. E é através da alma, das emoções e da vivência, que se forma a dança. A maquiagem melancólica, o branco sobre todo o corpo, faz com que os músculos sejam realçados, e suas formas expressivas delineadas em movimentos essenciais.

TATSUMI HIJIKATA


Criada por Tatsumi Hijikata (1928-1986), a dança Butô surgiu das ações teatrais, performáticas, que ele desenvolveu na década de 40, durante a invasão cultural por parte do ocidente. Foi em bares, boates, cabarés e pelas ruas do submundo de Tóquio que, nos anos 60, Hijikata dava início a essa nova forma de expressão, considerada marginal, chamada de Ankoku Butoh - dança das trevas. Hoje simplesmente Butô.
Essa forma de expressão, nascida literalmente na sarjeta, retomou tradições antigas do Japão, técnicas de dança ocidental e, antes de tudo, a idéia quase esquecida de que o dançarino não dança para si, mas para reviver algo muito maior.

VIDEO: 'A GIRL', TATSUMI HIJIKATA



O butô trilha um caminho que tenta romper com o enfrentamento de si e se entrega à força do corpo próprio. É uma busca pelo reencontro com um corpo perdido, um corpo que deseja ser ele mesmo, não mais rejeitado e saqueado.
O próprio Hijikata se referiu a esse encontro com o corpo. Nas suas palavras:
“Não estou em busca da superficialidade entre as pessoas. Prefiro ir fundo dentro da pessoa, me perder no seu corpo e assim encontrar com seu corpo e sua alma. Eu poderia, por exemplo, desmascará-lo dizendo- lhes: seus olhos são terríveis, você que sempre viveu, assim como todo mundo, e isso é porque você esteve sempre tão alienado da sua carne e do seu sangue”.

CINE DANCE: THE BUTOH OF TATSUMI HIJIKATA - ANMA (THE MASSEURS) + ROSE COLOR DANCE - SCREENER



KAZUO OHNO


Além de Hikijata, outro mestre máximo do butô é Kazuo Ohno (1906-2010), uma lenda dessa arte que celebrizou a dança da luz - uma contraposição a dança das trevas.
Seu encontro com Tatsumi Hijikata - fundador do butô - e as influências da dança moderna levaram Ohno a popularizar o estilo. Minimalista, Ohno sempre se apresentava vestido de mulher. Entre seus trabalhos mais famosos estão os espetáculos "Dead Sea", "Ka Cho Fu Getsu", "My Mother" e "Water Lilies".

VIDEO: KAZUO OHNO



Nascido na ilha de Hokkaido em 1906, Ohno entrou para o estúdio de dança comandado por Baku Ishii em 1933. Depois de uma pausa de nove anos nas atividades durante a Segunda Guerra Mundial, em que serviu na China e na Nova Guiné e foi prisioneiro de guerra, Ohno fez sua primeira apresentação na capital japonesa em 1949, aos 43 anos.

VIDEO: KAZUO OHNO ON TECHNIQUE AND MOTIVATION



De acordo com palavras do próprio Ohno, “Butô é uma das mais arrojadas formas de dança contemporânea, única do Japão. Expressa ao mesmo tempo tantas idéias diferentes que é impossível defini-la. Ela somente choca e surpreende”.
Ele busca no inconsciente comum a todo homem, oriental ou não, a beleza e a decrepitude, a simplicidade e a complexidade, o cômico e o trágico.

VIDEO: KAZUO OHNO – ‘MOTHER’



Ohno se interroga sobre o que são os olhos para o corpo e afirma que eles não estão apenas olhando o mundo exterior, mas sim o próprio corpo. São olhos que “sabem olhar através do corpo”. O olho, portanto, no butô, não só está no rosto, mas pode estar no centro da cabeça, no meio do pé, nas costas ou na sola dos pés.

VIDEO: KAZUO OHNO AOS 95 ANOS, TOKYO 2002



Em 2001, aos 95 anos, Ohno ainda arrebatava platéias com suas coreografias que pretendiam revelar “as formas da alma”.
“A minha dança é a reza para a vida. O que me faz dançar é o sofrimento que eu carrego dentro do meu coração. A vida e a morte são inseparáveis, estão juntas dentro de mim enquanto eu danço, a vida é a reza, a fé e a dança é também a mesma coisa”, define Kazuo Ohno.


O corpo na dança butô é ambíguo e revela o obscuro e o luminoso na nossa natureza.
É um corpo mutante, que se metamorfoseia. É um corpo em processo, que admite a sobreposição da vida e da morte, do nascimento e do envelhecimento, admite uma contingência caótica, a possibilidade de criação incessante, um corpo sempre aberto, inacabado. A dor do corpo morto é um tema central quando nos referimos ao butô e conduz à inovação de cada instante, pois a morte é necessária e fundamental para que a vida possa florescer, para que possamos renascer.


Akaji Maro, criador da primeira companhia de dança butô, assim se refere ao corpo morto: “Primeiro, você precisa matar seu corpo para construir um corpo como uma ficção maior. E você poderá ser livre naquele momento”. O corpo morto é capaz de desvendar outras possibilidades para o corpo que dança, gerando novos tipos de organização. Degradar o corpo para experimentar outras formas. Tentar esvaziá-lo e libertá-lo dos automatismos que nele se sedimentam, torna-se dessa forma uma busca constante desse corpo, quando nos referimos à dança butô.


Todo o período de experimentação, que fez o próprio Hijikata e os dançarinos que com ele trabalharam, ultrapassar seus limites, tinha como objetivo testar a possibilidade de ir além dos registros habituais da consciência. O corpo morto parecia capaz de abrigar novos começos. Fazer renascer o corpo. Viver outras vidas. Carregá-las o tempo todo no corpo.


A dança butô revela um corpo que pode “ver com a pele, respirar com o ventre”. Nesse sentido, o interior do corpo permanece vedado ao órgão da visão, aberto por uma faculdade do “sentir”, de um território incomum, de estados singulares de percepção.
Os olhos na dança butô podem ser um exemplo bastante interessante para pensarmos nessa possibilidade de deslocamento e amplificação de um corpo que se refaz o tempo todo, descolonizando-se e recolonizando-se em fluxos contínuos de intensidade, numa criação sempre móvel.


SANKAI JUKU

VIDEO: SANKAI JUKU-BUTOH DANCE



Outro dos principais herdeiros da tradição do mestre Hikijata, o Butô, é o Sankai Juku, grupo criado em 1975. O nome Sankai Juku significa “oficina da montanha e do mar”, uma referência aos dois elementos característicos da geografia japonesa. A companhia já esteve no Brasil com a peça Unetsu -Ovos em Pé por Curiosidade e Kagemi -Além das Metáforas de Espelho.

VIDEO: SANKAI JUKU – TOKI



No Brasil
Além do grupo Sankai Juku, o mestre Kazuo Ohno já veio ao Brasil por três vezes (1986, 1992 e 1997), assim como Natsu Nakajima, Anzu Furukawa, Ko Murobushi, Min Tanaka, Carlotta Ikeda e sua Cia. a Ariadone, também já se apresentaram por aqui.


SABURO TESHIGAWARA


Como a arte também está em evolução, Saburo Teshigawara, difundiu para o ocidente o pós-Butô, assim como ele se define na sua coreografia. Ele nasceu em Tóquio em 1953 e é o mais importante coreógrafo japonês contemporâneo. Iniciou sua carreira em 1981, após sua formação em artes plásticas e dança clássica.

VIDEO: SABURO TESHIGAWARA



Gozando de um prestígio significativo no mundo da dança, é convidado para os principais palcos mundiais com a sua companhia Karas (que significa «corvo», um pássaro benéfico na cultura japonesa), que fundou com Kei Myata em 1985.
Paralelamente ao seu trabalho solo e às suas atividades com a companhia, Teshigawara destaca-se no cenário da dança como coreógrafo e diretor. Com sua sensibilidade refinada para escultura e seu grande talento para composição coreográfica, uso do espaço e precisão de movimento, elaborou um universo distinto e único na dança contemporânea. Ele cria a sua própria linguagem, resolutamente inovador e baseado numa investigação permanente sobre a liberdade.

Aqui, um trecho do espetáculo "Glass Tooth", onde ele dança sobre pedaços de vidro que simbolizam fragmentos do tempo.

VIDEO: 'GLASS TOOTH' - SABURO TESHIGAWARA

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