quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Nós, os ressentidos : feministas, marxistas, lacanianos, neohistoricistas, desconstrucionistas e semióticos


O efeito Bloom


publicado em 
Fonte: http://acervo.revistabula.com/posts/ensaios/o-efeito-bloom
POR  EM 23/03/2009 ÀS 02:58 PM
Em “O Cânone Ocidental”, um panfleto contra tudo e todos. Bloom fez um ataque violentíssimo, messiânico e ideológico ao que batizou de “Escola do Ressentimento”. Para ele, os ressentidos podem ser encontrados em seis ramos: feministas, marxistas, lacanianos, neohistoricistas, desconstrucionistas e semióticos. O pecado deles havia sido trocar os estudos sobre Shakespeare por autores que pertencem a minorias étnicas e sociais
O ano de 1994 marcou o início da disseminação, no Brasil, das idéias do crítico literário Harold Bloom. O entusiasmo por este scholar norte-americano restringe-se aos meios de comunicação que lhe dedicam páginas e páginas a cada novo lançamento. No ambiente universitário, as obras dele têm circulação bem restrita e dividem espaço com outros estudiosos de literatura. Trata-se, portanto, de um fenômeno predominantemente midiático. E é curioso buscar as razões para um estudioso complexo de literatura inglesa do começo do século XIX cair no gosto de divulgadores culturais, em um país periférico de língua portuguesa.
Não se deve estranhar a volubilidade dos letrados brasileiros em assimilar idéias da última hora – ou da “a última moda em Paris”. Em 1986, Roberto Schwarz lembrava que ele mesmo já assistira à sucessão de impressionismo, historiografia positivista, “new criticism” americano, estilística, marxismo, fenomenologia, estruturalismo, pós-estruturalismo e teorias da recepção. “É fácil observar que só raramente a passagem de uma escola a outra corresponde, como seria de esperar, ao esgotamento de um projeto; no geral ela se deve ao prestígio americano ou europeu da doutrina seguinte”, diz Schwarz.
A recepção de Bloom no Brasil é mais um movimento volúvel de troca de teoria, ainda que confinado a um ambiente (a mídia) avesso ao pensamento teórico. Mas qual a motivação para tanto entusiasmo nos meios de comunicação?
Harold Bloom caiu como uma luva em um cenário (a primeira metade dos 1990) em que o campo cultural brasileiro sofreu o abalo do fim dos regimes do Leste Europeu e encantou-se com as virtudes do mercado. Foi o período de virada em direção aos encantos da globalização econômica. Algo que um dos barões da mídia muito bem sintetizou no livro para louvar os 50 anos do caderno da cultura e entretenimento de seu próprio jornal: “Nenhuma obra mais causa escândalo, nenhum (sic) geração de artistas faz uma revolução, porque todas as experimentações com a forma já foram feitas. Parodiando Fukuyama, a história cultural também acabou”.
O jornal deste barão ilustrado foi, por sinal, o principal divulgador de Bloom, lá pelo ano de 1994. Na época, trombetas celebraram o lançamento do livro “O Cânone Ocidental”, um panfleto contra tudo e todos. Bloom fez um ataque violentíssimo, messiânico e ideológico ao que batizou de “Escola do Ressentimento”. Para ele, os ressentidos podem ser encontrados em seis ramos: feministas, marxistas, lacanianos, neohistoricistas, desconstrucionistas e semióticos. O pecado deles havia sido trocar os estudos sobre Shakespeare por autores que pertencem a minorias étnicas e sociais.
Esse tipo de comentário veio no momento certo para servir de arma no debate cultural e político brasileiro de 15 anos atrás. Um crítico de literatura romântica, alguém completamente deslocado no tempo e no espaço do país, dava a resposta exata para uma disputa, essa sim, de espaços. E é lógico que, para Bloom, o mentor do ressentimento só poderia ser um marxista.

Diz ele em “O Cânone Ocidental”: “O herói desses anticanonizadores é Antonio Gramsci, que em suas “Seleções dos Cadernos de Prisão” nega que qualquer intelectual esteja livre do grupo social dominante se se apóia apenas na ´qualificação especial´ que partilha com o ofício de seus companheiros (como outros críticos literários)”. É muito interessante notar como a escolha de Gramsci como inimigo coincide com as idéias de nossos aristotélicos aloprados que infestam hoje revistas e jornais brasileiros.
Bloom começou ali a pregar a existência de um mundo estático, cujo único movimento seria a luta edipiana de autores (a teoria da “angústia da influência”) contra o gênio de Shakespeare. E daí? E daí que foi um tal de redescobrir o “bardo inglês’, os clássicos universais. Numa época em que o mundo se voltava mais e mais para obras de africanos, árabes, indianos, aparece um especialista para falar de cânones e restringir o rol de obras que são reconhecidas como arte.
O militante Bloom faz a cruzada contra a linhagem de estudos que relacionam arte e sociedade. É a velha, surrada e conhecida história da autonomia da arte, que já foi esmiuçada por Pierre Bourdieu em “As Regras da Arte”. Em tempos mais reacionários e anticomunistas que o da Guerra Fria, porém, a defesa do cânone veio a calhar.
Os leitores midiáticos de Bloom usam o crítico norte-americano como arma letal na guerra de idéias, no “fim da História” cultural. É para isso que ele serve. Ataca-se a tradição da crítica materialista de Antonio Candido e Roberto Schwarz, mas não se recorre a Silviano Santiago ou a Luiz Costa Lima. A fórmula para os novos tempos, os anos 1990 globalizados, eram as sacadas contra uma “Escola do Ressentimento”, que estaria destronando e rebaixando as grandes obras canônicas. Porém, os divulgadores bloomianos não vão à sofisticada e criativa teoria de “angústia da influência”, até porque exigiria um aprofundamento de estudos.
O caso recente e pitoresco do efeito Bloom no Brasil ocorreu no lançamento do livro “Gênio”. Ao incluir Machado de Assis entre os “gênios”, o crítico norte-americano provocou lágrimas e uma tietagem que beirou a histeria. Um dos fãs soltou essa: “E é difícil não reconhecer a precisão deste julgamento da obra mais famosa de Machado de Assis, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: ‘Brás Cubas jamais sofre e, por conseguinte, jamais sofremos com ele. Todavia, uma frieza misteriosa emana das suas Memórias Póstumas, obra que contém atmosfera tão original que não permite comparação com qualquer outro texto ficcional´".
Outro divulgador conseguiu uma entrevista com Bloom a respeito do novo livro e arrancou a confissão do mestre: “Considero Machado o maior gênio da literatura brasileira do século XIX. Ele reúne os pré-requisitos da genialidade: exuberância, concisão e uma visão irônica ímpar do mundo. Procuro um grande poeta brasileiro vivo. Ainda não o encontrei. Conheço Carlos Drummond de Andrade e ouvi falar de Guimarães Rosa, que adoraria ler. Não sei se terei tempo”.
Bobagens não são exclusivas da mídia brasileira. Que o diga Larry Rother. Ele publicou no ano passado, no “New York Times”, uma reportagem sobre o centenário Machado de Assis na qual, obviamente, Harold Bloom é a grande estrela, a começar pelo título: “After a Century, a Literary Reputation Finally Blooms”.  Ou seja, o dito maior jornal do mundo dispensou o principal leitor de Machado em língua inglesa, John Gledson, para ouvir os lugares-comuns de Bloom.
Quem deu a melhor dica para entender o efeito bloomiano foi Terry  Eagleton: “A crítica de Bloom revela com clareza o dilema do liberal moderno, ou humanista romântico – o fato de que, de um lado, não é possível uma reversão a uma fé humana serena, otimista, depois Marx, Freud e do pós-estruturalismo, mas que por outro lado qualquer humanismo que, como o de Bloom, tenha sofrido as pressões agônicas dessas doutrinas, está fadado a comprometer-se com elas, a ser contaminado por elas”. Esse é um desejo bem atual na mídia e certos círculos intelectuais: voltar a um mundo anterior ao marxismo e à psicanálise. Ainda bem que jamais conseguirão.

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