quarta-feira, 25 de maio de 2016

Fascista, o vento será tua herança...


Fascista, o vento será tua herança




"Os tempos serão de intolerância e ódio. A criminalização da diferença é uma marca registrada do fascismo"
Por Marcio Sotelo Felippe
O golpe consumou-se. No dia 12 de maio a presidência da República foi usurpada por uma figura política que passará à História do Brasil na galeria da vileza em que estão Silvério dos Reis e Calabar. Eleito vice-presidente, conspirou com o que havia de mais sórdido no País para desalojar do poder a sua companheira de chapa e colocá-lo a serviço da classe dominante que preda o País desde sempre. Na mira dos golpistas estão desde o petróleo até direitos trabalhistas, a revogação, na prática, da CLT e mais uma reforma da previdência.  Negociações com sindicatos enfraquecidos e manietados pelas restrições às liberdades públicas pretende-se que prevaleçam sobre os direitos assegurados pela legislação trabalhista.
O jornalista Luis Nassif adverte que haverá uma noite de São Bartolomeu. O golpe teve o apoio social construído a partir do ódio e esse ódio, matéria-prima do fascismo, vai se espalhando pelo aparelho do Estado ao modo de círculos concêntricos que se irradiam quando se joga uma pedra na água.
 "A própria ditadura militar por vezes tinha pudores que o reacionarismo de hoje descarta abertamente"
Os jornais de 13 de maio, ironicamente um 13 de maio, noticiam que o órgão responsável pela orientação jurídica do Estado, a Procuradoria Geral do Estado – me permitam por um momento usar o português claro – liberou a porrada da polícia nos nossos jovens. A PM poderá desocupar escolas sem ordem judicial. A própria ditadura militar por vezes tinha pudores que o reacionarismo de hoje descarta abertamente. Dou um exemplo. No dia 23 de junho de 1968, a Faculdade de Direito da USP foi tomada pelos alunos. Ocupações de escolas e universidades são formas clássicas de lutas sociais e aquela vinha na esteira do maio de 68 na França e da efervescência rebelde daqueles anos 60 em todo o mundo. Os estudantes das Arcadas protestavam contra a ditadura, o modelo de ensino e as velhas estruturas autoritárias da Universidade. Durante semanas, alunos e professores (Goffredo da Silva Telles, entre eles) desenvolveram atividades e palestras num momento simbólico de libertação. Após algumas semanas a polícia retirou os alunos, que saíram cantando em fila, sem que um gesto de violência tivesse sido praticado.
Dez anos depois, 1978, eu fui eleito representante dos alunos na Congregação. O primeiro item da pauta da primeira reunião de que participei foi a votação pelo arquivamento da reintegração de posse movida na época pela Universidade para retomada do prédio. A ação, esgotado seu objeto, não fora arquivada até então. Era uma tecnicalidade formal, mas também um momento simbólico e marcante da história da Faculdade e me senti privilegiado por participar dele.
A ditadura militar não ousou desocupar a Faculdade sem ordem judicial e o fez sem violência. Havia momentos na ditadura em que o reacionarismo não ousava dizer seu nome e sentia necessidade de reprimir com pelo menos uma aparência de legitimidade pelo uso de medidas legais e jurisdicionais.
Agora, o órgão responsável pela orientação jurídica do Estado autoriza a nossa “pacífica” polícia (segundo todas as estatísticas uma das mais brutais do mundo) a agir livremente, sem qualquer freio de autoridade judicial, contra jovens, sob o argumento de que isto equivale ao que prescreve o artigo 1210, parágrafo primeiro, do Código Civil: o possuidor turbado pode valer-se do desforço físico próprio para defender sua posse em certos casos e desde que o faça logo.
Transportado o dispositivo para a esfera pública, remete às formas mais primitivas de feudalismo, cujo conceito de propriedade incluía poder político e a jurisdição. É simplesmente inconcebível no Estado moderno que as liberdades públicas, cláusulas pétreas constitucionais, sejam descartadas com fundamento em norma de relações jurídicas de Direito Privado.
O golpe, o clima de intolerância criado para legitimá-lo, fez emergir o obscurantismo e forças cegas, irracionais e primitivas
"Os tempos serão de intolerância e ódio. A criminalização da diferença é uma marca registrada do fascismo. Pequenos poderes e pequenas autoridades se sentirão autorizados a desgraçar quem não é espelho de suas mentes feudais, cegos pelo ódio".  
adormecidas na sociedade. Uma juíza em Minas Gerais proibiu o Centro Acadêmico da mais tradicional Faculdade de Direito do Estado de fazer uma assembleia para debater o impeachment e temas políticos. Um deputado do Nordeste apresentou um projeto para proibir que professores abordem certos temas e “doutrinem” em salas de aula. Afinal, por que não? Um juiz curitibano confessa abertamente que prende para obter delações, ou seja,  impõe sofrimento para investigar e punir suspeitos, o que tem o nome de tortura.
Os círculos concêntricos do obscurantismo vão se irradiando. O artigo de Nassif que mencionei aponta outros casos. O indiciamento do advogado Augusto Botelho por divulgar mensagens no Facebook de delegados da Lava Jato fazendo campanha para Aécio, porque seria “conspiração” contra a Polícia Federal. O veto ao uso da palavra golpe no Senado na reunião da comissão do impeachment. Juízes que se manifestaram contra a ruptura da ordem democrática sendo ameaçados de sanções disciplinares, ao mesmo tempo em que centenas de outros juízes defendem nas redes sociais a deposição ilegítima e inconstitucional da presidenta. Um promotor da Bahia também representado disciplinarmente por declarações contra o golpe. Blogueiros e advogados na mira da Lava Jato.
Os tempos serão de intolerância e ódio. A criminalização da diferença é uma marca registrada do fascismo. Pequenos poderes e pequenas autoridades se sentirão autorizados a desgraçar quem não é espelho de suas mentes feudais, cegos pelo ódio.    
Na década de 20 um professor de biologia do Estado do Tennessee foi processado por ensinar o darwinismo. Era crime naquele estado. O julgamento tornou-se um caso nacional e os dois mais reputados advogados dos EUA trabalharam no processo. Um, liberal iluminista, defendendo. Outro, fundamentalista bíblico, acusando.
O episódio foi retratado em um filme chamado O Vento Será Tua Herança, que tem uma cena memorável retratando a angustiante batalha da razão contra a intolerância e a fé cega.
O defensor, continuamente cerceado em sua defesa por um juiz faccioso, termina por arrolar o ex-adverso como perito em assuntos bíblicos. Pergunta-lhe como seria possível contar o tempo em dias de 24 horas se apenas no quarto dia, segundo o Gênesis, Deus criou o sol e os corpos celestes. Quanto seria de fato “um dia” nessa narrativa? Não poderiam ser 25 horas? “Sim”, responde o advogado defensor da fé bíblica, “Deus pode tudo”. Então também um século? Milênios? Astronômicos períodos de tempo? Então não se deve interpretar a narrativa bíblica literalmente se o sol somente surge no “quarto dia”...
Este singelo exercício de racionalidade desestrutura a personalidade do fundamentalista, que daí em diante torna-se patético mesmo para os que o apoiavam. No entanto, o professor é condenado.
O nome do filme é retirado de uma frase bíblica: quem perturba sua casa receberá o vento como herança. Quem perturba a sociedade com intolerância, fé cega, fanatismo, ódio receberá o vento como herança.
Então este será o tempo da resistência. A resistência dos democratas que não renunciarão a nenhuma forma de luta e que tem, como o advogado iluminista do filme, o imenso poder libertador e iluminador da razão contra o obscurantismo dos que não aceitam uma sociedade justa, igualitária e solidária em que todos tenham o direito de pensar, manifestar-se, reivindicar e exercer a autonomia sem a qual a condição humana se perde.
Fascista, o vento será tua herança.
Marcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.


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Nassif: golpe dará início a período obscuro para o Brasil

Xadrez de um período obscurantista que se espera breve
Por Luís Nassif, no GGN
Fonte: http://www.ocafezinho.com/2016/05/02/nassif-golpe-dara-inicio-a-periodo-obscuro-para-o-brasil/


Tem-se o seguinte jogo na mesa:
Peça 1 - Um presidente interino, prestes a assumir o poder, com escassa legitimidade, dentro de um caso clássico de golpe parlamentar.
Peça 2 - uma guerra política prévia que dividiu o país ao meio espalhando o ódio.
Peça 3 - um aglomerado de forças dispersas, divididas entre vários núcleos de micro poder, prestes a tomar a cidadela adversária, sem obedecer a um comando central.
Peça 4 - Os últimos episódios parlamentares, tanto a votação da Câmara quanto o contraste chocante no Senado, entre propositores do impeachment e seus críticos, entre os argumentos de Janaína Cabral e José Eduardo Cardozo. Para qualquer pessoa dotada do mínimo de discernimento, não há mais dúvidas quanto à natureza do golpe, deslegitimando ainda mais o novo bloco de poder.
Juntando as quatro peças não se tenha dúvida de que nos primeiros tempos do novo governo haverá uma verdadeira Noite de São Bartolomeu política.
Será um período de intensa repressão, de ajuste de contas, até que haja uma relativa unificação do poder de Estado e uma reação das vozes democráticas contra os abusos. Não será uma repressão centralizada, de Estado, mas uma vendetta generalizada em todos os setores onde houve disputa política e resistência ao golpe.
Será um período rico para análises de caráteres e de condutas. Os mais velhos verão muitos pontos similares com o período militar, com delações, acertos de contas, tentativas de expurgo, ações políticas contra os recalcitrantes. Muitos estranharão o comportamento de conhecidos, endossando arbitrariedades, expelindo ódio pelas ventas, contribuindo com delações, insuflando a vingança. Faz parte desses momentos excepcionais, em que a barbárie toma conta de um país e engolfa as instituições, trazendo à tona o que de pior existe na sociedade.
Nos últimos dias houve um pequeno ensaio do jogo.
·      O indiciamento do advogado Augusto Botelho, acusado de conspirar contra a Lava Jato, por ter divulgado postagens no Facebook de delegados da Lava Jato em campanha pro-Aécio. Segundo a denúncia, ele teria “conspirado” contra o Superintendente da Polícia Federal em Curitiba.
·      A juíza de Belo Horizonte que proibiu reunião do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) para manifestar discordância do processo de impeachment.
·      As sucessivas ameaças de senadores a quem pronunciasse a palavra “golpe” na reunião da comissão do impeachment.
Os próximos capítulos já estão delineados.
No Judiciário, representações contra juízes que ousaram sair em defesa da democracia. Já existem pelo menos quatro casos no Rio de Janeiro.
No Ministério Público, representações contra procuradores que se posicionaram a favor da democracia. Vários casos em Brasília.
A Lava Jato prepara duas operações simultâneas: uma contra advogados das partes; outra contra jornalistas e blogueiros críticos.
E aí, o quadro político ficará exposto a um paradoxo curioso.
As arbitrariedades generalizadas são frutos da falência ampla do regramento político e jurídico, dos instrumentos institucionais e das regras sociais que regem as sociedades civilizadas, incluindo as normas que garantem direitos individuais.
É como se o golpe rompesse os fios que unem a Presidência da República, o STF (Supremo Tribunal Federal), os tribunais superiores, ao cidadão comum, toda a edificação que garante a convivência civilizada de pensamentos opostos.
O país está, de fato, ingressando no mais virulento faroeste, regredindo aos idos dos anos 60.
Em circunstâncias normais, caberia ao provável novo presidente Michel Temer organizar o estatuto da gafieira em que se converterá o país após o golpe. Mas, como, com a parca legitimidade e as ameaças que pairam sobre ele?
Sabe-se como os golpes começam; não se sabe como terminam.
E aí Temer terá um de seus grandes dilemas. Se estimular a guerra, ou mesmo se não conseguir evita-la, terminará na fogueira, com o país envolto em uma pré-guerra civil.
Sua única saída será propor alguma forma de pacto. Mas como ser bem-sucedido se assume o poder de forma ilegítima? E quem serão os interlocutores, com a Procuradoria Geral da República buscando a todo custo a criminalização de Lula e Dilma, além de manter em suspenso os indiciamentos de Temer e Renan?
Os próximos meses exigirão um enorme exercício de boa-vontade – que, por sinal, é a matéria prima mais escassa no mercado da opinião pública. Será um período obscurantista, mas passageiro, a não ser que se aposte na volta do país à República Velha. Enquanto durar, doerá.



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O medo do comunismo e a paranoia de pessoas supostamente bem informadas

Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/10/o-medo-comunismo-e-paranoaia-de-pessoas-supostamente-bem-informadas.html

Executivos, advogados, médicos etc., pessoas que se consideram "bem informadas" pela mídia tradicional estão, pasmem, com medo da "invasão bolivariana": comunistas escondidos nos telhados, prontos para atacar a noite e articulados pelo Foro de São Paulo

Luis Nassif, GGN
Converso com um advogado, de um grande escritório, liberal e de cabeça aberta. E me surpreendo com seus receios: o de que a vitória de Dilma Rousseff possa ser o início de uma república bolivariana no país.
Por e-mail, um ex-executivo de banco me escreve manifestando o mesmo receio.
São pessoas supostamente bem informadas pelos meios convencionais de informação: os velhos jornais e revistas do eixo Rio-São Paulo.
Esclareço que os problemas do PT são os mesmos dos partidos convencionais: acomodamento trazido pelo poder, apego aos cargos públicos, burocratização, fechamento às manifestações da opinião pública.
Nada que o PSDB e mais partidos também não pratiquem em estados onde são poder.
Digo a ambos que o papel dos partidos é o de civilizar a disputa política, abrigando os diversos segmentos sociais dentro do esquadro partidário. Onde não acontece esse trabalho, a disputa política torna-se selvagem. Hoje em dia, a maioria dos movimentos sociais ganhou uma institucionalização, porque representados na esfera partidária. E o PT teve papel relevante nessa ação civilizatória.
Seu defeito de hoje foi ter fechado as portas aos novos movimentos e burocratizado sua estrutura. Mas esses movimentos buscaram o Rede, de Marina – infelizmente servindo de escada para as ambições menores de Marina, que abriu mão de criar um partido pelo canto de sereia de um cargo em um futuro governo Aécio.
Do lado do governo Dilma, houve o mesmo fenômeno do PT, do abandono dos conselhos de participação e outras formas de interação com a sociedade civil – incluindo os conselhos empresariais, que se manifestavam no Conselhão (o Conselho de Desenvolvimento Social) e nos conselhos reunidos em torno da ABDI (Agência Brasileira para o Desenvolvimento Industrial).
Então o que assusta meus interlocutores? O advogado explica que foi a reação de Dilma às ofensas do Itaquerão, quando generalizou e atribuiu as grosserias à elite branca. E também as manifestações populares, durante sua campanha.
Seria o mesmo que considerar que a adesão a Aécio do submundo dos preconceitos e da intolerância transformaria sua vitória em uma Noite de São Bartolomeu,
Na verdade, já era hora de ambos os partidos se desvencilharem desse radicalismo que só se manifesta na retórica dos palanques.
Por trás desses medos recíprocos, há um enorme déficit informacional, devido ao proselitismo cada vez maior do jornalismo atual e à incompetência cada vez maior dos partidos. A insistência em se falar de venezuelização do país mostra que o único ponto de convergência com a Venezuela é o nível de ambas as mídias.
Os tropeços da política econômica de Dilma não podem ser comparados ao populismo desbragado do chavismo. A busca de relações comerciais com a América do Sul, ou com os BRICs, se prende a uma estratégia geopolítica – que pode e deve ser criticada enquanto estratégia, não como uma tendência bolivariana.
O país cheio de comunistas escondidos no telhado das casas, prontos a atacar de noite, articulados pelo Foro São Paulo é uma criação midiática, pirações da sociedade do espetáculo, roteiros novelizados, assim como foi o fantasma da guerra fria que gerou o macartismo nos anos 50 nos Estados Unidos ou a Guerra dos Mundos, de Orson Wells.


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"A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Testada em Honduras e no Paraguai, ela se mostrou eficaz e lucrativa", escreve Michael Löwy sobre o processo de impeachment

https://www.facebook.com/caetanodable/posts/10209574255456280

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