quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Devir : (des)território dos desejos...

devir


O desdobramento ecoado de um mantra no (des)território dos desejos...


Tecíbrido Desejante

{ em 26.12.2011 } {  •  •  •  •  •  }
Tecíbrido Desejante
É uma escultura sonora relacional que procura interagir e se re-criar a partir do desejo de seus interatores num espaço e tempo subjetivo e maleável. Incita a sensibilização de quem o acessa à um espaço fluído imaginativo, convidando-o a dialogar com uma teia sonora em constante fluxo e criação.
O projeto é parte de uma investigação pessoal acerca da produção de um possível “Design Vivo”: um organismo humanizante em constante mudança, capaz de produzir a diferença a partir de quem o toca, nutrindo-se pelas diferenças. Um design que, como a roupagem de Arlequim, viaja assumindo diversas formas, mas que pelas relações e roteiros já estabelecidos se modifica e fala palavras cada vez mais híbridas. Um corpo relacional que produz e possui desejos compositivos, situado e tramado num tecido de relações desejantes tanto imanentes quanto transcendentes.
“O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.”
Manoel de Barros
Através de um ambiente sonoro, um tecido maleável, e uma teia relacional digital, o projeto procura construir um diálogo do interator consigo mesmo, num mergulho dentro de um caos interior onde a ordem emerge de forma imanente através de um entendimento imaginativo puramente estético, sensório, e não-verbal. O sujeito esculpe e modifica uma teia sonora aberta, tecida por ele mesmo e por outros interatores em momentos outros, incitando sua imaginação e fomentando um processo de descoberta da paisagem que constantemente se cria.
Permite com isto o acesso à uma nova percepção espacial, temporal e sonora – um “viajar liso” – onde o interator pode agir como queira modificando e dialogando com outro corpo orgânico-semiótico, mediado por uma interface-escultura com especificidades líquidas, e sensibilizado sonoramente por sua própria imaginação numa paisagem que o conecta à uma percepção de uma realidade em fluxo.
“Se eu utilizo uma fita de Moebius para essa experiência é porque ela quebra os nossos hábitos espaciais (…). Ela nos faz viver a experiência de um tempo sem limite e de um espaço contínuo.”
Lygia Clark – Diários (Caminhando).
Tecíbrido Desejante - Como Funciona
Como funciona:
Sua parte tangível é composta por uma interface maleável (um tecido híbrido wireless), situado num espaço sonorizado. O navegante interage com a interface através das mãos (corpo), que altera uma teia digital de sons, produzindo uma paisagem sonora que incita a imersão e imaginação do interator.
Digitalmente, os dados de manipulação da interface-instrumento alteram o estado de uma teia digital. Chamo esta teia de “teia relacional”: é relacional por ter seu significado sempre imanente à quem o acessa (a partir das especificidades duais do objeto em questão), mas é teia por não ser constituída solidamente e imutável, mas sim através de um sistema digital de partículas e relações auto-organizadas que criam novos padrões de forma emergente.
Portanto ao passo que há interação, os dados de navegação são re-inseridos no sistema, que se adapta cada vez mais ao interator. Esta aprendizagem do sistema altera a configuração geral da própria teia, que lentamente é modificada pela ação de múltiplos usuários que a acessam. Este espaço criado então exibe um comportamento não somente reativo mas organicamente vivo, por constituir um padrão auto-organizado gerado por múltiplos usuários – é tanto reflexo dos desejos de seus constituintes, quanto de sua própria vida que aos poucos se constitui. Criatura!
Os dados trabalhados alteram a rede gerando novos sons e composições sonoras, que são exibidos ao interator modificando e fechando assim um ciclo retro-alimentado entre as três partes. A paisagem sonora criada é portanto fruto tanto da interação do navegante, quanto da vontade da teia mestiçada. O som deve privilegiar esta transposição, e atuar na imersividade da experiência no espaço, estando sempre aberto à significação do navegante perante a paisagem criada. Ele age à procura de um som para a Dobra num processo de subjetivação do sujeito.
“O Objeto Relacional não tem especificidade em si. É na relação estabelecida com a fantasia do sujeito que ele se define. (…) Ele é alvo da carga afetiva do sujeito, na medida em que o sujeito lhe empresta significado, perdendo a condição de simples objeto para, impregnado, ser vivido como parte viva do sujeito.”
Lygia Clark – Diários (Objeto Relacional).
Assim como num mantra, a a-significação de seus componentes semióticos e sua estrutura simples e precisa, são partes imporantes para sua composição relacional. Somente em primeiridade, tanto a interface tangível quanto a paisagem sonora possuem especificidades como liquidez, leveza, maleabilidade e intensividade. Tais comportamentos pretendem despertar nos interatores um entendimento particular destas qualidades em seu inconsciente (que é essencialmente coletivo), como estratégia relacional de acesso às bases da imaginação do sujeito.
Intendem assim, durante o acontecimento de imersão, instigar uma nova percepção de um viajar orgânico pelo caos num espaço liso de interações, onde articula-se somente as intenções e não os resultados finais, bem como cada instante é um novo momento de descobrimento de novas paisagens de um tempo imanente. Uma percepção necessária para se compreender e experienciar cada vez mais uma realidade imaginativa, caótica e em fluxo: uma criação sempre em processo!
“A regra de produzir sempre o produzir, de inserir o produzir no produto, é a característica das máquinas desejantes ou da produção primária: produção de produção.”
Deleuze & Guattari – O Anti-Édipo.
Prosa e próximos passos:
Apesar do palavreado demasiadamente rebuscado (e sim, sei, ainda sem as referências adequadas, e com muitos conceitos a serem ligados e refinados), a ideia prática é bem simples, e é assim que pretendo prosseguir com meu projeto. Tanto por estar gostando bastante ( :D ), quanto por em alto grau parecer fazer sentido perante meu trajeto até aqui.
Há realmente muito chão ainda pela frente! Ao passo que a interface tangível se encaminha relativamente dentro do prazo, preciso me aprofundar nos estudos acerca da manipulação digital dos dados, e principalmente de composição sonora. Um aprofundamento nos estudos de linguagem sonora é muito mais do que necessário – e certa hora devo começar a criar o design visual definitivo do projeto (que até agora não passou de uma experimentação desconexa).
Quando já acho que estou nadando em marés profundas, me vejo ainda tão no raso. Há muito ainda para descobrir com meu próprio projeto e processo. Serão longos 5 meses pela frente. Mas nada me resta senão respirar fundo, manter a empolgação e mergulhar novamente – contando com toda ajuda possível, é claro. [=

Três planos

{ em 24.12.2011 } {  •  •  •  •  }
Este texto é na verdade um adendo acerca de meu processo até aqui, (mais uma) elucubração como introdução ao próximo post que conterá a concepção “final” de meu projeto prático-teórico.
Após idas e vindas, a cimática de meu projeto passou por uma troca de fase. Em partes, meu processo tem sido tentar identificar padrões num caos de intenções inconscientes – tanto própria quanto coletiva. A identificação do Invisível, do Instrumento e da Criatura foi parte deste avanço.
Conforme o tempo passa, mais entendemos as intenções iniciais, e mais projetamos o futuro: criatividade em espiral. A emergência de certas linhas e pontos de relações é cada vez mais clara, ao passo que outros permanecem vivos, mas com menor relevância por menor incidência. Meus passos são relativamente pequenos – mas a volta tem sido grande, proporcionando novos encontros e maior abertura das bases de meu projeto. Como aprendi com um grande amigo: todo passo no processo criativo, é como forma de ferradura. Em certo sentido, isto é até empolgante.
“O pensamento remete portanto à experimentação. Essa decisão comporta pelo menos três corolários: pensar não é representar(…); não há começo real senão no meio, ali onde a palavra “gênese” readquire plenamente seu valor etimológico de “devir”, sem relação com uma origem; se todo encontro é “possível” no sentido em que não há razão para desqualificar a priori certos caminhos e não outros, todo encontro nem por isso é selecionado pela experiência.”
François Zourabichvili – “Rizoma” em O Vocabulário de Deleuze
Tentando encontrar uma cerne para os tipos de planos que meu projeto articula, cheguei à um possível esquema simples de como (no que tange sua concepção virtual e intangível) pode ser visualizado. Emprestando os três planos descritos em “O que é a filosofia” de Deleuze e Guattari, me arrisco a dizer que o solo do Design pode estar constituído nas relações sobrepostas de três planos: Plano de Imanência (da qual a Filosofia se faz), Plano de Composição (da qual a Arte se faz) e Plano de Referência (da qual a Ciência se faz).
Acredito que o entendimento geral de um processo em design pode passar pelo entendimento das relações destes três planos afim de situar os tipos de relações em territórios referenciais (momentaneamente pragmáticos), para mais fácil identificarmos como e em quais direções os processos de desterritorialização provavelmente ocorrem no processo do projeto em questão. É importante salientar que ele se faz na relação entre eles, e é sempre imanente a cada ato ou acontecimento, não estando fechado à uma modulação ou plano.
Um exercício, não uma classificação, de visualização da sobreposição dos planos e de seus conceitos-chave no que tangem meu projeto:

O Invisível, o Instrumento e a Criatura

{ em 20.10.2011 } {  •  •  •  •  •  •  }
Salto! O Invisível dobra e compõe, ao passo que o Instrumento dobra e sente. A Criatura dobra e liberta! Três traquitanas que brincam e articulam sempre diferentes devires. Sempre de forma aberta ao híbrido, aberta à multiplicidade: juntos fazem rizoma!
Inspirado pelo bricoleur, meu projeto de conclusão de curso é um experimento. Um experimento que começou na criação de um projeto sem fim, e assim pretende continuar. Um experimento com as partículas de uma emergência, mas não fechado à uma forma resultante desta experiência: é aberto ao múltiplo durante todo o processo. Abdico com este projeto de qualquer objetivo já traçado. É o fluxo de meu fazer, possuindo somente intenções inspiradas nos processos mântricos e na complexidade contemporânea (vide mapa do post anterior).
Suas três partes constituem um complexo de linhas de uma mesma multiplicidade. Realidade esta que só se constitui de forma fractal. Falar de um deles, é também falar de todos. Há invisíveis, Instrumentos e Criaturas dentro de cada Invisível, Instrumento e Criatura.
Devir Invisível
O Invisível é o que permeia. É onde as intenções se fazem, é como os movimentos de desterritorialização são possíveis. É constituído de dados crus, fluxos e mapeamentos que transpassam o todo.

Ele é o portador do movimento que torna capaz a emergência de todo o processo, um campo vibrátil. Neste projeto o constituo como o não-dito, o inverso. O silêncio, o plano de possibilidades perceptivas, o plano de possibilidades de fuga e remapeamentos. É virtual em essência, o que o possibilita se relacionar sempre ao diferente. É o plano de imanência dos navegantes e todas as aberturas e linhas de fuga para novas realidades.
É um espaço constituído por todas as casualidades e atratores do momento de experiência: é sempre diferente para cada instante. É quem cria as condições, e se realiza somente no acontecimento. É a percepção emergente, a ação resultante, e todo o movimento virtual de ideias posterior à experiência. É no Invisível e no silêncio que as conexões são formadas, as relações formadas balançam a rede gerando repercussões mil.
Neste projeto, o Invisível possui intenções que tocam os territórios da arte, do design, da tecnologia e da psicologia. No Invisível, as intenções são a-significativas e abertas a novas movimentações e multiplicidades, como num mantra. Sua maior característica é ser essencialmente aberto à novas e outras intenções, mas sempre se enquadra no campo compositivo e de criação de novas conexões. O Invisível possibilita o viajar de modo liso: é puro fluxo.
Devir instrumento
O Instrumento é o que capta. É estratégia e modo de acesso à complexidade. É o que faz a interface, constrói as ruas e canais sem fim: os verte a fluxos com destinos em aberto e ainda reconduzíveis.

O constituo como um quali-objeto físico-sonoro, configurador de um tipo de movimento: um espaçamento pautado sobre a diferença ondulatória. É captação de parte do Invisível.
É uma interface híbrida, tão simples quanto um pedaço de véu. O tangível nele existe como pura maleabilidade. O navegar desta interface é somente dobra, redobra, estriamento e alisamento. Ele é a ponte, é meio. É uma membrana que cobre e passa entre. Molda-se ainda ao contexto onde existe: pode ser vento, terra, água; pode ser mão, face, ou pé; pode ser dança, brincadeira ou música.
Num cymatic, ele é como a superfície e as partículas. Por si só, não produz nada. Ele é algo que se insere ENTRE-coisas para que novos platôs sejam alcancados. Sua habilidade é transferir o fluxo do manuseio físico da interface (por meios humanos ou não) para o meio digital. Consegue capturar as linhas de movimento através das transformações em seu emaranhado, e transformá-las em dados puros, de modo que possam ser trabalhadas para quaisquer fins.
Qualquer ponto da interface tem a capacidade de se conectar a outra. Sua maleabilidade e configuração o torna aberto à heterogeneidade. Ao mesmo tempo, suas linhas possuem uma constituição própria, conotando uma multiplicidade de feedback durante o acontecimento do manuseio. Pode ainda ser quebrado em pedaços, ou aglutinado a outro, de modo a se formar um emaranhado de Instrumentos outros.
Para tornar possível tamanhas qualidades, o Instrumento tem de estar inserido numa teia maior que o perpetue como acontecimento. Deve ser aberto, de modo que possa ser facilmente modificado, incorporado a outros contextos, reproduzido, quebrado. Uma peça que não se acaba com este projeto, mas somente se atualiza e lança ao mundo para ser modificado e re-utilizado, numa rede de co-criação open-source.
Portanto sua criação tem de ocorrer de forma abertas às bases, e sua produção exige uma abertura no processo de forma que diferentes pessoas possam contribuir, co-criar e co-produzir o projeto. Para isto, vi necessário a criação de um novo espaço de interação para a criação e produção do Instrumento. Nele espero introduzir tanto minha ideia inicial, quanto as pesquisas, testes e protótipos criados tanto por mim, quanto pelos demais entusiastas e ajudantes da rede:
http://www.namainstrument.tumblr.com

Devir criatura
A Criatura é a que cria. Constitui toda uma vida que só é possível através de um instante: e é sempre diferente por ele. Ela dobra o espaço-tempo, vertendo e invertendo fluxos pelo plano dos desejos.

Ela é ao mesmo tempo o som que alimenta a emergência, quanto o movimento complexo emergido. A Criatura interpreta o fluxo de navegação dos navegantes perante o Instrumento, extraindo e aprendendo com ele linhas de desejos imanentes. Com estes dados trabalhados, a Criatura estabelece um diálogo com os navegantes através de quali-signos sonoros, que são tan to imagem quanto som.
Cabe a esta comunicação, a esta mensagem, tornar somente visível o próprio fluxo gerado pelos navegantes. Não cabe a ela enquadrar a mensagem sobre outros padrões: ela é uma transferência de um fluxo de desejos, iniciado pelos navegantes, potencializado pelo Invisível, captado pelo Instrumento, e retornado aos navegantes através da Criatura. São conduções de uma mesma vibração, e não re-interpretações. Ela conduz linhas abstratas, e retorna linhas abstratas!
Portanto, a Criatura age tanto no tratamento dos dados inseridos no Instrumento, quanto na resposta que será dada aos navegantes. Mas sua verdadeira potência é na realimentação do sistema com a ação provocada nos navegantes, pois é onde ambos se descobrem durante o processo, é onde os navegantes encontram através do caos um sentido. É um diálogo entre dois arlequins!
Ela ao mesmo tempo territorializa aquilo que o Invisível pressupõe, mas também é ela quem abre os novos espaços e realidades para os navegantes entrarem num estado imersivo de cibercognição, a ponto de modificar o ato de acesso num ato imanente transformador. É a Criatura que traz a tonalidade, e é ela quem aprende a fazer música e dança em conjunto com os navegantes. Cabe a ela verter os fluxos para que seja possível ao conjunto criar produção e mais produção através dos navegantes!
Para tudo isto, necessito portanto atualizá-la num meio e suporte que seja aberto e maleável às diversas variáveis de um sistema aberto. O meio digital não só supre estas necessidades quanto potencializa as relações deste projeto com todas as suas possibilidades compositivas. Neste ponto, imagino que na produção da Criatura lidarei com linguagens de programação (provavelmente Processing), e modos de criação de imagens e som generativos. Por hora tenho estudado estes modos e um pouco de programação generativa, e espero em breve trazer testes destas criações neste mesmo espaço.
Inspirado pelos mantras, o projeto está perpetuado no processo, onde procura ser somente interface para um complexo imanente de descobrimento e codificação. Suas linhas estriadas nada fazem além de indiciar devires, de sensibilizarem o caminhante à novos modos de se perceber e viajar, de movimentar as conexões afim de abri-las a um espaço liso de transformação.
Como configurar um espaço e um tempo onde o viajar de modo liso é possível? Qual seria a tonalidade e as linhas utilizadas que incitassem a emergência deste viajar sonoro? Como configurar um espaço vazio e cheio ao mesmo tempo?
Este projeto não tem fim definido. Não representa estes nem outros questionamentos. Não representa as teorias que o compõem. Não representa nada sólido e imutável. Não representa!
Este projeto propõe! Sua finalidade e suas representações são cambiantes. Constitui um trajeto poético: o projeto está no caminhar, onde o movimento que esta indução traz aos navegantes, é o próprio projeto em si!
Um projeto desejante.
É hora, finalmente, de fazê-lo acontecer! [=

Mantra e Complexidade

{ em 05.10.2011 } {  •  •  •  }
Clouds - Karindalziel
Quando criamos, seja o que for, sempre passamos por uma série de levantes criativos até que algo seja de fato expelido e concretizado. Chamo-os de levantes (no mais bel entender do Sr. Bey), pois entendo que as ideias surgem de um caos de informações e vontades – tanto imanentes quanto transcendentes – onde a própria natureza biológica nos prova que pensamentos são não pontos, mas redes. E redes regidas pela mesma dinâmica: a emergência.
O entendimento de como as ideias e a criatividade flui foi o ponto de partida para que começasse a me interessar por este modo como sistemas passam de um estado relativamente simples à complexidade. Palavras como caos, auto-organização, redes, teias, atualizações, não-linearidade, horizontalidade, coletividade, cibercognição, temporalidades, passaram a frequentar minhas ideias. Com Steven Johnson, entendi como a dinâmica de redes está presente na auto-organização de sistemas não-lineares como o cérebro, as cidades e as redes online. Este certamente foi um marco para mim, e guiou o rumo que minha graduação teve.
Aglutinei a ele principalmente os pensamentos do físico Fritjof Capra, onde encontrei uma peça fundamental para me apaixonar ainda mais pelo tema. Em sua teoria dos sistemas e ecologia profunda, Capra tece a auto-organização emergente como um mecanismo presente em qualquer nível da natureza – de células a galáxias – e como tudo – TUDO – está intrinsecamente interligado por uma rede interdependente. A teia da vida.
Mergulho isto, ainda, no mar contemporâneo de fluidez conceitual, das novas realidades trazidas pela tecnologia, da trans-conectividade, da supra-potencialização da hibridização e do conhecimento, da física quântica, e do tempo como um questionamento presente. Foi ao tentar nadar em meio a estas ondas que literalmente redefini meus propósitos de vida, e passei a redescobrir pouco a pouco pelas bases muitas das formas como enxergava o funcionamento de praticamente qualquer coisa.
Foi inevitável em certo momento tentar trazer estes conceitos à minha prática do design – principalmente a nível humano, mas também a nível de produção. Minhas referências passaram a ser outras, meus vislumbres estavam muito mais em processos emergentes do que em produções que repetem sempre os mesmos modelos relacionais. Passei a ver o design como algo inerente à vida, e não como uma prática profissional fatídica. O design que vive nos processos e nas relações!
Trouxe de forma rápida todo este contexto, pois julguei necessário para explicar a relação que ensaio a seguir. Encontrei o vídeo abaixo recentemente, e nele há fragmentos de um tipo de experimento que muito me lembra a arte generativa contemporânea, mas que até então desconhecia: cymatics.
Basicamente, cymatic é a forma que um som evoca sobre determinada circunstância. É a emergência de um sistema auto-organizado através da vibração de partículas induzidas pelo som. É incrível como, em todos os experimentos, cada partícula está a todo momento em constante movimento, mas há claramente uma forma-padrão geral formadas.
Estes experimentos me fascinaram. Ao conseguir enxergar o mecanismo emergente onde um simples som, constituído de movimento, é capaz de gerar padrões numa dança complexa de partículas, dei um grande salto quântico em minhas ideias!
Não seria esta a chave para entender como o design funciona no emaranhado da vida? As relações tecidas vibram numa rede caótica, formando padrões de outras e novas complexidades! Movimento gerador de mais movimento. A questão não estaria, para cada caso, encontrar a tonalidade de som que possibilitaria a emergência de um tipo de complexidade?
Facilmente ao pesquisar sobre cymatics, caí num outro assunto onde claramente encontrei ressonância de ideias. Os mantras: pequenas palavras-sons, que evocadas em determinadas circunstâncias são capazes de desencadear um processo de complexidade extremamente expansiva.
Longe de mim a prepotência de explicar o que são os mantras em sua totalidade (o que creio ser virtualmente impossível), o que segue abaixo é fruto de uma pergunta-brincadeira, um grande “E se?” que tenta entender o mantra como mecanismo potencializador para meu projeto.
Dentre variados “tipos” de mantras, destaco aqueles que são unicamente movimentos. Aqueles que foram a essência e origem dos demais mantras, que não possuem significado em suas palavras, nem propósito aparente, e que sua não-significação linguística faz parte da construção de seu poder emergente/expansivo: os Bija Mantras.
Bija-mantras principais
“Bija” possui a tradução simplificada para “semente”. Cada um possui características diferentes, porém, todos possuem traços em comum. A pronunciação de todos (em determinados contextos) parece nos levar à um espaço aparentemente vazio onde não pensamos racionalmente, mas de onde retornamos sensibilizados, como se tivéssemos passado por uma experiência absurdamente modificadora e clarificadora de um tempo sem limite, de um espaço contínuo, cheio de energia. Esta viagem é única para cada momento, para cada pessoa, para cada circunstância.
Há várias explicações e interpretações do funcionamento dos mantras – que vão desde as mais físicas/biológicas às mais místicas e religiosas. Fisicamente, suas ações estão interligadas tanto com a repercussão vibratória da pronunciação do som físico sobre nosso corpo, quanto com todo o contexto envolvido para sua pronúncia. A repetição de palavras que aparentemente não possuem sentido, bem como toda a preparação psicológica e fisiológica para recitá-los, atuam também em seu processo. Cada mantra está interligado com o fluxo de um determinado tipo de energia pelo corpo. É realmente fascinante como um pedaço sonoro minúsculo de a-significação gera tamanha produção.
“O mantra, portanto é uma ferramenta que possibilita a assimilação do sentido de um assunto complexo por uma via que não passa pela razão. O pensamento produzido pelo mantra é puro dinamismo, e, por isso mesmo, inconclusivo.”
Andre de Rose, baseado nos ensinamentos
do Prof. Carlos Eduardo Barbosa.

Encontrei no funcionamento dos mantras justamente a potencialidade que procurava encontrar nos cymatics, mas ainda maior. Seu design é absurdamente emergente, e parte de uma extrema simplicidade à uma complexidade profundamente transformadora. Este foi um ponto de mutação em meu processo, pois a partir de então me encontro e me inspiro nos processos mântricos para entender como meu projeto pode ao menos tentar caminhar para tamanha complexidade.
Seria possível criar algo tão destituído de significado aparente, tão abstrato, que fosse capaz de se desdobrar num processo imanente de percepção e significação sempre único? Algo que estivesse noENTRE-coisas, algo que fosse movimento, e gerasse um padrão compositivo e diferente a cada um como resposta? Algo que a partir de uma modificação em rede “interior”, se expande e desdobra à extensão da teia da vida? Algo possível de se dobrar, desdobrar, e transdobrar por vias e modos aparentemente inimagináveis e infinitos, mas sempre compositivos? Algo de mínima tangibilidade, e máxima intangibilidadade? Ainda mais: como seria o design de algo que fosse desejante em si, e produtor de mais e mais desejos?
Ficou claro que qualquer linha de fuga deste mapa, qualquer possível atualização para a ressonância destas perguntas em meus modos de fazer, está sempre na produção de algo que se perpetua no “-ENDO”: em constante fluxo e processo, um instrumento-semente subjetivo em seus mapeamentos e repercussões, como um mantra.
Mapa do projeto
A esta altura, já possuo uma imagem de como posso experimentar a atualização deste projeto desejante. Espero já trazê-la num próximo post. =)

Bricoleur

{ em 21.09.2011 } {  •  •  •  •  •  }
Acho fascinante a facilidade criativa e criadora infantil. Sua habilidade em transformar tudo em arte, do criar do modo mais puro e ingênuo quanto o brincar. Uma arte onde não se sabe bem onde se quer chegar, onde não se possui um propósito aparente e se guia pelo próprio desejo e vontade de se fazer mais e mais. O processo pelo processo.
Viajam por um espaço onde os símbolos transitam livremente. Sempre descompromissadamente. Não há os porquês, e vive-se de modo intenso os “comos”. Os nomes, denotações, e definições não importam – exceto aquelas criadas para sua brincadeira ter efeito. Em seu brincar não há princípio, meio, e fim – uma história sempre se tece pelo “E(…), E(…), E(…)” – e seguindo uma lógica extremamente não-linear, as narrações e situações são sempre intercambiadas durante uma existência.
“Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como as crianças”.
Pablo Picasso. (cliché, eu sei, mas pareceu-me oportuno).

Foi num dia que como por uma brincadeira me peguei a pensar em minha infância. Encontrei rastros na memória de algumas traquitanas criadas, e que hoje revelam tantos devires que entendo possuir.
Colagem tirinha turma da mônica
Gostava muito de histórias em quadrinhos para crianças – em especial “A Turma da Mônica”. O engraçado desta lembrança é não lembrar sequer de uma história que li, muito menos de como eram os detalhes e desenhos das revistas. Mas me lembro distintivamente do que as transformava após tê-las lido.
Meu prazer verdadeiro estava em recortar cada um dos quadrinhos da revista, e depois remontá-los de forma a compor novas histórias – e porque não estéticas – desvirtuando o sentido e propósito inicial. Isto feito numa ordem e lógica que só eu entendia no momento – e sabe-se lá se isto existia, mas o desejo de poder criar o novo de forma bricolada mantém-se muito vivo até o momento.
Foto abertura programa Ra Tim Bum
“Deparamo-nos (…) diante de uma relação direta entre ‘brincadeira’ e ‘arte’. Em ambos os casos há o encantamento diante de uma aparente reorganização espontânea dos esquemas. Em ambos, a permanente invenção e o sentido de vínculo, elo, ligação.”
Emanuel Dimas Pimenta.

Por volta dos 7 anos (acho), transitei por uma série de tentativas de recriar uma “experiência maluca científica” (numa referência clara à abertura de “Ra tim bum” da TV Cultura). O objetivo era simples e claro – transitar a água de um ponto da coisa à outro. Mas aqui, novamente, o prazer estava em tentar juntar quaisquer objetos que possuía em mãos para tentar criar a experiência nova.
O engraçado mesmo é que todas falharam. Parece-me que meu interesse estava mesmo no processo de buscar novas peças, tentar entender e juntar as partes, e saber onde poderia aglutiná-las de modo que o fluxo pudesse passar por dentro do todo criado.
Além destas tentativas de traquitanas que pudessem transitar fluxos, possuí uma tentativa de criar uma “academia” de exercícios com objetos achados. Duas latas com pedras suportadas pelo cabo de vassoura eram meus alteres, o galho da árvore era suporte para flexões. Cheguei até mesmo a pintar o muro (obviamente sem permissão) com o nome da academia. Engraçado novamente é que meu prazer esteve em criar o instrumento – porquê usá-lo, ou fazer cumprir seus supostos objetivos, já não era de minha alçada.
Numa terceira experiência, tentei por várias vezes criar um monstro de forma generativa. Mais simples do que as anteriores (mas um pouco mais perigosa), a ideia era que misturando alguns tipos de líquidos (como um desinfetante e um suco de laranja) eu seria capaz de criar monstros que habitariam meu quintal. De todas as anteriores, esta foi a que mais chegou perto de se concretizar.
Ver: Bricolagem e Dadaísmo.
Jeffrey Smart - Hide And Seek (1970)
Das brincadeiras que já vem empacotadas, “esconde-esconde” era com certeza minha predileta. Interessante que mesmo possuindo uma estrutura já definida, ela me permitia assumir e transitar por linhas de fuga de um modo que dificilmente conseguiria em outros momentos.
O prazer de verdade estava em escolher não somente os locais mais difíceis de ser encontrado, mas as formas mais difíceis. Trocava de roupa durante a contagem, virava sargento em guerra, assumia a forma de coruja, gato e cavalo, visitava forros e telhados – ou simplesmente vagava por vários quarteirões por horas para não ser pego. Cada nova partida era uma nova oportunidade de criar uma nova estratégia e assumir um novo devir.
Ver: TAZ.
“A satisfação do bricoleur quando consegue ligar qualquer coisa à corrente eléctrica, quando consegue desviar uma conduta de água…”
Deleuze & Guatarri.

Foi ao analisar estas brincadeiras acima que identifiquei um certo modo de se fazer e “ser” para que elas existissem. Como um modo de ser num espaço próprio e único, extremamente potencializador – não um espaço físico, mas um espaço virtualmente muito presente, que exige que eu viaje de um modo muito particular, e possua nele liberdade para criar livremente.
Sinto que nestas ocasiões contadas, e em alguns outros projetos que produzi após estes momentos (como este, e esse que se constrói), retomo a este espaço. E, nada por coincidência, é neste espaço que os projetos com os quais mais me identifico tomam forma. É fruto de um determinado tipo de viagem extremamente modificadora e potencializadora, uma viagem caótica e ao mesmo tempo lisa, intensa em movimento. Viagem onde recombino maquinários desejantes, como um bricoleur que é somente produção e gerador de mais produção.
Este retorno a este espaço e modo de ser no espaço é eterno. E é um retorno à nossa essência, ao o que nos identificamos, a tudo que podemos ser. Ao som e movimento geradores de caráter e produção. Ao verdadeiro fluxo de criação. A um sentimento que é muito maior do que qualquer razão, e que só se consegue acessar pelo pouco que se deixa transbordar pelos dedos.
É imanente em princípios, e enormemente modificador à teia exterior por esta mesma razão. É onde se retira as barreiras que impedem que o fluxo de vida concretize sua essência, e deixa-a se estender a todas as direções – numa brincadeira que faz do EU e do NÓS um espaço de vida.
Bricoleur em essência, busco ser um puro ser-processo cambiante. E tomo os estriamentos e racionalizações somente como partes dos trampolins para mergulhar em novas camadas de mares.
Este é meu design. Esta é a poética de meu fazer. E é assim que o torno verdadeiro.
Mapa do Fazer

Ares

{ em 30.08.2011 } {  •  •  }
O que li de outros amigos designers na mesma posição que estou agora torna-se fato: escrever sobre seu próprio processo criativo é algo extremamente difícil. Realmente sinto na pele que meu fluir natural para a criação passa muito longe da linguagem verbal.
Numa tentativa de amenizar isto, as imagens abaixo são uma aproximação minha ao campo de minhas ideias. De algum modo – seja por sua sensação em primeiridade ou por sua simbologia – cada uma delas compõe com os conceitos que estão tanto na cerne quanto nas intenções deste projeto.
Joël Evelyñ & François - oH . . rHızoma drεam . .Cobalt123 - One Sky: Lightness of Being (cropped)
Flor-de-Lotuscroyboy87 - 117037943_96f1404ed8_b
csismn ---
Eric Fischer - See Something or Say Something ProjectAnoop Negi - Fishing Net Sunset
Alaskan Dude - Looking straight into The Wave, Coyote Butte North, Arizona
Mark Knol - x.01.plodeMaciej Lewandowski - Sea
Gwen Vanhee - spectrum.X_40x40cmPolynoid - Rebird - Screenshot cropped
Theo Jansen - Creature
Os devidos créditos seguem nos links e alt-tags das imagens.

Meio

{ em 28.08.2011 } {  •  •  •  }
Meio que no meio. Do caminho, do processo, do descobrimento, da mutação, do projeto, da vida. Meio que onde há a existência do pé e da cabeça, mas que onde esta separação não faz sentido algum.
Criado já pelo meio, este espaço é uma interface tanto de meu acesso a um projeto que ainda não passa de um (mil) vir-a-ser, quanto de abertura de seu processo num ambiente passível de contribuição e composição aberta.
Ao longo dos quase 5 anos de minha graduação, trilhada (nem sempre de forma consciente) por linhas extremamente tortas, cada fragmento do tempo foi uma reinvenção de como sou e encaro a realidade. Literalmente ao sentir as repercussões positivas deste trilhar líquido e de constante questionamento, nasceu uma sede de me propor a caminhar por um mapa também errante para meu projeto de conclusão de curso, de modo que este conseguisse relacionar de modo profundo meu modo de ser, e meus questionamentos perante o design, a vida, e meus anseios criativos.
De certa forma, vislumbro constantemente em potência tudo o que esta conexão pode vir a ser. Em algum nível, já possuo o mantra que entoará a emergência de todo o projeto – mas estratificá-lo agora, é perder parte de sua potência bricoleur. Como num grande ato de improvisação, prefiro navegar em busca de linhas de fuga, dobrando e desdobramento conceitos à minha tortuosa maneira, ao mesmo tempo que pulo de levante em levante de atualizações concretizantes.
Como o próprio título da página anuncia, o projeto ainda não passa do vislumbre de muitos devires. Um projeto mutante do qual não se sabe ao certo quais formas exatas ele poderá tomar: é um processo, não um projétil. É um som, puro movimento, e determinante de um tipo de movimento. O que não significa a inexistência de tensões já existentes – mas sim que estas podem ainda se potencializar e fugir a novos platôs com grande simplicidade.
Durante as próximas atualizações deste espaço, trarei algumas das conexões que já teci durante este percurso, bem como experimentarei a construção de novas. Agradeço e dou boas-vindas a todos que me acompanharem nisto, e os convido a compor – às suas próprias maneiras – com as ideias, conceitos e processos inseridos neste blog. Namastê! =)

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