quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Cinema Latino-Americano



































































































































O cinema latino-americano vive um momento histórico especial. Produções de países como Brasil, Argentina, Chile e Uruguai têm conquistado prêmios internacionais e atraído a atenção da crítica e dos produtores para a cinematografia do Continente. Essa excepcional vitalidade ensejou a realização do 1 Festival de Cinema Latino Americano, promovido em julho com absoluto sucesso pela Secretaria de Estado da Cultura e pelo Memorial da América Latina. A idéia de aprofundar as reflexões sobre o fazer cinematográfico e intensificar o intercâmbio teve uma excelente acolhida por parte do público e dos realizadores, configurando-se logo na primeira edição um verdadeiro marco para o setor.


Abertura do I Festival de Cinema Latino-Americano, que exibiu 127 filmes e contou
com a presençam de mais de 40 cineastas


UM CAMINHO PARA O CINEMA DO FUTURO

Como está o cinema no Continente? Depois de debater a questão no I Festival Latino-Americano promovido pelo Memorial, ícones da cinematografia regional dos anos 50 e 60 e alguns expoentes da produção atual concluíram que as novas realizações colhem subsídios nas experiências do passado para implementar um novo olhar e uma nova linguagem. Um fato é certo: a singularidade estética do cinema latino-americano, tema do encontro que juntou 40 realizadores de vários países, do emblemático cineasta chileno Miguel Littín, ao pernanbucano Lírio Ferreira.

Da primeira mesa Um Caminho para o Cinema do Futuro podem ter ficado ecos saudosistas das vozes de Miguel Littín, dos brasileiros Nelson Pereira dos Santos e Orlando Sena, do venezuelano Edmundo Aray, do argentino Octavio Getin. Compreensível, afinal quase todos os presentes estiveram no encontro de cineastas latino-americanos realizado em Viña Del Mar, Chile, em 1967, quando a efervescência do Cinema Novo (ou Nuevo Cine ou Cine Liberación) instigava as discussões sobre identidade, política e estética. Naquela ocasião, as reflexões foram tão importantes a todos que se repetiram em outros festivais, realizados depois, como os de Mérida e de Havana. e somente agora voltaram a se juntar para como naqueles tempos.

Na opinião de Littín o cinema daquela época foi apressadamente denominado de político, rótulo superficial, segundo ele, já que cada país passava por momentos políticos distintos, assim como os cineastas queriam experimentar linguagens diferentes. Orlando Sena vê semelhanças entre passado e presente, como o surgimento de novas tecnologias (naquele tempo o surgimento das câmaras portáteis e do som direto revolucionaram o cinema) e o momento político com governos de esquerda chegando ao poder. Nelson Pereira dos Santos é um saudosista convicto. Guarda boas lembranças do seu tempo de criança em São Paulo, quando assistia a filmes mexicanos no centro da cidade. A abertura do Festival marcada pelo documentário Za 2005 – Lo viejo e lo nuevo, uma colagem das melhores produções do Continente feita por Birri, deixou-o tão entusiasmado que em vez de se aposentar como pretendia disse que vai voltar à ativa.

Entre lembranças, comparações e análises, houve propostas concretas: o venezuelano Edmundo Arva defendeu a criação de uma distribuidora continental de filmes e um fundo de momento cinematográfico continental, um banco de desenvolvimento para o cinema. “Estamos eufóricos, cheios de otimismo, com grandes perspectivas. É como se tivéssemos 50 anos menos.”

Outra mesa , A Desinvenção da Fronteira, colocou lado a lado os brasileiros Beto Brant, Lírio Ferreira e Roberto Moreira e o argentino Santiago Loza. Cineastas que estrearam no final dos anos 90, á exceção de Lírio que se formou em Jornalismo, todos têm em comum o fato de serem formados em Cinema e terem enfrentado dificuldades por causa da recessão que afetou o setor, tanto no Brasil quanto na Argentina, em 80 e 90. Curtas e vídeo foram as alternativas que encontraram para se expressar. Beto Brant apelou para os concursos a fim de realizar os quatro longas que têm em seu currículo: “Cinema é minha filosofia de vida e é também pretexto para eu investigar assuntos que me interessam.” Santiago Loza, autor de dois longas, e outro apaixonado por cinema, saiu de Córdoba, no interior da Argentina, para se radicar em Buenos Aires e realizar seu sonho. Contou que levou anos até escrever o primeiro roteiro. Conseguiu montar uma e equipe de produção e filmar O Estranho às vésperas da crise que assolou o país no final de 2001. Crises, políticas e econômicas foram e são um problema comum a todos. Lírio Ferreira teve um curta aprovado num concurso da Embrafilme pouco antes do órgão ser extinto. Foi um longo e tortuoso caminho para ele, finalmente, conseguir realizar O Baile Perfumado, em Pernambuco, ainda mais difícil já que fora do eixo Rio São Paulo, e, mais recentemente, o seu Árido Movie. Para Roberto Moreira, diretor de Contra Todos, a experiência nos anos 80 de ter feito vídeos sozinhos, sem equipe de produção, o ajudou na hora de fazer seu longa a trabalhar com poucos recursos. Ao aprová-lo em um concurso, encaixou o roteiro no orçamento previsto e seguiu em frente. Superadas as barreiras do primeiro longa, os diretores esperam agora melhorar a distribuição, principalmente em seus países e entre os países vizinhos. Acham que chegou a hora de acabar com as fronteiras.

FIM ÀS BARREIRAS
No encerramento, o 1 Festival de Cinema Latino-Americano reuniu outro grupo de realizadores consagrados: os argentinos Marcelo Piñeyro (Kamchatka), Pablo Trapero (Família Rodante), o cubano Juan Carlos Cremata Malberti (Nada) e o brasileiro Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus). Como seus colegas da mesa anterior, para Marcelo Piñeyro a necessidade de fazer cinema supera todas as dificuldades, que não são poucas. Oriundo de uma escola de cinema, ele trabalhou durante seis anos no projeto de seu primeiro filme, Tango Feroz, de 1993, que trata de uma temática muito cara aos argentinos: o seqüestro de bebês durante a ditadura militar. Foi difícil conseguir financiamento, mas a estréia foi um sucesso e ele pôde seguir sua carreira - lançou recentemente O Método, que foi exibido durante o festival.


Cineasta Miguel Littín

Da esquerda para a direita: cineastas Nelson Pereira do Santos,
Octavio Getino e Fernando Birri


Seu conterrâneo Pablo Trapero, diretor de O Outro Lado da Lei, outra realização Argentina consagrada, acha que o fato de sua geração ser formada em escolas de cinema significa um marco na cinematografia de seu país. Muitos começaram a fazer filmes no meio publicitário, com câmeras emprestadas e equipes amadoras. Ele levou um ano e meio para filmar seu primeiro longa, Mundo Grua, trabalhando somente nos finais de semana, com a ajuda de amigos. Depois, com o filme pronto passou a viajar fazendo exibições e, assim, a travar contato com outras realidades: “Antes a América Latina era uma abstração para mim”. A partir de então, Trapero interessou-se pelo cinema produzido no Continente, que hoje qualifica de diversificado e espontâneo. É da opinião que não faz cinema argentino, é um argentino que faz cinema. “Cinema latino-americano não pode ser um subgênero; os rótulos conspiram contra nós.” Como disse o jornalista Pedro Butcher, mediador do debate, já nos anos 50 os cineastas franceses François Truffaut e Jean Luc Godard contestavam o rótulo cinema nacional. Para eles, existia um cinema de diretores, pois na França, como em qualquer lugar, os filmes são muito diferentes entre si.

O cubano Juan Carlos Cremata, que estudou na Escola de Cinema de San Antonio de Los Baños, homenageada no festival porque comemora seus 20 anos de atividades, teve uma formação cinematográfica diferente: foi diversificada e abrangente, sobretudo em relação ao cinema latino-americano. Ao contrário de argentinos e brasileiros, que tiveram pouco acesso à filmografia da região. Além disso, eram alunos de cineastas de todas as partes do mundo, inclusive americanos, do cinema independente, como Robert Redford, Francis Ford Coppola e Georges Lucas. Na sua opinião, a importância da escola foi formar espectadores e criadores ativos: “A gente não fazia cinema, a gente comia, bebia, respirava cinema”.

Outra questão, segundo Cremata, é que para fazer cinema em Cuba, é preciso estar ligado aos órgãos oficiais: “Em Cuba não existe cinema independente; a independência foi alcançada com a Revolução e ponto final”. Igual a qualquer outro país latino-americano, os cubanos também encontram grandes as dificuldades para conseguir recursos financeiros, mas têm igual capacidade de lançar mão de métodos alternativos para produzir, inclusive contando com a colaboração da família, como ele, cuja avó foi atriz no seu Viva Cuba.

O pernambucano Marcelo Gomes, que fez um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos, o consagrado Cinema, Aspirinas e Urubus, selecionado pelo Festival de Cannes de 2005, incomoda-se com as dificuldades de distribuição em seu próprio país: “Exibidores disseram que o público gosta apenas de filmes falados em inglês”. Contemplado com uma bolsa para estudar em Londres, já que não existem escolas de cinema em Recife, Gomes chegou a montar cineclubes nos anos 80 para ver filmes latino-americanos, e de outros continentes, uma vez que o circuito comercial exibia somente produções hollywoodianas: “O problema da exibição continua sendo o maior complicador para que nos conheçamos reciprocamente”. Identificação existe, segundo ele, apreciador, por exemplo, do cinema argentino atual.
Paloma Varón


AMÉRICA LATINA NA TV, UM GRANDE DESAFIO
Não só a produção cinematográfica esteve em destaque no 1 Festival de Cinema Latino Americano, realizado em julho pelo Memorial da América Latina. Dentre as diversas atividades, encontros e debates paralelos à mostra, houve espaço também para a discussão de outra janela de exibição, a televisão. Tendo como tema a TV na América Latina: as novas modalidades de difusão, o 4° encontro do Ciclo de Debates reuniu na mesa o uruguaio Aran Haroranian, diretor geral da Telesur (canal venezuelano voltado a integração latino-americana); Adriano de Angelis, coordenador de programação da TV Brasil e Paulo Alcolforado, coordenador do projeto DocTv - ambos representando os projetos ligados ao Governo - ; Gabriel Priolli, presidente da Televisão América Latina (TAL) e Assunção Hernandes, produtora e curadora do festival.
Todos os projetos apresentados são parceiros e têm um objetivo comum: a democratização da TV nos países latinos. Na região ainda não existe produção em série de conteúdo audiovisual. “O espaço da produção independente ainda é uma batalha na América Latina”, ressaltou Assunção Hernandes. Os maiores problemas concentram-se principalmente na falta de investimentos para o desenvolvimento de todo o processo que vai desde a produção até a tele-difusão. “Nós trabalhamos com conteúdos que os empreendimentos comerciais de televisão não priorizam, em muitos casos eles nem valorizam e em outros casos abominam. Não são interessantes porque não geram faturamentos comercias”, elucidou Gabriel Prioli, da TAL.

Quando o assunto é a produção jornalística, a dificuldade fica por conta da falta de imagens e de notícias focadas na América Latina.Todo o conteúdo veiculado sobre a região é feito por meio das agências estrangeiras que não são capazes de abordar a diversidade política, social e, principalmente cultural, de todos esses países. “A informação que temos da América Latina vem do Norte e eles nos vêem em preto e branco, mais em preto porque só mostram as tragédias, mas nós somos multicoloridos e cheios de vida”, criticou Aram Haroranian, da Telesur.

Atualmente estão no ar apenas dois canais voltados para a integração da cultura latino-americana e da produção independente.


Cena de 
Machuca, de Andrés Wood


O canal venezuelano Telesur iniciou suas transmissões em 2005, e reúne em sua programação noticiários que abrangem toda a América Latina, programas sobre música, documentários e filmes latinos. Seu foco é mostrar a cultura, as lutas, e os diferentes povos do sul, rumo à integração cultural de todo o território e a intercâmbios de informações. Segundo Haroranian, o canal foi criado para derrubar as barreiras da integração da região. “A integração política só é possível com um projeto cultural e antes de nos integrarmos, temos que no conhecer”, disse. A emissora transmite em espanhol e em português e conta com o apoio de oito correspondentes - em Buenos Aires, La Paz, Havana, Brasília, Cidade do México, Montevidéu, Bogotá e Nova Iorque.

A TV Brasil, criada também em 2005, é a primeira emissora pública brasileira internacional e está disponível via satélite para países de toda a América.O canal é regido por um Comitê Gestor composto por representantes dos três poderes do Estado. Segundo Adriano de Angelis o canal busca priorizar em sua programação a diversidade de temas e linguagens da região; a produção de um jornalismo contextualizado e aprofundado por meio do levantamento de processos históricos e a valorização da produção independente, alternativa e comunitária. “A melhor forma de trabalhar a comunicação na América do Sul é criar condições e abrir espaço para que os realizadores falem, dêem seu ponto de vista sobre a realidade que os cerca”, ressaltou Angelis. Atualmente parte da programação do canal é exibida também por emissoras parceiras, como a TV Câmara.

Outra iniciativa brasileira, a TAL, está em fase de implantação. De acordo com o Gabriel Priolli, diretor da emissora, ela apresentará uma nova perspectiva cultural para a América Latina baseada no fortalecimento dos laços regionais e no conhecimento mútuo dos povos. Em sua programação serão exibidos documentários, entrevistas e espetáculos, visando a integração, a inovação e a multiplicação de novos formadores de opinião. “Fazemos política de comunicações dentro de um mundo real e de condições reais, mas nós que queremos a democratização somos minoria. E esse é um jogo em que a gente mais perde do que ganha”, desabafa Priolli sobre a dificuldade em quebrar o monopólio comercial estabelecido no país para distribuir o sinal de um canal de interesse público como a TAL.

Para fomentar a produção de documentários independentes em todo território ibero-americano foi lançado em 2006 o DocTV IB. “Basicamente é um programa que cria uma ponte entre o produto audiovisual brasileiro e o circuito mundial de televisão”, explicou Paulo Alcolforado, coordenador do projeto. A iniciativa vai destinar verba de US$ 100 mil para cada documentário escolhido por concurso público. Participam países da América Latina e da Península Ibérica. O programa prevê a exibição, a partir de agosto de 2007, de todos os documentários nas TVs públicas dos países envolvidos, e ainda a colocação dessas produções no mercado internacional. O projeto foi criado no mesmo conceito do projeto DocTV Brasil de estímulo à produção e difusão de produtos audiovisuais. Através da parceria com a TV Cultura e o SBT, os documentários produzidos com o apoio do DocTv são veiculados nas duas emissoras.. “É importante a gente não perder a perspectiva de relacionamento com as televisões comercias”, ressalvou Alcoforado.

Esse encontro entre representantes de projetos alternativos de comunicação e uma platéia formada por produtores independentes e alguns cineastas não poderia deixar de lado a nova polêmica envolvendo o meio de comunicação de massa mais forte do país. E não deixou. Todos os participantes da mesa criticaram o modelo de TV digital escolhido no Brasil. “A escolha pelo padrão japonês foi uma derrota para a sociedade” disse Assunção. A implantação do sistema é de custo alto e demorará cerca de 10 anos. “Durante esse período a televisão ficará congelada, não haverá mais espaços para a transmissão de novos canais”, afirmou Priolli.

Projetos que compartilham de preceitos públicos em busca de uma comunicação cidadã com o objetivo de levar a pluralidade da América Latina para dentro da casa de cada pessoa, enfrentam atualmente problemas, sejam de produção de conteúdo ou de distribuição, pois não são do interesse dos grandes empreendedores comerciais que dominam os sistemas de comunicação. Mas já são vitórias importantes na constante luta pela democratização de um dos meios de comunicação mais poderoso do mundo, a TV, e pela integração política, social e cultural da América Latina.

Fernanda Henrique dos Santos



DA REFLEXÃO À PRÁTICA

Oficinas do Festival aliam reflexão à prática e exploram toda a riqueza de possibilidades do audio-visual latino-americano de hoje.
Durante o Festival, as três salas de cinema montadas no Memorial ficavam próximas uma da outra. O público convergia para um amplo espaço aberto de mil metros quadrados, dominado por uma ave fundida em bronze de 3 metros de envergadura, a Pomba de Ceschiatti. Ali é o foyer do Auditório Simón Bolívar, com suas paredes espelhadas de 9 metros de altura. Na saída, uma enorme tenda lhe prolongava a imensidão.

No dia 11 de julho de 2006, quem saia das salas de cinema e desaguava nesse espaço deparava-se com algo estranho: um grupo de pessoas portavam instrumentos e olhavam para um telão que pende do teto. Assistem a uma seqüência de imagens nas quais vão surgindo duas crianças, uma mulher, uma velha e, finalmente, um cachorro. Eles andam pelo areal de uma praia mansa e deserta. Os pequenos e o cachorro brincam. Sentada, a senhora relaxa. A velha rememora. É uma paisagem latino-americana, mas poderia ser o litoral de qualquer lugar do mundo no outono. Alguém aperta a tecla “pause”. O filme foi congelado.

Prestes a ser regidos pelo maestro Lívio Tragtenberg, os músicos em forma de semicírculo estão a postos. A cada elemento da cena (crianças, mulher, velha, cachorro, areia, mar) corresponde um instrumento – violões, tambores, berimbau, teclado, chocalhos, guizos, objetos diversos. Ao gesto de Tragtenberg, som e imagem começam ao mesmo tempo. Crianças buliçosas vão sendo envolvidas por cordas vibrantes. O cão late. “Do agudo para o grave”, orienta o maestro ao entrar em cena a senhora. O ritmo do tambor predomina quando a velha está no centro do quadro. Aos poucos, outras sonorizações vão compondo o ambiente, o raspar o pé na areia, o vai-e-vem das ondas...

Primeiro dia da Oficina de Música e Cinema do 1º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo, ministrada por Lívio Tragtenberg, assim, oferecida aos olhos de quem quisesse testemunhar o nascimento da trilha sonora de um filme. “As aulas eram um show, as pessoas paravam para ver uma oficina grandiosa e surpreendente, pois Lívio é capaz de montar uma orquestra mesmo sem saber quais instrumentos e alunos estarão ali”, conta o cineasta Kiko Goifman, coordenador das Oficinas do Festival. O último filme de Goifman Atos dos Homens – um pungente documentário sobre a chacina aleatória de 2005 na Baixada Fluminense – estreou no festival latino-americano e foi reapresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro deste ano. Ele conta que “os participantes das oficinas, a maioria pela primeira vez, tinham a possibilidade imediata de mostrar seu trabalho. A interação com o público foi muito espontânea, alegre e produtiva”.

Essa talvez tenha sido a principal característica do Festival. As pessoas tinham consciência de que estavam testemunhando o nascimento de um filho vigoroso, mas frágil, que precisava ser acalentado e incentivado. Por isso participaram ativamente. Foram 1379 inscritos para 130 vagas nas oito oficinas. “No primeiro dia tivemos quase mil interessados”, conta Jurandir Müller, um dos coordenadores do Festival, “não foi fácil fazer a seleção: fizemos uma mistura entre aqueles que estavam dando os primeiros passos e profissionais da área. Achamos que o caldo interessava, a experiência aliada ao olhar sem vício”.

As oficinas de Roteiro, Música e Cinema, Montagem, Crítica Jornalística, Interpretação de Atores, Vídeo de Bolso e Produção de Documentários não apenas adensaram o Festival, mas também complementaram a política do Memorial de apostar na formação de público, desta feita em parceria com a Associação dos Amigos das Oficinas Culturais. A partir delas foi criado formalmente o Departamento de Oficinas da Fundação Memorial da América Latina. Com o apoio da Secretaria Estadual de Cultura, o DOM (Departamento de Oficinas do Memorial) vem funcionando a pleno vapores, oferecendo oficinas voltadas às artes plásticas, argila, fotografia e aspectos da cultura e história latino-americana, todas gratuitamente.

Em dado momento do Festival dois jovens começaram a brigar em pleno foyer do Simón Bolívar. O público se assustou, mas logo percebeu que eram atores participando de uma oficina e se apropriaram do hapining. Ministrada pela cineasta Tata Amaral, a Oficina de Interpretação de Atores foi uma “experiência de ação”, como a definiu Müller, “o cinema vivo, interagindo para ir para a sala de cinema”. Concentrada em um único dia, foi um domingo inteiro de exercício! “Ao abrir uma oficina para observação o processo é de mão-dupla. O público sabe um pouco mais sobre os caminhos do trabalho e os alunos se tornam ainda mais interessados e dedicados”, diz Goifman.

O argentino Pedro Dere, da escola de documentários de Santa Fé, foi especialmente convidado para dar a Oficina de Produção de Documentários. A idéia era que todos trabalhassem a partir de filmes latino-americanos, pensando na formação de um público plural de alunos. Foram convidados professores que se aproximavam do que é chamado de cinema de autor. “O trabalho em oficinas é sempre reduzido, por isso o recorte foi mais no lado criativo e artístico”, explica Goifman, deixando de lado aspectos também importantes no cinema, como a produção executiva, por exemplo.

A Oficina de Crítica Jornalística de Maria do Rosário Caetano teve um nível tão elevado de procura que os organizadores optaram por deixar de fora alguns doutores e incluir jovens que escrevem sobre cinema em blogs. O próprio Fernando Birri fez questão de conhecer os alunos de Rosário. Eles trabalharam uma série de textos e assistiram aos filmes Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutierrez Alea, e Os Fuzis, de Ruy Guerra. “O interesse e o nível dos alunos me causou funda impressão”, comenta Rosário, que solicitou a participantes que escrevessem críticas sobre os dois filmes citados e de Salvador Allende, documentário de Patricio Guzmán (exibido na programação oficial do Festival).

Generoso, Hilton Lacerda (Baile Perfumado), da Oficina de Roteiro, se propôs trabalhar com cada aluno o roteiro que estivessem desenvolvendo, entre eles, o escritor Alex Antunes. Ouviu as pessoas individualmente, discutiu dificuldades, apresentou saídas. O grupo escolheu o roteiro da iniciante Raissa Gregori para ser lido pela atriz Leona Cavalli (Céu de Estrelas, exibido no Festival). Era a história algo mirabolante de uma prostituta de Barretos, SP, que se relacionou com um senador do Pará e agora se apaixonara pelo filho dele. A leitura foi apresentada com pompa e circunstância pelo ator e cinéfilo inveterado José Wilker.

A Oficina de Montagem de Idê Lacreta trabalhou com trechos de filmes montados por ela. As montagens foram desconstruídas para analisar como seria possível remontá-las mudando o tempo, intensificando ou atenuando a dramaticidade, alterando a linearidade, enfim, atribuindo novos sentidos aos filmes. Em uma semana, os participantes dessa e das outras oficinas tiveram a oportunidade de elaborar, apreender e apresentar. Foram lá para aprender e lograram ter a noção do que é a receptividade de um público muito especial, que gosta de cinema.

Texto, desenhos, fotos, imagem em movimento, ficção, documentário. O 1º Festival de Cinema Latino Americano uniu as duas pontas. Enquanto eram homenageadas películas das décadas de 50, 60, 70 e 80 as oficinas enfrentavam as novas mídias. Vídeo para celular. A ponta da ponta. O filme imediato.

As Oficinas não abordaram apenas as técnicas e os suportes tradicionais da linguagem cinematográfica. Para muitos a Vídeo de bolso: faça o seu foi a coqueluche entre as oficinas, ministrada pelo Grupo Feito a Mouse. O próprio nome encerra seu conceito: com as novas ferramentas de captação, edição e distribuição de imagens a produção de audiovisual tornou-se acessível a todos. Em casa, com um computador e uma câmara digital simples - que pode ser até as máquinas fotográficas modernas e os telefones celulares – qualquer um pode fazer um curta de animação, um documentário. E depois exibi-lo pela internet, em sites como o Youtube.


Histórias Mínimas, de Carlos Sorín

Na oficina os alunos em poucos dias fizeram seus pequenos filmes. Já existem alguns festivais do chamado microcinema no mundo. Por exemplo, o Canadá fez recentemente um festival de vídeo só para celular. A tendência é que as linguagens se fundem e se transformem em algo novo, que ainda não sabemos bem como será. Também aqui a apresentação final dos vários curtas produzidos durante o festival fez grande sucesso. Kiko Goifman resume bem: “as oficinas funcionam no sentido de trazer jovens para a cena e, também, para alimentar a reflexão e intercâmbio de idéias que um festival deve ter. Se o glamour sempre acompanhou a história do cinema, a teoria, a discussão, o aprendizado também.”

Eduardo Rascov



HASTA MAÑANA, SIEMPRE!

Encontrar, reencontrar Fernando Birri é sempre como se o tivéssemos visto no dia anterior e retomássemos o fio da meada da última conversa que mantivemos, mesmo que isso possa ter acontecido muitos anos atrás.

Talvez o que nos ajude a compreender essa sensação, sentimento ou interpretação esteja no fato de que, com ele, estejamos sempre mirando a linha do horizonte como se fosse um alvo fora, tentando com nosso olhar alcançar os sonhos, projetos, intenções e desafios a vencer.

E nesse caminhar permanente, em que a linha do horizonte se afasta passo a passo no mesmo ritmo de nosso andar, projetos se constroem, alguns sonhos se realizam, novas perguntas se nos apresentam.

Creio que foi Oscar Niemeyer que disse que “sem os sonhos as coisas não acontecem”.

E como andarilho da cultura que Birri é, e a quem tentamos acompanhar, a troca de informações é constante, o aprendizado é permanente.

Não é por acaso que no seu texto de 1986, conhecido como Acta de Nacimiento de la Escuela Internacional de Cine y TV (EICTV), a uma certa altura ele propunha que nessa escola o aprendizado era permanente, era o ensinar aprendendo.

Caberia também destacar que esse mesmo texto praticamente se encerrava com a consigna: “larga vida a la utopia del ojo y de la oreja”.

Durante sua magistral palestra no I Festival do Cinema Latino-americano do Memorial da América Latina, Birri, bem lembrava que, mais do que respostas ele tinha perguntas. E num exemplo típico de sua habilidade em mostrar o avesso dos pensamentos maniqueístas, aproveitou-se de uma frase do pintor Paul Klee que dizia mais ou menos o seguinte: “dizem que o cinza não é o branco nem preto; eu (Paul Klee) digo o cinza é o branco e o preto”.

Esse seu método de análise que consegue ir mais fundo nas afirmações categóricas me remete, irremediavelmente, a um exemplo que não canso, e nunca cansarei, de repetir:
o cineasta americano Francis Coppola, ao final de uma oficina que deu na EICTV, após ter preparado uma suculenta panelada de gnocchi e servir para degustação vinhos de sua vinícola na Califórnia, grafitou numa enorme parede branca com um spray uma frase escrita com enormes letras vermelhas: “ART NEVER SLEEPS”; algum tempo depois Birri, com sua letra graciosamente delicada e pequena, grafitou no canto inferior direito dessa mesma parede a frase: “... pero sueña de ojos abiertos”.

Mas esse seu constante olhar dirigido à linha do horizonte que é a fronteira dos sonhos e da utopia, não o impede de, quando necessário, olhar pelo espelho retrovisor de nossa memória, as experiências de nosso comum passado cinematográfico latino-americano.

O sentido desse olhar retrospectivo refere-se, fundamentalmente, a tentar saber, descobrir, decifrar, conhecer, entender se os olhares de então – tal como num espelho – se comunicam com o olhar de agora ou, se pelo contrário, são como dois espelhos que se dão as costas.

Birri sentiu esse festival realizado no Memorial de América Latina quase como uma celebração entre o velho/novo cinema latino-americano com o novo, novo, novo, novo cinema latino-americano, pois no seu entender, cada geração está sempre gestando o que, potencialmente, será um novo cinema.

E foi mais além, afirmando que esse festival, na hipótese de sonhada de que tenha continuidade, possa ser uma refundação dos sonhos tão profundamente acalentados desde o 1º Festival de Cinema de Viña Del Mar (1967) e reafirmados no 1º Festival de Cinema de Mérida (1968) e continuados no 2º Festival de Cinema de Viña Del Mar (1969).

Por que Birri diz refundação?

Porque ficou patente no 1º Festival do Cinema Latino-americano do Memorial da América Latina não só um verdadeiro reencontro latino-americano, num espaço efetivamente latino-americano das velhas e das novas gerações de cineastas latino-americanos, mas principalmente, por priorizar e garantir o diálogo entre essas gerações, o que – de uma certa maneira – foi ou deixado de lado ou deixou de ser prioritário dos festivais internacionais que no passado eram o fórum para nossas cinematografias latino-americanas.
Por todas estas razões, certamente Fernando Birri foi a figura que catalisou a atenção e o interesse do público majoritariamente jovem que freqüentou as projeções, os debates, as mesas-redondas, as oficinas e o simpático bar do foyer do grande auditório do Memorial da América Latina. Certamente devido não só a sua ágil, simpática e iluminada figura, mas principalmente, por seu olhar atento ao presente/passado/futuro.

Não foi de Fernando Birri a frase que a seguir escrevo, mas que bem poderia ser sua: larga vida aos festivais do cinema latino-americano do Memorial da América Latina.
Certamente estes e outros temas serão os assuntos pendentes e permanentes de nossas conversas, trocas de e-mails ou recados, amanhã, depois, sempre.

Hasta mañana, siempre!

Sergio Muñizcineasta



FONTES:

https://www.facebook.com/caetanodable/media_set?set=a.10203178346802561.1073741848.1324551686&type=1

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http://memorial.org.br/revistaNossaAmerica/24/port/32-festival_de_cinema.htm
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http://www.lamiradadifusa.com/2012/03/las-25-mejores-peliculas-del-cine.html

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http://listas.20minutos.es/lista/cine-argentino-las-mejores-peliculas-360757/

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https://cinechileno.wordpress.com/category/10-mejores-peliculas-chilenas/

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http://www.santocine.com/ranking-de-las-10-mejores-peliculas-chilenas

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http://www.cinechile.cl/noticia-177

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http://issuu.com/suzanacoroneos/docs/fla8_catalogo_online

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http://www.cinesul.com.br/site_2013/index_2013.shtml

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