terça-feira, 10 de julho de 2012

Elegia - John Donne, Augusto de Campos, Péricles Cavalcanti, Caetano Veloso




Poeta inglês do século XVII e assombrado pelas conquistas de seu tempo (as grandes navegações e impressão gráfica, por exemplo), John Donne monta o poema "Elegy XIX: Gonig to bed" condensando significantes do corpo feminino à feitura de uma "encadernação vistosa feita para iletrados".

Na tradução de Augusto de Campos - "Elegia: indo para o leito", recolhida no livro O anticristo - temos desde a figurativização dos embates dos cavaleiros medievais ("Vem dama, vem, que eu te desafio a paz"); passando pela tensão da não-guerra (não sexo), "Canso-me de esperar se nunca brigo"; até a "hora da cama" - "Arranca esta grinalda armada", "a carne em pé" -, sublinhada pelo discurso amoroso enviesado.

Musicado por Péricles Cavalcanti, um fragmento do poema, exatamente o momento do leito, da posse, ganha moldura melódica que tematiza o movimento acelerado das máquinas de tipografia. O sujeito de "Elegia", na música e no texto, finca sua bandeira no novo império: ela, a dama-noiva.

Os avanços e recuos dão o ritmo do canto de um desejo que, a princípio encoberto pelo "cinto sideral", pulsa instigado pelas engrenagens que fazem o "livro místico": a mulher. O sujeito penetra nos mistérios da América (o continente desconhecido,então).
Extasiado, o sujeito sabe que só a ele é dado ler esta mulher-livro e embrenhar-se nesta mulher-terra.

Caetano Veloso (Cinema transcendental, 1979) e Péricles Cavalcanti (Canções, 1991) gravaram "Elegia" marcando melódica e vocalmente os efeitos estéticos exatos: a aceleração e o tema mecânico das máquinas de impressão e dos navios em partida.


***


Elegia


(Péricles Cavalcanti/Augusto de Campos)
A partir de um poema de John Donne, poeta do séc. XVII


Deixa que minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, embaixo, entre
Minha América, minha terra à vista
Reino de paz, se um homem só a conquista

Minha mina preciosa, meu império
Feliz de quem penetre o teu mistério
Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão, meu selo gravo
Nudez total, todo prazer provêm do corpo

(Como a alma sem corpo) sem vestes
Como encadernação vistosa
Feita para iletrados, a mulher se enfeita

Mas ela é um livro místico e somente
A alguns a que tal graça se consente
É dado lê-la
Eu sou um que sabe.






fonte: 
http://365cancoes.blogspot.com.br/2010/04/113-elegia.html


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Obs: Vale a pena dar uma conferida nesse blog... 

Mensagem de náufrago

O Projeto 365 Canções cumpriu sua missão: ouviu e leu uma canção diferente a cada novo dia durante os 365 dias de 2010.
Agradeço aos companheiros de viagem que, com leituras e estímulos, ajudaram a atravessar as ondas sonoras das nossas neo(neon)sereias. Não foi fácil, mas conseguimos.
Quem sabe isso tudo não vira um livro impresso.
Não quero, nem consigo, ancorar e dar um ponto final nesta viagem cancional, neste trabalho tão quixotesco quanto prazeroso. Parto agora para outros mares: ouvir e ler a Canção Popular Brasileira na virada da década.
Sem exorcizar o passado, ao contrário, iluminando-o e sendo iluminado por ele, quero mapear a "geração 00" e o que se anuncia na "geração 10". Continuo antenado nas ondas do rádio, mas com políticas e rotinas diferentes: abandono a tarefa de comentar a primeira canção ouvida no dia e abro espaço para as sugestões dos leitores dos 5 cantos do Brasil; as publicações seguirão meu ritmo de possibilidades e não mais, necessariamente, diárias; e, deste modo, as canções não serão mais enumeradas, pois não há mais meta numérica a ser alcançada.
No mais, tudo continuará a ser feito pelo sabor do gesto de ouvir e ler canção. 

Um comentário:

  1. Apenas uma leve correção: O nome do excelente livro do Augusto é "O Anti Crítico". Abs

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