terça-feira, 2 de maio de 2017

Feminismo & Psicanálise

Feminismo & Psicanálise







http://brainstormtche.blogspot.com/2017/05/construcao-do-psiquismo-panorama-teorico.html

+ "Psiquismo & Sujeito" por Maria Rita Kehl



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Desamparo e feminilidade: a via de Clarice Lispector
(dissertação de mestrado em psicanálise)

A partir de considerações teóricas que apontam a falta de um significante especificamente feminino, inversamente ao homem que encontra no falo um significante que o represente, e tendo em vista questões suscitadas na clínica a respeito da angústia presente nas relações estabelecidas entre mães e filhas, este trabalho busca articular Desamparo e Feminilidade, de modo que teoria e clínica possam ser tecidas, compondo reflexões quanto aos efeitos sofridos pela mulher diante da conseqüente proximidade com o real, bem como as possibilidades que a mulher procura criar através da feminilidade para se reinventar continuamente. A fim de ilustrar o que está sendo proposto, a escrita prosaica e poética de Clarice Lispector vem contribuir com a reflexão sobre certos modos de subjetivação do feminino, bem como com a possibilidade de encontros com a psicanálise, conferindo lugar de destaque como autora da figura feminina ao simbolizar a mulher em suas constantes indagações e que, em sua incompletude, revela através de Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres a construção de sua própria verdade.



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Malvine Zalcberg, psicanalista:
‘As mulheres não se compreendem’


Lacaniana belga, naturalizada brasileira, autora de livros traduzidos na Itália e na França,
diz que maioria das mães não deixa a filha virar mulher


Por que se diz que é tão difícil compreender as mulheres e não os homens? A mulher tem uma formação psíquica muito mais complicada. A maneira de ela deixar de ser menina e se tornar mulher tem características específicas. Há um desencanto dos homens por não compreenderem as mulheres, mas a grande questão é que as mulheres é que não se compreendem.

Quais são essas características específicas na passagem da menina para a mulher?

Na minha experiência profissional, vi que o papel da mãe tinha um valor enorme, que regia a vida da filha. As mulheres vivem essa situação de forma intensa e muito dramática, às vezes. Nos anos idílicos, quando a menina tem 10, 11 anos e vive grudada na mãe, as duas falam a mesma língua, que é a língua da mãe. Isso dá a ela um poder enorme sobre a filha.

A filha também demanda a mãe nesse período, não?

A filha fica colada na mãe porque é a mãe que mostra para ela o que é ser mulher. Só que nem sempre a mãe entende isso e fica dizendo: “Minha filha me ama”. Como toda mulher quer sempre ser amada, a mãe tenta manter essa língua de amor com a filha, sem perceber que a menina precisa encontrar a sua própria fala, que é o que acontece na adolescência. Se a mãe entrar com muito poder nos anos idílicos, esse processo é interrompido.

Mas essa libertação da filha em relação à mãe é possível?

É muito possível, mas é preciso fazer uma construção que muitas vezes a mulher acha que não é capaz. Essa construção é que vai formar a mulher. Muitas vezes digo no consultório: “você não é mais aquela menininha”. E as pacientes tomam um susto. O ideal é a gente mudar o discurso da mãe, porque muitas mães não querem se libertar e não deixam a filha se libertar. O amor exagerado sufoca qualquer filho ou filha.

O que acontece se mãe e filha não se separam?

Dificulta muito a vida da filha. A mãe que consegue se separar eu chamo de heroica. Porque todas têm vontade de sair correndo atrás da filha. Eu tenho vontade até hoje. É preciso perceber quando a filha realmente precisa de você. Quanto mais a filha se distingue da mãe, mais próxima como mulher ela pode ficar. Esse é um esforço que, se a mãe ajudar a filha a se libertar, haverá uma eterna gratidão. Caso contrário, há uma mágoa.

De que forma a relação entre a mãe e o filho homem é diferente?

A relação é diferente, o próprio corpo já impõe uma distância. Quando ocorre a entrada do pai, o que chamamos de constituição do Édipo, que separa o filho e a filha da mãe, o menino vira para a mãe e fala: “Adeus, mamãe, a minha identificação não depende de você”. Ele continua amando a mãe, não precisa dela da mesma forma que a menina.

É possível que o homem entenda a mulher?

Acho que não. Ele pode entender melhor muitos aspectos pelos quais a mulher passou, mas há algo misterioso na constituição feminina. É o encanto da mulher. Não é isso que vai atrapalhar a relação.

O que atrapalha a relação?

O que ela pode compreender e não compreende, como a relação complicada com a mãe e a construção da sua feminilidade. Se ela compreender isso, vai trazer menos problemas para a relação com o homem.

por Malvine Zalcberg

Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/malvine-zalcberg-psicanalista-as-mulheres-nao-se-compreendem-15290590







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Corpo grávido deixando-se fecundar pela vida
Tatiana Ramminger​

Este ensaio propõe-se a pensar o processo criativo, o corpo-grávido - este corpo que é marcado por uma diferença, deixando-se fecundar por ela. Com o auxílio da filosofia, discutimos o lugar destinado ao corpo e ao desejo através da história, aprofundando a origem de conceitos pontuais em duas ciências aparentemente opostas: a biologia e a psicologia.

Palavras-chave: Filosofia, Criação, Gravidez.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932000000400007

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Anoushka Shankar - Inside Me - Live 

"baila dentro de mi la vida baila"

https://www.youtube.com/watch?v=23zGI-rnGxk


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Sentir-se pai: a vivência masculina sob o olhar de gênero

http://www.scielo.br/pdf/csp/v23n1/14.pdf



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OS FILHOS DE JOCASTA - A marca da mãe
de Christiane Olivier 


Freud em sua leitura da tragédia grega, escolheu a figura do Édipo como modelo de toda a existência humana. Mas, e Jocasta? Silêncio. No entanto, frente à ausência do marido Laio, é Jocasta q
uem ocupa todo o espaço junto ao filho Édipo.

Para Christiane Olivier, este é um dos dramas mais modernos, revivido ao longo das gerações pelas Jocastas, essas mulheres-mães que assumem praticamente sozinhas a educação de filhos e filhas. Para ela, é a sombra da mãe, tão diferentemente sentida pelo menino e pela menina, que explica e alimenta o secular antagonismo entre homem e mulher, a permanente guerra dos sexos.

Em uma época onde homens e mulheres procuram diminuir as diferenças, é preciso, antes, medir as distâncias, conhecer a origem e o começo. A autora faz uma psicanálise, num estilo claro e acessível, a meio caminho entre o discurso analítico e o discurso feminista, incluindo os dois extremos, unindo a emoção e o verbo. Uma psicanálise que não rejeita Freud em bloco, como o fazem as feministas, mas que parte dele e de suas descobertas para reestudar a teoria do inconsciente sob outro prisma, o feminino.


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No seminário 'A angústia', Lacan (1962-63) mais uma vez retoma a conferência de número XXXII de Freud (1932). E, para ilustrar isto que seria, segundo ele, “o caminho da angústia”, apresenta inicialmente dois vasos vazios, os quais ele chama de “potes de mostarda”.Aliás, esta expressão é usada muitas vezes durante os seminários, para denotar a falta. Lacan costuma dizer que um pote de mostarda não interessa o que contenha, pois mesmo vazio, sempre será chamado de pote de mostarda. “O pote de mostarda se caracteriza pelo fato de que nunca há mostarda dentro. Está vazio por definição...”

Lacan (1965) o define como sendo o “continente narcísico da libido” – expressão semelhante à que Freud (1917) utilizara para o corpo humano. Este vaso-continente seria o futuro sujeito que, por intermédio do espelho do Outro, pode ser posto em relação com sua própria imagem [i (a)]. Entre o sujeito e o outro, pode-se visualizar a “oscilação comunicante” que Freud designara como “reversibilidade da libido do corpo e do objeto” e à qual Lacan, quase 30 anos depois, daria a notação: [i (a)] <---> [i’ (a’)]


A topologia do pote de mostarda
Ligia Gomes Víctora

http://mestradodotche.blogspot.com/2017/02/O-LUGAR-DA-FALA-NO-CAMPO-DA-LINGUAGEM-o-lugar-central-da-linguagem-na-psicanalise-lacan.html

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"Não somos anjos, temos um corpo" - Santa Teresa D'Avila

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# Desejo, Inconsciente e Linguagem: Hegel, Freud e Lacan

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O DESEJO - CAPÍTULO VI (pag139 a 150)
Freud e o Inconsciente
GARCIA ROZA, Luiz Alfredo
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O DESEJO
Afirmar que no centro da teoria e da prática psicanalíticas está situado o desejo não constitui, hoje em dia, uma afirmação original. J. Lacan vem dizendo isso há longo tempo e, no final das contas, não está fazendo mais do que reler para ouvidos impregnados de reducionismos a palavra do mestre. Essa releitura não se propõe, porém, a produzir uma epifania. Nada que se pareça a uma revelação do sagrado, de uma verdade oculta que será atingida se formos bem-comportados e nos dedicarmos a ler, letra por letra, religiosamente, a sagrada escritura. Trata-se, ao contrário, de produzir, a partir da letra freudiana, o discurso freudiano. 

No centro desse discurso, diz-nos Lacan, está o desejo. Não o desejo tal como é entendido pela biologia e como é proposto pela filosofia natural; não o desejo como satisfação de uma necessidade, mas um desejo desnaturalizado e lançado na ordem simbólica. Esse desejo só pode ser pensado na sua relação com o desejo do outro e aquilo para o qual ele aponta não é o objeto empiricamente considerado, mas uma falta. De objeto em objeto, o desejo desliza como que numa série interminável, numa satisfação sempre adiada e nunca atingida.
Mas ainda não é essa a grande descoberta de Freud. Como muito bem assinala Lacan (1958), essa concepção do desejo já havia sido proposta por Hegel em seu famoso capítulo IV da Fenomenologia do espírito. O que a Traumdeutung nos revela não é o desejo hegeliano, mas o desejo freudiano, e a diferença fundamental entre ambos está no inconsciente. O desejo de que nos fala Freud é o desejo inconsciente. Se o conceito de inconsciente define a originalidade da descoberta freudiana, ele não consegue, contudo, apagar a marca hegeliana deixada em Freud pela Fenomenologia do espírito. Se a presença de Hegel não é clara e imediatamente percebida pelo leitor de A interpretação de sonhos, ela é certamente indicada pela leitura lacaniana. A presença de Hegel nos textos de Lacan se faz com uma constância que justifica as perguntas “ Lacan contra Hegel?” ; “ Lacan filho de Hegel?” (Lacan, 1979b, p. 204). Ou seria mais correto dizer: “ Lacan neto de Hegel?” Antes de tentarmos um esclarecimento sobre a natureza do desejo em Freud, creio que será útil recordarmos a concepção hegeliana do desejo.

O MODELO HEGELIANO DO DESEJO 

A fenomenologia hegeliana é, num primeiro momento, uma descrição que tem por objeto o homem tal como ele aparece a si próprio enquanto fenômeno existencial. O percurso da fenomenologia é o da historicidade do homem, isto é, o caminho seguido pela Consciência (Bewusstsein) até chegar à Autoconsciência (Selbstbewusstsein). Esse caminho é percorrido em três registros: 

1. No primeiro, o homem é em-si: Consciência (Bewusstsein). “ Consciência” é entendido aqui no sentido estrito de “ consciência do mundo exterior” . É o homem enquanto passivo e esgotando-se na percepção do mundo; homem ingênuo, sensualista, cuja certeza não ultrapassa o nível da certeza sensível. 

2. O segundo é o do homem como para-si: Autoconsciência (Selbstbewusstsein). O homem não é apenas aquilo que se opõe ao mundo, mas é consciente dessa oposição e portanto consciente de si mesmo. Ao ser consciente de si mesmo, ele é também consciente do outro como um para-si. É na relação entre dois “ para-si” que se vai constituir o desejo como desejo humano (não natural). 

3. Finalmente, temos o homem como em-si e para-si: Razão (Vernunft). Essa Razão se faz inicialmente razão observadora para em seguida constituir-se como Arte, Religião, Estado. 

O que nos interessa para a explicação do Desejo em Hegel é a passagem da Consciência (Bewusstsein) para a Autoconsciência (Selbstbewusstsein), passagem essa que é feita pelo Desejo (Begierde). Sigamos a análise feita por Kojève (1947). 

A Consciência caracteriza o homem considerado enquanto sujeito cognoscente, mas num sentido sensualista. É o homem contemplativo que numa atitude puramente passiva, “ sensitiva” , se opõe ao objeto exterior. “ Consciência” aqui é tomada no sentido de “ consciência do mundo exterior” e é a maneira de ser do homem ingênuo ou da criança. A certeza que essa consciência oferece é uma certeza sensível, não é a Verdade. É uma certeza subjetiva que não se sabe como tal; julga-se objetiva mas é abstrata, na medida em que nem mesmo constituiu ainda um Sujeito. Essa atitude cognitiva frente ao objeto não pode constituir um sujeito porque nela o homem é absorvido pelo objeto conhecido; ele se perde na contemplação do objeto. O que a contemplação revela é o objeto e não o sujeito.
O sujeito surge somente a partir do Desejo (Begierde). É pela ação de assimilar o objeto que o homem se vê como oposto ao mundo exterior. O primeiro desejo é um desejo sensual: o desejo de comer, por exemplo, através do qual o homem procura suprimir ou transformar o objeto, assimilando-o. Nessa medida, toda ação surgida do Desejo é uma ação “ negatriz” , pois tem por objetivo a destruição ou transformação do objeto para que o desejo possa ser satisfeito. No lugar da realidade objetiva (destruída ou transformada), surge uma realidade subjetiva pela assimilação ou interiorização do objeto.
O Eu do Desejo não tem, pois, um conteúdo positivo próprio; ele é um vazio que será preenchido pela transformação e assimilação do objeto, isto é, do não-Eu negado. Isso faz com que a natureza do Eu seja uma função do objeto desejado. Se o desejo se volta para um objeto natural, o Eu resultante da satisfação desse Desejo será também um Eu natural. Enquanto o Desejo estiver voltado para um objeto natural, para uma coisa, o Eu produzido por sua satisfação jamais se constituirá como Autoconsciência, permanecerá ao nível de um “ sentimento de si” .
Mas, se o desejo é um vazio, uma falta, e se o Eu decorrente de sua satisfação é determinado pelo objeto, o Desejo somente será humano quando se dirigir para um objeto não natural, caso contrário ele permanecerá sendo um Desejo natural e o Eu continuará também sendo natural, isto é, animal. Para que a ação produzida pelo Desejo tenha um caráter antropógeno, ela tem de se voltar para algo que supere o real enquanto coisa, enquanto dado natural. Ora, a única realidade que apresenta essa característica é o próprio Desejo. Assim sendo, para que o Desejo se torne humano e para que constitua um Eu humano, ele só pode ter por objeto um outro Desejo. Dois desejos animais tornam-se desejos humanos quando abandonam os objetos naturais para os quais estavam voltados e se dirigem um para o outro. Desejar o Desejo do outro, eis o que caracteriza o Eu como Eu humano.
O Desejo humano pode, a despeito do que foi dito, desejar um objeto, mas com a condição de esse objeto estar mediatizado pelo Desejo do outro. Assim, o soldado que arrisca sua vida para arrebatar a bandeira do inimigo não está desejando o pedaço de pano colorido, mas o objeto do desejo de outros. Quando um homem deseja o corpo de uma mulher, não é o corpo enquanto objeto natural que está sendo desejado (isso caracterizaria o instinto), mas o corpo historicamente constituído, o corpo desejado por outros desejos. Mesmo assim, no caso da relação entre o homem e a mulher, não é a mulher enquanto corpo o que está sendo desejado, mas sobretudo a mulher enquanto desejo. O que o homem quer é se apossar do Desejo da mulher e ser desejado também por ela, o mesmo acontecendo com ela em relação ao homem. O amor é o confronto de dois desejos e nesse confronto os corpos não são tomados enquanto corpos naturais, mas enquanto mediatizados pelo Desejo.
A ação “ negatriz” do Desejo não desaparece na passagem do Desejo animal para o Desejo humano. Este último também tem por objetivo transformar e assimilar o Desejo do outro. Todo desejo humano é Desejo de um valor, isto é, Desejo de algo não natural. A ação negatriz do Desejo humano vai-se fazer no sentido de um Desejo tentar fazer com que o Desejo do outro “ reconheça” o valor representado pelo primeiro. O que o Desejo humano deseja é ser reconhecido como Desejo e para que o outro reconheça o meu Desejo, ele tem de se submeter aos valores que meu Desejo representa. Em outras palavras, só posso afirmar o meu Desejo na medida em que nego o Desejo do outro e tento impor a esse outro meu próprio Desejo. Ocorre, porém, que esse outro, enquanto Desejo humano, também procura fazer o mesmo comigo. O encontro de dois Desejos é o confronto de duas afirmações que procuram através da negação (transformação/assimilação) do outro, o reconhecimento. Trata-se de uma luta na qual um dos dois Desejos terá de ser destruído, pois reconhecer o Desejo do outro é fazer seu o valor que o Desejo do outro representa. Nessa luta cada um dos indivíduos arrisca a própria vida pelo reconhecimento.
Apesar de ser uma luta de morte, ambos os adversários têm de continuar vivos, pois a morte de um deles torna o reconhecimento impossível. Para que o vencedor seja reconhecido pelo outro, é imprescindível que o outro permaneça vivo. Isso só é possível se o perdedor, não querendo morrer, aceita ser submetido e, nessa medida, reconhece o vencedor como seu senhor, reconhecendo-se a si mesmo como escravo.

Façamos um resumo do que foi visto até aqui.
O ponto de partida foi o homem como Consciência (Bewusstsein) e dotado de um Desejo (Begierde). Esse simples Desejo, para se tornar Desejo humano, implica o reconhecimento (Anerkennen) que leva a uma ação (Tun). É essa ação com vistas ao reconhecimento que dá origem à Autoconsciência (Selbstbewusstsein). Antes de ter constituído o Eu através da palavra, a Autoconsciência estava instalada na certeza do Cogito. Essa certeza é, porém, uma certeza puramente subjetiva e, se ela não quiser permanecer prisioneira da própria subjetividade, necessita objetivar-se pelo reconhecimento. A Autoconsciência só existe enquanto reconhecida, daí a luta que vai caracterizar a chamada “ dialética” do Senhor e do Escravo.
O reconhecimento é, portanto, o ato de confrontação de duas Autoconsciências no processo de se tornarem propriamente humanas. Elas se reconhecem, para si mesmas e para a outra, ao transformarem em verdade objetiva o que era uma simples certeza subjetiva. Só há Eu verdadeiramente humano na relação com o outro mas também esse Eu só se constitui na supressão do outro Eu. A ação a que conduz o reconhecimento é uma ação negatriz; sua função é preencher o vazio do Desejo pela transformação-assimilação do não-Eu desejado.
O que me importa mostrar agora é como a concepção hegeliana do Desejo se institui em modelo para a concepção psicanalítica ou, dito de outra forma, como a concepção psicanalítica do Desejo obedece ao modelo hegeliano, distinguindo-se deste apenas num ponto — essencial para a psicanálise — que diz respeito à natureza inconsciente do Desejo. Não vem ao caso se a adoção do modelo hegeliano foi intencional ou não. A influência de Hegel sobre o pensamento europeu foi suficientemente extensa e intensa para deixar de ter sido sentida por Freud.
Coube a Jacques Lacan, seguidor dos cursos de Kojève sobre Hegel, repensar a teoria freudiana tomando como referencial privilegiado a noção de Desejo. É a partir de sua leitura dos textos freudianos que a presença de Hegel se faz sentir com maior evidência.

HEGEL, FREUD E LACAN
“ No centro da terapia e da teoria psicanalítica encontramos o desejo” , escreve Lacan (1960). Esse desejo, alçado à categoria de referencial central da teoria psicanalítica, nada tem que ver com a concepção naturalista ou biológica de necessidade. A necessidade, tal como o desejo, implica uma tensão interna que impele o organismo numa determinada direção. A diferença fundamental entre ambos está em que na necessidade essa tensão é de ordem física, biológica, e encontra sua satisfação através de uma ação específica visando a um objeto específico que permite a redução da tensão, enquanto o desejo não implica uma relação com um objeto real, mas com um fantasma. A necessidade implica satisfação; o desejo jamais é satisfeito, ele pode realizar-se em objetos, mas não se satisfaz com esses objetos. O desejo implica um desvio ou uma perversão da ordem natural, o que torna impossível sua compreensão a partir de uma redução à ordem biológica.
A relação do desejo com o objeto é, na teoria psicanalítica, em tudo diferente daquela que caracteriza a relação da necessidade com o objeto numa teoria biológica. O objeto do desejo é uma falta e não algo que propiciará uma satisfação, ele é marcado por uma perversidade essencial que consiste no gozo do desejo enquanto desejo (Lacan, 1958). A insatisfação do desejo não decorre de uma insuficiência, de uma gaucherie que lhe seria própria, mas de uma eficiência. A estrutura do desejo implica essencialmente essa inacessibilidade do objeto e é precisamente isso que o torna indestrutível. O desejo se realiza nos objetos, mas o que os objetos assinalam é sempre uma falta. Freud é bastante claro quando nos fornece o modelo de constituição do desejo com base na experiência de satisfação. Um bebê recém-nascido, premido pela fome, chora, esperneia e agita os braços numa tentativa inútil de afastar o estímulo causador da insatisfação. A intervenção da mãe oferecendo-lhe o seio tem como efeito a redução da tensão decorrente da necessidade e uma consequente experiência de satisfação (Befriedigungserlebnis). Daí por diante, uma imagem mnemônica permanece associada ao traço de memória da excitação produzida pela necessidade, de tal forma que na vez seguinte em que essa necessidade emerge, “ surgirá imediatamente um impulso psíquico que procurará recatexiar a imagem mnemônica da percepção e reevocar a própria percepção, isto é, restabelecer a situação de satisfação original. Um impulso dessa espécie é o que chamamos de desejo” (Freud, ESB, vs. IV-V, pp. 602-3). 

Portanto, o que caracteriza o desejo para Freud é esse impulso para reproduzir alucinatoriamente uma satisfação original, isto é, um retorno a algo que já não é mais, a um objeto perdido cuja presença é marcada pela falta. Para usar uma fórmula agostiniana, o que caracteriza o desejo é a presença de uma ausência. O desejo é a nostalgia do objeto perdido.
O papel do objeto na concepção freudiana do desejo nada tem que ver com o papel desempenhado pelo objeto numa concepção empirista naturalista ou como o concebe a psicanálise culturalista norte-americana. A própria variabilidade do objeto já assinala o seu caráter de representante do objeto perdido (cf. Valejo e Magalhães, 1981). O objeto do desejo não é uma coisa concreta que se oferece ao sujeito, ele não é da ordem das coisas, mas da ordem do simbólico. O desejo desliza por contiguidade numa série interminável na qual cada objeto funciona como significante para um significado que, ao ser atingido, transforma-se em novo significante e assim sucessivamente, numa procura que nunca terá fim porque o objeto último a ser encontrado é um objeto perdido para sempre. Toda satisfação obtida coloca imediatamente uma insatisfação que mantém o deslizamento constante do desejo nessa rede sem fim de significantes.
Uma outra característica do desejo freudiano assinalada por Lacan é a de que ele escapa à síntese do Eu. O Eu não é uma realidade original, fonte substancial do desejo, mas algo que emerge a partir de um determinado momento como operador das resistências e somente podendo ser pensado por referência a um outro. O Eu não pode ser pensado de forma unitária, nem tampouco pode ser identificado ao sujeito, ele é “ um termo verbal cujo uso é aprendido numa certa referência ao outro” , escreve Lacan (1979a, p. 193). O Eu surge somente através da linguagem e por referência ao Tu; ele é caracte rizado por um desconhecimento dos desejos do sujeito e não aquilo que se apresenta como fonte última dos desejos.
É por referência ao outro que o sujeito se constitui como um Eu, referência essa que é caracterizada por Lacan através da teoria da fase do espelho. Essa experiência é um dos pontos de diferença fundamental, segundo Lacan, entre a psicologia humana e a psicologia animal:
“O homem se sabe como corpo, quando não há afinal de contas nenhuma razão para que se saiba, porque ele está dentro. O animal também está dentro, mas não temos nenhuma razão para pensar que o representa para si.” (op. cit., p. 197)
É portanto a partir da imagem unificada que faço do outro que eu me apreendo como corpo unificado. O mesmo ocorre com o desejo. Este, no seu estado de confusão original, só vai aprender a se reconhecer a partir do outro, isto é, a partir de desejos e ordens que a criança deverá reconhecer como pertencentes aos adultos.
É nesse sentido que Lacan afirma que “ o desejo do homem é o desejo do outro” (op. cit., p. 205). Nessa primeira fase de constituição do desejo, que é a fase do imaginário, o desejo ainda não se reconhece como desejo, é no outro ou pelo outro que esse reconhecimento vai-se fazer, numa relação dual especular que o aliena nesse outro. Nesse estado especular, ou o desejo é destruído ou destrói o outro. É o desejo de destruição do outro o que suporta o desejo do sujeito.
Como já nos mostrou Hegel, essa radical confrontação relegaria a relação do sujeito com o outro a uma destruição inevitável se não fosse a emergência do simbólico. Se no modo de relação imaginária o desejo do sujeito era forçado a se alienar no outro, a partir da emergência do simbólico ele pode ser mediado pela linguagem. É o que Freud pretende nos mostrar com o exemplo do Fort-Da. Segundo Lacan, o sujeito que fala tem de ser forçosamente admitido como sujeito e isso porque ele é capaz de mentir, de ocultar, isto é, ele é distinto do que diz (op. cit., p. 225). É aqui que podemos assinalar a marca diferencial das concepções de Hegel e de Freud: é esse sujeito ocultador, alvo necessário da suspeita, que Freud vai nos revelar no inconsciente. Seu grande empreendimento consistiu precisamente em tornar explícito o desejo inconsciente.
O desejo que nos é revelado por Freud se reveste de uma dupla característica: em primeiro lugar, sua distorção necessária; e, em segundo lugar, seu distanciamento com respeito à satisfação. Tomemos por exemplo o desejo do sonho. Por uma parte, ele tem por objetivo permitir o sono, isto é, ele é desejo de dormir; por outra parte, ele vai-se realizar a nível fantasmático, sendo sua satisfação puramente verbal. Se podemos falar de alguma satisfação, esta diz respeito sobretudo à que decorre da manutenção do sono. É o descentramento com relação à satisfação que vai permitir a Lacan falar na errância do desejo e a utilizar para o seu esclarecimento o conceito linguístico de metonímia. A esse respeito cabem alguns esclarecimentos.
O recurso ao modelo linguístico ou o emprego isolado de certos conceitos linguísticos não deve nem pode ser visto dentro de um ponto de vista reducionista. Não se trata de substituir um reducionismo neurofisiológico por um reducionismo linguístico. Lacan não disse — e tampouco Freud — que o inconsciente é uma linguagem, mas sim que ele está estruturado como uma linguagem. Da mesma forma, o deslocamento não é a metonímia, assim como a condensação não é a metáfora. “ O inconsciente freudiano e a linguagem dos linguistas se opõem tão radicalmente” , escreve Laplanche (1970), “ que a transposição termo a termo de suas propriedades e de suas leis pode aparecer, com razão, como uma tentativa paradoxal” . No capítulo dedicado ao inconsciente voltarei a abordar esse ponto de maneira mais ampla. Por enquanto, ocupar-me-ei apenas da relação estabelecida entre a estrutura do desejo e a metonímia.
Já vimos como o desejo desliza, por contiguidade, numa série interminável na qual cada objeto funciona como significante cujo significado, uma vez atingido, se revela como um novo significante, reabrindo a série. É precisamente esse deslizamento através do qual um significante desaparece para dar lugar a um outro que Lacan vai tomar como característica do desejo em Freud e que vai procurar ilustrar através da noção de metonímia da linguística, pois é esse recurso metonímico que possibilita ao desejo enganar a censura.
A cadeia significante vai-se constituir, na sua relação com o significado, segundo dois eixos fundamentais: um eixo horizontal das relações de contiguidade e um eixo vertical das relações de similaridade. A metonímia e a metáfora representam, respectivamente, a forma mais condensada desses processos. Assim, se associamos o termo automóvel a trem, avião e navio, somos levados por uma relação de similaridade, enquanto, se o associamos a passeio, domingo e mar, estamos sendo conduzidos por uma relação de contiguidade. Os pares metáfora-metonímia e similaridade-contiguidade remetem aos dois eixos mais elementares da linguagem: o da seleção e o da combinação. O eixo da seleção (que corresponde ao eixo paradigmático de Saussure) é o que possibilita a substituição de um termo por outro tendo por base a similaridade. A seleção é um outro aspecto da substituição, razão pela qual Saussure caracterizava as relações paradigmáticas como sendo relações in absentia. O eixo da combinação (que corresponde ao eixo sintagmático de Saussure) é o que, funcionando por contiguidade, vai possibilitar a ideia de contexto e de ligação, daí ele ser formado por relações in praesentia. Se tomarmos como exemplo o discurso literário, podemos dizer que numa prosa descritiva e minuciosa como a de Proust predomina a metonímia, enquanto na poesia, em geral, predomina a metáfora.
Na metonímia há, pois, um deslizamento de termo a termo segundo uma relação de contiguidade, sem que no entanto a substituição se faça de forma a manter unívoco o significado. Não é a semelhança que regula a substituição, mas o deslizamento por contiguidade, e nesse deslizamento o significado original pode permanecer oculto. O significado metonímico é um efeito desse deslizamento e não algo que lhe seja anterior ou exterior, e nesse caso o efeito se altera conforme um eixo de combinações no qual um significante desaparece para dar lugar a outro.
O que aprendemos com Freud foi que o objeto do desejo é um objeto perdido, uma falta, e que esse objeto perdido continua presente como falta, procurando realizar-se através de uma série de substitutos que formam uma rede contingente mantendo a permanência da falta. Aqui também a metonímia se presta de maneira exemplar para caracterizar essa contingência do objeto. É na medida em que entendemos a contingência do objeto do desejo, seu deslizamento sem fim numa cadeia marcada pela falta, que podemos entender a irredutibilidade do desejo à necessidade. Enquanto esta última é da ordem do natural, o desejo é da ordem do simbólico e pressupõe necessariamente a cadeia significante.
Antes de ascender ao plano do simbólico, o desejo se realiza no plano do imaginário. Inicialmente, é por referência ao outro ou à imagem do outro que a criança vai construir seu esboço de ego, sendo esse momento descrito por Lacan na sua formulação da fase do espelho, em relação à qual a frase “ o desejo do homem é o desejo do outro” tem seu lugar preciso. “ Com efeito” , escreve Lacan, “ os desejos da criança passam inicialmente pelo outro especular. É aí que são aprovados ou reprovados, aceitos ou recusados” (1979a, p. 207). A partir do primeiro momento no qual a criança formou o seu eu segundo a imagem do outro, ela vai, pelo ingresso na ordem simbólica, produzir uma transformação no objeto através da linguagem. O Fort-Da é a descrição que Freud nos oferece desse momento. O objeto é desnaturalizado e adquire a função de signo; em seguida ele passa para o plano da linguagem e a partir de então a palavra passa a ser mais importante que o objeto (op. cit., p. 206). “ A palavra é essa roda de moinho por onde incessantemente o desejo humano se mediatiza, entrando no sistema de linguagem” (op. cit., p. 208), ela não é uma representação ilusória da coisa, ela é a própria coisa, diz-nos Lacan. E ele convida aqueles que não acreditam na concretude da palavra a refletirem sobre a palavra elefante. É porque a palavra elefante existe, afirma Lacan, que o elefante se torna objeto de uma série de deliberações por parte dos homens. Sem nunca terem visto um elefante, os homens deliberam sobre o destino desses paquidermes de uma forma muito mais decisiva do que afecções que lhes possam advir em função de transformações no meio ambiente em que vivem.
“Só com a palavra elefante e a maneira pela qual os homens a usam, acontecem aos elefantes coisas favoráveis ou desfavoráveis, fastas ou nefastas — de qualquer maneira, catastróficas — antes mesmo que se tenha começado a levantar em direção a eles um arco ou um fuzil.” (op. cit., p. 206)
Volto aqui à característica fundamental do desejo freudiano, característica essa que o torna irredutível a qualquer outra concepção anterior àquela elaborada por Freud: o fato de que é um desejo inconsciente. Isso não significa simplesmente que o sujeito desconhece seus desejos mais recônditos, analogamente ao novo proprietário de uma fazenda que ainda não conhece todos os seus recantos. O que Freud coloca, ao afirmar que o desejo do sonho é um desejo inconsciente, é a própria noção de clivagem da subjetividade. Não há um sujeito único, unidade original e fonte irredutível do desejo, que se desconhece em parte, mas dois sujeitos: o sujeito do enunciado e o sujeito da enunciação. O sujeito do enunciado é o sujeito social, portador do discurso manifesto (sujeito às leis do processo secundário), porém desconhecedor do sujeito da enunciação e do conteúdo da mensagem. O sujeito da enunciação é, por sua vez, excêntrico em relação ao sujeito do enunciado. Ele não é expresso ou significado no enunciado, mas recalcado e inconsciente (cf. Valejo e Magalhães, 1981, pp. 41-45). A relação entre esses dois sujeitos é ilustrada por Lacan com o exemplo do escravo-mensageiro que trazia sob sua cabeleira a mensagem que o condenava à morte, sem que ele mesmo conhecesse o sentido do texto, a língua em que estava escrito e que lhe tinham tatuado sobre o couro cabeludo enquanto dormia. São, portanto, dois sujeitos que estão em jogo: aquele que enuncia a mensagem (sujeito do enunciado) e aquele outro ligado aos elementos significantes do inconsciente (sujeito da enunciação), excêntrico em relação ao primeiro. A prática psicanalítica se propõe a tornar explícito o sujeito da enunciação, partindo do sujeito do enunciado.
Proponho que este capítulo tenha sua conclusão nos dois capítulos seguintes, quando a análise mais detalhada da estrutura do inconsciente nos fornecer os elementos que nos faltam para uma compreensão mais ampla do desejo inconsciente.
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“ Se chegamos a dizer “eu” e “tu” é porque “nós” já nos encontrávamos aí..."
(de quem é isso?!?)
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"Antes de ter constituído o Eu através da palavra, a Autoconsciência estava instalada na certeza do Cogito. Essa certeza é, porém, uma certeza puramente subjetiva e, se ela não quiser permanecer prisioneira da própria subjetividade, necessita objetivar-se pelo reconhecimento. A Autoconsciência só existe enquanto reconhecida" (pag 143)



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O Império dos Sentidos

Ô filminho bonito aquele... =)

https://www.facebook.com/caetanodable/posts/408370769248015

http://www.youtube.com/watch?v=bk_aOjfkCrY

Há 37 anos, em 1976, "O Império dos Sentidos" fez de Nagisa Oshima um cineasta popular em todo o mundo. O tórrido romance entre Sada e Kichizo surpreendeu espectadores e censores: como podia um filme ser "'sério" e "pornográfico" ao mesmo tempo?

O escândalo foi um ponto crucial na carreira do magistral cineasta, que morreu ontem de pneumonia, aos 80 anos, em Kanagawa, ao sul de Tóquio.

"O Império dos Sentidos" foi também o momento mais radical de uma carreira marcada pelo radicalismo. O filme lembra muito as ideias do francês Georges Bataille sobre a proximidade entre amor e morte. Mas não as ilustra. E havia outras ideias ali: esse amor existia em contraponto (quase oposição) ao militarismo japonês, que levaria o país à catástrofe na 2ª Guerra.

Oshima foi o primeiro nome da "nouvelle vague japonesa" a chamar a atenção mundial. Tratava-se de um grupo de jovens cineastas que, no começo dos anos 1960, rompeu com os estúdios japoneses, optando pela independência.

A divergência era tanto formal (resistiam aos estilos tradicionais) como política (condenavam o conformismo dos velhos mestres).

Logo nomes como Shohei Imamura ou Seijun Suzuki, entre outros, tornaram-se decisivos para o jovem cinema mundial de então.

O primeiro impacto veio de Oshima, com "O Túmulo do Sol", "Conto Cruel da Juventude" e "Noite e Névoa no Japão", três filmes de 1960 que fugiam ao estilo tradicional e traziam a juventude para o centro dos acontecimentos, embora feitos antes da ruptura com o poderoso estúdio Shochiku.

A maturidade de Oshima chegou no final dos anos 1960, quando produziu obras capitais, como "O Enforcamento", "Garoto Toshio" e "A Cerimônia", esta última de 1970. Todas afirmavam essa proximidade entre vida e morte que se tornaria explícita em "O Império dos Sentidos", mas, sobretudo, deixavam claro o inconformismo em relação aos rumos culturais e políticos dos Japão.

Na década de 1970 predominou o esforço para entender a sociedade nipônica e sua história. A mudança é visível em "O Império da Paixão" (1978). A fama mundial levou Oshima a produções internacionais que pouco acrescentaram a seu trabalho, como "Furyo, em Nome da Honra" (1982) e, em especial, "Max Mon Amour" (1986).

O fracasso deste último o levou a trabalhar para a televisão, antes da hemorragia cerebral de 1996, que o forçou a um longo período de recuperação. Oshima ainda pôde realizar em 1999 o pouco inspirado "Tabu", em que novamente buscava um tema polêmico: a homossexualidade entre samurais.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/88738-oshima-mon-amour.shtml

Desde então, o cineasta nascido em 1932 em Okayama recolheu-se: o que tinha a dizer, desde os tempos de estudante de direito com ideias de esquerda, em Kyoto, estava dito. E, diga-se, bem dito.

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É o corpo que, em sua materialidade, se manifesta, grita.

Mas, afinal, o que é a angústia? E o que a psicanálise tem a oferecer para aquele que se vê atravessado por tal experiência?

Essas são algumas questões que este trabalho se propõe a responder.

Angústia na filosofia
Não se pode desconsiderar que, desde sempre, a angústia é uma questão que acompanha a história do homem. Presente nos ensinamentos dos grandes filósofos, na tragédia grega e nos textos de poetas e escritores, tem sido um tema inspirador para muitos.
Uma das mais antigas indicações sobre essa vivência encontra-se na conhecida “Alegoria da caverna”, livro VII da República, de Platão (428/7-348/7 a.C.), quando ele sublinha a diferença entre o mundo sensível e o inteligível, indicando que o verdadeiro conhecimento se concretiza quando se tem acesso a este último. O filósofo grego destaca, nesse célebre ensaio, a necessária passagem das trevas para a luz apontando que, no caminho em direção ao conhecimento, há um trabalho a ser realizado que num primeiro momento ofusca e cega o homem. Não estaria, aqui, uma das primeiras referências indiretas à experiência da angústia como ausência de representação e sentido?

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10211249273090674&set=a.1842353781643.108883.1324551686&type=3



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No começo estava o corpo, bem como no fim ele estará. Nascemos como corpo biológico e assim morreremos. De fato, quando alguém morre, surge a pergunta: onde está o corpo?(e não onde está Fulano?). Entre estes dois extremos – o nascimento e a morte – há um longo trajeto que todo ser humano deve percorrer, a fim de, além de ser corpo, constituir um eu. Nesta constituição existe um "processo de desenvolvimento que, se não pode ser demonstrado, pode ser construído."1 "O eu", no entanto, afirma Freud, "é, primeiro e acima de tudo, um eu corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é ele próprio a projeção de uma superfície."2

Como é sabido, de início, o recém-nascido não distingue os limites de seu próprio corpo; as sensações internas e externas se confundem. Progressivamente, ele vai definindo a superfície de seu corpo, seu interior, o que é parte dele e o que pertence ao mundo externo, construindo assim seu esquema e sua imagem corporal. Nesta construção progressiva, seu eu vai ser constituído, sempre num processo que, por ser dialético, implica dois opostos: ele próprio e o outro.

O eu corporal, por sua vez, é constituído por aquela parte que se diferenciou do isso: pulsões parciais dirigidas inicialmente para o próprio corpo (auto-eróticas), antecedendo o eu propriamente dito, que depois se tornam narcísicas (dirigidas para o próprio eu). Freud afirma que o eu é a parte do isso que foi modificada pela influência externa, e que a percepção desempenha para o eu, o mesmo papel que a pulsão desempenha para o isso. Os dois não estão, todavia, nitidamente separados; subjaz no eu uma parte "desconhecida e inconsciente", de algum modo "preservada e que pode ser trazida de novo à luz", ou seja, que pode retornar.3

Já o corpo, e acima de tudo sua superfície, constitui um lugar de onde se originam as sensações externas e internas: tato, sons, sensações intero e proprioceptivas, sensações de dor, que vão informar sobre os órgãos internos. Contudo, cabe à visão um papel especial. É sobretudo o olhar que torna possível conhecer o outro e se conhecer, definir o contorno das várias partes do corpo, e só através do olhar no espelho é que se pode conhecer o próprio rosto. É efetivamente através do olhar que se cria a imagem de si; imagem especular, criada a partir do ato de olhar a si próprio no espelho, de olhar para o outro, do olhar do outro. Toda imagem é por si mesma enganosa, fugaz, fugidia, ilusória. Além disso, tanto nossa visão de nós mesmos – nossa imagem – como nossa visão do mundo refletem nosso ponto de vista, nosso estar no mundo.

Convém lembrar também que, na constituição do eu, ao lado da diferenciação do isso, é de suma importância o papel das identificações. Estas, na fase oral primitiva, não se distinguem dos investimentos objetais, além de serem as mais gerais e duradouras. Um objeto perdido instala-se novamente no eu, sendo o investimento substituído pela identificação (p.ex. na melancolia). Assim, o eu é também um "precipitado de investimentos objetais abandonados e contém a história dessas escolhas de objeto.

O corpo registra e assimila vivência, bem como sofre as marcas do tempo. Muitas vezes a representação interna de nosso corpo, nossa imagem corporal, e a imagem fornecida pelo espelho não coincidem, bem como a imagem nossa falada pelo outro. O corpo pode ser objeto de prazer, prazer de ver (schaulust), mas também de sofrimento, de angústia, de satisfação auto-erótica, ou de vergonha. O desejo em relação ao corpo está sempre presente: desejo de se ver (pulsão escópica), de ser visto, de ser reconhecido, de despertar o interesse do outro. O insuportável é o não ser olhado. Ou ser olhado e não ser visto.

O corpo para se tornar um eu e depois sujeito precisa ser desejado: primeiro pela mãe depois por si mesmo e pelo outro. Mas sempre objeto de desejo de si mesmo – narcísico – porém marcado pelo Outro inconsciente. Através de meu corpo desejo ser desejado. O olhar do outro que me invade, me desnuda, mas deseja algo de mim, contrapõe-se à falta de desejo do outro por meu corpo, por mim.

A imagem do corpo – principalmente do rosto – envelhecido remete à castração, à proximidade do fim, para a morte iminente. A imagem do corpo envelhecido não é aquela que se gostaria de ver. Aquilo que se vê nesta imagem é a presença da falta, da castração. E neste tempo não é mais possível uma troca, não se tem mais o recurso de se tornar algo diferente, não existe o porvir. Contudo, neste real há sempre uma possibilidade imaginária, que permite ver-se como se gostaria, que permite aí identificar-se e amar-se. "O mais importante e bonito, do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam" (Guimarães Rosa).

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952007000100009


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 >>> Mas e se nunca estivéssemos estado fora? Se, sempre dentro e no Real contidos, não se tratasse de andar a volta, procurando a entrada, mas de olhar à volta, procurando caminhos de andar por dentro? <<<

[ Marcio Tavares D’Amaral em seu livro ‘Comun
icação e diferença – uma filosofia de guerra para o uso dos homens comuns’] 

“ Tendo percorrrido um caminho que, preocupado com a verdade, teve de passar pela denúncia do seu modelo objetivante e pela tão cautelosa quant arbitrária proposta de um modelo ‘subjetivo’ – onde tempo, sujeito e linguagem se entrechocam como partículas alucinadas num acelerador (o ‘circulo verdade’) e ruem todos os fundamentos – Como ainda falar do mundo?
Saída fácil: não falar. O mundo não é nada que exija a linguagem. Inverção radical do modelo objetivo da verdade. Tudo que o mundo é, é-o inteiramente. Nada lhe falta. Toda palavra é excesso. Como mais-valor super-atribuído, a linguagem só produz menos-valia. O Real impera soberano, como um sol.
Há um problema com esta saída: é que muitos livros precisam ser escritos para convencer o leitor mediano do quanto ela é boa. E como não creio que o problema resida na dificuldade de compreenção das palavras em que esta tese se diz (ficaríamos surpresos com o quanto somos capazes de estar de acordo quuando só se trata de palavras, e como somos bons gramáticos, uma vez que não temos sido outra coisa), fico enormemente tentado a supor que há uma resistência política do mundo a ser tratado desta maneira, ou ser assim destratado.

>>> Enquanto continuarmos ocidentais, nada dizer será sempre ainda uma forma eloquente de falar, como quem pisca o olho aos comparsas diante do Real indiferente e in-significante e mal resiste a murmurar com o canto da boca: Eu não dizia? De menos que isso não somos capazes, nós loquazes e maliciosos.

Contra o totalitarismo da linguagem que crê tudo dizer podemos bem ser tentados a essa afasia niilista. Mas é buscar a cura em outra doença. A primeira tem pelo menos a graça da convivialidade, o brilho das salas de estudo. A segunda nos deixa casmurros, no máximo nos dá direiro ao sorrizo vazio dos monges. Mas do que afinal sorriria um monge?

O real é in-significante: seja. E é completo: pois bem. São ambas teses que seduzem a nossa razão pós-moderna, dada à transversalidade e ao sentido oblíquo. (...) Inviolado: por mais que andemos a sua volta, sondando brechas, não conseguimos verdadeiramente penetrá-lo com nossas pobres palavras (...). Cansada de andar à volta provocando muralhas, a razão instrumental invadiu com violência – e destruiu. Seu espólio são simulacros.

>>> Mas e se nunca estivéssemos estado fora? Se, sempre dentro e no Real contidos, não se tratasse de andar a volta, procurando a entrada, mas de olhar à volta, procurando caminhos de andar por dentro? 

Bem pode ser que não seja possível legitimamente falar do mundo, mas ainda seja necessário aprender a falar no mundo.

A isso se chamaria compreensão? A palavra talvez esteja gasta (gastam-se palavras, o tempo opera nelas suas usura; são tão frágeis). Mas certamente olhar dentro é diferente de ver de fora; já sempre estar dentro é diverso de mais uma vez entrar.”


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Resumo
Com este trabalho, baseado na afirmação da psicanálise lacaniana de que na psicose há primazia do significante, trago uma breve análise do corpus coletado, por meio de entrevista gravadas, de R.C., paciente diagnosticada psiquiatricamente como psicótica. R.C. sustenta uma certeza em relação ao saber de seu filho, certeza esta que desfaz, porque há efeito neológico, todas as possibilidades de instauração da dimensão da interpretação no seu dizer, dimensão esta extremamente seminal para que oinfans se estruture e se subjetive “saudavelmente” no simbólico. Pela análise do corpus, análise produzida numa relação de afetação entre estudos lingüísticos e teoria psicanalítica lacaniana, observa-se que há uma relação fusional fantasística com o Real do corpo do bebê, relação esta que não admite falhas, não admite falta; falta esta fundamental para que ele se posicione na linguagem como um sujeito.
Palavras-chave: dizer psicótico, maternagem, psicanálise.

Neste trabalho, trago alguns pontos desenvolvidos na pesquisa que desenvolvi na minha iniciação científica[2]. Com a finalidade de verificar e analisar como uma mãe diagnosticada psiquiatricamente como psicótica constrói significações sobre seu filho, realizei, no segundo semestre de 2005, entrevistas, que foram gravadas, com R.C.[3], no Centro de Atenção Psicossocial Antonio da Costa Santos, Sr. de Saúde “Dr. Cândido Ferreira” – CAPS Sul[4]-. R.C.; no período das entrevistas, é casada, não trabalha e mora com o marido e seus dois filhos menores[5]: Raul, de cinco anos, e Renan, nascido em 02/06/2005.
A análise se baseia no que, na teoria psicanalítica, Jacques Lacan (1955-56) chama de um dizer psicótico, que é “uma linguagem onde certas palavras ganham um destaque especial, uma densidade que se manifesta algumas vezes na própria forma do significante, dando-lhe esse caráter indiscutivelmente neológico tão surpreendente nas produções da paranóia” (p.42)
Tendo em vista a afirmação de Nina Leite (2002), de que a mãe (ou agente maternante), com o seu discurso (materno), enquanto aquilo que tece uma comensurabilidade possível entre materialidades heterogêneas (significante e o real do organismo), enlaça o infans ao Outro pelo objeto voz – constituindo o corpolinguagem -, portanto, possibilitando a inseminação do simbólico no seu filho, temos que a maternagem - que é entendida por Ângela Vorcaro (2002) como funcionamento significante mínimo implantado no organismo do neonato, “fazendo o leito para o posterior funcionamento da língua por meio da relação temporal que pode ser chamada de embalar andante” (idem, p.71) -, tem incidência seminal no modo como o maternado, o infans (ou a criança a vir-a-ser falante), vai habitar o simbólico, uma vez que há aí uma relação de determinação entre linguagem e as formações do inconsciente.
Verificamos que na psicose, conforme teorizou Vorcaro (2003), o agente maternante, o Outro maternante, que dá conta de todas as funções e dá corpo à criança, não pode conduzir seu filho à demanda, ao jogo do gozo, à antecipação diante do espelho, que lhe dá posse a um corpo e a uma posição: “não há, portanto, constituição de um corpo unificante, na psicose” (idem, p.214).



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