segunda-feira, 1 de maio de 2017

Feminismo e Marxismo: um casamento infeliz?

Uma companheira afirmou que um homem não poderia olhar a realidade com olhos de mulher porque "ninguém pode compreender o que não sente". Partindo da suposta veracidade do argumento diríamos que é verdade que o homem não pode sentir verdadeiramente a opressão que sofre a mulher.

Já dizia Georg Jackson* ao descrever uma conversa entre um branco e um negro onde este último afirma que o branco poderia dançar o watusi, mas eles negros eram o watusi. A imagem além de bonita nos serve precisamente, mas o homem não pode tornar-se uma mulher para compreendê-la.

(...)

Interessante notar que o argumento segundo o qual uma pessoa não possa olhar o mundo com olhos de mulher, trás ainda uma certa herança e paga um certo tributo ao preconceito.Ao radicalizar o argumento, para assumir coerentemente o feminismo teríamos que nos tornar mulher, ou permanecer como opressor.

Mas, do que se trata, para retomar a imagem, não é se tornar watusi, mas dançar watusi, em tudo que há de belo e complexo nesta imagem. Pressupor a relação, a troca, o ser conduzido (nesta caso pela mulher). Mas qual o interesse, enquanto homem, para se propor ao baile? A simples solidariedade a opressão que sofrem as companheiras? Acredito que não.

É verdade que não se pode compreender em toda a sua complexidade o que não se sente, trata-se então de definir o que sentimos como homens que vivem a relação da opressão patriarcal no papel de opressor. Em se tratando de alguém que se propõe revolucionário é terrível, ou pelo menos, deveria ser. Causa sofrimento, provoca crise, nos questiona. Vemos, não com os olhos de mulher, mas na relação com elas, por sua posição quando é consciente, ou sua resistência que seja, passamos a ver com olhos mais humanos.

Assim o compromisso com a luta da mulher é mais do que solidário, mas é o meio para a própria superação da condição de opressão.

(...)

A dificuldade desta coerência prática é que seguimos, mesmo após a constatação intelectual ou vivencial desta perspectiva, condicionados por nossas estruturas afetivas e psicológicas, pelas circunstâncias materiais que permanecem inalteradas, pela cultura que nos cerca, pelo universo capitalista que segue em sua objetividade. Estes são nossos limites, elevados em sua potência pelo fato desta luta se dar, em parte, dentro de nós mesmos.  

(...)

Somos todos nós seres humanos em constante construção e superação de nossos limites, como homens, como mulheres, como militantes, como revolucionários. Se as pessoas se preocupassem menos com os nomes com que rotulam e mais com as práticas a serem desenvolvidas, esta questão talvez estivesse colocada em outro enfoque.

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Mauro Luis Iasi

OLHAR O MUNDO COM OLHOS DE MULHER?
(À respeito dos homens e a luta feminista)

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(*BROTHER, Soledad. Cartas de prisión de Geoge Jackson. Seix Barral, Monte Ávila – Peregrin Books)

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https://www.facebook.com/caetanodable/posts/10212827980917383

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E OS HOMENS? Os olhos masculinos e os olhos de mulher


É assim que se coloca diante de nós todos, os que compreendem a importância estratégica da luta feminista, uma questão: uma vez que cabe as mulheres, pois são elas de fato que vivem a opressão, a iniciativa e o combate decisivo nesta luta; qual seria o papel dos homens? A primeira constatação que emerge, quase como uma obviedade, é que nesta trama cabe aos homens o papel de opressor. Na verdade, no âmbito das relações estabelecidas entre os sexos sob o patriarcado (e no capitalismo com intensidade ainda maior) é o homem que se situa numa situação de poder, tem efetivamente privilégios e desenvolve, interesses muito nítidos na perpetuação de tal ordem. Para que não fique extremamente abstrato, deixando margem para o escapismo, estes privilégios e esta relação de poder se manifestam em coisas muito objetivas: a apropriação da força de trabalho na reprodução e manutenção da casa e da família (cozinhar, lavar, cuidar da roupa, fazer compras, cuidar das crianças, etc), a desigualdade dos métodos contraceptivos (a maioria penaliza a mulher, a pesquisa e a técnica são controladas por homens, a criminalização do aborto, etc) a decisão de ter ou não filhos (o corpo é da mulher, mas a decisão e do casal, da igreja, do parlamento, dos juizes, etc). Poderíamos resumir dizendo que existem interesses objetivos que reforçam e garantem aos homens a posição vantajosa de como opressor no campo desta relaão particular. No entanto só estes interesses objetivos, não são suficientes para compreender o grau tão acentuado da resistência da parte dos homens em aceitar a luta feminista. A libertação da mulher atinge o homem não somente na perda inevitável de seus privilégios objetivos, como também, e principalmente eu diria, na sua identidade masculina, e isto não apenas nos campos dos valores ideológicos (na minha casa quem manda sou eu, a minha mulher, mulher minha não trabalha, "quien lleva los pantalones en su casa" como dizem os cubanos), mas no campo da identidade psicológica, na estruturação de sua personalidade. Existem estudos de psicólogos sociais norte americanos que apontam para a atual estrutura da família e a figura internalizada de uma “mãe ameaçadora”, evidenciada pelo distanciamento objetivo da figura paterna devido a dinâmica contemporânea do capitalismo; que são caminhos interessantes a serem pesquisados. De qualquer maneira, mesmo sem teorizações mais profundas, podemos perceber pela explosiva comprovação da realidade a resistência enorme que expressam os homens diante da questão feminista. Entretanto para nós, que nos colocamos em uma perspectiva revolucionária, a questão é um pouco mais complexa: o que devem fazer os homens que passam a aceitar a validade e a importância da luta das mulheres?


http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/07/mauro-iasi_feminismo.pdf


OLHAR O MUNDO COM OLHOS DE MULHER? (À respeito dos homens e a luta feminista)*

A questão central que aqui se propõe parte de um pressuposto básico: a luta específica das mulheres contra a opressão a que se encontram submetidas se vincula, sem que isto signifique a perda de sua particularidade, à luta mais ampla pela transformação integral da sociedade. Qual a relação entre a mediação particular e a mediação universal, ou seja, a luta específica da mulher e a luta de classes? Neste sentido, a relação do movimento de mulheres e do feminismo com outras organizações políticas mistas evidencia a necessidade de refletir sobre sua ação e concepção em relação à parcela masculina e seu papel. No caminho percorrido pelo movimento de mulheres e, em específico pelo feminismo, podemos presenciar uma saudável evolução que caminha, nos dias atuais, para uma síntese bastante promissora e fecunda. Passaremos rapidamente por um apanhado desta evolução teórica.

MARXISMO E FEMINISMO: Casamento infeliz? Parte-se de um certo entendimento de que, apesar das contribuições significativas das elaborações marxianas e engelianas sobre a mulher na sociedade capitalista, sobre a família e a exploração da mulher como parte da classe trabalhadora não podemos encontrar nos escritos originários de Marx e Engels os elementos para uma teorização sobre a opressão específica sobre as mulheres. Existe uma tendência a se caracterizar uma identidade entre exploração-opressão, o que leva a considerar que a inclusão da mulher no mundo do trabalho pela crescente proletarização da sociedade, teria efeitos na alteração da família e que, a partir da igualdade diante da produção, se poderia chegar a igualdade entre os sexos e a superação da opressão. Poderíamos afirmar que na compreensão equivocada destas análises e na posterior mecanização do marxismo como método, encontramos a razão de ser desta formulação que coloca a libertação da mulher como fruto de um momento posterior à revolução e que pressupõe o mais amplo desenvolvimento das forças produtivas, a socialização da produção, a incorporação da mulher à esfera produtiva e a conquista das igualdades formais diante do salário, dos direitos sindicais e da participação política. A história dos trabalhadores e de suas revoluções, nos coloca, entretanto, diante de constatações que problematizam esta forma de ver a questão. Que pese os avanços conquistados diante da igualdade formal, as revoluções de caráter socialista evidenciaram * Texto originalmente produzido em maio de 1991 como parte dos estudos do Instituto Internacional de Investigações e Formação (Amsterdã – Holanda) e modificado nesta oportunidade para publicação. 1 muito pouco, para não dizer nada, de um efetivo salto de qualidade no que diz respeito à opressão da mulher. Poderíamos citar as tentativas de Vera Schimmit na Alemanha e URSS, a realidade dos países do Leste Europeu, as dificuldades na Revolução Cubana , até os potenciais e os limites que se expressam no processo nicaraguense. Esta visão limitada produzirá conseqüências no campo da ação prática do movimento e suas implicações políticas. Como diz Heidi Hartmann em seu texto, significativamente chamado "O infeliz matrimônio entre o marxismo e feminismo"1 , a decorrência desta visão é que "a libertação das mulheres requer primeiro que elas se convertam em trabalhadoras assalariadas como os homens e , segundo, que se unam aos homens na luta revolucionária contra o capitalismo. Umas das principais vitimas da positivização do método marxismo é a dialética. Parte-se de oposições absolutas onde a unidade só pode ocorrer pela negação absoluta de uma das partes (aliás, como no casamento burguês!). Desta maneira opressão e exploração são absolutos e sua unidade se dá pela afirmação da exploração e o abandono da opressão e desta forma, no infeliz casamento entre o marxismo e feminismo o primeiro subordina o segundo. Por um lado as feministas que buscam o referencial teórico marxista se esforçam para inserir a questão da mulher, e sua especificidade, a partir de seu papel na totalidade do sistema capitalista, e, portanto, além da esfera da produção até a reprodução, chegando a importantes conclusões e contribuições para as questões da reprodução da força de trabalho, a crítica ao papel do salário família, o papel preponderante da mulher no exército industrial de reserva2 , para citar apenas algumas. Talvez uma das contribuições mais interessantes da leitura feminista, por seu significado e implicações, é a tentativa de não se limitar ao conceito de classe, necessariamente derivado na relação com os meios de produção, inserido nas relações sociais de produção, mas buscar resgatar o conceito de divisão social do trabalho por gênero, utilizado com intensidade, por exemplo, na Ideologia Alemã e nos Manuscritos de 1844. Isto porque a divisão social do trabalho seria anterior ao próprio surgimento da sociedade de classes, o que permitiria à reflexão teórica buscar os elementos para a necessária diferenciação entre a exploração econômica (de classes) e a opressão (de gênero). Por outro lado, o que se convencionou chamar de "feminismo radical" que absolutizaria esta separação e, diante dos limites do marxismo neste campo, acabariam por conceber uma oposição entre patriarcado (opressão de gênero) e o capitalismo (como opressão de classe). Parte-se da constatação, em si verdadeira, de que o capitalismo foi precedido do patriarcado que parece ainda se manifestar em experiências revolucionárias póscapitalistas, entretanto ao extremo, esta percepção pode levar à formas imprecisas de conceber a luta das mulheres com as conseqüências políticas que disto deriva. Segundo Zillah Eisenstein (1977), esta visão acaba concebendo a história "como patriarcal e suas lutas como as lutas entre os sexos", e desta forma as batalhas centrais se dariam "entre homens e mulheres, mais que entre a burguesia e proletariado, e as relações determinantes (passam a ser) as de reprodução e não as de produção"3 . 1 HARTMANN, Heidi - "O infeliz matrimônio entre marxismo y feminismo: hacia una unión mas progressista", in Teoria y Política. Mimeo. 2 YOUNG, Iris - "Mas aja del matrimonio infeliz: una critica al sistema dual" in Sargent, Lydia (org) - "Women and revolucion a discussion af the unhappy maniag af marxism and feminism" Boston, South end Press, 1981, pp 43-69. 3 Eisenstein, Z. - Patriarcado Capitalismo y Feminismo Socialista, versão reduzida de um artigo publicado no The insurgent Socio logist, 7 nº 03, 1977 2 A síntese a qual me referia anteriormente vai no sentido de entender o caráter de nossa atual sociedade como patriarcado capitalista, ou seja, que embora incorpore a necessária diferenciação entre a dominação e opressão patriarcal e a dominação e a exploração de classes sob o capitalismo, concebeu não uma polarização mecânica, senão que uma interação dialética onde a exploração de classe pode, e na realidade o faz, se dá por mediações onde uma delas, uma das fundamentais, é a opressão sobre a mulher, a hierarquização de poder e funções segundo o sexo. Para se compreender o caráter subversivo e revolucionário desta aproximação teórica diante da realidade patriarcal capitalista em que vivemos, necessitamos, ainda, incorporar a este conjunto de resgastes metodológicos, a categoria da alienação e a sua relação na equação ser particular - ser genérico, como nos coloca, por exemplo, Agnes Heller (1985). Em primeiro lugar porque a categoria da alienação é suficientemente ampla e abrangente para dar conta de fenômenos que não se vinculem diretamente as condições de exploração econômica. Como afirma Z. Eisentein (1977) "ainda que a teoria da alienação inclua a exploração não deve reduzir-se a ela". Em segundo lugar porque permite conceber a relação de opressão a cada momento como a unidade contraditória entre os limites e as possibilidades, ou seja, o que permite perceber no trabalhador explorado pelas circunstâncias dadas pela realidade capitalista, assim como o potencial revolucionário imanente. Neste sentido a luta específica da mulher contra a situação particular de sua opressão, e desta forma a afirmação de sua singularidade enquanto mulher, é também o potencial de superação desta opressão e a reafirmação do ser humano em sua integralidade genérica. Podemos dizer que a luta específica e particular da mulher é uma mediação particular concreta da luta genérica pela emancipação humana. É neste contexto que devemos compreender a afirmação que nos diz que não haverá libertação dos trabalhadoresse não houver a libertação da mulher. Isto significa que além do fato da irrefutável vinculação da luta das mulheres no campo da luta de classes (igualdade de remuneração do trabalho, direitos sindicais, possibilidades iguais de ascensão, etc), sua luta específica atua incisivamente na superação da opressão materializada na forma patriarcal da família, nos valores dominantes na cultura, no senso comum e na ideologia, nas relações de poder (na fábrica, na escola, mas também no sindicato, no partido),superação esta que não se dando, impede a efetiva libertação do ser humano na sua busca de uma transformação radical da sociedade. Evidentemente no caso da família esta constatação ganha relevo e importância. Sempre houve um grande consenso, inclusiva à esquerda e à direita, da importância do papel da família na garantia, estabilidade e reprodução de determinada sociedade, de determinada ordem; entretanto, paradoxalmente, acredita-se que se ação humana e a iniciativa política que é vital para se garantir a ordem ou revolucioná-la nos campos da política e da economia, não valeria no que diz respeito a família. Os conservadores acreditam que ela se mantêm por condicionantes naturais, fora da história ou biológica; ao passo que alguns revolucionários parecem acreditar que ela mudará por dinâmicas externas à família, por exemplo, como conseqüência de uma alteração ao longo prazo todas estruturas econômicas, políticas e ideológicas. Ambos se equivocam, por que a história tem nos demonstrado que também neste âmbito o papel consciente tem uma grande importância. A família não se transformará por si mesma, a ideologia não se transformará para depois mudar a família, pois, é exatamente na família que se criam os pilares e as bases para a existência da ideologia e as condições de sua reprodução. Os homens novos, da sociedade pós-capitalista, da transição socialista, sendo 3 criados por famílias velhas, não transformadas, se tornarão mais homens (no sentido patriarcal) do que NOVOS. E neste campo a força social e histórica que por sua posição particular pode, através de sua ação, apontar para a superação necessária é composta indubitavelmente pelas mulheres.

E OS HOMENS? Os olhos masculinos e os olhos de mulher

É assim que se coloca diante de nós todos, os que compreendem a importância estratégica da luta feminista, uma questão: uma vez que cabe as mulheres, pois são elas de fato que vivem a opressão, a iniciativa e o combate decisivo nesta luta; qual seria o papel dos homens? A primeira constatação que emerge, quase como uma obviedade, é que nesta trama cabe aos homens o papel de opressor. Na verdade, no âmbito das relações estabelecidas entre os sexos sob o patriarcado (e no capitalismo com intensidade ainda maior) é o homem que se situa numa situação de poder, tem efetivamente privilégios e desenvolve, interesses muito nítidos na perpetuação de tal ordem. Para que não fique extremamente abstrato, deixando margem para o escapismo, estes privilégios e esta relação de poder se manifestam em coisas muito objetivas: a apropriação da força de trabalho na reprodução e manutenção da casa e da família (cozinhar, lavar, cuidar da roupa, fazer compras, cuidar das crianças, etc), a desigualdade dos métodos contraceptivos (a maioria penaliza a mulher, a pesquisa e a técnica são controladas por homens, a criminalização do aborto, etc) a decisão de ter ou não filhos (o corpo é da mulher, mas a decisão e do casal, da igreja, do parlamento, dos juizes, etc). Poderíamos resumir dizendo que existem interesses objetivos que reforçam e garantem aos homens a posição vantajosa de como opressor no campo desta relaão particular. No entanto só estes interesses objetivos, não são suficientes para compreender o grau tão acentuado da resistência da parte dos homens em aceitar a luta feminista. A libertação da mulher atinge o homem não somente na perda inevitável de seus privilégios objetivos, como também, e principalmente eu diria, na sua identidade masculina, e isto não apenas nos campos dos valores ideológicos (na minha casa quem manda sou eu, a minha mulher, mulher minha não trabalha, "quien lleva los pantalones en su casa" como dizem os cubanos), mas no campo da identidade psicológica, na estruturação de sua personalidade. Existem estudos de psicólogos sociais norte americanos que apontam para a atual estrutura da família e a figura internalizada de uma “mãe ameaçadora”, evidenciada pelo distanciamento objetivo da figura paterna devido a dinâmica contemporânea do capitalismo; que são caminhos interessantes a serem pesquisados. De qualquer maneira, mesmo sem teorizações mais profundas, podemos perceber pela explosiva comprovação da realidade a resistência enorme que expressam os homens diante da questão feminista. Entretanto para nós, que nos colocamos em uma perspectiva revolucionária, a questão é um pouco mais complexa: o que devem fazer os homens que passam a aceitar a validade e a importância da luta das mulheres? E ao formular esta questão outra se impõe de imediato: e a questão da autonomia do movimento de mulheres e da luta feminista. A primeira possibilidade é retornarmos a posições aqui já descritas é considerar a luta das mulheres como parte da luta geral de nossa classe e, assim, incorporá-la ao conjunto de nossas tarefas práticas e organizativas. Acontece, que desta forma desapareceria a especificidade da questão da mulher e não seria "necessária" qualquer autonomia. Esta 4 solução, ao meu ver incorreta, é, infelizmente, constantemente proposta e não raramente efetivada na prática de nossas organizações. Uma outra possibilidade é a aceitação formal da importância da luta das mulheres e sua autonomia. Digo formal, pois esta posição costuma conter embutida outras distorções que não emergem na sua aparência. Uma delas e a visão de um movimento de mulheres que se atem a lutas específicas(por creche, leite, educação, etc) e que a ideologia patriarcal atribui à "coisas de mulher", daí, inclusive sua autonomia. Esta solução tem ainda a vantagem para a lógica machista de livrar, graças a autonomia, alguns dirigentes de ter que participar do debate feminista e expor suas posições a respeito do tema. Poderia existir uma outra opção? Acredito que sim. A partir do momento que compreendermos o caráter estratégico da luta das mulheres na transformação integral da sociedade (pois esta, segundo afirmamos, terá que incluir a transformação das atuais relações entre homens e mulheres), teríamos que incorporar efetivamente este campo de luta no horizonte de nosso programa e nossa prática partidária e na ação dos movimentos sociais. A questão é que muitos ainda pesam que ao afirmar isto estaríamos, automaticamente, eliminando as questões específicas. Este seria um bom exemplo para ilustrar o que dizíamos a respeito do abandono da dialética. O raciocínio seria mais ou menos estes: se as mulheres lutam por seus interesses específicos, então tem que criar uma organização a parte, autônoma; caso contrário, se lutam por interesses gerais então podem fazer parte de nossas organizações políticas, desde que esqueçam ou deixem de lado de fora as questões ligadas a sua especificidade (a luta contra a opressão de gênero, o direito ao corpo, a questão da sexualidade, da violência contra a mulher, etc). Desta maneira não vejo porque deva haver antagonismo na afirmação da necessidade de incorporação da questão da mulher no horizonte estratégico e programático e a conquista da autonomia e independência do movimento de mulheres. Esta autonomia, no sentido de lutar por uma correlação de forças que lhes permita a ocupar maiores espaços dentro de nossas organizações,sejam partidárias,sindicais ou de qual quer que seja, a fim de combater as manifestações da opressão que ai se manifestam. Disto concluímos que o papel dos companheiros homens não é, evidentemente, participar, disputar a direção, representar quem quer que seja junto ao movimento de mulheres. A contradição básica que aqui se coloca é se o companheiro homem pode deixar, uma vez aceitando politicamente a questão feminista, de ser o opressor nas relações socialmente estabelecidas na sociedade atual. Como dizia um companheiro num debate recente, um racista pode deixar de ser racista, um burguês pode deixar de ser burguês e aderir a causa dos trabalhadores, mas um homem não pode deixar de ser opressor. Ao que parece este companheiro parte da visão, correta em principio, de que existe uma diferença substancial entre a questão racial, o de classe e o da opressão sobre a mulher. Entretanto ao parar aí sua afirmação pode levar, ainda que se esforce para relativizá-la, a um certo fatalismo, a uma absolutização da situação dada. O que mais me preocuparia nesta afirmação não é sua coerência interna, inevitavelmente precária pela situação onde foi proferida por questões de tempo e a forma do debate, mas sim suas implicações políticas, no sentido que me parece o espaço perfeito para as táticas escapistas. Por este raciocínio o homem pode no máximo se solidarizar com o movimento de mulheres, mas sua condição de opressor é uma fatalidade. Uma companheira no mesmo debate afirmou que o que se espera dos companheiros a que chama ironicamente de "machistas esclarecidos" ou "feminista em construção", deve ser 5 a solidariedade como compromisso político e não como concessão, podendo se usar também os aportes que certos homens possam ter que contribuam para a compreensão da questão feminista. Eu concordaria com a necessidade da solidariedade como compromisso político, no entanto nossa prática tem demonstrado que entre a afirmação da solidariedade como princípio e a prática vai uma certa distância, por vezes intransponível. Em outros campos, como a solidariedade internacional, temos bons e claros exemplos deste fenômeno. Isto permite a existência de posições bem conhecidas que vão afirmar que, sim existe a opressão específica sobre a mulher, sim é importante a luta autônoma das mulheres, sim não há libertação dos trabalhadores sem a libertação das mulheres, e todas estas coisas costumam estar presentes: em nossas formulações, entretanto esta posição pode muito bem estar na boca de um companheiro que em sua vida cotidiana nega, ponto por ponto todo e qualquer princípio de uma prática e uma postura inovadora na relação com sua companheira em casa, com as que convive no trabalho e, não raramente, com as que compartilha a militância. Afinal a transformação da família será um longo processo, estas coisas não mudam do dia para a noite, costuma-se afirmar. A solidariedade fica garantida no campo do formal e os resultados, por vezes, são catastróficos, como quando se afirma que a luta das mulheres e atenção ao tema é muito importante uma vez que as mulheres são mais de 50% do eleitorado, em uma visão utilitarista e oportunista, para dizer o mínimo. A questão de fundo é se há interesses por parte dos homens na luta de libertação da mulher e se esses interesses são antagônicos com a posição de fato que ocupa nas relações de gênero? A primeira questão a ressaltar é que a superação da condição de opressor não passa pela posição teórica ou ideológica que alguém possa ter, não é, portanto, um simples ato de vontade. A opressão é fruto de uma relação social estabelecida, na família onde ocorre sua mediação concreta e mais determinante, e em todo o tecido social. Neste sentido não se supera a condição de opressor decidindo não sê-lo. Não podemos parar nossa afirmação neste ponto sem o risco de cair invariavelmente na fatalidade, na naturalização da opressão ou da mecânica subordinação dos indivíduos à materialidade das relações. O caráter contraditório da determinação materialista no caso das relações sociais é que elas são criadas e mantidas pelos seres que nela serão aprisionados. Aqui mais uma vez a questão da imanência e da objetividade proposta por Marx e resgatada por Agnes Heller parece ter importância decisiva. Os seres humanos fazem sua própria história, mas não a fazem como desejam e sim inseridos em uma circunstância objetivamente dada que o limita e condiciona esta ação. Uma prova disto, no assunto que por hora enfocamos, são os resultados práticos da chamada revolução sexual. Mesmo em exemplos da mais aparente radicalidade, na ruptura com os moldes burguês de casamento e relação afetiva, muitas vezes, presenciamos a reprodução, na essência, da família burguesa patriarcal. Alguns de nós negaram-se a casar na Igreja e registrar sua união em cartórios burgueses. Entretanto, mesmo na ilegalidade perante Deus e os juízes, os casamentos acabam por reproduzir a opressão que se queria inicialmente negar. O mesmo pode se dizer de várias experiências sindicais que partem de radicais preocupações democráticas, formalmente fazem questão de incluir companheiras em suas direções, para logo reproduzir práticas discriminatórias, quando não abertamente violentas. Isto significa dizer que a simples decisão política de aceitação de princípios feministas não altera a realidade da opressão, se as relações objetivamente estabelecidas não se alteram. É neste sentido que o papel das mulheres, por viver a opressão do lado do 6 oprimido, e que são, inegavelmente, as que se mobilizarão, como vanguarda se assim se pode dizer, neste campo de luta. Entretanto isto não quer dizer que para nós, homens, não há nada a fazer a não ser ir tocando a vida e esperar que as companheiras nos eduquem. Uma companheira afirmou que um homem não poderia olhar a realidade com olhos de mulher porque "ninguém pode compreender o que não sente". Partindo da suposta veracidade do argumento diríamos que é verdade que o homem não pode sentir verdadeiramente a opressão que sofre a mulher. Já dizia Georg Jackson4 ao descrever uma conversa entre um branco e um negro onde este último afirma que o branco poderia dançar o watusi, mas eles negros eram o watusi. A imagem além de bonita nos serve precisamente, mas o homem não pode tornar-se uma mulher para compreendê-la. Entretanto, aqui mais uma vez meus fluídos dialéticos entram em pânico. A ideologia burguesa patriarcal adora fetichizar algumas categorias como sendo masculinas e outros como femininas, chegando as vezes a dar tons de cientificidade a esta construção ideológica. Por esta lógica e acompanhada da separação entre os espaços públicos e privados, o mundo do trabalho e do lar, aparecem como características masculinas a iniciativa, o trato pelo poder, a capacidade gerencial, a agressividade. Da mesma forma as características femininas ficam no campo da afetividade, a emocionalidade, a aptidão para a criação das crianças, e por aí se vai tecendo o tapete ideológico. Absolutizadas assim as coisas, de maneira ideológica, quando uma mulher faz política, toma iniciativa, se impõe, o preconceito logo a taxa de estar assumindo um comportamento masculino. Interessante notar que o argumento segundo o qual uma pessoa não possa olhar o mundo com olhos de mulher, trás ainda uma certa herança e paga um certo tributo ao preconceito.Ao radicalizar o argumento, para assumir coerentemente o feminismo teríamos que nos tornar mulher, ou permanecer como opressor. Mas, do que se trata, para retomar a imagem, não é se tornar watusi, mas dançar watusi, em tudo que há de belo e complexo nesta imagem. Pressupor a relação, a troca, o ser conduzido (nesta caso pela mulher). Mas qual o interesse, enquanto homem, para se propor ao baile. A simples solidariedade a opressão que sofrem as companheiras? Acredito que não. É verdade que não se pode compreender em toda a sua complexidade o que não se sente, trata-se então de definir o que sentimos como homens que vivem a relação da opressão patriarcal no papel de opressor. Em se tratando de alguém que se propõe revolucionário é terrível, ou pelo menos, deveria ser. Causa sofrimento, provoca crise, nos questiona. Vemos, não com os olhos de mulher, mas na relação com elas, por sua posição quando é consciente, ou sua resistência que seja, passamos a ver com olhos mais humanos. Assim o compromisso com a luta da mulher é mais do que solidário, mas é o meio para a própria superação da condição de opressão. Isto é válido para todos os homens? Não. Existem os que não colocam a questão da opressão como problema, usufruem dos privilégios, se ligam a eles, protegem sua fragilidade através do uso da força, escondem-se atrás de subterfúgios ideologizantes do "sempre foi assim", "isto é uma coisa complexa que não mudará de um dia para outro". Deveria ser uma regra para revolucionários. Poderia haver revolucionários que não colocassem pra si esta questão na sua efetiva totalidade? Com certeza que há revolucionários que não são feministas (homens e mulheres), a história está repleta de exemplos. Entretanto, que pese o fato de termos que construir nova unidade com os revolucionários e atuar em nossas organizações partidárias ou sindicais, com companheirossinceramente comprometidos com a transformação da sociedade, mas que não 4 BROTHER, Soledad. Cartas de prisión de Geoge Jackson. Seix Barral, Monte Ávila – Peregrin Books. 7 chegaram à compreensão do papel estratégico da libertação da mulher; a posição de quem assume esta perspectiva deveria ser transformá-la numa prática coerente. A dificuldade desta coerência prática é que seguimos, mesmo após a constatação intelectual ou vivencial desta perspectiva, condicionados por nossas estruturas afetivas e psicológicas, pelas circunstâncias materiais que permanecem inalteradas, pela cultura que nos cerca, pelo universo capitalista que segue em sua objetividade. Estes são nossos limites, elevados em sua potência pelo fato desta luta se dar, em parte, dentro de nós mesmos, homens velhos que se lançaram a incrível ousadia de construir um mundo novo. Mas os revolucionários não devem se assustar com as limitações da situação dada, se são estas nossas cadeias, ai estão para serem quebradas. Como chamar isto, se de "machistas esclarecido" (que particularmente acho ofensivo) ou "feminista em construção", pouco importa. Somos todos nós seres humanos em constante construção e superação de nossos limites, como homens, como mulheres, como militantes, como revolucionários. Se as pessoas se preocupassemmenos com os nomes com que rotulam e mais com as práticas a serem desenvolvidas, esta questão talvez estivesse colocada em outro enfoque. Neste sentido, a simples colocação do homem como opressor me parece empobrecedora da questão estratégica de superação do patriarcado capitalista.A necessária luta das mulheres, a sua especificidade, não pode fazer as companheiras se distanciarem da percepção que toda luta por igualdade pressupõe a afirmação da desigualdade, que além da luta imediata, e através dela, existe a luta pelo fim da opressão, da transformação das relações entre os sexos, de uma nova sexualidade e um novo padrão de reprodução que não se baseie na opressão da mulher e na escravização das crianças. Nesta luta a relação com os homens deve ser pensada na complexidade de sua particularidade como opressor-aliado. A especificidade desta questão de papel do homem na relação de opressão, resgatada a partir desta preocupação genérica (ou seja, universal) deve evitar a retomada de uma visão que iguala a exploração a opressão permitindo que se faça transposições indevidas como a que sugere Engels quando afirma que dentro da família o homem representa o burguês enquanto a mulher o proletariado. A conseqüência prática de uma posição como está é que a luta deve ser frontal e constante. Por conta destas contradições que não são somente teóricas, mas profundamente práticas, é que o movimento de mulheres que vem demonstrando grande amadurecimento na sua linha contra o inimigo tem demostrado grandes dificuldades em conviver, na prática política, na relação afetiva, com seus aliados (em construção se preferirem). Concluindo eu diria que os militantes homens que se propõem a uma prática coerente enquanto revolucionários deveriam assumir uma perspectiva feminista, por seus próprios interesses enquanto espécie humana, ainda que contra seus interesses imediatos enquanto homem particular da sociedade capitalista patriarcal. Interesses seus enquanto homem que por viver a opressão no papel de opressor se propõe a alterar esta situação e toma iniciativas concretas para fazê-lo, na redefinição das relações afetivas, na criação dos filhos, na postura diante da companheira, na atenção às práticas incoerentes que a ideologia continua a reproduzir. Não sei se isto é ver o mundo pelos olhos de uma mulher, se isto é possível ou não. Imagino as mulheres que habitam em um Chico Buarque, se seus olhos são assim de uma mulher ou não. Se podemos sentir, como dizia Che, o tapa que não foi dado em nosso rosto. Eu tenho problemas nestas coisas. Meu corpo as vezes se sente agredido quando sei de uma agressão contra uma companheira., sinto as chibatadas na carne negra que não é minha, as 8 vezes sou ferido pelo rosto ensangüentado do um jovem coreano ou palestino, me sinto esmagado por tanques em Pequim, meu coração se estilhaça ao ver a família deitada para morrer de fome na Somália e minha mão começa a escrever coisas que não são minhas (as vezes coisas de mulher), meus olhos (de homem) choram lágrimas de outras dores. Quem sabe na evolução imensa, o ser universal de amanhã vença o homem particular que hoje sou.


Mauro Luis Iasi
Amsterdã, 21 de maio de 1991




“Creio, perante a evolução imensa. Que o homem de amanhã vença O homem particular eu que ontem fui!” Augusto dos Anjos

"Todo verdadeiro revolucionário deve sentir em sua própria face o tapa dado na faSe de qualquer outro ser humano" Che Guevara ( depois de Marti)

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http://www.uel.br/eventos/sepech/sumarios/temas/feminismo_e_marxismo_um_dialogo_im_possivel_analise_das_revistas_critica_marxista_e_cadernos_pagu.pdf

2099 FEMINISMO E MARXISMO, UM DIÁLOGO (IM)POSSÍVEL? ANÁLISE DAS REVISTAS CRÍTICA MARXISTA E CADERNOS PAGU Vivianne Oliveira Rodrigues Prof. Renata Cristina Gonçalves dos Santos (Orientadora) RESUMO Pretendemos examinar a complexa relação entre marxismo e feminismo no Brasil. Abordar-se-á as relações com a teoria marxista e seus possíveis entraves para a aceitação do movimento feminista como parte específica de uma luta contra a desigualdade social e pela superação das classes. Um dos principais objetivos é investigar como o movimento feminista brasileiro, com seus ideais específicos de emancipação feminina, é percebido pela maioria dos teóricos marxistas. Lembrando de um passado recente, se examinará se estes ainda vêem o movimento feminista como pequeno burguês e fragmentador da luta central, apesar da presença massiva de feministas nos espaços marxistas que se formavam na década de 60 contra a ditadura. Por outro lado, será examinado como teóricas feministas apreendem a questão da luta de classes para a emancipação humana, já que, na atualidade o movimento feminista apreendeu várias perspectivas teóricas. Para isto, recorrer-se-á à analise de duas das principais revistas brasileiras no campo das Ciências Sociais: uma é a Crítica Marxista e a outra é a Cadernos Pagu. 2100 Feminismo e marxismo: uma concubinagem (in)feliz? A formação da segunda onda do movimento feminista brasileiro no final dos anos 1960 se destaca da formação européia ou americana. O contexto histórico peculiar do país, marcado pela grande desigualdade social e pela pressão do governo autoritário, é pano de fundo para o surgimento de um feminismo de novo tipo, ou nos termos de Souza-Lobo (1991), “revisitado”. Se, de um lado, o movimento ganhou corpo com as idéias de emancipação feminina advindas do exterior, de outro, ele continuou preocupado em sua maioria em contestar o sistema vigente. Segundo Sarti (2004), uma parte expressiva dos grupos feministas estava articulada a organizações de influência marxista, clandestinas a época, e fortemente comprometida com a oposição a ditadura militar, o que imprimiu ao movimento características próprias. Apesar desta origem rebelde e engajada do movimento, a esquerda, exilada ou não, o rechaçava e, consequentemente, o excluía dos debates acerca da luta pela superação das classes. O feminismo no exterior era visto pelos brasileiros marxistas exilados como pequeno burguês e no Brasil era tido também como fragmentador da luta principal, que era contra a ditadura militar (GONÇALVES, 2009). Céli Pinto (1985), em seu texto intitulado “A propósito da controvérsia feminismo/marxismo”, propõe que as teóricas feministas comecem a repensar o marxismo em suas limitações conceituais e não abrangentes com relação às questões contemporâneas. Os movimentos sociais, para ela, são lutas específicas ligadas a uma luta maior pela superação das classes, portanto existem diversas relações de poder a serem superadas, não só a central, de classes. Entende que a opressão do poder patriarcal sobre as mulheres está historicamente aquém e pode se manter além do modo de produção capitalista. A eliminação das classes 2101 não garante a emancipação das mulheres, a não ser que esta questão específica seja trabalhada dialeticamente no processo revolucionário. De acordo com a autora, a luta contra o poder patriarcal não pretende ser o foco das discussões, mas é fundamental diante da constatação de que o processo de superação das classes não é economicista e sim dialético, na medida em que as mentalidades tendem a se manter nas trocas dos modos de produção. Devem, portanto, as relações de gênero, ser trabalhadas, conhecidas e entendidas como entraves à consciência emancipatória. Há materialidade na superestrutura e isso deve ser pensado pelos teóricos marxistas contemporâneos. Na contramão das idéias desta autora, Perry Anderson, importante historiador marxista, no livro A crise da crise do marxismo não aceita a unidade entre estas duas lutas, e inclusive, por excesso de abstração, naturaliza a presença transitória da submissão feminina pelos modos de produção. Desta maneira, não confere historicidade ao processo da opressão patriarcal. Considera mais viável a superação das classes do que a da dominação sexual. Como escreve o próprio autor, como padrão de desigualdade, a dominação sexual é muito mais antiga historicamente, e muito mais profundamente arraigada na cultura, do que a exploração capitalista. Detonar suas estruturas requer uma carga igualitária muitíssimo maior de esperanças e energias psíquicas, do que a necessária para eliminar a diferença entre classes. Mas, se essa carga explodisse no capitalismo, é inconcebível que elas deixassem inalteradas as estruturas de desigualdades de classes – mais recentes e relativamente mais expostas. (…) Neste sentido, o governo do capital e a emancipação das mulheres são – histórica e praticamente – irreconciliáveis (ANDERSON, 1984, p. 105). 2102 Mauro Iasi (1991), marxista contemporâneo, em seu texto Olhar o mundo com os olhos de mulher – a respeito dos homens e da luta feminista731, aceita que a luta específica das mulheres contra opressão está vinculada à luta pela transformação total da sociedade. Para Iasi a luta contra a exploração econômica não pode ser vista como propulsora única da emancipação feminina. O conceito de exploração e o de opressão são distintos e a luta contra a opressão sexual não cessará com a igualdade na produção. Se aceitarmos a luta pela superação das classes como fator condicionante da emancipação feminina, o papel feminino será passivo diante da opressão que sofre. Agindo da seguinte maneira: a mulher precisa em primeiro lugar, ser uma trabalhadora assalariada, em segundo, lutar contra o capitalismo e, depois da superação, em terceiro, esperar passivamente as relações econômicas de produção mudarem as mentalidades. O autor pensa o papel de oprimida da mulher dialeticamente com o papel desta como sujeito histórico de transformação da realidade. E, segundo Iasi: É nesse contexto que devemos compreender a afirmação que nos diz que não haverá libertação dos trabalhadores se não houver a libertação da mulher. Isso significa que além do fato de irrefutável vinculação da luta das mulheres no campo da luta de classes (igualdade de remuneração do trabalho do trabalho, direitos sindicais, possibilidades iguais de ascensão, etc), sua luta especifica atua incisivamente na superação da opressão materializada na forma patriarcal da família, nos valores dominantes na cultura, no senso comum e na ideologia, nas relações de poder (na fabrica, na escola, mas também no sindicato, no partido), superação esta que não se dando, impede a efetiva libertação do ser humano na sua busca de uma transformação radical da sociedade. (IASI, 1991, p.03) 731 Disponível em http://www. xa.yimg.com/kq/groups/21182771/.../Feminismo_Mauro%5B1%5D.pdf 2103 Iasi traz à tona as identificações dos papéis dos seres humanos na opressão patriarcalista. Diante desta constatação, os homens possuem privilégios objetivos (na decisão sobre a reprodução e no descompromisso com a esfera privada) quando inseridos neste poder opressivo. No entanto, estes privilégios por si só não explicam a resistência dos homens na aceitação da luta feminina. A construção da identidade masculina pautada no ideológico e no psicológico encontra-se ameaçada. Os homens revolucionários devem aceitar a luta especifica nos programas dos partidos juntamente com a luta interna contra seu papel intrínseco de opressor nas relações sociais, uma vez que estas relações sociais são mantidas pelo sujeito ao mesmo tempo que o aprisiona. Cabe ao homem revolucionário repensar seus atos além da política, viver negando seu papel de opressor nos atos cotidianos. Uma prática coerente de rupturas de amarras. Conclui Iasi, eu diria que os militantes homens que se propõem a uma pratica coerente enquanto revolucionários deveriam assumir uma perspectiva feminista, por seus próprios interesses enquanto espécie humana, ainda que contra seus interesses imediatos enquanto homem particular da sociedade capitalista patriarcal. Interesses seus enquanto homem que por viver a opressão no papel de opressor se propõe a alterar essa situação e toma iniciativas concretas para fazê-lo, na redefinição das relações afetivas, na criação dos filhos, na postura diante da companheira, na atenção as praticas incoerentes que a ideologia continua a reproduzir. (IASI, 1991, p.09) Para além da dimensão teórica, Alexandra Kollontai (1980) em sua autobiografia explana a dificuldade pela qual passou no processo revolucionário russo. Ela e as suas correligionárias eram acusadas de tratar de “coisas de mulher” ao questionarem a opressão feminina dentro 2104 dos espaços marxistas. Kollontai levou como proposta dentro do programa do movimento da classe trabalhadora os objetivos da luta feminista. A Revolução de 1917 propiciou a conquista de direitos para uma igualdade sexual, porém na prática as velhas amarras ainda continuavam a “enjaular” a mulher, confinando-a na esfera doméstica através da reprodução e das próprias tarefas “do lar”. O pós-guerra deixou algumas companheiras desacompanhadas e o coletivo socialista não pensava em comunidades que tratassem dos assuntos domésticos. Kollontai se dedica, a partir de tal percepção, à manutenção de coletividades de produção do trabalho doméstico, com a percepção de que este se não for distribuído gera desigualdades de oportunidades e afasta a mulher da vida política. Com o apoio de Lênin e Trotsky, juntamente com as companheiras, trouxe a legalização do aborto. No entanto, as barreiras continuaram atravancando o processo de emancipação. Como ela mesma relata: minhas teses sobre, minas idéias sobre sexo e moral, foram amargamente combatidas por muitos camaradas do partido de ambos os sexos, assim como ainda com outras diferenças de opinião no partido a respeito dos princípios políticos. O cuidado pessoal e familiar foi adicionado a isso e, deste modo, os meses de 1922 passaram sem trabalho frutífero. (KOLLONTAI, 1980, p. 75). Controvérsia feminismo/marxismo nas revistas acadêmicas: mais do mesmo? No caso brasileiro, no período anterior e posterior à ditadura militar, o entrave ao movimento feminista continuou com seus mesmos argumentos economicistas. Se esta questão da opressão feminina, como relata Anderson, está profundamente arraigada na cultura, como conceber uma sociedade socialista igualitária em que homens e mulheres sejam 2105 possuidores das mesmas possibilidades? Haveria a possibilidade de um diálogo entre marxismo e feminismo? Com vistas a responder a estas questões, examinaremos duas revistas: uma feminista, a Cadernos Pagu, e outra marxista, a Crítica Marxista. Ambas tem em comum o fato de estarem sediadas no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, com vários professore(a)s de um mesmo departamento, dividem o mesmo prédio, seus/suas pesquisadore(a)s se cruzam pelos corredores da Universidade. Mas os pontos de contato parece não ir muito além. Se pegarmos o programa editorial de uma e de outra, veremos um abismo. Em sua proposta editorial, Cadernos Pagu, criado em 1993, se apresenta como um dos principais periódicos brasileiros centrados na questão de gênero, divulga reflexões teórico-metodológicas, resultados de pesquisa, documentos e resenhas, abordados a partir de diferentes perspectivas teóricas. Os principais temas contemplados pela publicação - trabalho, educação, violência, sexualidade, raça, família, literatura, mídia, teorias feministas e teorias de gênero - têm oferecido significativa contribuição para as discussões no âmbito acadêmico e fundamentais subsídios para a atuação de organizações não governamentais e governamentais, incluindo a formulação de políticas públicas.732 Quanto à Crítica Marxista, em seu manifesto de fundação em 1994, lemos: Contra a ofensiva antimarxista e antisocialista, os signatários desse documento propõem-se criar uma revista de difusão e de 732 Disponível em: http:// www.pagu.unicamp.br/?q=node/5 2106 discussão da produção intelectual marxista em sua diversidade e complexidade, bem como de intervenção no debate teórico e na luta teórica em curso. Uma revista que critique as panacéias elaboradas pelo neoliberalismo, o pensamento e a experiência social-democratas - tributárias do imperialismo e que hoje abandonam até mesmo a sua política distributiva - e aqueles que, em nome de um pretenso e mistificador valor universal da democracia, terminam por limitar o seu horizonte teórico e político às instituições do Estado liberal burguês. Propugnar a plena validade teórica do marxismo nunca será um ato gratuito e sem conseqüências. Significa reafirmar, neste final de século XX, a possibilidade histórica da revolução, do fim da exploração capitalista e da emancipação dos trabalhadores.733 O exame das duas revistas pode contribuir para elucidar alguns problemas mencionados. Será que a relação do feminismo com o marxismo está fadada a um casamento infeliz734? Será que os teóricos marxistas ainda vêem o feminismo como uma pedra no sapato a incomodar sem ser vista? Existe ou não lugar para a teoria feminista dentro da teoria marxista? É possível ou não um diálogo entre ambos? Para Maria Lygia Quartim de Moraes, “no tocante à „questão da mulher‟, a perspectiva marxista assume uma dimensão de crítica radical ao pensamento conservador” (2000, p. 89). Recorrendo ao o livro de Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado, enfatiza que neste livro “a condição social da mulher ganha um relevo especial, pois a instauração da propriedade privada e a subordinação das mulheres aos homens são dois fatos simultâneos, marco inicial das lutas de classes. Neste sentido, o marxismo abriu as portas para o tema da „opressão específica‟, que seria retomado e retrabalhado pelas feministas marxistas dos anos 1960-70” (MORAES, 2000, p. 89). Porém, observa a autora, isto 733 Disponível em: http:// www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/historico.html 734 A este respeito, consultar Hartmann (s/d). 2107 não significa que o marxismo possa dar conta por completo da chamada “questão da mulher”. Considerando as observações de Moraes, podemos dizer que a problematização do feminismo e do marxismo não é um fenômeno novo. No entanto, são poucos os estudos que hoje se dedicam a examinar esta relação. Existem na atualidade, inúmeras revistas que se apresentam como feministas e diversas outras que têm o marxismo como referencial teórico. No entanto, um rápido levantamento sobre seus conteúdos programáticos e sobre os temas publicados assinala que são poucos os diálogos entre estes dois campos. Ainda não realizamos um levantamento sobre a produção da revista feminista Cadernos Pagu, no entanto, a luta de classes, elemento central para a teoria marxista, está ausente de sua proposta editorial. Isto indicaria um distanciamento das propostas marxistas relativas à emancipação humana em geral? Em outras palavras, dedicar-se à chamada “questão específica” implica não se ater às “questões gerais”? Num passado recente de luta contra a ditadura, marxismo e feminismo pareciam tecer as bases de um feliz casamento. A complexa trajetória de ambos teria levado a um divórcio definitivo? Quais as bases que alicerçam esta separação? Quais as implicações disto no campo teórico e político? Quais as particularidades do início desta relação? Quais os rumos que tomou? Quais caminhos podem trilhar conjuntamente? Para uma lua de mel feliz... Maria Lygia Quartim de Moraes, que escreveu artigo na revista Crítica Marxista no dossiê com o sugestivo título de “Feminismo e marxismo”, chama a atenção para “a importância das contribuições teóricas de intelectuais do sexo feminino” (Moraes, 2000, p. 93). No entanto, o levantamento que realizamos sobre os artigos publicados na 2108 revista revelam outra realidade. De 1994, ano em que a revista foi fundada, até 2009, a problemática o ano em feminista apareceu uma única vez. Tratou-se de um dossiê intitulado “Marxismo e feminismo”, publicado no ano 2000. Neste dossiê, 5 especialistas (mulheres) abordaram em cinco artigos as relações de gênero, a questão do feminismo e do marxismo. Antes e depois deste dossiê não encontramos outros textos sobre o tema. Além disso, cabe destacar que dos 215 artigos publicados nestes 15 anos de existência da revista, somente 31 foram escritos por mulheres. Destes 31, apenas 5 artigos abordaram a questão do feminismo propriamente dito; e só 2 artigos tiveram por objeto as ideias de importantes mulheres para o pensamento marxista. O primeiro dedicado à Ellen Meiksins Wood e o segundo examina Hannah Arendt e Rosa Luxemburgo. Para Mary Castro (2000), uma das teóricas marxistas que escreveu no dossiê dedicado ao tema na revista Crítica Marxista, tanto no marxismo como no feminismo, haveria a preocupação por questionar relações desiguais socialmente construídas e reconstruídas em embates de poder (no caso do feminismo, entre os sexos e pela institucionalização da supremacia masculina). Em ambos conhecimentos ressalta-se o projeto por negação de propriedades, expropriações e apropriações (no caso do feminismo, tanto do valor produzido pelo trabalho das mulheres, socialmente reconhecido ou não, como de seu corpo, voz, re- e a-presentações). Compartem também, o marxismo e o feminismo, a ênfase na materialidade existencial (para alguns feminismos, a vida cotidiana, para outros, a textual, e, para outros ainda, o cenário histórico . hoje, o capitalismo em formato neoliberal), considerando que essa materialidade se sustenta por práticas em um real vivido e um real idealizado e ideologizado (em instituições, no privado e no público, e na 2109 micropolítica das relações sociais). Por outro lado, advoga-se, tanto no marxismo como no feminismo, a possibilidade de mudanças acionadas por sujeitos, pautando-se portanto por investimento em realizar uma utopia humanista . vetor que anima até as versões mais domesticadas (liberais) do feminismo ainda que nelas se limite o horizonte da utopia a uma agenda de defesa por diferenças, por igualdade de oportunidades e direitos para as mulheres. (CASTRO, 2000, p. 99). A autora argumenta que relação entre o marxismo e o feminismo é importante na trajetória do feminismo, quer como conhecimento teórico, quer como prática, ou seja, sua identificação como um movimento social por mudanças. Para ela, tal relação enriqueceria o marxismo, contribuindo o feminismo para o debate que nele se trava sobre as múltiplas determinações do real. Recorre a Gayle Rubin, reputada feminista contemporânea, que fez a defesa do caráter relacional das identidades sexuadas frisando que, para Marx, o que distinguiria um escravo de um não-escravo não seria nenhuma característica naturalizada, mas o tipo de relações sociais em que estaria o escravo, o que conduz à refletir sobre “o lugar das relações sociais (no caso, entre escravo e amo) na estrutura de poder e na produção de riquezas e de cultura, em um tempo e em uma determinada sociedade” (CASTRO, 2000, p. 100). Desta forma, o conceito de gênero, proposto pela teoria feminista, segundo Mary Castro, além de ampliar o debate, sugere que as relações sociais são várias e se autocondicionam, Nem classe nem gênero isoladamente são suficientes para darem conta do real ou das ideologias (CASTRO, 2000). A autora observa que investir no engendramento de um feminismo marxista e de um feminismo socialista tem hoje particular pertinência, quer pela propriedade do marxismo – a insistência em uma saída radical, considerando a falência das 2110 fórmulas liberais, inclusive no plano de políticas de identidade, para as mulheres –, quer porque, como há muito defendem as feministas marxistas e socialistas, não bastaria uma interpretação centrada apenas no marxismo para dar conta da complexidade das relações desiguais entre os sexos, as divisões sexuais de trabalho, de poder e de codificação do prazer, o que pede diálogo, guardados os limites ideológicos, entre distintos feminismos. (CASTRO, 2000, p. 107). Nesta perspectiva, defende que “engendrar um feminismo marxista, a partir de análises das experiências de mulheres de setores populares em movimentos e organizações de base, e re-acessando criticamente as teorias marxista e feminista não pode ser agenda exclusiva das feministas de esquerda, mas de todos os socialistas e comunistas” (CASTRO, 2000, p. 108). Em que medida esta proposta pode se concretizar? Em nossa pesquisa, ao nos debruçarmos sobre o estudo das contribuições contemporâneas das revistas Cadernos Pagu e Crítica Marxista, pretendemos examinar a possibilidade de um diálogo entre feminismo e marxismo. Com vistas a entender qual o espaço que a revista feminista fornece para as questões marxistas e, na outra ponta, em que medida as questões feministas estão presentes ou ausentes na revista marxista, além do levantamento e análise da produção de ambas as revistas, pretendemos realizar algumas entrevistas com o(a)s coordenadore(a)s das duas revistas. Apostando num conhecimento crítico e impulsionador de mudanças, concordamos com Mary Castro: “é importante que haja mais espaço e diálogo na mídia crítica marxista, nos partidos e na academia para esse conhecimento. Nestes tempos, um feminismo marxista é mais que um gênero” (CASTRO, 2000, p. 108). 2111 Bibliografia ANDERSON, Perry. A crise da crise do marxismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. CASTRO, Mary. Marxismo, feminismos e feminismo marxista: mais que um gênero em tempos neoliberais. Crítica Marxista, n. 11, Campinas, 2000. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Alfa-ômega, s/d. HARTMANN, Heidi. Un matrimonio mal avenido: hacia una unión más progresiva entre marxismo y feminismo. Papers de La Fondación 88. Disponível em: http://www. fundaciocampalans.com/archivos/papers/88.pdf]. IASI, Mauro. Olhar o mundo com os olhos de mulher – a respeito dos homens e da luta feminista. Disponível em: http://www. xa.yimg.com/kq/groups/21182771/.../Feminismo_Mauro%5B1%5D.pdf KOLLONTAI, Alexandra. Autobiografia de uma mulher emancipada. São Paulo: Proposta Editorial, 1980. GONÇALVES, Renata. Sem Pão e sem rosas: do feminismo marxista impulsionado pelo Maio de 1968 ao academicismo de gênero. Lutas Sociais, n. 21/22, São Paulo, 2009. MORAES, Maria Lygia Quartim. Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças. Crítica Marxista, n. 11, Campinas, 2000. PINTO, Céli Regina Jardim. A propósito da controvérsia marxismo/feminismo.GT: Mulher e Política. ANPOCS, 1985, mimeo. _____. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. SARTI, Cyntia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas, v. 12, n. 2, Florianópolis, 2004. SOUZA-LOBO, Elizabeth. A classe operária tem dois sexos. São Paulo: Brasiliense, 1991.


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http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/sumario.php?id_revista=11&numero_revista=11


DOSSIÊS
Marxismo, feminismo e o enfoque de gênero 
Clara Araújo
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Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento? 
Heleieth Saffioti
........................................................................................................................................................ 71

Feminismo, gênero e revolução 
Lelita Oliveira Benoit
........................................................................................................................................................ 76

Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças
Maria Lygia Quartim de Moraes
........................................................................................................................................................ 89

Marxismo, feminismo e feminismo marxista – mais que um gênero em tempos neoliberais 
Mary Garcia Castro
........................................................................................................................................................ 98 



http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/dossie29Dossie%202.pdf

O nó formado pelo patriarcado-racismo-capitalismo constitui uma realidade bastante nova, que se construiu nos séculos XVI-XVIII, e que não apenas é contraditória, mas também regida por uma lógica igualmente contraditória2 . Não é possível pensar o econômico desvinculado do político, e o próprio Marx foi explícito a este respeito. Enquanto a dimensão política de uma classe social não for constituída, ela não é verdadeiramente uma classe capaz de lutar por seus interesses.


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• FEMINISMO, GÊNERO E REVOLUÇÃO
http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/dossie30Dossie%203.pdf

De mãos dadas com o homem de sua classe, a mulher proletária luta contra a sociedade capitalista. Clara Zetkin1 A partir dos anos 80, os chamados estudos de gênero revolucionaram todo o campo conceitual em que se situava a questão do feminismo. O próprio conceito de feminino ou de feminilidade passou por uma radical revisão, particularmente, no sentido de superar e erradicar os referenciais bioló- gico-sexuais que envolviam a temática feminista. Procurou-se, desde então, circunscrever as expressões culturais, sociais, psicológicas do feminino e reconstruir o conceito de feminino no campo das suas significações simbólicas; nesse sentido, passou-se a investigar, nos diversos domínios da cultura, da sociedade e da história, as chamadas relações de gênero entre mulheres e homens2 . * Doutora em Filosofia Política pela USP e pesquisadora da Fapesp. 1 Zetkin, C. “Relatório para o congresso de Gotha”, 1896. In Ausgewählte Reden und Schriften. 3 vols. Berlim (R. D. A.): Dietz Verlag, 1957-60, T. 1, p. 103-5. 2 Deve-se a constituição teórica do conceito de “gênero” à socióloga Ann Oakley, em trabalhos que remontam à década de 70 (cf. Sex, gender and society, 1972; The sociology of housework, 1974, Housewife, 1976), sendo, mais recentemente, rediscutido pela historiadora Joan Scott em “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Tradução de G. Lopes Loro. Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, 16 (2):5:22, jul./dez. 1990, p. 5-22; Idem. Gender and Politics of History. New York: Columbia University Press, 1994. CRÍTICA marxista DOSSIÊ Feminismo, gênero e revolução LELITA OLIVEIRA BENOIT* CRÍTICA MARXISTA • 77 A partir destas séries de pesquisas acadêmicas, ao menos à primeira vista, parece ter havido um avanço teórico significativo no domínio geral antes ocupado pelo chamado feminismo. Sobretudo, considera-se importante a superação de um suposto reducionismo biológico que sobredeterminava as diversas categorias da anterior reflexão feminista: conceitos como luta entre os sexos, diferenças sexuais entre mulher-homem, entre outras. O pretenso progresso teórico em curso foi bem sintetizado pela historiadora Joan Scott: Na sua utiliza- ção recente, ‘gênero’ parece primeiro ter feito aparição entre as feministas americanas que queriam insistir sobre o caráter fundamentalmente social das distinções fundadas sobre o sexo. A palavra indicava a rejeição do determinismo biológico implícito no uso dos termos como ‘sexo’ e ‘diferença sexual’. O gênero enfatiza o aspecto relacional das definições normativas de feminidade. 3 Diante disto, pretendemos refletir especificamente sobre a seguinte questão: os chamados estudos de gênero, enraizados na tese da desnaturalização do social, podem, efetivamente, em algum sentido, contribuir e harmonizarse com a teoria marxista clássica? 1. Feminismo Reflitamos, inicialmente, sobre o discurso feminista contra o qual se voltam os estudos de gênero. As categorias biológico-deterministas (opressão sexual, luta de sexos, classes sexuais) predominaram no discurso feminista que, durante os anos posteriores às barricadas de 68, autodenominava-se revolucionário e marxista4 . Exemplo significativo do discurso feminista daqueles anos encontra-se em Feminisno e Revolução. Nesta obra, Sheila Rowbotham sustenta a necessidade de uma revisão feminista do marxismo, apoiando-se em categorias que são evidentemente a-históricas e marcadas por um recorte biológico. Argumentava a autora que Marx e também, em certo sentido, a tradição marxista não teriam compreendido a especificidade da opressão feminina. Sendo histo- 3 Scott, Joan. “Gênero: uma categoria útil… ”, op. cit., p. 5. O suposto progresso teórico é apontado na extensa bibliografia de “gênero”, também no Brasil: “Gênero tem sido (… ) o termo usado para teorizar a diferença sexual. (… ) A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como ‘sexo’ ou ‘diferença sexual’. O gênero sublinha o aspecto relacional entre homens e mulheres, ou seja, nenhuma compreensão de qualquer um dos dois pode existir através de um estudo que os considere totalmente em separado.” (Soihet, Rachel.”História, mulheres, gênero: contribuições para um debate”. In Aguiar, Neuma (org.). Gênero e Ciências Humanas, desafios às ciências desde a perspectiva das mulheres. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1997, p. 101). 4 Sobre o feminismo da década de 70, cf. Fougeyrollas, Dominique. “Les féministes des années 1970”. In Fauré, Christine (org.). Encyclopédie politique et historique: Europe, Amérique du Sud. Paris: PUF, 1997; Thébaud, François. Écrire l’histoire des femmes. Col. “Sociétes, temps”. Fontenayaux-roses: ed. Fontenay-Saint-Cloud, 1998. 78 • FEMINISMO, GÊNERO E REVOLUÇÃO ricamente anterior à sociedade capitalista, enraizada na própria natureza biológica, a opressão sexual incidiria, com a mesma intensidade, sobre as mulheres de todas as classes sociais. Em outras palavras, para a autora, seria necessário repensar o conceito marxista da história como luta de classes completando-o com o da luta entre os sexos. Segundo Rowbotham, inquietações revolucionárias fundamentais poderiam originar-se do entrecruzamento sexo/classe: Estando dado que a submissão da mulher precedeu à sociedade capitalista, podemos esperar que uma revolução, que transforme os fundamentos econômicos da sociedade no sentido do socialismo, afetará o papel sexual da mulher?5 . Concluía Rowbotham que, a exemplo da União Soviética e de outros países do Leste Europeu, a transformação da propriedade privada capitalista em propriedade socialista não implicaria, necessariamente, o fim da opressão de sexo. Nesse mesmo sentido, naqueles anos, elaborou-se o conceito de classes sexuais6 . Contra Marx, resgatandose, em certo sentido, as análises de Engels de inspiração antropológica, sobretudo de A origem da família, da propriedade privada e do Estado, procuravase entrecruzar a questão da dominação econômica entre classes à questão mais universal da mulher, como sexo oprimido7 . No mesmo período, a teoria das novas vanguardas era elaborada no interior de partidos ditos marxistas. Lado a lado à classe operária, pensava-se então nas novas vanguardas: a juventude, as chamadas minorias raciais, sexuais, etc., assim como a vanguarda feminista. Mary-Alice Waters, feminista e marxista, justificava o pensamento da nova vanguarda feminista pós-68, com as seguintes reflexões: O novo ascenso das lutas das mulheres em escala internacional e o surgimento de um forte movimento de liberação da mulher (…) aumentam a força política da classe trabalhadora e tornam mais clara a possibilidade de que a revolução possa ser levada adiante, até a sua tarefa de reconstrução socialista. O surgimento do movimento de liberação da mulher é uma garantia adicional contra a degeneração burocrática de futuras revoluções8 . 5 Rowbotham, S. Féminisme et Révolution [Women, Resistance and Revolution, 1972]. Paris: Payot, 1973, p. 86. 6 Cf. Firestone, Shulamith. A dialética do sexo, um estudo da revolução feminista [The dialectic of Sex, 1970]. Rio de Janeiro: Ed. Labor do Brasil, 1976, p. 14. 7 Até hoje, A origem da família… é uma referência necessária aos estudos do feminino e feministas. Para uma leitura feminista clássica do pensamento de Engels, cf. Delmar, Rosalind. “Looking again at Engels’s ‘Origins of the family, private property and State’”. In Mitchell, Juliet e Oakley, Ann (org.). The rights and wrongs of women. Londres: Penguin Books, 1976, p. 271-287. 8 Water, M.-A. “La revolución socialista y la lucha por la liberación de la mujer”. In Trotski, Leon. Escritos sobre la cuestión femenina. Barcelona: Anagrama, 1977, p. 133. CRÍTICA MARXISTA • 79 No Secretariado Unificado da IV Internacional, e particularmente na sua seção americana, o Socialist Workers Party, a organização e luta pelo socialismo deveria ter como eixo, ao mesmo tempo, a questão de classe e a questão de sexo, como atestam diversos documentos daquela época: A verdade é que as mulheres estão, ao mesmo tempo, unidas pela opressão sexista e divididas pela sociedade de classes. Há [contudo] uma base objetiva sobre a qual é possível unificar a luta das mulheres de diferentes classes e nacionalidades: todas as mulheres são oprimidas enquanto mulheres [sic] pelo capitalismo9 . 2. Gênero Desde os anos 80, essas posições teóricas feministas foram sendo, pouco a pouco, abandonadas. As abordagens chamadas estudos de gênero nas quais se fundamenta o discurso atual sobre o feminino vêm apontando a fragilidade de conceitos tais como opressão sexual, guerra dos sexos, classe sexual, papéis sexuais. Contra o suposto engano biológico-determinista da teoria feminista anterior, mas também, em certos casos, para evitar a redução ao determinismo econômico do marxismo, defende-se agora que sejam feitas pesquisas específicas sobre o feminino, reconstruindo este objeto a partir de uma multiplicidade de níveis e perspectivas. Deve-se levar em conta os aspectos mais diversos: culturais, literários, sociais, históricos, psicológicos, etc.10 Além disso, recomenda-se que não se privilegie, como fundamento da opressão feminina, qualquer causalidade única 11. Apesar da multiplicidade dos enfoques disciplinares, gênero pode ser entendido, contudo, como o nome de um certo modo ou método de conhecer 9 “Un programme socialiste pour la libération des femmes: vers un mouvement féministe de masse (Résolution de congrès du Socialist Workers Party)”. In F. Le Cavez, Françoise. (tradução e apresentação). Féminisme et socialisme aux États-Unis. Col. “10/18”. Paris: U.G.E, 1979 ( 1a ed., 1971); este documento se insere na linha política “inovadora” do setor dito “pablista” do trotskismo que, na década de 50, já “inovara” sustentando uma possível “regeneração dos PCs” e do “stalinismo”. 10 Para uma descrição da abrangência teórica da categoria “gênero” cf. Scott, Joan, “Gênero: uma categoria útil...”, op. cit. 11Sobre o relativismo imanente aos estudos de gênero, comenta uma das pioneiras na temática: “Sendo escrupulosa em meu uso das palavras, utilizaria o termo ‘sexo’ apenas para falar da diferença biológica entre macho e fêmea, ‘gênero’ quando me referisse às construções sociais, culturais, psicológicas que se impõem sobre essas diferenças biológicas. Gênero designa um conjunto de categorias às quais outorgamos uma mesma etiqueta (crosslinguistically, ou crossculturally), porque elas têm alguma conexão com diferenças sexuais. Estas categorias, no entanto, são convencionais ou arbitrá- rias. Elas não são redutíveis e não derivam diretamente de fatos naturais, biológicos, e variam de uma linguagem a outra, de uma cultura a outra, na maneira em que ordenam experiência e ação” (Shapiro, Judith. ”Anthropology and study of gender”. In Soudings, an Interdisciplinary Journal, 64, n. 4, 1981, p. 446-65). 80 • FEMINISMO, GÊNERO E REVOLUÇÃO o feminino a partir das significações construídas, de modo relacional, por mulheres e homens. As relações de gênero, sustentam os estudos atuais, devem ser apreendidas ali onde se desenvolve o simbólico, ou seja, nas defini- ções ou imagens do feminino (e do masculino). Trata-se de estudar as significações do feminino, ou, nas palavras de Joan Scott: o aspecto relacional das definições normativas de feminidade. Se parte do discurso feminista pós-68, de maneira confusa, procurava apoiarse basicamente ainda na teoria marxista, agora, este novo discurso, com o conceito relacional-cultural de gênero, parece possuir outros referenciais teó- ricos. As categorias gênero, relação de gênero e feminino, como entes construídos culturalmente, isto é, como elementos simbólicos, parecem nos remeter ao corpus teórico da sociologia da cultura. Em Economia e sociedade, Max Weber desenvolve certas matrizes conceituais que, de certo modo, são reativadas, de maneira evidente, na categoria gênero, tal como é utilizada pelo discurso atual sobre o feminino. Designamos por relação social escreve Weber o comportamento de diversos indivíduos em tanto que, por seu conteúdo significativo [Sinngehalt], o comportamento de uns se regulamenta pelo de outros [auf-einander gegenseitig eingestellt] e se orienta por eles12. Prossegue Weber explicando que o conteúdo significativo da relação pode ser luta, hostilidade, amor sexual, amizade, piedade, troca comercial, etc..13 Como o paradigma weberiano14 de relação social, a categoria gênero delimita o estudo da questão da desigualdade feminina às significações que são construídas nas relações entre indivíduos, especificamente, entre mulheres e homens. Além do mais, como se obedecessem rigorosamente aos preceitos epistemológico-weberianos, as atuais investigadoras do feminino evitam pensar o conceito de relações de gênero como se este fosse uma entidade realmente existente ou estrutura coisificada15. À semelhança dos paradigmas ou tipos 12 Weber, M. Économie et Société (Wirtschaft und Gesellschaft), 1 e 2 . Tradução de Julien Freund e outros. Paris: Plon, 1971, T. 1: “Les catégories de la sociologie”, p. 58. 13 Idem, ibidem. A seguir, Weber explica que “o conceito nada diz sobre a existência de uma ‘solidariedade’ entre os agentes ou o contrário”. 14 É o próprio Weber que se refere aos “paradigmas sociológicos” ou “tipos”, explicando: “A sociologia – como pressupomos em vários momentos, por ser evidente – elabora conceitos de tipos e põe-se à procura das regras gerais do devir (… ). A elaboração de conceitos, que é característica da sociologia, toma seus materiais, sob a forma de paradigmas, nas realidades da atividade as quais são igualmente importantes para os pontos de vista da história” (op. cit., p. 48-49, grifos do autor). 15 Como diz Weber, rejeitando o realismo conceitual dos universais ou das totalizações: “Não é somente a natureza particular da linguagem, mas também aquela de nosso pensamento que faz com que os conceitos, pelos quais apreendemos uma atividade, deixem que esta apareça sob a forma de CRÍTICA MARXISTA • 81 ideais weberianos, gênero é o nome de uma categoria do entendimento, uma espécie de abstração sem maior realidade ontológica. É nesta abstração que as pesquisas atuais se apóiam para apreender e descrever aspectos ou significa- ções parciais das relações específicas entre mulheres e homens. Ainda no corpus teórico da sociologia da cultura, podemos demarcar proximidades do conceito de gênero com certas categorias simmelianas, em particular, nas chamadas de formas de associação. Associação (Vergesellschaftung), para Simmel, é uma espécie de síntese frágil de tendências opostas, como ele pró- prio explica: As relações sociológicas são condicionadas de modo absolutamente dualista: a união, a harmonia, a cooperação, que valem enquanto tais como forças socializantes, devem ser atravessadas pela distância, a concorrência, a repulsão, para dar lugar às configurações reais da sociedade (…)16. É preciso ainda que os indivíduos em interação uns com os outros, para e contra os outros, formem de alguma maneira uma unidade, uma sociedade, e que sejam conscientes disto. Em certo sentido, segundo Simmel, a sociedade seria a unidade objetiva das consciências subjetivas, cujo jogo de interações ou associação forma o substrato essencial. Sendo que, como escreveu o próprio Simmel, a compreensão do social, na sua multiplicidade infinita, deve ser elaborada a partir de conteúdos subjetivos da consciência: Qualquer que seja o acontecimento exterior que designamos como social (…) se não reconhecermos, de modo evidente, as motivações espirituais, os sentimentos, os pensamentos, as necessidades, (…) tratar-se-á de um espetáculo de marionetes17. As formas sociais (conflito, subordinação, divisão do trabalho) pensadas à maneira de Simmel remetem-nos à categoria gênero, tal como é elaborada pelo discurso atual do feminino. Como as formas sociais de Simmel, gênero é uma realidade durável, de uma estrutura coisificada ou de uma estrutura ‘personificada’, tendo uma existência autônoma. É assim igualmente, e mesmo bem particularmente, em sociologia. Conceitos como aqueles de ‘Estado’, ‘associação’, ‘feudalismo’ ou outros semelhantes, designam, de uma maneira geral, do ponto de vista da sociologia, categorias representando formas determinadas da cooperação humana; [a] tarefa [da sociologia] consiste em as reduzir a uma atividade ‘compreensível’, o que quer dizer, sem nenhuma exceção, a uma atividade dos indivíduos isolados que delas participam.” (Weber, M. “Essai sur quelques catégories de la sociologie compréhensive” (“Über einige Kategorien der verstehenden Soziologie”, 1913). Tradução de J. Freund. In Weber, M. Essais sur la théorie de la science (Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre). Paris: Plon, p. 318-19. 16 Simmel, G. Soziologie. Untersuchungen über die Formen der Vergesellschaftung, in Gesamtausgabe, v. 11. Frankfurt, Suhrkamp, 1992, p. 28, cit. por Vandenberghe, F. Une histoire critique de la sociologie allemande. Aliénation et Réification. 2 T. Paris: La découverte/M.A.U.S.S, 1997. T 1, p. 117. 17 Idem, ibidem, p. 35. 82 • FEMINISMO, GÊNERO E REVOLUÇÃO um modelo conceitual do jogo de interações simbólicas, neste caso, esta forma social gênero é constituída pela polaridade feminino/masculino18. Aliás, a própria forma feminino/masculino é essencializada por Simmel, como modelo significativo da tragédia da cultura. Na teoria da cultura simmeliana, o masculino está vinculado à cultura objetiva (lugar da alienação das significações individuais) e o feminino, à cultura subjetiva (imanência individual das significações preservadas), sendo que a tragédia da cultura (perda do sentido) é apresentada como tragédia feminina19. Como as categorias simmelianas, também as relações de gênero, no discurso atual do feminino, são pensadas, de certo modo, como oposição não-contraditória e apenas relativa. Nesse sentido, as relações de gênero são apenas relações entre pólos complementares, não permitindo que seja pensada qualquer superação do processo de divisão do trabalho que subordina e oprime a mulher, a partir da oposição contraditória entre classes sociais. Ao mesmo tempo, se a categoria gênero se enraíza na compreensão weberiana e simmeliana das oposições sociais, afasta-se da teoria marxista clássica20. Para Marx, a análise e a síntese teórica das relações sociais não podem ter como elemento essencial as significações que os indivíduos lhes atribuem, ou seja, as realidades discursivas da consciência. Aquilo que os indivíduos pensam não coincide, em geral, com o seu ser real, conforme Marx escreveu no Prefácio à crítica da economia política: O modo de produção da vida material domina, em geral, o desenvolvimento da vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a sua existência, ao contrário, é sua existência social que determina sua consciência.21 Ao contrário de ser 18 Simmel propõe que as formas de associação sejam reconstruídas conceitualmente fazendo-se o inventário das polaridades que as constituem, ou seja: distinção/imitação, oposição/integração, resistência/submissão, diferenciação/expansão, distanciamento/proximidade. Assim, por exemplo, o conflito, como forma social, deve ser pensado (reconstruído conceitualmente) como síntese entre “subordinação e resistência”; a troca, como forma social “que separa e une os indivíduos”, etc. 19 Simmel, G. “Culture féminine”. In: Philosophie de l’amour. Paris: Rivages, 1988, p. 69-109; Idem. “Ce qui est relatif et ce qui est absolu dans le problème des sexes”. In: Philosophie de la modernité. La femme, la ville, l’individualisme, I. Paris: Payot, 1989, p. 69-112. 20 Para uma análise comparada de Marx e Weber, além do estudo clássico de Löwith, K. Marx and Weber. Londres: Allen & Unwin, 1982, cf. Weiss, J. Weber and the marxist world. Londres: Routledge, 1986; Wiley, N. (direção de). The Marx-Weber debate. Bervely Hills: Sage, 1987; Sayer, D. Capitalism and modernity. An excursus on Marx and Weber. Londres: Routledge, 1991; Vincent, J.-M. Fétichisme et société. Paris: Anthropos, 1973. 21 Marx, K. “Avant Propos”. In Critique de l’Économie Politique [Zur Kritik der politischen Oekonomie, 1859]. Tradução de M. Rubel e L. Évrard. In Marx, K., Oeuvres. T: Economie I. Col. “Bibliothèque de la Pléiade”. Paris: Gallimard. p. 273. CRÍTICA MARXISTA • 83 reveladora de conteúdos, a consciência na sociedade de classes seria o lugar privilegiado das deformações ideológicas das relações sociais. Portanto, do ponto de vista de Marx, pode-se dizer que os estudos atuais sobre o feminino, ao tomarem construções simbólico-sociais de gênero como fio condutor de suas análises, recaem no engano comum a todas as manifestações do idealismo conceitual. Mas se gênero, como categoria de análise22, não coincide com o método marxista, podemos dizer que a teoria anterior, da chamada nova vanguarda feminista, aparece, do ponto de vista de Marx, como igualmente problemática. Também aquela teoria feminista, que se autodenominava revolucionária e marxista, quando dava realidade indiferenciada e indeterminada às diferen- ças biológico-sexuais, fundava o universal mulher de maneira puramente abstrata; naturalizava elementos históricos e cortava, em diagonal, a concreticidade da luta de classes, totalidade, esta sim, real para Marx. Aliás, talvez por isso mesmo, aquela teoria da chamada nova vanguarda feminista, dos anos 60, apesar de comprometida com setores ditos marxistas, não obteve resultados objetivos significativos no movimento revolucionário das mulheres operárias, repercutindo muito mais nos setores burgueses e pequeno-burgueses. Em sentido contrário, lembremos que, no quadro da II Internacional, Clara Zetkin defendeu, em uma infinidade de textos teóricos e políticos, a independência de classe do movimento das mulheres operárias, em relação ao feminisno burguês23. Contra vanguardas feministas acima 22 A expressão é de Joan Scott. 23 Amiga de Rosa Luxemburg, de Franz Mehring e de Karl Liebknecht, Clara Zetkin (1857-1933) foi uma das figuras marcantes da ala esquerda da social-democracia alemã; em 1907, tornou-se dirigente do Movimento internacional das mulheres socialistas. Organizou, em 1915, uma conferência internacional das mulheres, em Berna. Foi dirigente da Liga spartakista, e mais tarde do partido comunista alemão; em 1921, eleita para o Comitê executivo da III Internacional. Como Rosa, após 1906, denunciou o reformismo da direção social-democrata, que, segundo pensava, não lutava com bastante energia contra a sociedade capitalista. Clara criou aquele que foi então o mais importante e único órgão de propaganda e agitação socialista dirigido às mulheres trabalhadoras: Die Gleichheit (A Igualdade), cujo subtítulo era: “Revista dos interesses das trabalhadoras” que circulou amplamente, na Europa, de 1891 a 1917. Em sua luta política pela independência de classe do movimento das mulheres trabalhadoras, enfrentou a ala feminista reformista dentro da própria social-democracia alemã; comenta Badia que, para Clara, “(… ) o partido não tem que desenvolver uma propaganda feminina específica, mas uma ‘propaganda socialista entre as mulheres’. Sendo que sua tarefa essencial é despertar ‘nas mulheres a consciência de classe e fazê-las participar da luta de classes’.” Badia, Gilbert. “Préface”. In: Zetkin, C. Batailles pour les femmes. Paris: Ed. Sociales, 1980, p. 35; sobre a atividade política de Clara Zetkin, cf. Badia, G. Rosa Luxemburg, journaliste, polémiste revolutionnaire. Paris: ed. Sociales, 1975; Idem. Les spartakistes, 1918: l’Allemagne en révolution. Col. “Archives”. Paris: Julliard-Gallimard. 2a ed., 1974; Dornemann, Luise. Clara Zetkin. Leben und Wirken. Berlim: Dietz Verlag, 1973. Constituída por uma infindável série de escritos teóricos e polí- ticos, a obra de Clara Zetkin foi reunida, parcialmente, em Ausgewählte Reden und Schriften. 3 vols. Berlim: Dietz Verlag, 1957. 84 • FEMINISMO, GÊNERO E REVOLUÇÃO das classes, Clara Zetkin escreveu: Certamente, Marx não se ocupou da questão feminina ‘enquanto tal’ e ‘em si mesma’. Entretanto, sua contribuição é insubstituível, ela é essencial na luta levada pelas mulheres para conquistar seus direitos. (…) Em O capital, acumula-se uma profusão de fatos, de idéias e de sugestões sobre a questão do trabalho feminino, sobre a situação das trabalhadoras, sobre a justificação da proteção legal do trabalho, etc. É um arsenal intelectual inesgotável para nossa luta, tanto para as nossas reivindica- ções imediatas como para nosso objetivo socialista.24 A própria Clara Zetkin discute amplamente em seus escritos, a importância, no final do século XIX e começo do XX, da agitação e da propaganda de questões específicas que atingiam, em massa, a mulher da classe operária (direito ao voto, legislação trabalhista, assistência à maternidade, etc.), ou seja, aqui a mulher é pensada como força de trabalho explorada pelo capital, isto é, como e enquanto Marx a analisou. Em O capital, Marx esboçou a tese que fundamenta a organização e a luta independentes das mulheres trabalhadoras. Naquela obra, no capítulo Maquinaria e Grande Indústria, Marx observa que a mecanização crescente do processo de trabalho torna progressivamente dispensável a força muscular do trabalhador, possibilitando a incorporação de trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade25. Concretiza-se assim, conclui Marx, um trágico paradoxo: a maquinaria, poderoso meio de substituir trabalho humano, em sua utilização capitalista, transformou-se em seu oposto, ou seja, em poderoso meio de multiplicar infinitamente o número dos que podem trabalhar, ao destruir concretamente todas as diferenças entre a força de trabalho masculina e feminina, instaurando a mais absoluta e brutal igualdade, a da força de trabalho disponí- vel para a exploração. Além disso, prossegue Marx, a maquinaria, ao lançar todos os membros da família do trabalhador no mercado de trabalho, reparte o valor da força de trabalho do homem por toda sua família, rebaixa o valor do trabalho masculino e conseqüentemente, dali para diante, todos os membros da família precisam fornecer não só trabalho, mas mais-trabalho para o capital, para que uma família possa viver.26 Desse modo, para Marx, a maioria das mulheres é reduzida (como os homens e também os jovens e crianças da 24 Zetkin, C. “Ce que les femmes doivent à Karl Marx”, 1890 [“O que as mulheres devem a Karl Marx”, 1890]. In Idem. Batailles pour les femmes. Paris: ed. Sociales, ed. cit., p. 90-94; cf. Idem. La cuestión femenina y la lucha contra el reformismo. Barcelona: Anagrama, 1976. 25 Marx, K. O capital. Crítica da Economia Política. Tradução de R. Barbosa e F. Kothe. 3 Livros. Col. “Os Economistas”. São Paulo, Abril, 1983. Livro I, (1/2), p. 23 . 26 Idem, ibidem. CRÍTICA MARXISTA • 85 classe trabalhadora) à condição de simples força de trabalho, ou seja, matéria de exploração do capital. Marx não aprofunda de fato, como disse Zetkin, a questão específica das mulheres, ou seja, a questão da divisão natural do trabalho no interior da família e da subordinação natural ao homem. Mas, exatamente porque, para Marx, a superação das classes sociais, a instauração do comunismo, resulta na superação da exploração da força de trabalho tanto do homem como da mulher e, portanto, na superação de todas as formas opressoras de divisão do trabalho, inclusive as familiares, que recaem particularmente sobre as mulheres. Para Marx, as questões específicas de opressão das mulheres que atingem as mulheres em geral e não só as operárias estariam vinculadas à sobrevivência, na sociedade atual, de formas pré-capitalistas de relações sociais que a sociedade burguesa, na sua fase já de decadência, jamais será capaz de superar. Para Marx, ao contrário, legitimadas por supostos enraizamento na natureza, as determinações biológico-sexuais (mas também raciais, nacionais, de idade, etc.) da divisão do trabalho permaneceriam indefinidamente sob o capitalismo, mesmo porque a burguesia sabe instrumentalizá-las para alargar ainda mais o tempo de trabalho não-pago da classe operária e conservar a sua dominação de classe. Em O capital, Marx se refere à divisão natural do trabalho existente no limiar de todos os povos civilizados, sem contudo, tomar o ponto de vista antropológico, ou seja, o ponto de vista da investigação de supostos fundamentos universais, intemporais da divisão do trabalho. O que interessa, para Marx, é pensar a atual divisão do trabalho, como lemos nos Grundrisse: Não é a unidade dos homens vivos e ativos com as condições naturais e inorgânicas de seu metabolismo com a natureza que tem necessidade de ser explicada; é, ao contrário, a separação entre as condições inorgânicas da existência humana e de sua atividade, separação que é total na relação entre o trabalho assalariado e o capital.27 Nesse sentido, pode-se concluir que, para Marx, a questão específica das mulheres trabalhadoras, e não só delas, se reduziria, finalmente, à questão da superação revolucionária do modo de produção capitalista. 3. Revolução A partir de tais colocações, diante da teoria marxista clássica, manifestam-se claramente os limites conceituais do feminismo e das matrizes sociológicas utilizadas pelo discurso de gênero. Por outro lado, neste caso, como 27 Marx, K. Fondements de la critique de l’économie politique [Grundrisse der Kritik der politischen economie, 1857-58]. Tradução de R. Dangeville. Paris: Anthropos, 1968; 2bis. “Supplément au Chapitre du Capital”, p. 24. 86 • FEMINISMO, GÊNERO E REVOLUÇÃO em tantos outros aspectos, as análises de Marx não parecem totalmente envelhecidas, como propaga a ideologia burguesa. Aqueles limites conceituais, aliás, são confirmados, em parte, pela história mais recente. Se é verdade que mesmo no interior do capitalismo os direitos das mulheres têm sido contemplados, nas últimas décadas, isto ocorreu de modo bem unilateral. É inegável que, particularmente após os anos 60, significativos avanços democráticos foram obtidos pelas mulheres da burguesia e da pequena burguesia (intelectuais, artistas, profissionais liberais, políticas, etc.). Desta época em diante, este setor social vem conquistando direitos civis e igualdade de oportunidades de trabalho. Se isto não deu ainda a estas mulheres a cidadania burguesa absoluta, ao menos, configura significativo avanço na direção da completa igualdade, de forma jamais sonhada em outras épocas históricas. No entanto, estas mulheres emancipadas, em geral, situam-se nas relações de produção, entre aqueles que extraem mais-valia das próprias mulheres, as operárias28. As mulheres da classe trabalhadora, ao contrário, nada conquistaram nas últimas décadas. A estas, muito pelo contrário, cada vez mais amplamente, têm sido negados direitos democráticos, mesmo aqueles conquistados pela luta do movimento operário, desde o século XIX, como o simples direito ao trabalho, hoje retirado, em nome da chamada modernização capitalista29. 28 Neste sentido, não parece sem fundamento a crítica segundo a qual os estudos de gênero fariam parte da contra-ideologia atual: “Essa ‘contra-ideologia’ raramente desafia as prescrições da política liberal (… ). Dentro dessa contra-ideologia (que é generosamente financiada pelas instituições de pesquisa), estudiosos do desenvolvimento encontram um confortável nicho. Seu papel é gerar (internamente a esse contra-discurso) uma aparência de debate crítico sem tocar nos fundamentos sociais do sistema de mercado global. O Banco Mundial desempenha um papel-chave nesse particular, promovendo a pesquisa sobre a pobreza e as chamadas ‘dimensões sociais do ajuste’. Esse enfoque ético e as categorias subjacentes (por exemplo, a diminuição da pobreza, questões ligadas a gênero, eqüidade, etc.) fornecem uma ‘face humana’ às instituições de Bretton Woods e uma aparência de compromisso com a mudança social. Todavia, uma vez que está funcionalmente divorciada das principais reformas macroeconômicas, essa análise raramente constitui uma ameaça para a agenda econômica neoliberal.” (Chossudovsky, Michel. A globalização da pobreza. Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. Trad. de M. Pinto Michel. São Paulo, Moderna, 1999, p. 35.) 29 Em pesquisa da própria ONU, constatou-se: “O relatório provisório das Nações Unidas deixa também perceber que as práticas ligadas à globalização se apoiaram em uma ideologia patriarcal que existia anteriormente mas que a globalização soube integrar, quando não a reforçou. Desta forma, três dos fenômenos ligados à globalização – a multiplicação dos ‘sweat shops’ (fábricas onde o trabalhador é superexplorado), empregos em tempo parcial e formas de trabalho precárias – atingem principalmente as mulheres, em especial as do Sul e as imigrantes: a globalização soube, desta forma, incorporar e utilizar uma divisão do trabalho e um sistema de valores baseado, entre outros, na desvalorização das funções desempenhadas pelas mulheres.” (Callamard, Agnès. “Pequim, cinco anos – avanços e obstáculos: um balanço”. Traduzido por C. Marcondes. In Le Monde Diplomatique, ed. bras., ano 1. n. 4, 2000, p. 4; cf. da mesma autora: Méthodologie de recherche séxospécifique. Montreal: Anistia Internacional e Centro Internacional dos Direitos da Pessoa e do Desenvolvimento Democrático, 1999). CRÍTICA MARXISTA • 87 Tendo, com muita astúcia, feito o corte de classes na questão das mulheres, a burguesia ainda vê a mulher da classe operária como simples instrumento de trabalho, para usarmos a expressão de Marx30. Realmente, a igualdade das mulheres, em sentido não-unilateral, parece ter limites bem concretos, no âmbito da sociedade capitalista e da democracia burguesa. Contudo, a superação de todas as desigualdades culturais, sociais, psicológicas, sexuais e da própria divisão natural do trabalho, não pode ser considerada tão-somente uma utopia adiada para uma hipotética sociedade socialista do futuro. Sob nossos olhos, concretamente, muitas vezes, já foi e é iniciada a superação, mais ampla, da desigualdade feminina. Ali onde a negação revolucionária da sociedade capitalista é iniciada, percebem-se claros avanços nas relações cotidianas entre mulheres e homens, no sentido de uma sempre crescente igualdade democrático-socialista. Assim é que, significativamente, nos primeiros anos da Revolução Russa, efetivou-se uma ampla legislação igualitária, acompanhada do esclarecimento revolucionário e da organização polí- tica das trabalhadoras russas, no sentido da real concretização de seus direitos31. Mesmo que tenha sido aprisionado nos limites do socialismo em um só país, e fracassado, o projeto democrático-socialista para as trabalhadoras russas permanece, enquanto gênese e modelo radical de outras experiências possíveis. Atualmente, os movimentos populares da América Latina, na concreticidade de práticas político-revolucionárias cotidianas, recolocam a questão democrático-socialista das mulheres. Veja-se a experiência igualitária no interior das FARC-EP, organização marxista que controla parte da Colômbia: homens e mulheres dividem todo o trabalho revolucionário, político e cotidiano, mesmo o doméstico32. Da mesma forma, nos acampamentos do MST, no 30 No Manifesto Comunista (1848), lemos que “aos olhos dos burgueses, a mulher [da classe proletá- ria] é apenas um instrumento de trabalho”, quanto às mulheres da própria burguesia, escrevem Marx e Engels, pode-se dizer que estão, mais ou menos veladamente, destinadas à “prostituição oficial ou não-oficial”. 31 “As medidas avançadas que foram tomadas no início [da revolução de 1917], com relação ao casamento, ao divórcio, ao aborto, ao cuidado das crianças e da família, foram suprimidas totalmente e a reação se impôs a tal ponto que, em 1943, estava proibida a co-educação na União Soviética. Sufocada a revolução sexual, triunfava a contra-revolução. Durante as décadas seguintes, a opinião conservadora mundial se regozijou em mostrar que a União Soviética permanecia totalmente atrasada a este respeito.” (Millet, Kate. Sexual Politics. Nova Iorque: Doubleday, 1970, p. 176) 32 Observe-se, no entanto, que em interessante artigo intitulado “Feminismo y Genero”, da revista da FARC, utiliza-se a equívoca categoria “gênero”, porém neutralizada pelo recorte de classe: “Categorías que han omitido el género, tales como ‘campesinos’, ‘desposeídos’, ‘desplazados’ siguen prevaleciendo a pesar que dentro de estos grupos las mujeres han sido las más prejudicadas, al grado de que se habla de la ‘feminización de la pobreza’.” (Documento eletrônico). 88 • FEMINISMO, GÊNERO E REVOLUÇÃO processo de luta social, as mulheres trabalhadoras adquirem consciência política e direitos que a sociedade burguesa lhes nega. Também em momentos mais esporádicos de luta, por exemplo em grandes greves, as mulheres trabalhadoras, freqüentemente, já ali vivem a experiência da igualdade que está contida na própria oposição operária à exploração burguesa da força de trabalho. BENOIT, Lelita Oliveira. Feminismo, gênero e revolução. Crítica Marxista, São Paulo, Boitempo, v.1, n. 11, 2000, p. 76-88. Palavras-chave: Feminismo; Estudos de gênero; Revolução.


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