O debate Chomsky–Piaget, também conhecido como debate de Royaumont, foi um notório debate ocorrido em 1975 entre Noam Chomskye Jean Piaget, inserindo-se no contexto da passagem da década de 60 e 70, quando a psicologia evolutiva desenvolvida nos Estados Unidos, ao se distanciar do Behaviorismo, abria-se à influência dos trabalhos de Piaget. O debate ocorreu na notória Abadia de Royaumont.
- PIATTELLI-PALMARINI, Maximo. Language and learning: the debate between Jean Piaget and Noam Chomsky, Cambridge: Harvard University Press, 1980. ISBN 0674509412
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O debate entre Jean Piaget e Noam Chomsky, por Chomsky
Título: A propósito das estruturas cognitivas e de seu desenvolvimento: uma resposta a Piaget
Autor: Noam Chomsky
Fonte: PIATELLI-PALMARINI, Massimo (org.). Teorias da linguagem, teorias da aprendizagem: o debate entre Jean Piaget e Noan Chomsky. São Paulo: Cultrix, 1983. pág. 50-73.
Autor: Noam Chomsky
Fonte: PIATELLI-PALMARINI, Massimo (org.). Teorias da linguagem, teorias da aprendizagem: o debate entre Jean Piaget e Noan Chomsky. São Paulo: Cultrix, 1983. pág. 50-73.
Em seus interessantes comentários sobre a psicogênese do conhecimento e sua importância epistemológica, Jean Piaget formula três pontos de vista gerais acerca do modo de aquisição do conhecimento: empirismo, ‘pré – formação’ (“inatismo”) e seu próprio “construtivismo”. Ele qualifica muito justamente as minhas concepções como sendo, para usarmos os seus termos, uma forma de “inatismo”. Precisamente, o estudo da linguagem humana levou-me a considerar que uma capacidade de linguagem geneticamente determinada, a qual é um componente do espírito humano, especifica uma certa classe de “gramática humanamente acessíveis”. A criança adquire uma dessas gramáticas (de fato, um sistema de gramáticas desse gênero, mas limitar-me-ei ao caso mais simples, ao caso ideal) a partir dos dados limitados que lhe são acessíveis. No seio de uma certa comunidade lingüística, crianças cujas experiências pessoais variam, adquirem gramáticas comparáveis e largamente subdeterminadas pelos dados que lhes são acessíveis. Pode-se considerar uma gramática, representada de uma maneira ou de outra no espírito, como um sistema que especifica as propriedades fonéticas, sintáticas e semânticas de uma classe infinita de frases possíveis. A criança conhece a língua assim determinada pela gramática que ela adquiriu. Essa gramática é uma representação de sua “competência intrínseca”. Em sua aquisição da linguagem, a criança desenvolve igualmente “sistemas de desempenho” para começar a usar esse saber (por exemplo, estratégicas de produção e de percepção). O que se sabe a respeito das propriedades gerais dos sistemas de desempenho é tão escasso que só se pode especular sobre os fundamentos do seu desenvolvimento. Quanto a mim, emitirei a hipótese de que, como para as gramáticas, um sistema fixo e geneticamente determinado restringe severamente as formas que esses sistemas podem adotar. Por outro lado, postularei a idéia de que análises análogas poderiam ser comprovadamente fecundas a respeitos de outras estruturas cognitivas que se desenvolvem no homem.
Contra essa concepção, Piaget apresenta dois argumentos fundamentais: (1) as mutações, próprias da espécie humana, que poderiam ter dado lugar às estruturas inatas postuladas, são “biologicamente inexplicáveis”; (2) aquilo que pode ser explicado de acordo com a hipótese das estruturas fixas inatas também pode ser perfeitamente explicado como sendo “o resultado ‘necessário’ de construções próprias da inteligência sensório-motora…”
Nenhum desses argumentos parece-me decisivo. Quanto ao primeiro, só o admito em parte. O desenrolar da evolução está, sem dúvida alguma “biologicamente inexplicado”. Mas não vislumbro qualquer razão para admitir a afirmação mais peremptória ainda, segundo a qual ele é “biologicamente inexplicável’. Outro tanto pode ser dito dos órgãos do corpo. O desenrolar de sua evolução também está “biologicamente inexplicado’”. Podemos, post hoc, propor uma hipótese sobre o modo como esse desenrolar poderia ter ocorrido, mas não podemos fornecer uma teoria que exponha o desenvolvimento tal como se produziu e exclua outras que poderiam estar igualmente de acordo com os princípios postulados a respeito da evolução dos argumentos. Se é verdade que ignoramos completamente como e por que mutações aleatórias dotaram a espécie humana da capacidade específica de aprender uma linguagem humana, é igualmente verdadeiro que também ignoramos como e por que mutações aleatórias conduziram ao desenvolvimento das estruturas particulares do olho dos mamíferos ou do córtex cerebral. Não concluímos, portanto, que essas estruturas, em sua natureza fundamental, no indivíduo que chegou à maturidade, são determinadas por interação com o meio ambiente (embora tal interação seja, sem dúvida, necessária ao desencadeamento de processos geneticamente determinados e, naturalmente, influa no caráter dos órgãos que atingiram a maturidade). Pouco se sabe, é certo, sobre o desenrolar da evolução, mas é impossível tirar conclusões, sejam elas quais forem, a partir daquilo que se ignora. Em especial, é temerário concluir ou (A) que as leis físicas conhecidas não são suficientes, em princípio, para explicar o desenvolvimento de determinada estruturas, ou (B) que as leis físicas, conhecidas ou desconhecidas, não são suficientes, em princípio. As conclusões (A) ou (B) resultariam, segundo parece, da afirmação de que o desenrolar da evolução, é em termos literais, biologicamente “inexplicável”. Mas, aparentemente, nada justifica, de momento, encarar (B) seriamente e, se podemos conceber (A) como verdadeira, tal conclusão não passa de pura especulação. Em todo o caso, o ponto crítico, na ocorrência, está em que as estruturas cognitivas e os órgãos do corpo parecem comparáveis no que se refere à possibilidade de uma “explicação biológica”.
O segundo argumento parece-me ser mais importante. Mas não vejo em que a conclusão de Piaget possa fundamentar-se. Que seja de meu conhecimento, nenhuma proposição de fundo foi apresentada que faça intervir as “conclusões da inteligência sensório-motora” e que ofereça qualquer esperança de explicação para fenômenos da linguagem que a exigem. Até onde sei, nada transparece de plausível na origem dessa sugestão. Acrescentarei que, se alguns objetaram que a hipótese de uma capacidade de linguagem geneticamente determinada é uma “petição de princípio”, aí está uma afirmação que certamente não se justifica. A hipótese não é mais uma “petição de princípio” no caso das estruturas mentais do que a hipótese análoga no caso do desenvolvimento dos órgãos. As proposições de fundo respeitantes ao caráter dessa capacidade da linguagem são refutáveis se são falsas, suscetíveis se forem verdadeiras. Certas hipóteses foram contestadas e modificadas, com muita freqüência, à luz de pesquisa ulteriores, e estou persuadido de que continuará sendo assim.
(…)
fonte: http://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/chomsky-para-piaget/
fonte: http://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/chomsky-para-piaget/
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