quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Eu quero que a esperança vá tomar no olho do cu ! - Abujamra


Abu! 

Depois de aceitar conceder esta entrevista, Antonio Abujamra recusou falar sobre sua vida. Respondeu apenas o necessário. Com ele é assim: quando as coisas dão erradas é um sinal de que elas estão no rumo certo. Não poupou palavrões. Chamou os jornalistas de babacas, rebolou o gravador, disse ter sido a entrevista mais chata de sua vida. Ao final, ergueu os braços e gritou "aleluia!"
Pedro Rocha e Tiago Coutinho
da Redação


09/11/2008 - 17h52


Ele estava sentando em um sofá no hall de um hotel na Beira Mar, sozinho como uma esfinge de cabelos cinza e impaciente: decifra-me ou eu te fodo. Um velhaco a coser labirintos de enigmas. "Daqui eu não me levanto", falou dando nome aos bois, o que naquela hora pareceu certa extravagância para arrefecer tensões - engano. "Se quiser tirar foto, te vira", disse ao fotógrafo Rodrigo Carvalho, a quem mostraria ao longo da entrevista seu lado demoníaco em caretas debochadas. Um bruxo corcunda de suspensórios ou, com menos firula, Abujamra.
Aos 76 anos, esperava o café da manhã. Depois de uma noitada longa, acordou numa manhã de sexta para fazer uma das coisas que mais odeia: ser entrevistado. Ao menos é o que sempre diz nas que concedeu. Não poupa vitupérios aos inquiridores, fazendo questão de deixar claro os papéis a serem interpretados. O dele, o do humor, nunca perde.
Antes mesmo de chegar a Fortaleza, havia gentilmente confirmado por e-mail a entrevista: "OK.", apenas. Chegamos com o recato de um respeito medroso, depois de conversas em que tentávamos remediar pela imaginação as prováveis respostas, incontornáveis, becos sem saída. Além dos dois repórteres e do fotógrafo, a estudante Natasha Farias acompanhava a equipe. Mais um pretexto para Abujamra tripudiar sobre a imaturidade, como se se vingasse da juventude, enquanto reclamava do sanduíche e das batatas fritas frias.
No começo da noite anterior, ele havia apresentado na cidade seu monólogo O Provocador, espetáculo em que faz uma versão teatral de seu programa de mesmo nome na TV Cultura, no ar há 8 anos. Um dos maiores diretores e atores do Brasil (para pôr-lhe no pescoço dois de seus superlativos), Abujamra foi aplaudido de pé pela platéia presente ao teatro:
"Ontem, depois que terminou o espetáculo, as pessoas tavam aplaudindo demais, me deu uma vontade de falar assim: 'De joelhos! De pé eu não quero mais!', mas não tive coragem. Era muito bonito, nera?"
O POVO - Por que você queria que te aplaudissem de joelho?
Antonio Abujamra - Humor! Humor! Você conhece essa palavra? Vem de humour. Queria fazer isso só por humor mesmo. Gritar 'De joelhos, de pé eu não quero mais!'. Olha aqui, se você fizer perguntas babacas, eu te arrebento e caiu de pau em você. Você já fez uma. Essa pergunta 'por que você queria que te aplaudissem de joelho?' é babaca. Você não entendeu a piada! Se a pessoa não entende a piada, eu posso cair em cima. Você pode ficar vermelho, constrangido. Pode se abanar. Mas você deve perguntar só coisas boas. A juventude tem que ter talento, tem que ter coragem e ser boa, mas podem perguntar o que vocês quiserem. (Se dirige para a Natasha e aponta o dedo: 'você pára de ser imprensa marrom e ficar escrevendo essas coisas aí. Isso aqui é uma conversa sexual entre homens).
OP - A gente veio no carro discutindo o medo que a gente sente em entrevistar o senhor...
Abujamra - Eu não acredito nisso! Não tenham medo! Não tenham medo de errar! Caminhem no incerto. Aí vocês me vêm com essa de ter medo de entrevistar um cara igual a vocês? Um velho acabado, sem ter onde cair morto. E vocês querem ficar impunes? Que não aconteça nada com vocês? Como vai ter medo de me entrevistar, meu amor? Explica para mim! Se você tiver medo, eles vão te estraçalhar. Estão todos procurando os medrosos para jogar em cima deles as suas frustrações irremediáveis. Não tenham medo de nada! Não tenham medo! Vão para puta que pariu! Vamos passar para um outro assunto.
OP - Você tem medo de alguma coisa?
Abujamra - Blá! Blá! Blá!
OP - O seu personagem provocador não tenta um pouco assustar as pessoas?
Abujamra - Fala mais alto! Eu sou surdo. Além de tudo isso, eu sou surdo.
OP - O seu personagem provocador não tenta um pouco assustar as pessoas?
(O garçom serve o café da manhã de Abujamra: misto quente, com batata-fritas e suco de laranja)
Abujamra - Pode servir! A única coisa boa da entrevista até agora é isso aqui... O provocador na televisão tem oito anos. Já não agüento mais aquela minha cara dizendo poemas. Eu já chego e nem leio mais poemas. Já mando colocar no teleprompter e pronto! Eu faço provocações como qualquer programa de televisão. Se vocês perguntarem quem foi que você entrevistou melhor nesse tempo, eu respondo: a rua. Sempre na rua são os melhores entrevistados. Você vai na rua e eles falam coisas maravilhosas, sem nenhum erro. Vocês estão servidos? (Oferece o café da manhã). Eu acordei agora. Bora! A entrevista é de vocês, coragem! Marchem!(Se dirige ao fotógrafo) Não fotografe enquanto eu mastigo.
OP - Voltando ao programa Provocações, você sempre se diz ser muito provocado. Você se lembra quando você foi provocado pela primeira vez?
Abujamra - É só andar pela rua. Ande em seu país e veja o que acontece. Pegue um ônibus! Veja a camisa suada do cara na sua frente. Que tecido era a camisa? De onde era? Por quê? Tudo isso me provoca. Pega um jornal e abre. Nós somos provocados constantemente. O país finge que está bem. Todo mundo sabe disso. Não sei... Talvez em Fortaleza vocês estejam bem mesmo. Ser provocado é isso. É só sair na rua. É só olhar para as pessoas. É só perguntas para as pessoas, assim: o que você faz? Pronto! Você nunca percebeu isso?
OP - Percebo.
Abujamra - Então para que você está me perguntando?
OP - Mas a pergunta era para saber se houve uma primeira provocação? 
Abujamra - Teve sim! Eu tinha um ano de idade, eu acho. Hoje eu tenho 77. De lá até aqui, eu só vi provocações. Eu vejo que as coisas não andam. Veja, por exemplo, a educação. As coisas não mudam em mais de 30 anos. Isso é uma provocação! Como é que nunca foi feito um projeto de educação neste País? Nunca! Tanto dinheiro que não vai para a educação. Isso tudo é batido, meu amor! Você não acha? Faz assim. Escreve o que você acha e diz que fui eu que falei.
OP - O Abujamra provocador existe desde muito antes do que o programa?
Abujamra - Eu passei 25 anos pensando em fazer esse programa. Ele começou com uma entrevista com um cara, um físico, ele chegou e perguntou para mim: você não acha erótico um setentão soltar uma bomba? Não! Eu acho mais erótico fazer outro tipo de trabalho. Arrebentei com o cara. Então eu tive a idéia de fazer um programa com essas pessoas que acham que sabem tudo para a gente desmontar isso.
OP - Mesmo assim as pessoas topam participar do programa?
Abujamra - Eu sei lá porque isso acontece. Tem uma fila querendo participar do Provocações. Tem gente que não acaba mais. Acho que eles vão com a ilusão de resolver os seus problemas. Ou os meus. Ou os do mundo. Sei lá. Eu não perco mais tempo com eles. Mas tomara que ninguém leia isso em São Paulo. Se eu perder o emprego, eu dou uma porrada em vocês.
OP - Seria mais um emprego que você perderia, né?
Abujamra - Já me expulsaram três vezes da TV Cultura, quatro vezes da bandeirante, cinco vezes da Globo. E agora eu vou fazer novela na Record. Não posso mais falar mal do Bispo Macedo. E ontem, no meu espetáculo, eu falei mal dele. Não consigo. Eu vou ser um mafioso nessa nova novela. Um mafioso! É muito chato ficar comendo e dando entrevista.
OP - Você quer parar a entrevista para poder comer?
Abujamra - Eu queria mesmo que vocês fossem embora. O que vocês querem ainda saber de mim?
OP - Sobre esse mafioso que você fará na Record...
Abujamra - Não tem nada certo ainda. Eu só sei que eles vão me contratar, agora o que eu vou fazer eu não sei ainda.
OP - Como é essa sensação de você a voltar a fazer novela?
Abujamra - Eu sou um ator! Faço cinema, televisão, teatro, michê. Eu sou ator. Vou lá e faço o trabalho. Na televisão, é todo mundo igual, né? Tem coisa diferente na televisão?
OP - Por que o senhor começou a fazer televisão, então? 
Abujamra - Porque é do meu tempo! As coisas do meu tempo eu tenho que usar. Não sei. Eu não posso ficar longe dessa comunicação de massa. Vamos fazer! E subverter quando estiver lá. A Globo não me agüentou! Não é assim, vocês são maquiavélicos. Eu incomodo, entendeu? Por isso eu sou expulso. Vamos ver o que acontece na Record agora. Você vai fazer uma exposição, para quando eu morrer, é isso? (Pergunta para o fotógrafo)
OP - E por que você acha que a televisão ainda vai atrás de você?
Abujamra - O achismo me enche muito o saco! Eu acho, eu acho, eu acho! Me enche o saco também a palavra importante. Eu sempre tento tirar essas palavras das pessoas que conversam comigo. Eu não quero saber do achismo. Eu sou um ator! Quando eu sou diretor de uma emissora, como eu fui diversas vezes, havia várias pessoas na minha sala pedindo emprego. Por que eu, ator desempregado, não vou pedir também? Eu vou pedir! Se não me dão emprego, o problema é deles. Mas eu vou pedir sempre emprego. Na televisão eu peço: quero fazer novelas! Não deixam. Viadinho! (Dirigi-se ao fotógrafo) Uma frase para do Dostoiévski para você: "O casamento é a morte de qualquer alma". Não fala isso para a sua mulher! (Dirigi-se para a Natasha) Vou falar uma para você para consolar. "O mais importante não é o amor. O mais importante é a gentileza". Bonito, né? Já chega! Vão embora!
OP - Abujamra, você se considera um homem de frases feitas?
Abujamra - O que quer dizer frases feitas? Por exemplo, se eu falo "ser ou não ser, eis a questão". É uma frase feita? Ou é uma das melhores a que a gente pode falar numa conversa, em vez de perguntar "como você vai?". O que é melhor: você ter as grandes frases dos grandes autores ou falar da mesmice que a gente fala todo dia? O que é melhor: você descobrir frases onde a sua vida está incluída ou você ficar falando "ih... o preço do tomate aumentou". O que é melhor? Vou dizer uma frase que define isso. Tudo o que foi bem escrito ou dito é meu. Eu posso usar o que eu quiser. Frase feita é uma agressão na pergunta. Essa foi uma pergunta agressiva. Eu uso frases feitas no meu espetáculo? Eu não sei! Se usei frases feitas é porque eu precisava usar. Não sei o que significa uma frase feita. O que é uma frase feita para você? 

OP -
 Frases decoradas...
Abujamra - Uma frase decorada? Eu sei muito texto de Shakespeare, do Tennessee Williams (dramaturgo estadunidense, 1911-1983, autor de clássicos do teatro como Gata em Teto de Zinco Quente e Um Bonde Chamado Desejo), do Fernando Pessoa. Eu sei decorado esses textos, que são bem melhores do que eu falo, na verdade... E bem melhor do que a fala de qualquer jornalista babaca.
OP - Mas você não acha que o Abujamra se repete quando diz não conseguir completar um minuto de coisas boas feitas por ele na televisão? O Abujamra seria um fingidor ou um repetidor?
Abujamra - Sei lá. Eu dirigi muito tempo televisão. Dirigi demais. O que você tem de bom na televisão? Alguns segundos: só! Alguns segundos. A televisão está virgem. Ela tem que ser descoberta. Tem que acreditar na comunicação de massa. Tentar melhorar as pessoas. Mas a televisão quer piorar as pessoas sempre.
OP - E o teatro tenta melhorar as pessoas?
Abujamra - O teatro? (pausa) Não sei. Faço isso só há 58 anos. Eu acho melhor do que britar pedras na rua, né não? Então eu prefiro fazer teatro. Não sei se isso é uma frase feita. Televisão é uma coisa, teatro é outra coisa, cinema é outra coisa. Eu sou ator de teatro, televisão, de cinema, de michê. (Risos) Não sei se a palavra michê existe em Fortaleza!
OP - Na hora de uma entrevista, você é um ator também?
Abujamra - Vai tomar no teu cu, antes que eu me esqueça. Eu sei lá se eu sou ator ou se eu não sou. Se eu sou isso ou se eu sou aquilo. Você acha o que você quiser que eu não dou a mínima importância. Fale o que você quiser. Ele finge! Ele não finge! Eu sei lá o que eu sou. Sei lá. Tenho 77 anos de idade, eu sei lá o que eu vou fazer depois. Tem horas que eu trabalho, tem horas que eu não trabalho. Eu sou um fudido privilegiado, que pensa em fazer o Rei Lear, mas não faz. Sou um fodido privilegiado, porque de repente me chamam para fazer um trabalho. Vocês são insuportáveis. E ainda me perguntam as coisas que me perguntam há 50 anos. As mesmas coisas. Eu queria que vocês caminhassem no incerto, como pede Pascal. Tudo bem, vocês nunca leram Pascal, mas saiam aí nas ruas e sintam-se mais inseguros. Agora vocês chegarem para mim e perguntar essas coisas que vocês me perguntam. Eu se fosse chefe de vocês colocava vocês na rua. Tem que ser outra coisa. É outro conceito. Tem que mudar. Pegar essas informações da internet e usar. Tem que fazer isso. Eu estou agredindo muito vocês. Eu espero que essa agressão mereça uma atenção, para quando vocês forem falar com outras pessoas, não façam perguntas vulgares e ridículas como essas que vocês estão fazendo para mim. Estou sendo chato?
OP - Não!
Abujamra - Não é possível que eu não esteja chato! Vocês vieram aqui mesmo para apanhar. São masoquistas, é isso?
OP - Qual seria uma boa pergunta para fazer para você?
Abujamra - A que vocês descobrissem.
OP - O que foi que o senhor sonhou esta noite?
Abujamra - Sonho não deve passar de uma noite, meu amigo. Sonho não me interessa. Não quero que ninguém sonhe na minha frente. Sonho não deve passar de uma noite e acabou! Não tem importância. Ninguém tem que sonhar. Sonho só dá esperança, e a esperança já fodeu com a América Latina inteira.
OP - Você não tem mais esperanças?
Abujamra - Nenhuma. Eu quero que a esperança vá tomar no olho do cu dela. Não tem mais nenhuma.
OP - Acabou em 68? 
Abujamra - Principalmente. Acho que nem tinha já naquela hora. Tchau! Vocês podem ir embora. Vão! Eu ainda não comi esse meu café. Vocês ainda me fazem comer frio. Olha a crueldade.
OP - A entrevista está chata?
Abujamra - Uma das piores que eu já dei na minha vida. O que essa menina faz? (Aponta para a Natasha. Ela responde: eu sou aprendiz de jornalismo). Belos professores você tem. Ouça mais a mim do que eles. Falem, seus viados.
OP - Quando você percebeu que estava velho?
Abujamra - Eu devia ter uns 15 anos. Eu sou um velho. Eu lia demais. Eu ficava lendo, lendo. Por isso envelheci. Eu sei lá quando eu era velho. Velho é quando começa a baixar o pau. Sei lá, um dia eu sentei nas bolas e percebi que estava velho. Eu sei lá quando a gente fica velho. Eu levo a minha vida. Faço as minhas coisas. Agüento uma porção de gente. Acabou a entrevista?
OP - Ainda não! 
Abujamra - Então, escreve tudo o que você quiser no seu jornal. Para mim, não tem a menor importância o que você vai escrever. Fale tudo o que você quiser e diga que eu falei. Isso não me importa. (Olha para o fotógrafo) O Cartier Bresson, você vai encher muito meu saco ainda? (Pega uma batata-frita e a coloca na altura do pênis e posa para o fotógrafo). Gosto de fazer caretas.
OP - Por que você odeia tanto as coisas?
Abujamra - Quem disse que eu odeio? Não é assim, eu odeio as coisas. Eu sempre fui bem claro. Eu odeio tudo. Não é algumas coisas. Odeio o mar, o ar, vocês. Acho tudo uma bosta nesse país, um lixo. Eu acho odiar uma coisa bem menor do que a vingança. Eu devia me vingar das coisas que acontecem nesse país. Eu só digo que odeio porque as pessoas acreditam que eu odeio.
OP - Quem odeia ama?
Abujamra - Mas é cada pergunta! Vocês tão querendo, né? Vocês vão piorando cada vez mais. Quem odeia ama sim. Ama, trepa, odeia. Ama de novo. Exatamente o que você acha da vida é o que acontece. Gostou? Porra! Tem muita coisa que a gente não sabe responder. Dá para vocês irem embora? A melhor coisa da entrevista até agora foi a batata frita. Geralmente me fazem só três perguntas. Vocês trouxeram um livro. Vão embora!
OP - A gente combinou ser uma hora de entrevista...
Abujamra - Então eu vou dormir aqui. Quando der o tempo, vocês me acordam. Vai seu viadinho, pergunta logo!
OP - Queria voltar ao Provocações. Você disse que é um personagem que você não suporta mais...
Abujamra - Eu sou o rei da incoerência. Eu adoro o Provocações. Eu também odeio o Provocações. E agora? Tô louco para faze-lo de novo. Sexta-feira, eu gravo. Adoro provocações. Entende? Não façam perguntas em que as respostas sejam definitivas. Nada o que eu falo é definitivo. Eu idolatro a dúvida. Não dá. Você acha que eu vou falar claro e eficiente para os jornais, respondendo as perguntas? Não falo! Perguntam se eu odeio, eu respondo: odeio. Eles publicam "O Abujamra odeia". Aí, no outro jornal, eu respondo: eu adoro. Aí o pessoal publica: "O Abujamra adora". Isso não quer dizer nada. O jornalismo brasileiro não tem ética. Você vai chorar com isso? Agora acabou mesmo!
OP - Você se acha superior a outras pessoas?
Abujamra - Acha? Eu não quero achismo.
OP - Desculpa. Você se considera superior a outras pessoas?
Abujamra - Superior? Eu não sou superior a nada. Eu sou um bosta igual a todos. Só que eu vejo as coisas que não me agradam e eu falo. Fui jornalista, fui crítico, fiz tudo na minha vida. Trabalhei em todas as televisões. Fiz 127 peças de teatro. Eu lá vou saber responder essas coisas. Vocês são muito metidos. Aliás, o Ceará é muito metido, sabia? E não tem porra nenhuma. Chega alguém e diz: esse escritor escreveu esse livro recente e é melhor que o Guimarães Rosa. Aqui no Ceará se escreve um poema e acham que mudaram a poesia. Aí eu viajo e comento com alguém. Os caras lá no Ceará escrevem um livro e acham que mudaram a literatura. Alguém responde: "Eles estão certos". (risos)
OP - Você falou da precisão da palavra. De eliminar o achismo...
Abujamra - Eu fiz um dogma. Tinha um grupo chamado os Fodidos Privilegiados, no Rio de Janeiro. Vamos fazer um dogma. Vamos parar de falar a palavra importante. Nada é importante. Vamos parar de falar a palavra humano. A barbárie tem o gosto humano. Vamos deixar de falar achismos. Eu acho é uma chatice. Vamos parar de falar uma porção de palavras. No final, a gente quis tirar o verbo ser e a gente se perdeu. Não dava mais para conversar.
OP - Essa experiência com a palavra veio da convivência com o João Cabral de Melo Neto?
Abujamra - Claro! Esse sabe as coisas. Esse é um gênio. Esse é o melhor poeta da poesia brasileira. E daqui a 20 anos todo mundo vai dizer que ele foi o maior poeta do Brasil. João Cabral é fantástico. Era a palavra precisa. Ele era capaz de escrever um verso, deixar na gaveta seis meses e tirar para saber se ainda cabia num poema. É outra coisa, né meu amigo? Toda palavra é fascista, já dizia Roland Barthes. Será que é? Será que a palavra não é uma coisa muito clara? As pessoas não sabem falar. Elas falam de coisas que não sabem falar e não buscam. Não lêem. Não estudam. Peguem um grande livro, um Joyce, um Kafka, um Proust, um Beckett. Aprendam a ler! Se não dá para não ir ao passado, pega o presente. Existem novos filósofos brasileiros? Não têm! Ou seja, fodam-se. Não me encham o saco. (Pega o gravador e joga longe do local da entrevista. O repórter o recolhe de volta). Levantem-se. Vão embora. Estagiária, vai também. Tchau. Não vou responder mais nenhuma pergunta.
OP - Por que você topou dar essa entrevista, então?
Abujamra - Canalhas! Eu disse "não" 40 vezes. Aí me encheram o saco. "Precisa dar entrevista. É Fortaleza. Blá Blá Blá". Eu odeio, recusei outra entrevista. Não sei onde apaga essa porra do teu gravador. (Joga de novo o gravador)
OP - Existe alguma...
Abujamra - Vai tomar no cu. Acabou a entrevista. Eu agora só vou responder assim: vão tomar no cu!
OP - Mas tem uma frase...
Abujamra - Vão tomar no cu!
OP - Mas acabou mesmo a entrevista? Queria perguntar mais. 
Abujamra - Vai tomar no cu! Nunca falei tanto para jornalista. Lê as outras entrevistas, copia. Tchau! Você é um ridículo fazendo essas perguntas.
OP - Você mesmo disse que tinha ir no incerto, errar?
Abujamra - Deve usar, inclusive só as erradas.
OP - Essa entrevista deu certo ou deu errada?
Abujamra - Você começou a entrevista de novo? Você pode ir embora, eu quero ler os jornais. Tenho 77 anos e não tem entrevista próxima. Eu vou morrer.
OP - Te incomoda a morte?
Abujamra - Eu não agüento vocês. Me incomoda muito. Não, não! Não me incomoda nada. As duas estão certas e aí? Eu não quero responder essas coisas. Tudo o que eu falar, pode escrever o contrário. Não tem importância. Vieram me provocar, então podem ir embora. (A equipe se levanta e segue para fora do hotel. Abujamra grita com os braços erguidos Aleluia! Aleluia! Por favor, terminem a reportagem assim. Aleluia! Aleluia! Aleluia!)
>> Durante a infância, Antonio Abujamra morou em Porto Alegre, onde estudou para se tornar padre ou militar. Possivelmente não foi um bom aluno de matemática. Ele afirmou ter 77 anos, mas nasceu em 15 de setembro de 1932, na cidade de Ourinhos, interior de São Paulo.
>> Em Porto Alegre, graduou-se, em 1957, em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul de Porto Alegre. Era o curso mais curto que existia. Logo em seguida, iniciou a trajetória de crítico.
>> O programa Provoações vai ao ar, às sextas-feiras, às 22h10, na TV Cultura. Há uma reprise, na madrugada de sexta para sábado, às 2h30. Talvez seja um dos motivos para a baixa audiência.
>> No espetáculo A Voz do Provocador, em cartaz no dia 02 de outubro em Fortaleza, após divagar sobre educação, ele lança para a platéia a seguinte provocação: "cadê essa juventude para nos desrespeitar e dizer que nós não servimos mais para nada?".
>> A entrevista aconteceu na manhã do dia 03 de outubro. Na mesma noite, ele apresentou, ao vivo, o Provocações, no teatro Celina Queiroz. Abujamra entrevistou o ator Ricardo Guilherme. A primeira pergunta para o teatrólogo cearense foi: "o que é a vida?".
>> Após a apresentação a apresentação do Provocações, ao vivo, na sexta-feira, Abujamra fez o que não teve coragem no dia anterior. Pediu para a platéia aplaudi-lo de joelho. "De joelhos, de pé eu não quero mais", pediu.
>> Apesar de ser mais conhecido como ator do que diretor, Abujamra, quando voltou da Europa, influenciou nomes do teatro brasileiro que ganharam projeção na divulgação de seus trabalhos. São eles: José Celso Martinez, Augusto Boal e Oduvaldo Viana Filho.
>> Abujamra, ao longo de toda a entrevista, sem estar teorizando sobre o "achismo", conjugou o verbo achar 17 vezes.
>> Abujamra não cansa de repetir algumas frases. Entre as suas prediletas estão de a televisão ainda é virgem e precisa ser descoberta. Ele sempre diz também que odeia tudo. No entanto, afirma gostar do seu neto. É o único homem que mexe com a sua cabeça.
>> Atualmente, Antonio Abujamra atua e dirige o espetáculo Começar a Terminar, em cartaz, em São Paulo, no Teatro João Caetano. O texto traz como tema a velhice. Uma crítica na revista Bravo! deste mês, comenta que "o melhor e o pior da peça se devem ao egocentrismo do ator principal".
Ele não cabe em um texto
O ator, diretor e produtor Antonio Abujamra, em sua trajetória, orgulha-se por ter assinado obras-primas e grandes-fracassos, tanto no teatro, quanto na televisão brasileira. O grande público o conhece principalmente pelo personagem Ravengar, da novela Que rei sou eu?, exibida pela Rede Globo, em 1989. Com o papel, ele recebeu o prêmio de melhor ator da Associação Paulista de Crítica de Arte (APCA).
Da televisão brasileira, ele participa desde sua fundação. No final da década de 60, participou da produção do programa Divino, Maravilhoso, na TV Tupi, que revelou nomes da Tropicália. O currículo divide espaço com fracassos homéricos, como a desastrosa novela Os Ossos do Barão, exibida pelo SBT, em 1997, da qual ele foi diretor.
No teatro, o desequilíbrio produtivo se repete. É um personagem paradigmático. Na década de 50, ganhou uma bolsa de estudos para Madrid. Aproveitou para conhecer toda a Europa e parte da África. Quando estava totalmente sem dinheiro, pediu abrigo ao poeta João Cabral de Melo Neto, na época, embaixador brasileiro na Espanha. No período de 28 dias, aprendeu mais poesia do que em cinqüenta anos de universidade brasileira.
Após sua estada na Europa, onde trabalhou com Roger Planchon (dramaturgo e cineasta francês) e Jean Villar (ator e diretor francês), trouxe para o Brasil não só estas referências como difundiu o método brechtiano de fazer teatro. São mais de 100 espetáculos com a sua participação, sempre com autores clássicos: Ionesco, Gogol, Beckett, Shakespeare, Dias Gomes, Garcia Lorca, Millor Fernandes, Moliére, entre muitos outros.
Uma de suas peças mais ousadas foi Hamlet é Negro, em 2003. Ele reuniu 19 atores negros e montou um clássico do teatro ocidental. Quando questionado pela mídia, na época, sobre as interferências no texto do dramaturgo inglês, Abujamra respondeu que poderia se mexer o quanto quisesse em Shakespeare e ele continuaria sendo Shakespeare.
Quando o programa Provocações foi ao ar pela primeira vez em 2000, o projeto tinha a intenção de ficar na TV por apenas três meses. A justificativa, na época, difundida pelo idealizador Antonio Abujamra dizia que o formato do programa se esgotaria antes mesmo de concluir o terceiro mês. Ao longo de quase 20 anos, o programa recebeu um "não" de todas as emissoras comerciais, até cair na porta da TV Cultura que apostou no Abu (com é conhecido). Passaram-se oito anos, e o programa de entrevistas permanece com a mesma audiência de quando começou: 1%.

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