domingo, 29 de junho de 2014

ANTROPOLOGIA HIPERDIALÉTICA & PIERRE CLASTRES

PIERRE CLASTRES E SUA RELAÇÃO COM A
ANTROPOLOGIA HIPERDIALÉTICA

http://www.hcte.ufrj.br/downloads/sh/sh4/trabalhos/Cynthia%20PIERRE.pdf

Cynthia E. F. Thomas
Mestranda HCTE/UFRJ
cynthiathomasbr@gmail.com




A antropologia hiperdialética, conceito inovador proferido por Mércio Pereira Gomes, tem
por objetivo revolucionar esta linha da ciência social. Baseado em conceitos lógicos da filosofia,
estrutura todos os ramos antropológicos e os expõe. O intuito deste trabalho é relacionar a obra de
Pierre Clastres, antropólogo francês estruturalista com a lógica clássica aristotélica. Para isso, é
necessário revisitar as quatro lógicas conhecidas, apresentar a lógica hiperdialética, analisar os
ramos antropológicos e por fim, buscar na obra de Clastres sua relação com a referida lógica,
verificando a sua interseção com a filosofia hiperdialética.
Existem quatro tipos de lógicas da filosofia ocidental, amplamente conhecidas. São estas a
lógica da identidade, da diferença, a dialética e a clássica aristotélica (ou diferença). Estas quatro
lógicas foram trabalhadas pelo filósofo Luiz Sergio Coelho de Sampaio como uma base estruturada
para definir a quinta lógica, a lógica hiperdialética, que se caracteriza por subsumir todas as outras
quatro e adicionar uma nova diferença. A todas estas lógicas podemos relacionar dimensões do ser
para compreender o fenômeno humano e as veremos a seguir.
 A primeira lógica é a lógica da identidade (I), a do Ser-em-si, que pode ser atribuída ao
filósofo Parmênides, por seu pensamento estrito ao princípio da identidade, no qual todo objeto é
idêntico a si mesmo. Em suas palavras, “Os únicos caminhos da investigação em que se pode
pensar: um, o caminho que é e não pode não ser, é a via da Persuasão, pois acompanha a Verdade; o
outro, que não é e é forçoso que não seja, esse digo-te, é um caminho totalmente impensável. Pois
não poderás conhecer o que não é, nem declará-lo.” Ao princípio da identidade, podemos relacionar
a dimensão do fenômeno humano como autoidentidade, em que o Ser não reconhece aquilo que é
diferente de si.
Já na lógica da diferença (D), podemos relacionar o filósofo Heráclito e seu pensamento de
“Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti”. Aqui,
claramente identificamos que este pensamento é o oposto do apresentado na lógica da identidade.

“A lógica da diferença representa tanto a permanente continuidade do Ser quanto sua
inconsistência, mutabilidade e ainda ser caráter paradoxal.” (Mércio, p.19)
Platão pode ser considerado o primeiro pensador da lógica dialética (I/D), pois a fim de
superar o dilema grego do Ser e o não-Ser, das lógicas anteriores, fundamentados pelos pré-
socráticos Parmênides e Heráclito, fez uma síntese dos dois pensamentos, resultando na dialética.
Segundo Hegel, a dialética governa a mudança consistente e direcionada, a transformação do Ser,
por assim dizer, do próprio pensamento, e por isso é possível relacionarmos o conceito histórico
nesta dimensão.
A lógica sistêmica ou clássica (D/2), gerada por Aristóteles e amplamente difundida na
sociedade moderna, define a sistematicidade do Ser. É a lógica que não admite inconsistências,
paradoxos e indeterminações. Para Aristóteles, havia 4 causas para a existência das coisas: material,
eficiente, formal e final: a causa material indica aquilo do que a coisa é feita; a eficiente, aquilo que
dá origem ao processo de que a coisa surge; a formal é a coisa em si; e a finalidade é aquilo para o
qual a coisa é feita.
Esta lógica rege a ciência em geral, principalmente a matemática e a física. “Em suma, a
lógica sistêmica abriga em si as três lógicas anteriores, o que significa que ela leva em conta a coisa
em si e sua temporalidade (I), sua alteridade e espacialidade (D), seu conceito e sua historicidade
(I/D), e, por fim, seu caráter sistêmico (D/2).
Acima de todas as lógicas, coloca-se a lógica hiperdialética (I/D/2) concebida por Sampaio.
Em sua obra, ele indica que esta rege todas as demais, dando-lhes sentido de integração e
transcendência. É uma lógica com caráter utópico e revolucionário, pois infere que pode ser a chave
para a solução de problemas normalmente considerados insolúveis. Uma lógica que contém todas as
outras lógicas. É um trabalho genuíno que pode ser pesquisado no livro “A Lógica Ressuscitada” do
referido autor.
Com o estudo da filosofia hiperdialética e discussões com Sampaio, o antropólogo Mércio
Gomes vem sugerindo a revolução da Antropologia com o conceito de Antropologia Hiperdialética.
Uma nova linha de pesquisa que visa integrar todos os ramos antropológicos relacionados às quatro
lógicas bases, utilizando a lógica hiperdialética para a criação deste novo ramo antropológico.
A Antropologia, a saber, é uma ciência social que visa a estudar o ser humano e
humanidade. É a ciência da cultura. Relativamente nova quando caracterizada como “pensamento
formal e com características científicas” (Mercio, pg.42), pois os pré-socráticos já se questionavam a respeito das relações sociais e o seu impacto no comportamento humano. Mesmo sendo ficção,
podemos considerar o livro Utopia, de Thomas Morus (1478-1535), um marco inicial da
antropologia formal.
Dos quatro grandes ramos da antropologia centrados no fenômeno humano, o particularismo
histórico, o funcionalismo estrutural, o evolucionismo sociocultural e o estruturalismo, vamos focar
neste ultimo, no qual está inserido o trabalho do antropólogo francês Pierre Clastres. Antes disso,
faz-se necessário uma identificação geral dos demais ramos para caracterizar com mais clareza o
estruturalismo.
O evolucionismo, baseado no trabalho de Darwin, utiliza as sociedades primitivas como
fonte de comparação, colocando as sociedades civilizadas como superiores. Surge daí o termo
etnocentrismo. Neste ramo, podemos identificar a mudança cíclica como fator central e por isso
relacionar a lógica dialética ao próprio. Hegel e Marx, posteriores a Platão, conceituaram a dialética
inserindo um caráter histórico e totalitário, com um início bem demarcado por Lewis Henry
Morgan, que baseava seus estudos no progresso e evolução das formas sociais.
Na Escola sociológica francesa – comumente chamada de funcionalismo estrutural –, Émile
Durkheim inicia e trabalha a visão do inconsciente coletivo agindo sobre os indivíduos conscientes,
daí claramente conseguimos fazer a relação deste ramo antropológico com a lógica da diferença,
que se define pela dimensão do inconsciente.
Contemporaneamente a Durkheim, Franz Boas está inserido no ramo do particularismo
cultural, em que defende que “A cultura é o que é, transparentemente, e não há nada fora dela que a
possa explicar.” (Mercio, p.52). O fenômeno humano, portanto, pode ser declarado uma entidade
autoidentificada. A lógica da identidade é então a relação direta do particularismo cultural.
O estruturalismo, ramo fundamentado por Claude Lévi-Strauss já no século XX, centraliza
seu debate na idéia da existência de regras que estruturam a cultura e assume que estas regras
constroem pares de oposição para organizar o sentido. Ao termos regras estruturando a cultura,
automaticamente remetemos ao conceito de sistema, e analogamente, à lógica sistêmica.
Pierre Clastres, também estruturalista, em seu livro “A sociedade contra o estado”, comenta
diversos textos analisando principalmente a questão do poder nas sociedades indígenas e como
relacionar poder versus Estado. Acaba sendo um documento de antropologia política já que
baseando-se nas sociedades primitivas, verifica o poder de sua chefia e poder é o direito de agir, de
decidir, de mandar Em 10 capítulos, que podem ser lidos separadamente, critica e analisa diferentes textos e acaba estruturando todo o seu raciocínio filosófico para abarcar no último capítulo, homônimo do livro, onde conclui seu trabalho investigativo sobre o poder nas sociedades primitivas em
comparação com o poder e o Estado nas sociedades civilizadas.


(...)

Poder e palavra estão intrinsecamente ligados, Clastres considera que o homem de poder é sempre não somente o homem que fala, mas a única fonte de palavra legítima. Porem, nas sociedades sem Estado, as tribos indígenas tratam deste assunto diferentemente. Nestas sociedades a palavra é o dever do poder, ou seja, as sociedades indígenas exigem que o homem destinado a ser chefe prove seu domínio sobre as palavras. Um chefe silencioso não é mais um chefe.

Estas sociedades primitivas sabem por natureza que a violência é a essência do poder. E a
forma de ter o chefe somente no movimento da palavra, garante que ele está no extremo oposto da
violência, pois a sociedade é o lugar real do poder. Portanto, com o dever da palavra do chefe, tem-se a garantia que proíbe que o homem de palavra se torne o homem de poder.

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