sábado, 23 de novembro de 2013

Nu Artístico - O novo nu feminino que se multiplica nos mundos real e virtual

Há um mês, a estudante de Ciências Sociais da USP Marina Macedo criou na internet a página Batalha dos Corpos (batalhadoscorpos.tumblr. com), em que garotas mostram seios, traseiros, barrigas e o que mais quiserem, livres de padrões. “A vergonha de mostrar os seios me fazia perder o tesão, tentar transar com sutiã, retardar ao máximo a primeira noite com o novo paquera. Coisa boba. Hoje são eles um dos meus maiores provedores de prazer!”, diz uma das meninas abaixo da foto de seus peitos. “Meus mamilos não são rosados. Meus peitos são separados. Meu sexo não é depilado. Minha cor já me incomodou. Hoje, me aceito e luto por um mundo onde esse tipo de autorrejeição não tenha espaço”, conta outra, ao lado da foto que retrata tudo isso que ela enumera.
A iniciativa de Marina é uma entre muitas de nu feminino que crescem e aparecem, na contramão de referências já antigas como as mulheres sem roupa das revistas masculinas, as poses que reproduzem clichês sensuais e os retoques que transformam corpos reais em fotos de um mundo onde celulite e poros não existem. São várias as vertentes dessa tendência, mas há algo em comum entre os exemplos que vêm se multiplicando: uma espécie de nu com atitude, que pretende ser consciente e libertador.
— Primeiro, coloquei a ideia no Facebook. E percebi que foi importante para muitas meninas. Recebi várias mensagens — conta Marina, que pede on-line: “Envie suas fotos junto com uma explicação/dedicatória/o-que-for que mostre por que você já se sentiu censurada ou socialmente diminuída por essa área corporal não fazer parte dos padrões.”
A estudante, que tem reivindicações tão legítimas como “poder usar a roupa que quisermos sem virarmos piada de programa de TV escroto”, logo de início foi vítima de uma regra da rede social que já deu muito o que falar, incluindo o movimento “Ei, Facebook, amamentar não é obsceno!”. Nesse ambiente tecnológico que tem, de um lado, os avanços e, de outro, a repressão (assim como na vida real), muitos nus censurados já foram encampados como causas pelos usuários. Um deles é o da fotógrafa russa Anastasia Chernyavsky, que teve bloqueada a imagem em que aparece naturalmente sem roupa com os dois filhos pequenos.
Já que blogs não sofrem a mesma censura de posts no Facebook, outra inciativa na internet usa a nudez para reagir a um delírio já inventado e propagado por alguns: a “padronização” da vagina — que submete mulheres ao risco de perder a sensibilidade em parte da vulva após cirurgias desnecessárias. No Large Labia Project, closes de pequenos e grandes lábios de diferentes formatos são postados em defesa da diversidade.
Outro caso em que a nudez virou uma espécie de ação afirmativa foi o da cantora Alice Caymmi, que lançou um clipe em que, diferentemente das feministas que queimaram os sutiãs, ela tira:
— Me diziam: “Agora, famosa, você vai emagrecer, né?”. Então, só de sacanagem, resolvi mostrar os peitos — diz a neta de Dorival. — O peito é meu e é assim. Sempre estive atenta à desconstrução da nudez feminina e ao mercado que se criou de um padrão que se imagina que seja o gosto masculino.
Contra os padrões, hoje frequentemente aplicados via Photoshop, segue o projeto Apartamento 302, do fotógrafo Jorge Bispo. Depois de clicar mais de cem “mulheres de todos os tipos, origens, idades e profissões” por um ano, Bispo está este mês engajado num crowdfunding para viabilizar a publicação de um livro retratando a mulher como ela é, sem retoques ou produção, diante apenas de uma parede branca.
— Começou porque eu queria fotografar a beleza da mulher comum. Negra, branca, sarada, gorda, baixa: bastava ela querer e eu ter vontade de fotografar — explica Bispo.
A produtora Taís Lohana foi uma das interessadas na proposta.
— A foto que ele faz é você, como acorda, como é em casa... E fica lindo — diz.
O que chamou a atenção da tatuadora Alessandra Klabin para o Apartamento 302 também foi a dose de realidade:
— No final, as fotos têm identidade. Já trabalhos de outro tipo são artificiais, você vê a pessoa na rua e nem reconhece.
Personal trainer, Kenia Torma conhece bem, por força da profissão, a padronização da qual quis fugir quando fez suas fotos no projeto:
— Vejo muitas meninas que procuram anabolizante, plástica, lipo aos 16 anos, tudo para se encaixar num padrão. E estranharam eu não ganhar nada com as fotos. Mas a ideia não era vender o corpo!
Opinião igual tem a produtora Carolina Guerra, que fotografou no Apartamento 302 sem falar com ninguém, e o namorado ficou chocado quando soube. Mas hoje todo mundo acha normal: seus pais mostram as imagens nas festas de família e seus filhos também adoram. Ao lado, outra participante, a atriz Pollyanna Rocha, define o trabalho como “beleza real”.
É exatamente isso que outra adepta desse estilo, a fotógrafa Claudia Regina, busca nas imagens que registra:
— Eu e minhas clientes sabemos que nem as modelos que aparecem nas capas das revistas são daquele jeito. Por isso, meu ensaio é um testemunho da história e da beleza das mulheres de verdade, sem tentar encaixá-las no padrão por meio de poses definidas ou Photoshop.
Em seu site, Claudia explica às possíveis fotografadas o conceito que adotou: “Pra mim parece simplório fazer fotos de lingerie, cinta-liga e salto alto só por fazer. As fotos que crio são cruas e simples. Quero mostrar você e a sua essência, para que se reconheça. Quero mostrar os seus gostos, o seu corpo e sua história. Sem tabus.”
Uma referência no assunto é o fotógrafo americano Matt Blum, um dos criadores do The Nu Project, descrito como uma série de nus honestos de mulheres de todo o mundo — inclusive brasileiras. O The Nu Project também vive um momento de pico: acaba de lançar seu livro. No Brasil, iniciativas semelhantes (no caso, o Nu Real) propõem “trazer a realidade de volta”. E ressalvam que a iniciativa “não objetiva trazer sucesso ou expor vulgarmente a mulher fotografada”.
Há quem chame essa tendência sem aditivos, em que menos é mais, de “nu orgânico”. Mas as diferenças entre as iniciativas são muitas. O fotógrafo Marcus Steinmeyer, do My Beauty Project, é um exemplo disso: faz fotos dos dois tipos, aquelas com Photoshop e também as mais fiéis à realidade.
— Pensei de início em fazer retratos de corpo inteiro ou meio corpo de mulheres nuas. Simples assim, sem muita frescura. O objetivo era fotografar diversas mulheres, de todos os jeitos e corpos. Porém, demorei para colocar em prática, e outros fotógrafos criaram projetos focando a mulher comum, sem retoques, sem produção. Aí, me ocorreu que não havia um projeto que focasse na sensualidade. Mas a produção é a mínima possível: a própria modelo faz a maquiagem e escolhe o figurino — descreve Steinmeyer.
Saindo da web para as ruas, um movimento que usa a nudez para lutar pelos interesses das mulheres ganhou muita popularidade recentemente. Mas cabe abrir parênteses, como faz questão uma das organizadoras, Nataraj Trinta, para explicar como ele foi prejudicado por uma performance desastrosa de pessoas de fora do grupo, que soou como se fosse parte da Marcha das Vadias de Copacabana, durante a Jornada Mundial da Juventude:
— Não temos nada a ver com o que aconteceu — diz Nataraj sobre o ato, que usou imagens de santos e crucifixos em atitudes agressivas. — As pessoas que fizeram isso não foram às reuniões de organização. Foi autoritário, desnecessário, desrespeitoso, imaturo, e nos deixou em situação vulnerável.
A força das ruas
Dito isso, Nataraj explica que as participantes da Marcha das Vadias tiram a blusa com a intenção de lutar por direitos iguais entre os sexos — inclusive o de as meninas, como os meninos, poderem andar sem camisa (o que lembra outro movimento, o Topfreedom, ou Liberdade da Parte de Cima).
— Esse nu autônomo tem ganhado mais força. A gente coloca os peitos de fora para afirmar essa autonomia — diz ela, que observa uma das reações mais sintomáticas de reprovação. — Tem gente que fica com raiva e critica o peito: chama de “mochiba”, diz que está no joelho. Ou então acha bonito e chama de musa. Para esses, o peito só serve para ser atraente para alguém. Lutamos contra esses problemas que vêm desde a infância, quando se participa de concurso de beleza na escola.
A indústria do padrão de beleza, aliás, também está no alvo da estudante Marina Macedo, a criadora do tumblr do início desta reportagem:
— Outro dia, vi um veredito: “Elas não estão prontas para o verão.” A coisa está tão séria que até crianças se preparam para o verão. Como assim?! E, se a gente protesta, entra na horrível categoria de “mal comida”. Para me vender produto, falam que eu sou feia.
A estratégia deve estar funcionando, afinal, o Brasil é o terceiro maior mercado de beleza do mundo, e a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) estima, só este ano, um consumo de R$ 36,24 bilhões em artigos do gênero — e R$ 50 bilhões em 2015.
Mas não basta colocar os peitos de fora e protestar para ser identificada com a libertação feminina. O Femen é caso de controvérsia pura entre muitas mulheres cheias de atitude. O movimento internacional, surgido na Ucrânia e no qual as integrantes tiram a roupa para protestar contra as causas mais diversas, é acusado de submissão a padrões de beleza (suas manifestantes parecem top models) e de não ter propostas substanciais.
Desafiar o padrão está tão em alta que até ícones do gênero, como as revistas masculinas, estão fazendo suas pequenas investidas. Sem se dobrar à depilação standard, a atriz Nanda Costa causou alvoroço na última “Playboy”.
— Quando algo está fora dos padrões, gera interesse e debate entre gostos diferentes — avalia o editor da revista, Jardel Sebba.
A escritora Rose Marie Muraro, aos 82 anos, um símbolo de luta pelos direitos das mulheres, é entusiasta do novo nu:
— Isso tudo é político. Faz parte da marcha da Humanidade, passa pela internet, pelas redes sociais. Há uma novidade na maneira de se fabricar a nudez em público, organizada, com um propósito. É o ser humano achando a sua identidade.


Leia mais sobre esse assunto em http://ela.oglobo.globo.com/vida/conheca-as-definicoes-do-novo-nu-feminino-que-se-multiplica-nos-mundos-real-virtual-9776668#ixzz2epYqEotq
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