sábado, 23 de novembro de 2013

Como viajar sem dinheiro

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Como viajar por três meses pela Europa sem dinheiro

18NOV
Você quer viajar, mas não tem um tostão no banco? A artista plástica Aline Cambpell, 24 anos, mostra que é possível correr o mundo de forma absurdamente econômica: ela passou, entre junho e setembro deste ano, três meses viajando pela Europa sem nenhum dinheiro. É isso mesmo: fora as passagens do Rio até Amsterdam e de Zurique até o Rio, ela não gastou absolutamente nada, e partiu sem nem um cartão de crédito pra emergências.
Achou loucura? Pra justificar a empreitada, Aline elenca três objetivos: extrair a bondade que as pessoas têm, mostrar ao mundo que seres humanos são generosos por natureza e demonstrar que certas situações não são tão perigosas quanto pensamos. A viagem recebeu um nome: Open Doors, ou Portas Abertas, partindo da mesma metáfora que me fez batizar o blog, que faz referência ao exercício de abrir-se pra o mundo :) Eu não podia deixar de contar a história dela por aqui, né?
Aline viajou por três meses sem gastar nada. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Aline viajou por três meses sem gastar nada. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Ela viajou com uma pequena mochila com sete peças de roupa, pegou 54 caronas e dormiu em 38 casas diferentes. Nunca tinha ido aos países por onde passou e não conhecia ninguém na maioria deles. Usou muito Couchsurfinge confiou na sua intuição: “você sente se a pessoa está mal intencionada ou não com você”, afirma.
Aline criou uma página pra o projeto no Facebook, onde foi postando fotos e contando algumas histórias durante o percurso. Viajando sem roteiro definido, ela foi surpreendida positivamente várias vezes pelo caminho, como no dia em que pegou uma carona pra ir de Budapeste a Viena, foi convencida pelo motorista a ir até a Eslováquia e ainda ganhou um ingresso pra o Cirque du Soleil :) Em outra ocasião, saiu de Londres pra ir a Orleans, na França, e acabou embarcando numa viagem de três dias de carro até a Sérvia!
Aline e um dos muitos motoristas que lhe deram carona e acomodação. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Aline e um dos muitos motoristas que lhe deram carona e acomodação. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Voltou sã e salva, com mil histórias pra contar e um apelo: “Por favor: acreditem menos na mídia. O mundo não é tão perigoso quanto a gente pensa que é”. Inevitável lembrar de histórias como a de Arthur Simões, que deu a volta ao mundo sozinho de bicicleta, e outros viajantes cujas histórias eu contei aqui. Não precisamos ser tão radicais, mas inspiração é o que não falta pra conhecer o mundo de forma diferente, com maior contato com as pessoas e sem precisar gastar tanto, né?
Aline pretende publicar seu diário de viagem, mas enquanto ele não sai, confira a entrevista que fiz com ela e saiba mais sobre essa aventura:
Quando e como surgiu a ideia do projeto?
O projeto surgiu em abril de 2013, apenas dois meses antes da viagem. Porém foi no meio do ano passado, 2012, que comecei a pensar sobre a ideia de fazer uma viagem sem dinheiro, quando abri as portas para um hóspede americano (Couch Surfing) e ele estava viajando sem mala (exatamente, sem mala, só com a roupa do corpo e uma pochete com documentos e dinheiro). Achei o troço bem esquisito, mas depois de conversarmos comecei a entender suas razões e ele me abriu as portas para uma nova perspectiva de vida. Ele dizia que as coisas materiais o distraiam do que para ele era mais importante: as relações interpessoais e os momentos que vivia durante a viagem. Por isso resolveu viajar sem nada. E disse que seu próximo passo seria viajar sem dinheiro. Pra quê?… (risos) Jesse nunca realizou a segunda parte do sonho, mas ficou bem feliz quando soube da minha aventura :-)
Você se inspirou em algum projeto parecido?
Na verdade fiquei sabendo de mais projetos assim após minhas viagem. Mas dois em particular me inspiraram bastante. Um foi o Living Without Money, de uma senhora que vive há mais de 16 anos na Alemanha sem dinheiro nenhum (muito feliz por ter tido a oportunidade de encontrá-la pessoalmente); e o outro foi oTroca por um Quadro, do pernambucano Pedro Melo, pois o meu projeto também teve um grande enfoque artístico (Aline trocou arte por acomodação em um hostel em Budapeste e presenteou alguns de seus hosts).
O encontro com uma senhora alemã que vive sem dinheiro há 17 anos.  Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
O encontro com uma senhora alemã que vive sem dinheiro há 17 anos. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
O que seus amigos e família pensaram quando você disse que ia viajar sem dinheiro nenhum?
O mesmo que todos pensavam mesmo durante a viagem: “você é louca!” Mas as coisas mudaram um pouquinho agora que eu voltei, e voltei bem :-)
Quais foram os maiores “perrengues”?
Sem dúvida as vezes em que tive que pegar carona à noite ou com chuva, sozinha na estrada. Teve uma vez que eu estava na autoestrada, mas na direção contrária da que eu precisava ir. Era impossível de se atravessar as pistas a pé, porém havia uma pista que passava por debaixo das vias de auto-velocidade. Só que (esses “só que” é que matam a gente… risos) além de estar de noite e chovendo muito (caia um temporal naquele dia), esta pista subterrânea estava desativada e não havia iluminação nenhuma. Sim, eu respirei fundo e atravessei, no escuro, sozinha, a bendita. Nesse dia eu confesso que tremi na base.
Preparativos para mais uma parte da jornada.  Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Preparativos para mais uma parte da jornada. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
E os momentos mais especiais?
Tiveram muitos… Muitos mesmo. Mas para citar um, no final da jornada, quando fui à neve pela primeira vez na vida. Meu anfitrião me levou para os alpes suíços, com direito a bola de neve na cara e tudo! E o melhor de tudo, foi que eu estava na neve e estava Sol! Não fazia frio!!! Ah, Suíça…
O que você aprendeu, além de confirmar sua ideia de que as pessoas são naturalmente generosas?
Os ricos também podem ser muito generosos mesmo com desconhecidos. E esse negócio de que europeu é frio é bem questionável. Eu aprendi que o ser humano em geral reflete as ações do outro. Digo, você acaba recebendo de volta o que projeta. É assim na vida, é assim com vidas. Se você chegar a alguém já com “medo”, esperando que vai ser maltratado ou algo do tipo, lembre-se do efeito espelho. Faça você o teste… Vá falar com um estranho de forma super entusiasmada e sorridente para ver a reação dele.
Você fez alguma coisa pelas pessoas que encontrou na viagem?
Além de compartilhar histórias e momentos, eu procurava sempre ajudar nos afazeres de casa. Por exemplo, se via que a casa estava suja, eu fazia uma faxina enquanto o anfitrião estava fora (gostava sempre de fazer isso como surpresa). Também fiz bastante arte durante a viagem e dava os quadros aos anfitriões como forma de agradecimento pela hospitalidade. Mas às vezes também eu não fazia “nada”. É importante a gente saber que essa troca não deve se tornar uma obrigação, mas sim vir de forma natural. Quando você pode, você faz algo, mas quando não pode, não deve forçar a barra. Cedo ou tarde você vai fazer por outro, sem receber em troca daquela pessoa que ajudou. A corrente se fortalece assim, criando elos em lugares diferentes.
Em algum momento você se cansou, ou pensou “o que danado eu tou fazendo aqui?”?
Por incrível que pareça, não. E talvez por ter sempre mantido um pensamento positivo, unido à certeza de que tudo cedo ou tarde acabaria bem, pouquíssimos foram os momentos difíceis, que sempre vieram seguidos por momentos maravilhosos. Um momento complicado, que me fez repensar minha decisão, foi no trajeto Londres – Sérvia, pois quando topei entrar nesta aventura, mal tinha noção da onde raios ficava a Sérvia… (risos) Foram três dias de viagem! Mas valeu cada momento… Coloca no Google “Plitvička jezera” só para ter um gostinho do que eu tive no caminho… ;-)
Em paradas inesperadas, Aline conheceu lugares incríveis como esse.  Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Em paradas inesperadas, Aline conheceu lugares incríveis Europa afora. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
O fato de ser mulher e estar viajando sozinha não lhe fez sentir vulnerável?
Riscos existem em qualquer lugar. Qualquer lugar. Por isso não gosto nem de utilizar essa palavra. Eu estava sempre com pensamentos positivos. Buscava acreditar e a confiar nas pessoas que pelo meu caminho passavam, e ao fazer essa conexão, mostrar a elas que eu não estava com medo nem nada, elas se abriam e me ajudavam.
Você acha que em países com maiores problemas estruturais e um maior abismo social seria mais difícil fazer algo do tipo com segurança?
Bom, eu estive na Sérvia e foi lá que encontrei um dos povos mais amigáveis que conheci durante a viagem. E estamos falando de um país pobre, com grande histórico de guerras e problemas sociais. Ano que vem, Brasil me espera. Eu não gosto de criar conceitos com base no achismo ou no “ouvi dizer”, portanto ou eu tenho certeza de algo (com base em experiencias e vivencias) ou eu não comento sobre.
Tem mais alguma coisa que você queria dizer sobre o projeto?
Às vezes a mim soa meio estranho dizer “projeto”, pois na verdade foi só uma maneira de amarrar os ideais aos quais eu acredito. Quero levar esses conceitos para mais e mais pessoas, sobre o poder de estar aberto ao desconhecido, confiar no mundo e fazer o bem, que o bem vem. É assim que na prática funciona. Gentileza gera gentileza. Menos coisas e mais momentos.
Quer saber mais sobre a viagem e os ideais de Aline? Veja um dos vídeos que ela fez (tem mais no canal dela no Youtube):
ATUALIZAÇÃO:
Depois de um post em outro blog, Aline fez outro vídeo respondendo a muitas perguntas que também surgiram nos comentários aqui: “Como ela entrou na Europa sem dinheiro?”, “Como conseguia comida?”, entre outras. Assista abaixo pra conferir o que ela tem a dizer ;) Quanto a mim, sou do time dos precavidos e sempre tento evitar riscos, seja na minha cidade ou fora dela (talvez mais fora dela, já que em “território desconhecido” me sinto mais vulnerável). Mas acredito que dá pra quebrar muitas barreiras e ao mesmo tempo tomar precauções.
Obviamente, o que Aline fez não é nada simples: em troca das experiências incríveis que ela viveu, teve que lidar com mil circunstâncias que não podia controlar e seguir as condições dos seus hosts, o que pode ser difícil pra muita gente. Também acredito que existiu uma boa dose de sorte envolvida, como em muita coisa na vida.
Quis contar a história dela aqui porque achei curiosa e inspiradora. Não que eu pense que devamos todos fazer o mesmo, mas acho que os princípios que tão por trás (entre outras coisas, fazer um “turismo” diferente, se abrir pra conhecer novas pessoas e viver coisas inusitadas e desapegar, na medida do possível, de bens materiais) são bem interessantes pra suscitar reflexão:) Ah, e eu já tinha contado várias histórias de viagens bem aventureiras aqui na tag Histórias de viajantes. Pra quem quiser mais inspiração, se joga por lá!
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Ponto de partida: Recife

23SET
Tou em Valla e tá tudo ótimo, mas vou explorar um pouco mais a cidade antes de dar mais notícias por aqui. Finalizando a longa série com histórias de viajantes ambiciosos, trago duas histórias de conterrâneos.

Um bom tempo depois de escrever a matéria que me fez entrar em contato com o pessoal dos últimos posts, tive a incumbência de achar gente do Recife que tivesse feito algo parecido, pra complementar outra matéria do JC. Pensei que seria difícil, mas que nada! Encontrei, em algumas horinhas, duas histórias massa. Uma delas de uma pessoa que eu já conhecia, mas de quem não tinha notícias há anos. Dessa vez, pedi pra que eles mesmos contassem suas histórias em primeira pessoa, mas pra vocês ficarem com ainda mais vontade de ler os relatos, vou dar aqui um gostinho ;)

Desbravando o mundo depois da faculdade

Ao concluir a graduação em psicologia, o recifense Rodrigo Gaião, 26 anos, decidiu levar uma vida pouco convencional. Conheci Gaião nos tempos de colégio e só fui saber recentemente que desde 2010 – com uma breve pausa de três meses pra matar as saudades do Brasil – ele tá na estrada, matando os amigos de inveja. Já passou por vários países na Oceania, Ásia e América Latina, e tá agora no Canadá, onde vai fazer um curso de pós-graduação. 

Fotos: Rodrigo Gaião/Acervo pessoal
Na Austrália, vez de apenas fazer um curso de inglês, ele também trabalhou lavando pratos, entregando panfletos e em um albergue. Depois de juntar uma grana, foi explorar a Ásia, onde viveu experiências incríveis, muitas delas enquanto vivia em uma ilha paradisíaca. Como se não bastasse, ele ainda aproveitou a companhia de um amigo pra conhecer a fundo o próprio continente. Quer saber mais? Clica aqui.

Casal de advogados sai em mochilão durante sete meses

Outra história incrível foi a do casal Ana Beatriz Paiva, 53 anos, e Bruno, também 53. Ele recifense, ela carioca. Em 2010, os dois advogados passaram nada menos que sete meses viajando, período que serviu como culminância de várias outras aventuras já vividas por aí, juntos e separados. Com três filhos crescidos, o casal decidiu deixar o Recife por tempo indeterminado e ir atrás do sonho de conhecer a realidade de outros países, sem pressa nem muito planejamento.

Fotos: Ana Beatriz e Bruno/Acervo pessoal
Estados Unidos, México, França, Polônia, Dinamarca, Holanda, Hungria, Rússia, Noruega e Suécia foram alguns dos países explorados pelo casal, que no total contabilizou visitas a 83 cidades. E o melhor é que, segundo Ana Beatriz, a experiência inspirou muitos amigos, que sempre pedem mais informações sobre a viagem, sonhando em um dia fazer o mesmo. Também quer conhecer mais detalhes sobre essa jornada? Vá em frente e clique aqui ;)

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Desafiando seus Sonhos

18SET
Todo mundo sabe que viajar vicia, né? Não satisfeitos com apenas uma grande viagem, muitos fazem questão de repetir a dose. Foi o caso da paulista Grace Downey, 35 anos, e do inglês Robert Ager, 47, idealizadores do Challenging your dreams (Desafiando seus sonhos). Entre 2002 e 2005, eles partiram em uma Land Rover mundo afora. Na volta, lançaram um livro sobre a experiência (Challenging your dreams – Uma aventura pelo mundo). Mas queriam mais. 

Em dezembro de 2009, Grace e Robert começaram outra expedição, intituladaBrasil por Terra e concluída um ano depois. Dela, nasceu outro livro: Traços do Brasil, que compila fotos tiradas por eles durante a jornada. Hoje eles participam de eventos e ministram palestras pra empresas, faculdades e escolas. “O projeto se tornou nosso meio de vida e continua sendo um sonho e um desafio”, resume Grace.

Professores de educação física e apaixonados por viajar e acampar, eles deixaram famílias e amigos chocados ao avisar que iam largar tudo e viajar em busca de um sonho. “No começo, ficaram achando que éramos malucos. Mas depois nos apoiaram”, conta Grace. 

A escolha por ir de carro partiu da liberdade pra partir quando quisessem. No caminho, dormiam em uma barraca no teto do veículo. Na primeira expedição,visitaram 50 países nos cinco continentes. “Gostamos muito do sul da África (África do Sul, Namíbia, Botsuana). Essa região superou nossas expectativas, que já eram altas”, recorda. Entre os desafios, a travessia do deserto do Saara. “Se você se perder ali, pode morrer”. 

No segundo projeto, o casal queria mostrar que também é possível conhecer cada cantinho do Brasil. “Todo mundo fala que o Brasil é muito perigoso, mas basta ter bom senso. Esse País não é explorado à altura do seu potencial”, opina. No site, eles criaram uma seção com dicas úteis sobre boa parte dos Estados brasileiros.
Confira entrevista com Grace:
Quando decidiram partir pra primeira viagem?

Saímos em janeiro de 2002 e decidimos apenas seis meses antes. Sempre falávamos que um dia íamos sair para viajar, então marcamos a data e começamos a organizar tudo. Na verdade foi uma loucura total, mas queríamos marcar uma data pra não ter desculpa. Tem que ter planejamento, mas também uma data, uma meta. Foi correria, mas deu tudo certo. 
Você nunca vai conseguir planejar tudo, ter dinheiro suficiente, o tempo ideal, mas tem que fazer o que dá e o resto vai adaptando no caminho. 

Como bancaram o projeto?

Quando saímos de São Paulo, tínhamos dinheiro apenas pra o primeiro ano. Então paramos na Inglaterra por sete meses pra trabalhar e juntar mais dinheiro (porque meu marido é inglês) e continuamos por outros dois anos. 

Acampando na beira do Rio Juquiá (SP)
Visitaram todos os lugares que tinham planejado?

Alguns lugares estavam no nosso planejamento inicial, mas quando chegamos não deu, como o Sudão, que estava em guerra. Então mudamos um pouco o roteiro porque vimos que não valia a pena arriscar. O Iraque também estava com uma situação ainda ruim. Alguns riscos são maiores que outros e não valiam a pena.
Que países marcaram mais?

Vários lugares são especiais, mas uma região que gostamos muito foi o sul da África (África do Sul, Namíbia, Botsuana). Sempre tivemos uma expectativa enorme de conhecer essa parte do mundo, como se fosse um Discovery Channel particular, e superou todas as expectativas. Como tínhamos um carro estruturado pra isso, tínhamos liberdade para fazer os safaris pelo tempo que quiséssemos, então foi espetacular, marcou muito. É uma região que a gente com certeza recomenda e gostaria de voltar. O deserto do Atacama, o Canadá e a Índia também são interessantíssimos.

Rio Amazonas
E qual foi a parte mais desafiadora?

A travessia do deserto do Saara. Passamos por um cantinho dele, nesse trecho nos juntamos com mais dois carros por questões de segurança. Caso você se perca no meio do deserto pode morrer lá, porque ninguém vai lhe encontrar. A travessia foi super tranquila, sem problemas. Logo depois, fomos pra um percurso sozinhos numa região bem inóspita. Se alguma coisa tivesse acontecido lá estaríamos em sérios apuros. Tinha trilhas com pedras, alguns vilarejos não tão amigáveis.
Que balanço faz sobre essa primeira viagem?

No geral, tem muito mais coisa boa e pessoas boas no mundo do que problemas e pessoas ruins. Um dos nossos objetivos é falar isso, as pessoas sempre focam nas coisas negativas e queremos mostrar justamente o contrário.
Pra explorar o Brasil, como fizeram?

Queríamos passar por todos os Estados brasileiros e tínhamos um roteiro geral no mesmo estilo da primeira viagem. Dessa vez tínhamos que evitar não o frio, mas as épocas de chuva, porque as estradas ficam muito ruins. Começamos descendo pro Sul, depois subimos até o Pantanal. A região Norte do Brasil é totalmente diferente do Sul, foi muito interessante.

Búzios (RJ)
Esse segundo projeto foi mais fácil?

Foi, porque já tínhamos experiência e porque não tinha a questão de fronteiras, burocracias. Tem algumas estradas bem ruins, mas como temos um carro adaptado não foi tão complicado. Um dos maiores desafios é de Manaus pra Porto Velho, a única estrada que tem, uma BR, na verdade é uma trilha. São 600 km, 700 km sem ninguém e várias pontes que não são mantidas. Demoramos quatro dias pra fazer esse percurso, andando a 15 km por hora. Foi bem tenso, um desafio grande, mas graças a Deus a gente conseguiu passar. Outra parte difícil foi atravessar o rio Amazonas. É difícil conseguir uma balsa para ir junto com o carro. 

E o balanço dessa segunda viagem?

Quisemos mostrar que é possível. Todo mundo fala que o Brasil é muito perigoso. É claro que existe o risco, como em qualquer lugar, mas se você tiver bom senso, no fundo temos mais pessoas boas do que ruins. Outra coisa é que o Brasil é maravilhoso, tem muita coisa bonita para se conhecer, praia, floresta, sertão, chapada. É um país muito rico e não explorado à altura do potencial que tem. Os próprios brasileiros vão pra fora antes de visitar o próprio país.
Vocês pensam em ter filhos?
Sim. Se começarmos uma família realmente fica um pouco mais complicado no início, mas depois pretendemos levar junto. É outro ritmo de viagem, mas é totalmente possível. Conhecemos várias famílias viajando.

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Contei um pouco da história de Grace e Robert pela primeira vez no caderno de Turismo do Jornal do Commercio, em setembro de 2011. Todas as fotos que ilustram o post são creditadas ao projeto Challenging your dreams, de autoria de Grace Downey e Robert Ager.

Mil dias nas Américas

17SET
Foi a paixão por viagens que despertou o interesse do economista Rodrigo Junqueira, 42 anos, pela publicitária Ana Biselli, 30. “Ao ouvir Ana contar sobre sua viagem pra Indonésia pra uma amiga, Rodrigo quis conversar com aquela moça falante”, contam. Ele economista, ela publicitária, mas antes de tudo aventureiros: mergulhadores e alpinistas, praticam natação, ciclismo e corrida. Juntos, partiram de Curitiba em março de 2010 na expedição 1000 dias por toda a América. Como não podia deixar de ser, criaram um site pra compartilhar histórias e fotos da viagem, em que percorrem as Américas em uma caminhonete modificada.

Eles, que ainda estão na estrada, fazem questão de ressaltar que não é preciso ser super-homem ou super-mulher pra realizar uma viagem como essa. “No entanto, é preciso ter disposição pra vivenciar situações adversas e ficar longe da família, além de um grande poder de adaptação, pois estamos lidando o tempo todo com culturas, comidas e estruturas diferentes”, pondera Ana. 
A caminhonete Fiona enfrenta o granizo no Parque Cotopaxi, no Equador

Muitos se perguntam: e como bancar tudo isso? “Com nossas próprias economias. Gastamos em torno de R$ 5 mil por mês. Em vez de comprarmos um apartamento, resolvemos investir nessa viagem”, explica Ana. Quem duvida de que foi um bom investimento?

O casal viveu tanta coisa que não consegue eleger qual foi a mais incrível. “Nos encantamos com a revoada dos guarás em Trinidad, o mergulho em Noronha, a convivência com a comunidade na Ilha de Lençóis, no Maranhão, e o encontro com Tom, um inglês que viveu por dois anos na Antártida, nas Ilhas Virgens”, enumeram. Confira o roteiro aqui e acompanhe as viagens do casal nos blogs de Ana e Rodrigo.

Segue abaixo a entrevista que fiz com Ana:

Como surgiu a ideia da viagem?

Tudo começou por uma simples viagem de férias, com duração de 30 dias pelo litoral brasileiro de carro. Mas era pouco, 30 dias não seriam suficientes. “Precisamos de pelo menos 3 meses”, disse o Rodrigo. Aos poucos, o sonho começou a crescer e vimos que seria possível ampliar a viagem. Demorou quase um ano e meio para que ficasse definido que faríamos todo o continente.

Ana com crianças de San Marcos la Laguna, na Guatemala
Foi difícil convencer amigos e família de que largar tudo e ir pra estrada era uma boa ideia?

No começo todos estranharam, pois nós tínhamos bons trabalhos, vidas bem estabilizadas e havíamos casado fazia pouco tempo. O rumo normal seria unir as economias, comprar um apartamento, ter filhos, etc. Acredito que do meu lado foi mais fácil, todos apoiaram, a não ser o chefe que me fez uma proposta pra continuar na empresa. Meus pais e amigos já me conheciam e sabiam que esse era um sonho antigo. Rodrigo, por ser um pouco mais velho, enfrentou um pouco mais de resistência de seus pais, que achavam que já seria
hora dele fixar raízes e pensar no futuro, afinal já não era a primeira vez que ele partia pra uma longa viagem.

Qual foi o lugar que mais os encantou?

Essa pergunta é difícil, ela poderia ter inúmeras respostas e todas seriam corretas. Já que temos que escolher uma, o Sertão nordestino seria sem dúvida um destes lugares. Uma riqueza de vida e histórias, paisagens fantásticas nunca imaginadas por grande parte dos brasileiros que se contentam em achar que lá só há pobreza e caatinga seca. Lugares como Lage do Pai Mateus (Paraíba), a Serra da Capivara (Piauí), Parque Nacional do Catimbau (Pernambuco), entre outros. Foi mesmo uma surpresa!

Quais foram os maiores desafios que vocês enfrentaram?

Cruzar 200km em trechos sem estradas entre o extremo sul do Maranhão e o 
Jalapão em dois dias, chegar ao cume de um vulcão de 5820m no Perú, mergulhar a 60m de profundidade em Noronha. Os desafios surgem a cada dia e essa é uma das maiores motivações da nossa viagem.

Parque Nacional Cajas, na região de Cuenca, no Equador
O que mudou nas suas vidas desde o início da viagem? 

Aprendemos a dar valor a cada dia, respeitar e admirar cada vez mais a 
cultura e a história de cada povo e cada pessoa que encontramos no caminho. Treinamos o desapego e o jogo de cintura para enfrentar situações inesperadas e adversas, tudo que é tão diferente passa a ser parte do seu dia a dia.

Castillo San Felipe, em Cartagena, na Colômbia
O que tem de melhor e de pior em viver na estrada?

O melhor é vivermos intensamente todos os dias, sempre em lugares bonitos e diferentes. O pior é a rotina cansativa de fazer e desfazer malas, carregar e descarregar o carro.

Vocês dormem no carro?

Até podemos dormir em situações especiais, mas como regra, dormirmos em pousadas e hostals. Adoramos um chuveiro quente e lençóis limpos.

Iguana em Tortuga Bay, na Ilha de Santa Cruz, em Galápagos
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Histórias de Alice: casal de fotógrafos percorre o interior do Brasil numa kombi

Pedal na Estrada: jovem dá a volta ao mundo sozinho, de bicicleta

Grandes Jornadas: histórias de viajantes profissionais

Contei um pouco da história de Rodrigo e Ana pela primeira vez no caderno de Turismo do Jornal do Commercio, em setembro de 2011. Todas as fotos que ilustram o post são creditadas ao projeto 1000 dias nas Américas, de autoria de Ana Biselli e Rodrigo Junqueira. 

Histórias de Alice

13SET
Quando contei a história de Arthur, falei que apesar de encontrar muita gente querendo explorar turistas e até crianças que lhe apedrejavam (!), o que o marcou durante sua volta ao mundo de bike foi a bondade das pessoas. E também foi isso que chamou a atenção do casal de fotógrafos Inês Calixto, 48 anos (paranaense), e Franco Hoff, 38 (gaúcho), criadores do projeto Histórias de Alice.

Em maio de 2010, eles saíram de São Paulo pra viver viajando pelo interior do Brasil, a bordo de uma Kombi branca com adesivos laranjas, transformada em motorhome e apelidada de Alice. “As pessoas simples têm uma generosidade inacreditável. Isso foi muito marcante em todas as comunidades que visitamos”, me disse Inês, um ano atrás. O casal passou dois anos a bordo da Alice e hoje está de volta a São Paulo.

O projeto nasceu da vontade de investigar o modo de vida de pessoas simples, de comunidades do interior do Brasil, e documentar isso em textos, fotos e vídeos. “Gostamos de deixar algo em contrapartida, já que essas pessoas dividem tanto conosco”, diz Inês. Por isso, o casal ofereceu oficinas de leitura e fotografia, contação de histórias – com a participação de uma marionete chamada Chico, comprada aqui em Pernambuco – e sessões de cinema gratuitas. 

Ao todo, eles percorreram 60 mil quilômetros, visitando 21 estados e cerca de 400 cidades. Tanta estrada, conta Inês, fez com que eles se conhecessem melhor. Outra coisa que mudou foi a visão que têm do País: “A gente não tinha a dimensão do quanto a pobreza é extensa e intensa no Brasil. Vimos muita beleza, sabedoria e luta. Encontramos várias pessoas com histórias similares, que perderam a terra e os sonhos”, relata. 


E eles não pretendem parar por aí. “Nos descobrimos nessa vida de viajantes”.  Mas antes de cair na estrada novamente, tão trabalhando em três livros: o diário de viagem de Alice, Um Brasil de causos, contos e encantos e um livro de fotografia, Pelo retrovisor. O projeto foi aprovado pela Lei Rouanet e eles tão captando recursos pra financiá-lo.

Confira um trecho da entrevista que fiz com Inês:
De onde surgiu a ideia de oferecer oficinas?

O objetivo principal era a viagem, mas pensamos que pra fotografar, coletar cultura, pegar histórias, tínhamos que deixar algumas coisas pra as pessoas em contrapartida. Juntamos a ideia da viagem com a ideia da inclusão cultural. Achamos que seria uma forma legal de devolver isso para a comunidade. 

O que mudou em vocês?

Aprendemos a viver no limite. Nos impusemos um tipo de vida muito dura, sem ar condicionado, sem geladeira, com muito pouca grana comparado com o que a gente vivia em São Paulo. Vivíamos no improviso. Com insegurança da estrada, de onde dormir, onde ficar, às vezes falta de banheiro, falta de chuveiro. Não podíamos deixar a kombi em qualquer lugar, porque toda a pesquisa tá dentro, documentos, etc. Foi um desafio bem grande. A grande sacada é que a cada dia você conhece uma coisa diferente e se conhece também, nos seus limites. Para nossa relação, foi muito bacana. 24h por dia juntos e em situação limite. Fomos vivendo uma vida assim meio maluca e por incrível que pareça isso deu certo. 


O que viram de mais marcante?

Sempre encontramos muita bondade. As pessoas simples, embora não tenham estudo, têm uma generosidade inacreditável, surpreendente, e ausência de preconceito. Elas são abertas para o pouco que você dá para elas e fazem uma grande festa. Isso foi muito marcante em todas as comunidades. Procuramos os lugares menores, com menor infra-estrutura. Também vimos o quanto a pobreza é extensa e intensa no Brasil. Essas pessoas têm histórias muito similares de quem perdeu a terra, foram arrancadas dos seus sonhos. São pessoas que trabalham muito e não conseguem sair  de onde estão, então isso dói. Também doeu ver o quanto é tudo desmatado no sul do Pará, por exemplo. Quando chega uma mineradora em uma comunidade eles não são consultados, não têm o que fazer. Sofrem a consequência de um desenvolvimento que não nos inclui. Você vê a beleza, a sabedoria, a luta. Isso é o que mais causa impacto. Por mais que o Brasil tenha melhorado, mas para o padrão de vida que a gente tinha isso choca demais. Antes de viajar, a gente não tinha a dimensão do quanto isso era extenso. Você vai pro shopping, pro cinema, pra praia, sua casa é boa, mas de repente a gente passou a almoçar com pessoas que hoje têm carne, mas que em alguns dias não tiveram. Vêm de uma história de falta.

Como pagaram pela viagem?

Das nossas demissões não conseguimos juntar uma quantia muito grande. Ajustamos o carro e fizemos uma poupança para pagar a viagem. Assim, saímos com dinheiro suficiente para seis meses de viagem. Quando estávamos saindo de SP, duas editoras nos chamaram e compraram textos mensais do diário de bordo. Foram elas que praticamente sustentaram o projeto. Era um volume de dinheiro muito pequeno, mas pagava combustível e alimentação.

Contei um pouco da história de Inês e Franco pela primeira vez no caderno de Turismo do Jornal do Commercio, em setembro de 2011. Todas as fotos que ilustram o post são creditadas ao projeto Histórias de Alice, de autoria de Inês Calixto e Franco Hoff.

Pedal na Estrada

11SET
Começando as histórias de que falei no post anterior, chamo à palavra aquele de quem já falei: Arthur Simões, 30 anos, fotógrafo e nômade. “O mundo não é tão perigoso quanto mostram na televisão”, me garantiu. E se ele tá dizendo, pode confiar: entre 2006 e 2009, Arthur deu a “volta ao mundo” (roteiro aqui) sozinho, de bicicleta. É claro que não foi moleza. Ele sofreu dois acidentes, foi hospitalizado com problemas gastrointestinais na Índia e passou por momentos de pânico fugindo de pedradas na Etiópia, entre outros apuros. 

Ainda assim, ele afirma que tudo valeu a pena. “A cada dia eu via pessoas e paisagens diferentes. Era incrível poder viver tão intensamente”, relata. Pra ele, o maior impacto da viagem foi a gentileza de quem encontrava pelo caminho. “Sempre me ajudaram muito. As pessoas me recebiam em casa e me davam presentes. Chegaram a me parar na estrada pra me dar uma arma, pra eu me proteger”, conta.

Fotos: Arthur Simões
Mas espera aí: como foi isso? Mais uma vez, tou pulando o começo da história. Senta aí que eu conto. O ano era 2006. Aos 24 anos, Arthur Simões erabacharel em direito, mas não exercia a profissão. Em vez disso, dava aulas de ioga e sonhava em viajar. Até que surgiu a ideia de unir o sonho a uma paixão que alimentava desde criança: andar de bicicleta. Só o que faltava era dinheiro (ok, não é bem um detalhe), mas isso não o fez desistir. Determinado, Arthur decidiu correr atrás de patrocínio, batendo de porta em porta até achar quem topasse bancar a viagem. 

Pra consegui-lo, teve a ideia de criar o site Pedal na Estrada, onde registrou costumes e curiosidades dos lugares visitados em textos, imagens e vídeos. A ideia era usar o material como fonte de informação em escolas de todo o Brasil. O projeto educativo deu certo, mas a viagem foi além. Ela mudou a vida de Arthur, que no percurso descobriu-se fotógrafo, profissão que agora pratica, e mudou sua visão de mundo. 

Farol embeleza paisagem na Austrália
Foto: Arthur Simões
A viagem terminou em 2009 e, depois de 37 mil km rodados em 46 países durante três anos e dois meses, não faltam histórias pra contar. “Viajando sozinho, você tem uma imersão maior em cada cultura. Fui em lugares incríveis que não costumam receber turistas, como Mianmar e Iêmen. Tudo era muito autêntico, foi impressionante.” Pra potencializar ainda mais essa imersão cultural (e economizar dinheiro), quando possível Arthur se hospedava na casa de habitantes locais. “Não há melhor forma de ver como as pessoas vivem do que estando dentro da casa delas”, explica.

E além do site e das palestras que ele dá mundo afora, a viagem foi materializada em forma de livro, como eu contei antes. Lançado no fim de 2011, O Mundo ao Lado  traz relatos sobre o longo percurso, incluindo trechos de diários escritos na época. O livro peca em alguns aspectos, principalmente a revisão – errinhos de ortografia e principalmente de digitação não são poucos, infelizmente -, mas não deixa de ser interessante ver o que passou pela cabeça de um jovem que resolveudeixar pra trás uma vida confortável e passar mais de três anos sozinho (com exceção de breves intervalos em que algum amigo ou recém conhecido o acompanhava), vivendo em condições não muito agradáveis.

Não pude deixar de pensar que, em muitos momentos, Arthur poderia ter tido mais cautela - afinal, se arriscar nem sempre é necessário pra ter uma “experiência autêntica”, e partir pra uma volta ao mundo sem cuidados básicos como tomar as vacinas necessárias não é exatamente a coisa mais inteligente a se fazer, como ele mesmo pôde constatar. Em alguns momentos, me pareceu que ele estava mais lutando por sua sobrevivência do que qualquer outra coisa. Por outro lado, seus relatos me inspiraram a relativizar os inevitáveis perrengues e exercitar a flexibilidade diante das situações que a viagem nos apresenta

Sozinho e concentrando boa parte do roteiro em países pouco amigáveis a turistas (em muitos deles, conta, era visto como uma nota de dólar ambulante), cada dia era um desafio pra Arthur e exigia uma boa dose deadaptação aos costumes locais. Constatar que ele conseguiu resolver tais desafios (contando, às vezes, com uma boa dose de sorte) faz pensar duas vezes antes de reclamar pelo atraso de um voo ou algo do tipo.

As condições do barco que o levou do Iêmen a Djibouti não eram as melhores…
Foto: Arthur Simões

A hospitalidade foi marcante no Iêmen
Foto: Arthur Simões
Entre outras coisas, Arthur pôde observar a diferença na forma como é tratado o povo original da Austrália, os aborígenes, e os nativos da Nova Zelândia (esses últimos, conta, são mais respeitados e inseridos na sociedade). “Os aborígenes estavam ainda fortemente ligados a seus costumes primitivos e ancestrais que, para as condições do deserto, eram perfeitos. Mas também eram incompatíveis com a cultura trazida pelo europeu, que não conseguia aceitar o estilo de vida que essas pessoas levavam”, diz.

Passando pelo Iêmen, um dos países que mais o impressionou pela hospitalidade das pessoas, ele observou que há duas vidas distintas no mundo árabe: uma dentro de casa e outra fora dela. “As mulheres ficavam restritas a essa vida privada”, diz, enquanto os homens “na rua eram machões, cultivavam bigodes, cara feia, carregavam facas, pistolas e metralhadoras, fumavam cigarros, mascavam qat – a droga local – e podiam fazer o que bem entendessem. Mas dentro de casa, quase sempre se submetiam às regras das mulheres, quando casados”. Ele até ficou, vejam só, mais de um ano sem entrar em contato com mulheres (eu disse que a viagem foi difícil!).

Resumir três anos de viagens em 200 páginas não é tarefa fácil. Por isso, senti falta de mais informações a respeito dos lugares pelos quais Arthur passou e mais histórias sobre as pessoas que encontrou. Mas gostei da sinceridade com que ele relatou as experiências vividas, já que obviamente nem tudo são flores em uma jornada como essa e é muito bonitinho voltar de uma viagem falando apenas do que deu certo. “O mundo que eu havia visto não era assim tão romântico quanto as pessoas esperavam ouvir. Ele era maior e mais complexo do que geralmente estamos acostumados a pensar”, observou. Principalmente quando não estamos só batendo ponto nos lugares mais turísticos…

A convivência com a população de cada lugar, como essa família paquistanesa, foi o ponto alto da viagem
Foto: Arthur Simões
No final, Arthur tava cansado, como era de se esperar. “As mudanças pelas quais eu constantemente passava, de temperatura, idioma, costumes, país, comida e água esgotavam meu corpo”, conta no livro. Em muitos momentos, ele se sentiu perdido e se espantou com o quanto havia mudado. Por isso, a volta pra casa não foi fácil – foi, na verdade, uma das partes mais difíceis da jornada, diz. Mas tudo o que viveu fez de Arthur uma pessoa mais tolerante. Aprendi a respeitar mais e a julgar menos. Fiquei mais livre”, reflete. Pra quem quiser mais, o livro tá nas livrarias e o Pedal na Estrada tá também cheinho de histórias fotos :)

“Definitivamente, eu não ligava tanto para a paisagem e riquezas dos países – estes fatores me influenciavam também -, mas estava mais interessado nas pessoas e em como elas tratavam as outras pessoas. Para mim, um país não era feito apenas de paisagens, estradas, cidades, mas especialmente de pessoas.” (página 130)



Contei um pouco da história de Arthur pela primeira vez no caderno de Turismo do Jornal do Commercio, em setembro de 2011. Todas as fotos que ilustram o post são de autoria de Arthur Simões e foram publicadas no site Pedral na Estrada.

Grandes jornadas

10SET
Eu ia falar hoje do livro O mundo ao lado, de Arthur Simões, que acabei de ler há pouco. Arthur passou três anos dando a volta ao mundo de bicicleta e conta, no livro, um pouco sobre essa aventura. Mas achei melhor começar do começo. “Conheci” Arthur (por telefone) por causa de uma matéria que escrevi pra o JC. Foi das mais inspiradoras, viajantemente falando :)

O tal começo aconteceu quando fui descobrindo várias histórias de pessoas que partem em grandes jornadas. Gente que larga trabalho, amigos, família, vende todos os bens e sai pela estrada – com pouco mais do que algumas mudas de roupa – por anos, com objetivos ambiciosos como conhecer todos os países das Américas ou até dar a volta ao mundo, seja de carro, barco ou de bike. Muito tempo de viagem, muitas vezes em condições difíceis. Muitos quilômetros rodados, muitas fronteiras cruzadas. Como resultado, um sem fim de histórias e de aprendizado sobre si mesmos e sobre o mundo

A bike de Arthur foi sua única companhia durante boa parte da viagem
Foto: Divulgação/Arthur Simões – Pedal na Estrada
Todos, sem exceção (pleonasmo, beijo), responderam a mesma coisa quando perguntei o que mais os marcou na trajetória: a bondade das pessoas. Todos falaram que o mundo não é tão perigoso quanto pensamos e que há muito mais coisas boas do que ruins. Ouvindo os relatos desses grandes exploradores, impossível não morrer de vontade de partir em uma aventuraamanhã mesmo. Não só pela satisfação pessoal de ver com os próprios olhos todo esse mundão; sentir os cheiros, experimentar os diferentes sabores, ouvir os mais variados sons da natureza e da gente por aí afora. Mas também pra contribuir, assim como eles, pra que cada vez mais gente queira ir muito além do quintal de casa, do universo seguro a que estamos acostumados, da rotina confortável e sem grandes surpresas. Porque nada vale mais a pena do que correr atrás de um sonho

Nos próximos posts, vou contar a história de cada uma dessas pessoas – entre eles, Arthur -, pra vocês terem também esse gostinho que eu tive ao falar com eles. Quem sabe não é a sua história que eu venho contar aqui, daqui a um tempo?

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