terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A Morte de Sarita

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"Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se esponjariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes."


"A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano imaginava que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. (...) Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito. (...) Pobre Baleia. Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia. Os meninos começaram a gritar e espernear (...) Como o animal estivesse de frente e não apresenta-se bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente. (...) E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de rosna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos. Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda. Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitando as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros. Caiu antes de alcançar esta nova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto às pedras onde os meninos jogavam cobras mortas. Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornavam-se quase imperceptíveis. (...) Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava: certamente os preás tinham fugido. Esqueceu-os e de novo veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas. O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das pestanas caídas. (...) Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. (...) Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado. Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito. (...) A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se esponjariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes." (Graciliano Ramos)

https://www.youtube.com/watch?v=WriQmEI_EGI

Morte da Baleia - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=WriQmEI_EGI
11 de dez de 2009 - Vídeo enviado por cinensina
Cena do filme Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos.


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Acabei de saber que uma das minhas cachorras foi atropelada. Deixaram o portão do sitio aberto, ela saiu para a rua, um carro passou por cima, ela morreu. Simples, banal e gratuito; como tudo na vida.

Que sinto a dor da perda da convivência com ela, é óbvio. Não é isso que me faz pensar o que escrevo aqui.

Tento entender como viver a vida sem negar a morte. Como não negar a morte sem com isso cair na hipocrisia de cultos religiosos que velam a sua presença no cotidiano da vida como forma de manipulação.

Acho que só me surpreendi com a primeira morte inesperada que vivi. Todas as outras já são esperadas, mais cedo ou mais tarde. Não há mais novidade, não há mais susto em reviver a morte.

"Reviver a morte", porque a "morte" é uma experiência de abstração feita por quem está vivo. Quem morre vivencia o "morrer" até não ser capaz de vivenciar mais.

Morrer e Morte são experiências distintas, que se dão em corpos distintos.

O medo de morrer é sempre o da nossa própria morte.

A dor e o sofrimento são emoções derivadas da experiência de perceber a morte alheia.

Mas a dor e o sofrimento não se dão no corpo do ser que morre, mas nos corpos dos que permanecem vivos.

A morte é uma abstração que experenciamos enquanto vivos. É abstrata porque o ato de morrer não se dá no nosso corpo, mas no corpo de um outro. Um outro que, se estamos sofrendo, amávamos, amamos(?), amaremos(?).

Fico me perguntando a função de nos dedicarmos a lembrar os mortos. Nao apenas lembrar, mas re-verenciar, re-sofrer sua morte.

Qual a função disso?

Não me sinto mais vivo celebrando em dor a morte alheia. Não sinto a minha própria morte mais distante de mim ao referenciar na morte dos outros o ato de morrer.

Por isso me pergunto: qual a função de cultuarmos a morte?

(Não estou defendendo a banalização da experiência de quem morre, mas me perguntando o sentido disso ser cultuado.)

Será que nos forçamos a vivenciar a experiência da morte para podermos inventar um valor para a vida? Que ela é gratuita é óbvio, mas porque buscar na ausência da vida um contra-sentido que a potencialize em negação?

Vivemos uma cultura do medo da morte.
Por quê?
Pra que?
Para quem?

Se o amor se dá em relação, é possível amar (no sentido relacional) a quem não podemos mais vivenciar a presença?

Revivemos as experiências compartilhadas com quem já morreu acessando nossas memórias. Modelamos o presente e engendramos o futuro em função do que nos colocamos para pensar. Daí fico imaginando no que engendramos ao investirmos em uma virtualizaçao de uma relação de amor . As lembranças tentem a se cristalizar no que foram. Revive-las demanda energia de quem está vivo, já que a significação do ente que morreu só pode se dar por quem se remete à lembrança deles.

O que nos desperta esse fluxo de energia que usamos para reviver a sensação de convivência com quem já morreu?

Será que vem daí a dor, o sofrimento; do direcionamento de uma potência de vida para engendrar relações com um corpo fantasmático?

Qual a função social da dor da perda, do sofrimento da falta?

Será que sem nos forçarmos a isso não somos capazes de amar uns aos outros?

Será que o amor é uma reação à falta?
Ou isso é só uma questão de perspectiva temporal?



https://www.facebook.com/caetanodable/posts/10211545632219467

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tem um livro, a partir da perspectiva evolutiva, etológica e acho que antropológica também:

"The Nature of Grief: The Evolution and Psychology of Reactions to Loss"
Por John Archer

https://books.google.com.br/books?id=MmiGAgAAQBAJ&lpg=PP1&ots=uLFWRCr8Ey&dq=grief%20evolution&lr&hl=pt-BR&pg=PP1#v=onepage&q=grief%20evolution&f=false

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Spinoza: reflexões sobre a vida e a morte
Por Roberto Romano

http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=129&id=1576

A Ética de Spinoza insiste no elo entre vida, morte e relações sociais. Não percebemos sempre, mas o trato com os nossos semelhantes é garantia de vida, saúde, felicidade. Parece incrível numa ordem social capitalista constatar que a individualidade isolada segue rumo à morte. Só temos consciência de quem somos porque os outros nos alertam para nossa singularidade. Um coletivo sem abertura ao outro é quase um ajuntamento morto.
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Spinoza relembra o trato entre vida e morte entre humanos “o corpo humano precisa de um grande número de outros corpos para se conservar”. A forma do nosso corpo “consiste em que as suas partes se comunicam e seus movimentos seguem determinada relação que o conserva”. Os indivíduos são afetados e afetam de muitos modos. O movimento e o repouso permitem que assumam uma outra forma, o que pode causar sua destruição e os tornar inaptos para afetar e serem afetados, o que é letal. A vida consiste em estar o indivíduo em pleno movimento de expansão e conservação. Tal processo só pode ser experimentado em sociedade.
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só temos consciência do que somos e de quem somos porque os outros nos alertam para a nossa singularidade. Um coletivo sem abertura ao outro é ausência de vida, obscura inconsciência, quase um ajuntamento morto. A Substância (Deus ou Natureza) é infinita e possui infinitos modos. Cada modo reúne infinitas relações. No caso dos seres humanos, a quantidade de nexos por eles mantidos com a natureza e com os semelhantes os enriquece ou empobrece, depende dos afetos assumidos. “Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções” (Ética 3, Definição 3)
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Ética, V, proposição 10, escólio, “o melhor que podemos fazer, enquanto não tivermos um conhecimento perfeito de nossos afetos, é idear um método correto de vida, ou seja, princípios seguros, e gravá-los na memória e sempre os aplicar às coisas particulares que se encontram facilmente na vida, de modo que a nossa imaginação seja por eles amplamente afetada e que eles estejam sempre a nossa disposição. (…) Se lembramos a razão de nosso verdadeiro interesse e do bem advindo de uma amizade mútua e de uma sociedade comum, se recordamos que a suprema satisfação da alma nasce do correto método de viver (…) e que os homens, como as demais coisas, agem por necessidade de natureza, a ofensa, ou seja, o ódio que dela brota ordinariamente, ocupará pouco a imaginação e será facilmente superada”.
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Pensamentos metafísicos, capítulo VI: “Entendemos como vida a força que faz perseverar as coisas em seu ser; e como tal força é distinta dos próprios seres, dizemos justamente que os seres mesmos têm vida. Mas a força pela qual Deus persevera em seu ser nada mais é que sua essência; falam bem, pois, os que dizem que Deus é a vida.”.
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Talvez seja o momento de recordar os enunciados de L. Wittgenstein sobre o místico e a vida: “O místico não está em como é o mundo, mas no que é. A solução do problema da vida se entrevê no desvanecer-se desse problema. Existe verdadeiramente o inexprimível. Ele se mostra; é o místico. Minhas proposições são explicativas desta maneira: quem me compreende, afinal as reconhece desprovidas de significado, quando subiu através delas, sobre elas, para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada depois de ter subido por ela). Deve passar acima dessas proposições: então verá o mundo do modo certo”.



Wisnik por Angel Vianna - A Música Moderna e Pós-Moderna do Século XX

“Quase-Música” – A Música Moderna e Pós-Moderna do Século XX

http://escolaangelvianna.locaweb.com.br/blog/?p=405

Introdução – Som & Ruído

De acordo com o músico e historiador José Wisnik (2004), a natureza oferece dois grandes modos de experiência da onda complexa que faz o som:

Freqüências regulares, constantes, estáveis, como aquelas que produzem o som afinado, com altura definida. Complexos ondulatórios cuja sobreposição tende à estabilidade, porque dotados de uma periodicidade interna. Um som afinado pulsa através de um período reconhecível, uma constância freqüencial.


Freqüências irregulares, inconstantes, instáveis, como aquelas que produzem barulhos, manchas, rabiscos sonoros, ruídos. Complexos ondulatórios cuja sobreposição tende à instabilidade, porque marcados por períodos irregulares, não coincidentes, descontínuos. Um ruído é uma mancha em que não distinguimos freqüência constante, uma oscilação que nos soa desordenada.

Alturas em todas as freqüências, das mais graves às mais agudas, formam o que se chama um ruído branco. A ele corresponde o som do mar, com suas durações oscilantes entre a pulsação e a inconstância, num movimento ilimitado.

Ao fazer música, as culturas trabalharão nessa faixa em que som e ruído se opõem e se misturam. Descreve-se a música originariamente como a própria extração do som ordenado e periódico do meio turbulento dos ruídos.

Assim, os sons afinados pela cultura, que fazem a música, estarão sempre dialogando com o ruído, a instabilidade, a dissonância. Sendo sucessiva e simultânea, a música é capaz de ritmar a repetição e a diferença, o mesmo e o diverso, o contínuo e o descontínuo.

Desiguais e pulsantes, os sons nos remetem no seu vai e vem ao tempo sucessivo e linear, mas também a um outro tempo não cronológico. Mexendo nessas dimensões, a música aponta com força para o não verbal, tocando em pontos de ligação efetivos do mental e do corporal, do intelectual e do afetivo.

Cabe ressaltar que o som, por mais nítido que possa ser, é invisível, impalpável. Logo, a música, sendo uma ordem que se constrói de sons, em perpétua aparição e desaparição, escapa à esfera tangível e se presta à identificação com uma outra ordem do real.

Conseqüentemente, o som tem um poder mediador, hermético: é o elo comunicante do mundo material com o mundo espiritual e invisível.
Os sons organizados nos informam sobre a estrutura oculta da matéria no que ela tem de animado. Há nisso um modo de conhecimento e sondagem de camadas sutis da realidade. Justamente por isso, não se pode tocar qualquer música a qualquer hora e de qualquer jeito.

1. Cultura & Historicidade – A Construção Da Música
A música, em sua história, é uma longa conversa entre o som e o ruído. Sendo que som e ruído não se opõem absolutamente: trata-se de um continuum, uma passagem gradativa que as culturas irão administrar, definindo no interior de cada uma, qual a margem de separação entre as duas categorias.

Enquanto experiência do mundo em seu caráter intrinsecamente ondulatório, o som projeta o limiar do sentido na medida da sua estabilidade e instabilidade relativas. Esse sentido é vazado de historicidade – não há nenhuma medida absoluta para o grau de estabilidade e instabilidade do som, que é sempre produção e interpretação das culturas. A instância decisiva para essa codificação será a constituição de escalas musicais ou de sistemas escalares.

O modo de conceber e praticar as escalas musicais nas mais diferentes culturas é decisivo para a administração da relação entre som e ruído, e define o caráter mais estável ou instável dos materiais sonoros. O som, portanto, se produz negando terminantemente certos ruídos e adotando outros, para introduzir instabilidades relativas.

O grau de ruído que se ouve num som varia conforme o contexto. Sobre isso, Wisnik (2004) destaca a existência de uma ecologia do som que remete a uma antropologia do ruído, onde, para fins de análise, faz-se útil combinar o conceito habitual de ruído sonoro com a teoria da informação, na qual entende-se ruído como interferência na comunicação. Assim, ruído torna-se uma categoria mais relacional do que natural. O ruído é aquele som que desorganiza outro, sinal que bloqueia o canal, ou desmancha a mensagem, ou desloca o código.

Essa definição de ruído como desordenação interferente ganha um caráter mais complexo em se tratando de arte, onde se torna um elemento virtualmente criativo, desorganizador de mensagens/códigos cristalizados e provocador de novas linguagens.

2. Diálogos Entre Sons E Ruídos – Uma Produção Antropológica
O jogo entre som e ruído constitui a música. O som do mundo é ruído, o mundo se apresenta para nós a todo momento através de freqüências irregulares e caóticas com as quais a música trabalha para extrair-lhes uma ordenação. Ordenação que também contém margens de instabilidade, com certos padrões sonoros interferindo sobre outros.

Ao longo da história da humanidade, as culturas criaram e recriaram formas de se fazer música de acordo com seu contexto sócio-histórico-político-ético-estético-econômico, etc. Essas formas particulares tiveram características em comum por determinados períodos os quais a história tradicional da música convencionou denominá-los de: Modal, Tonal e Serial (ou Pós-Tonal ou Antitonal).

Wisnik (2004) chama atenção para o fato de que habitualmente as histórias da música são histórias da zona tonal, indo do barroco ao Debussy, com uma breve incursão pelo dodecafonismo e um final suspensivo sobre a música atual, em que o fio da história se perde na completa impossibilidade de articular passado e presente.

O primeiro dentre os três campos é o Modal. Este abrange toda a vasta gama das tradições pré-modernas, ou pré-capitalistas, incluindo a tradição grega e canto gregoriano (ambos constituem estágios modais da musica do Ocidente).

No mundo modal a música foi vivida como uma experiência do sagrado, justamente porque nela se trava, a cada vez, a luta cósmica e caótica entre o som e o ruído. Essa luta, que se torna também um troca de dons entre a vida e a morte, os deuses e os homens, é vivida como rito sacrificial.

A música modal é ruidosa, brilhante e intensa na ritualização da trama simbólica em que a música está investida de um poder que faz com que a sua prática seja cerca de interdições e cuidados rituais. São músicas que procuram o som puro sabendo que ele está sempre vivamente permeado de ruído. Os deuses são ruidosos. A natureza sonora do mundo, que não perde nunca o pé do pulso, se faz dessa mescla em que mora o núcleo do sacrifício, isto é, da ritualidade do som.

Em suma, a música modal é voltada para a pulsação rítmica. Nela, as alturas melódicas estão quase sempre a serviço do ritmo, criando pulsações complexas e uma experiência do tempo vivido como descontinuidade contínua, como repetição permanente do diferente. São basicamente músicas do pulso, do ritmo, da produção de uma outra ordem de duração, subordinada a prioridades rituais. Há presença muito forte das percussões – testemunhos mais próximos do mundo do ruído; assim como presença de timbres – instrumentos que são vozes e vozes que são instrumentos.

Já o campo Tonal abrange o arco histórico que vai do desenvolvimento da polifonia medieval ao atonalismo e tem seu momento forte entre Bach e Wagner (ou Mahler), do barroco ao romantismo tardio, passando pelo estilo clássico (séculos XVII, XVIII e XIX).

A música tonal teve seu campo preparado pelo canto gregoriano, a partir do momento em que este aboliu os instrumentos rítmico-percurssivos pondo toda a sua rítmica puramente frásica a serviço da pronunciação melodizada do texto litúrgico. Conseqüentemente, desviou a música modal do domínio do pulso para o predomínio das alturas, e de certo modo, inaugurando o ciclo da música ocidental moderna.

A música tonal explora amplamente, já com invergadura instrumental e com outras complexidades discursivas, as possibilidades de desenvolvimento de uma organização do campo das alturas em que a melodia vem em primeiro plano. A música que evita o pulso e colorido dos timbres é uma música que evita o ruído, que quer filtrar todo ruído, como se fosse possível projetar uma ordem sonora completamente livre da ameaça da violência mortífera que está na origem do som.

Portanto, a música tonal moderna, sobretudo a música consagrada como “clássica”, é uma música que também evita o ruído, que está nela recalcado ou sublimado. São características desse tipo: a inviolabilidade da partitura escrita, o horror ao erro, o uso exclusivo de instrumentos melódicos afinados, o silêncio exigido à platéia, etc. Tudo faz ouvir a música erudita tradicional como representação do drama sonoro das alturas melódico-harmônicas no interior de uma câmara de silêncio onde o ruído estaria idealmente excluído.

Finalmente o campo Serial. Este compreende as formas radicais da música de vanguarda no século XX, representadas por Schoenberg e Webern, e pelos seus desdobramentos, que levam á música eletrônica.

A partir do início do século XX operou-se uma reviravolta no campo sonoro filtrado de ruídos do mundo tonal, pois barulhos de todo tipo passaram a serem concebidos como integrantes efetivos da linguagem musical. Os ruídos detonaram uma liberação generalizada de materiais sonoros – deu-se uma explosão de ruídos na música de Stravinski, Schonberg, Satie, Varése, dentre outros.

Com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914), a ecologia sonora do mundo moderno se alteraria de vez, e ruído e silêncio entraram com inevitável violência no templo leigo do som – a redoma da representação tonal em que se constituía o concerto.

Schoenberg, no Pierrot Lunaire (1912), usou o canto no limite da fala, como Sprenchgesang, “cantofalado”, o q significou trazer para o domínio melódico toda a gama de ruidismos dos timbres da voz e da entonações.

Stravinski, por sua vez, na Sagração da Primavera (1913), introduziu agregados de acordes, quase-clusters que funcionam como ruído, impulsões ruidosas, percussão operando numa métrica irregular que volta a questionar a linha perdida da tradição do Ocidente: a base produtiva do pulso. A Sagração é heavy-metal de luxo, e vem a ser o primeiro episódio exemplar de que ruído detona ruído; deslocou o lugar do silêncio, que sai da moldura e vai para o fundo, onde se recusa a responder sobre a natureza do código musical.

A introdução do ruído atua ambivalentemente como acréscimo de carga informativa das mensagens e acelerador entrópico dos códigos. Inaugura-se aqui o mundo moderno, com tudo aquilo que ele já contém de proliferação pós-moderna em suas simultaneidades contemporâneas.

3. Retorno Do Ruído – A “Quase-Música”
“Com efeito na admirável criação de Schoenberg a voz não é fala nem canto é… é a ‘sprech-gesang’. Dessa experiência resultou [...] num poder de experiências de todo gênero, vocais, instrumentais, harmônicas, rítmicas, sinfônicas, conjugação de sons e ruídos, etc, etc. de que resultou a criação duma por assim dizer nova arte a que, por falta de outro termo, chamei de quase-música. Arte esta que pela sua primitividade ainda não é música exatamente como certas manifestações de clãs africanas, ameríndios (sic) e da Oceania. É arte ao mesmo tempo que pelo seu refinamento, sendo uma derivação última conseqüência das experiências e evolução progressiva musical de pelo menos vinte e cinco séculos, desde a Grécia até Debussy, já não é mais intrinsecamente música. Resumindo: essa arte nova, essa quase-música do presente, se pelo seu primitivismo ainda não é música, pelo seu refinamento já não é música mais”. (Mário de Andrade, 1920 In Wisnik 2004)

Essa verdadeira mutação captada por Andrade lançaria, segundo ele mesmo, a música para um novo limiar de cruzamento contraditório entre o mais moderno e o mais primitivo. O encurvamento do caminho da música tonal, que se ultrapassa em direção a uma música pós-tonal ou antitonal, ao mesmo tempo em que evoca de maneira diferida as músicas modais primitivas, é o próprio nó e núcleo das simultaneidades contemporâneas.

A quase-música é essa área limiar que está aquém e além da música (tonal) e que oscila entre modos opostos de se organizar, entre o discurso do tipo progressivo e o puro ritornello – uma música que não se decide ainda entre o pós-tonal (uma linguagem feita de polifonias descontínuas de ruídos sem retorno) e o eterno retorno do modal (que parece inacessível).

Essa dicotomia foi encenada ao longo do século XX pela contraposição entre o serialismo (predomínio na primeira metade) e o minimalismo (e marca a segunda; certo apoio das modais, mais na pulsação do que na organização das alturas). A coluna ausente que suporta esses dois processos opostos e John Cage.

A música dodecafônica e serial se dirige para uma organização pós-tonal e antitonal dos sons. É um desdobramento localizado do cantofalado expressionista e atonal do Pierrot Lunaire, assim como também faz parte dessa reversão geral que abate a música das alturas (concentrada na organização de melodias e harmonias), devolvendo-a a uma música dos timbres e dos ruídos.

Na seqüência, o minimalismo desponta propondo uma música que se organiza em torno de pulsos, de repetições alteradas por ciclos de fases e defasagens. E é nessa passagem ou inflexão paradoxal, em que a música contra toda forma de repetição “desemboca” numa música repetitiva, que encontra-se o “triângulo das Bermudas” da música contemporânea.

Assim, o sistema dodecafônico de Schoenberg, como proposta de organização melódico-harmônica de uma música pós-tonal, sem centro, sem o mecanismo de tensão-e-repouso que marca o tonalismo, e que foge a toda polarização, radicaliza depois no serialismo: é não somente a música do não-pulso, como também o limiar da não-altura. Ela já é a música do ruído e do silêncio.

O ruído, além de ser o elemento que renova a linguagem musical, torna-se um índice do habitat moderno com o qual nos habituamos. O alastramento do mundo mecânico e artificial, característicos desse começo de século, criou paisagens sonoras das quais o ruído tornou-se elemento integrante incontornável, impregnando as texturas sonoras. Como exemplo, o famoso balé Parade, de Satie, em que ele utiliza máquina de escrever, teclado, sirene e tiro de revólver como instrumentos de percussão. Observava-se que os futuristas estavam interessados nas máquinas em geral como produtoras de música, ou “quase-música”.

Eric Satie prefigurou, já no início do século XX, o grande deslocamento que o campo sonoro iria sofrer. Sua música performática, suas partituras cheias de anotações insólitas e certas idéias, embora parecessem extravagantes, estavam na verdade, anunciando com enorme precisão o processo de mudança das condições de produção musical no mundo emergente do imaginário industrializado como mercadoria.

Em suas obras, Satie desejava que as músicas pudessem figurar como fundo de conversa, ocupando uma faixa secundária da atenção. Queria uma música em contraponto com o ruído, que entrasse em relação polifônica e constitutiva com o ruído, prenunciando assim, a função de fundo de atenção que a música passa a desempenhar no mundo da sua repetição generalizada.

Além disso, realizava o que se pode chamar de uma esterofonia avant la lettre, com a música emanando ao mesmo tempo de pontos separados do espaço – músicos, som, público e ruído em trânsito, deixando um vazio nos seus lugares usuais, vazio que corresponde ao silêncio do código.

John Cage converteu essa situação e esse silêncio, que é índice em Satie, em elemento articulador de sistema, sistema constituído de silêncio/ruídos encadeados. Sua famosa peça Tacet 4’33” (1952), com sua constatação do caráter ruidoso do silêncio, faz uma ponte com os lances de Satie.

Há também um deslizamento da economia sonora do concerto, que sai de sua moldura, como uma máscara que deixa um vazio. A música, suspensa pelo intérprete, vira silêncio. O silêncio da platéia vira ruído. O ruído é som: a música de um mundo em que a categoria da representação deixa de ser operante, para dar lugar à infinita repetição.
Silêncio pleno de ruídos porque é “abandono ao tempo, ao puro movimento do tempo”, tempo que jamais se repete contendo todas as repetições em graus alterados de intensidade. Nas Peças Para Piano Preparado, Cage transformou o piano de instrumento produtor de alturas em multiplicador de timbres e ruídos – com a interferência de objetos sobre suas cordas. Tal procedimento antecipa também uma possibilidade dos sintetizadores atuais.

Essa parafernália visava à delicadíssima apresentação de quase-sons (quase-ruídos) em oscilação rítmica, num tempo em que se despontam pulsações e não-pulsações, como se a música buscasse devolvê-las a um estado de indistinção entre ambas.
A música de Cage não se organizava em torno de um pulso (como a música modal), nem evitava sistematicamente o pulso (como a música serial). Fases e defasagens alternavam-se ao sabor e na pulsação do próprio acaso do som, ruído e silêncio.

Considerações Finais – A Contemporaneidade
A proliferação dos meios de produção e reprodução sonora, meios fonomecânicos, elétricos e eletrônicos, recrudesceram a margem do ruído no ambiente social ao longo do século XX. O desenvolvimento técnico dos pós-guerras fez com que se desenvolvessem dois tipos de música que tomaram como ponto de partida a produção de ruídos com base em máquinas sonoras. É o caso da música concreta e da música eletrônica que disputaram polemicamente a primazia do processo de ruidificação estética do mundo.

A música concreta, cujo mentor foi o compositor Pierre Schaeffer, teve a sua estratégia na gravação de ruídos reais (tomados como material bruto), alterados e mixados – compostos por montagem. Já a música eletrônica, que têm Henri Pousseur e Stockhausen dentre seus pioneiros, tomou como base ruídos produzidos por sintetizadores – ruídos inteiramente artificiais.

Desde então, os sintetizadores se refinaram e se massificaram. Destaque para o sampler, que registra, analisa, transforma e reproduz ondas sonoras de todo tipo, superando de vez a já velha polêmica inicial entre música concreta e eletrônica.

As máquinas de produção e reprodução sonora, além de terem seus terminais disseminados em rede por todo tecido social, implantaram modo de tratamento do som totalmente relativístico, em que nenhum dos seus componentes ou propriedades inscreve-se em nenhuma ordem de hierarquia ritual.

O objeto sonoro é o ruído que se reproduz em toda parte, além de passar por um processo sem precedentes de rastreamento e manipulação laboratorial das suas mais ínfimas texturas – gravado, decomposto, distorcido, filtrado, invertido, construído, mixado, etc.

A eletrificação dos instrumentos foi dar também num dos sons cruciais do nosso tempo, o da guitarra elétrica, a harpa farpada, com a qual Jimmi Hendrix distorceu, filtrou, inverteu e reinventou o mundo sonoro, dando a mais lancinante atualidade à força sacrificial do som. Pulso e desagregação, vida e morte – simultaneidades contemporâneas.

De acordo com Wisnik (2004), não se trata mais de tocar o som do privilégio contra o ruído dos explorados, mas operar industrialmente sobre todo ruído, dando-lhe um padrão de repetitividade. É nesse campo que as músicas ocorrem, o que não quer dizer que elas se reduzam a ele – aí reside a complexidade e interesse do assunto.

BIBLIOGRAFIA
GRIFFITHS, Paul. Novo Ritmo, Nova Forma. pág 38-48. In WISNIK, José Miguel. A Música Moderna – Uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, ?. 208 p.

WISNIK, José Miguel. I.Som, Ruído e Silêncio. pág 15-53. In WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido – Uma outra história das músicas. São Paulo:

Canarim, Claudia Fernandes – Graduanda em Dança pela Faculdade Angel Vianna (FAV). Pós-graduanda em Terapia pelo Movimento pela FAV. Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Especialista em Análise Institucional e Esquizoanálise pela Fundação Gregório Baremblitt/FELUMA, Belo Horizonte, MG

Autor(a): Canarim, Claudia Fernan

domingo, 18 de dezembro de 2016

O Dicionário das Tristezas Obscuras

O Dicionário das Tristezas Obscuras

Criado pelo artista John Koenig, o Dicionário das Tristezas Obscuras, é uma coleção de palavras inventadas, que servem para oficializar emoções que as pessoas sentem mas não conseguem explicar.
Aqui estão algumas delas, para ver todas e também os vídeos que Koenig faz com suas palavras, visite o site do projeto.
 bengiles22

1. Adronitis

Frustrar-se com a quantidade de tempo necessário para se conhecer bem alguém.

2. Aimonimia

O medo de que aprender o nome de algo – um pássaro, uma constelação, uma pessoa bonita – vai estragar tudo. Transformando uma descoberta do acaso, em uma casca conceitual vazia.

3. Ambedo

Um tipo de transe melancólico no qual você se torna completamente absorto por pequenos detalhes sensoriais – pingos de chuva escorrendo pela janela, árvores altas se dobrando lentamente com o vento, espirais de creme se formando no café – o que, por fim, leva a uma avassaladora constatação da fragilidade da vida.

4. Anchorage

O desejo de segurar o tempo enquanto ele passa, como tentar se segurar em uma pedra no meio de um rio com muita correnteza.

5. Anecdoche

Uma conversa em que todo mundo está falando mas ninguém está ouvindo.

6. Anemoia

Nostalgia de um tempo no qual você nunca viveu.

7. Anthrodynia

Um estado de exaustão ao perceber o quão horríveis as pessoas podem ser umas com as outras.

8. Chrysalism

A tranquilidade confortável de se estar dentro de casa durante uma tempestade.

9. Ecstatic Shock

A onda de energia que surge ao olhar de relance para alguém que você gosta.

10. Ellipsism

Uma tristeza por não ser capaz de saber como a história vai terminar.

11. Énouement

A sensação agridoce de ter chegado no futuro, visto como tudo aconteceu, mas não ser capaz de contar para o seu ‘eu’ do passado.

12. Exulansis

A tendência de desistir de tentar falar sobre uma determinada experiência porque as pessoas são incapazes de se relacionar com ela.

13. Gnossienne

O momento em que você percebe que alguém que você conhece há anos tem uma vida interna, privada e misteriosa.

14. Jouska

Uma conversa hipotética que você repete compulsivamente na sua cabeça.
15. Kairosclerosis
O momento em que você percebe que está feliz – e tenta conscientemente aproveitar essa sensação – o que obriga seu intelecto a identificar e colocar a sensação em um contexto, onde a felicidade lentamente se dissolve até se tornar pouco mais do que um retrogosto.

16. Kenopsia

A atmosfera misteriosa e desamparada de um lugar que normalmente está cheio de gente, mas que agora está abandonado e quieto.

17. Lachesism

O desejo de ser atingido por um desastre – sobreviver a uma queda de avião, ou perder tudo em um incêndio.

18. Lalalalia

Dar-se conta, enquanto fala sozinho, que outra pessoa pode estar escutando, o que o leva a rapidamente transformar as palavras em algum cantarolar sem sentido.

19. Lapyear

A idade em que você se torna mais velha do que seus pais eram quando você nasceu.

20. Lethobenthos

O hábito de esquecer o quão importante uma pessoa é para você, até o momento em que você a encontra pessoalmente.

21. Liberosis

O desejo de se importar menos com as coisas.

22. Mimeomia

Frustração ao perceber o quão facilmente você se encaixa em um estereótipo.

por Ben Giles23. Monachopsis

O sentimento sutil mas persistente de estar fora de lugar.

24. Moriturism

Perceber, como um solavanco durante um momento de insônia, que você vai morrer.

25. Nementia

O esforço que vem logo após um momento de distração, para lembrar porque é mesmo que você está se sentindo irritada, ou ansiosa, ou animada.

26. Nodus Tollens

Dar-se conta de que o roteiro da sua vida já não faz o menor sentido.

27. Occhiolism

Dar-se conta da pequenez da sua perspectiva. Com a qual você não tem como chegar a qualquer conclusão significativa sobre o mundo, o passado, ou as complexidades da cultura.

28. Onism

A frustração de estar preso em apenas um corpo que habita apenas um lugar por vez.

29. Opia

A intensidade ambígua de olhar alguém nos olhos, e sentir-se simultaneamente invasivo e vulnerável.

30. Reverse Shibboleth

A prática de atender o telefone com um “alô?” genérico, como se você já não soubesse quem está ligando.

31. Rückkehrunruhe

O sentimento de voltar para casa depois de uma viagem imersiva, e perceber que toda a experiência já está desaparecendo rapidamente da sua consciência.

32. Sonder

Dar-se conta de que cada pessoa tem uma vida tão vívida e complexa quanto a sua – populada por ambições, amigos, rotinas, preocupações e loucura.

33. Scabulous

Sentir orgulho de uma cicatriz. Como um autógrafo dado a você pelo mundo.

bemgilles834. The Bends

A frustração ao perceber que você não está aproveitando uma experiência tanto quanto deveria.

35. Trumspringa

A tentação de sair da sua meta de carreira e se tornar pastor de ovelhas nas montanhas.

36. Vemödalen

Frustração ao fotografar algo incrível quando milhares de outras fotos idênticas já existem.

37. Vemödalen

Medo de que tudo já tenha sido feito.

38. Waldosia

Olhar para todos os rostos em uma multidão, procurando uma pessoa específica que não teria motivo algum para estar aí.

39. Zenosyne

A sensação de que o tempo está passando cada vez mais rápido.


***
As colagens que ilustram o post foram todas feitas pelo artista Ben Giles.

Tempo, Linguagem e Auto-Reflexão

"(...)é talvez uma reflexão sobre o tempo. E, como todo poema moderno, sobre a linguagem. E como o ser humano procura e se dissolve no tempo, o poema é também uma reflexão sobre a condição temporal e linguística do sujeito. Perguntar pelo tempo é perguntar por quem somos (e o inverso), da mesma maneira que perguntar pela linguagem é perguntar também por quem somos (e o inverso).
"O tempo, como a linguagem, sempre nos lembra que somos outros. O tempo, como a linguagem, raras vezes nos devolve a imagem de nós mesmos. Mas interrogamos ao tempo,e à linguagem, cada vez que nos perguntamos quem somos. E sempre é o não saber o que nos dá a resposta. A memória, que é a entrada no mistério do tempo, não lembra e sim conhece. E a poesia, que é a entrada no mistério da linguagem, não expressa e como também, estritamente conhece. Mas trata-se de um conhecimento que não anula o mistério e sim o conserva."
ENSAIO, DIARIO E POEMA COMO VARIANTES DA AUTOBIOGRAFIA: A PROPOSITO DE UM "POEMA DE FORMAÇÃO" DE ANDRÉS SANCHEZ ROYBAYNA 
-por Jorge Larrosa-

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10211518528901901&set=a.10204369838549110.1073741857.1324551686&type=3

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Tempo, Poder e a Antropologia do "Outro"

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10211516353447516&set=a.10204369838549110.1073741857.1324551686&type=3



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https://plato.stanford.edu/entries/time-experience/

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https://www.academia.edu/303121/As_Contribui%C3%A7%C3%B5es_de_Henri_Bergson_para_a_inven%C3%A7%C3%A3o_de_uma_psicologia_b%C3%A1rbara

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http://www.uel.br/ccb/psicologia/revista/textov2n14.htm

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https://issuu.com/grupoautentica/docs/a_inven____o_de_si_e_do_mundo_-_uma

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http://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2016/11/entenda-teoria-linguistica-do-filme-chegada.html

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http://one.valeski.org/2016/11/arrival-linguistic-relativity.html

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http://languagemagazine.com/?p=126265

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http://www.vox.com/culture/2016/11/11/13587262/arrival-movie-review-amy-adams-denis-villeneuve

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http://languagelog.ldc.upenn.edu/nll/?p=29296

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http://www.wsj.com/articles/in-arrival-a-linguist-is-a-movie-hero-1478831065

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https://www.facebook.com/caetanodable/videos/10211518639824674/


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Language and Thought

https://www.facebook.com/caetanodable/posts/10211515235139559



No one would disagree with the claim that language and thought interact in many significant ways. There is great disagreement, however, about the proposition that each specific language has its own influence on the thought and action of its speakers. On the one hand, anyone who has learned more than one language is struck by the many ways in which languages differ from one another. But on the other hand, we expect human beings everywhere to have similar ways of experiencing the world.

Comparisons of different languages can lead one to pay attention to 'universals'—the ways in which all languages are similar, and to 'particulars' —the ways in which each individual language, or type of language, is special, even unique. Linguists and other social scientists interested in universals have formulated theories to describe and explain human language and human language behavior in general terms as species-specific capacities of human beings. However, the idea that different languages may influence thinking in different ways has been present in many cultures and has given rise to many philosophical treatises. Because it is so difficult to pin down effects of a particular language on a particular thought pattern, this issue remains unresolved. It comes in and out of fashion and often evokes considerable energy in efforts to support or refute it.

Relativity and Determinism
There are two problems to confront in this arena: linguistic relativity and linguistic determinism. Relativity is easy to demonstrate. In order to speak any language, you have to pay attention to the meanings that are grammatically marked in that language. For example, in English it is necessary to mark the verb to indicate the time of occurrence of an event you are speaking about: It's raining; It rained; and so forth. In Turkish, however, it is impossible to simply say, 'It rained last night'. This language, like many American Indian languages, has more than one past tense, depending on one's source of knowledge of the event. In Turkish, there are two past tenses—one to report direct experience and the other to report events that you know about only by inference or hearsay. Thus, if you were out in the rain last night, you will say, 'It rained last night' using the past-tense form that indicates that you were a witness to the rain; but if you wake up in the morning and see the wet street and garden, you are obliged to use the other past-tense form—the one that indicates that you were not a witness to the rain itself.

Differences of this sort have fascinated linguists and anthropologists for centuries. They have reported hundreds of facts about 'exotic' languages, such as verbs that are marked or chosen according to the shape of an object that is being handled (Navajo) or for the relative ages of speaker and hearer (Korean). Such facts are grist for the mill of linguistic relativity. And, indeed, they can be found quite readily in 'nonexotic' languages as well. To cite a fact about English that is well known to linguists: It is not appropriate to say Richard Nixon has worked in Washington, but it is perfectly OK to say Gerald Ford has worked in Washington. Why? English restricts the present perfect tense ('has worked') to assertions about people who are alive. Exotic!

Proponents of linguistic determinism argue that such differences between languages influence the ways people think—perhaps the ways in which whole cultures are organized. Among the strongest statements of this position are those by Benjamin Lee Whorf and his teacher, Edward Sapir, in the first half of this century—hence the label, 'The Sapir-Whorf Hypothesis', for the theory of linguistic relativity and determinism. Whorf proposed: 'We cut nature up, organize it into concepts, and ascribe significances as we do, largely because we are parties to an agreement to organize it in this way—an agreement that holds throughout our speech community and is codified in the patterns of our language' (Whorf, 1940; in Carroll, 1956, pp. 213-4). And, in the words of Sapir: 'Human beings...are very much at the mercy of the particular language which has become the medium of expression for their society. ...The fact of the matter is that the "real world" is to a large extent unconsciously built up on the language habits of the group' (Sapir, 1929; in Manlbaum, 1958, p. 162).

Investigating Language and Thought
How can such bold claims be substantiated beyond examination of individual languages themselves? If one takes the hypothesis seriously, it should be possible to show that Turks are more sensitive to evidence than are Americans, but that Americans are more aware of death than Turks. Clearly, the hypothesis cannot be supported on so grand a level. Rather, experimental psychologists and cognitive anthropologists have sought to find small differences, on controlled tasks, between speakers of various languages. Maybe Navajos are somewhat more sensitive to shapes of objects, for example.

The results have been mixed. In most cases, human thought and action are overdetermined by an array of causes, so the structure of language may not play a central causal role. Linguistic determinism can best be demonstrated in situations in which language is the principal means of drawing people's attention to a particular aspect of experience. For example, if you regularly speak a language in which you must pick a form of second-person address (you) that marks your social relationship to your interlocutor—such as Spanish tu ('you' for friends and family and for those socially subordinate) vs. usted ('you' for those socially above in status or for those with whom you have no close connection) or French tu versus vous—you must categorize every person you talk to in terms of the relevant social dimensions. (As a thought experiment of linguistic determinism, think of the categorizations of social relationships that would have to be made if Spanish became the common language of the United States.)

Going beyond thought experiments, some of the most convincing research demonstrating some degree of linguistic determinism is being conducted under the direction of Stephen C. Levinson at the Max Planck Institute for Psycholinguistics in Nijmegen, The Netherlands. Levinson and his collaborators distinguish between languages that describe spatial relations in terms of the body (like English 'right/left', 'front/back') and those that orient to fixed points in the environment (like 'north/south/east/west' in some aboriginal Australian languages). In a language of the second type one would refer, for example, to 'your north shoulder' or 'the bottle at the west end of the table'; in narrating a past event, one would have to remember how the actions related to the compass points. Thus, in order to speak this type of language, you always have to know where you are with respect to the compass points, whether you are speaking or not. And Levinson's group have shown, in extensive cross-linguistic and cross-cultural studies, that this is, in fact, the case.

Much more research needs to be done, but it is not likely that the Sapir-Whorf hypothesis will be supported in the strong form quoted above. For one, language is only one factor that influences cognition and behavior. For another, if the Sapir-Whorf hypothesis were really true, second language learning and translation would be far harder than they are. However, because language is so pervasive—and because we must always make cognitive decisions while speaking—weaker versions of the hypothesis will continue to attract scientific attention. (For a lively debate on many of these issues, with much new evidence from several fields, read Gumperz and Levinson 1996.)
Suggested Readings
Gumperz, J. J., and Levinson, S. C. 1996. Rethinking linguistic relativity. Cambridge, UK: Cambridge University Press.
Lucy, John A. 1992. Language diversity and thought: A reformulation of the linguistic relativity hypothesis. Cambridge, UK: Cambridge University Press.
Sapir, E. 1929. "The status of linguistics as a science". Language 5. 207-14. Reprinted in The selected writings of Edward Sapir in language, culture, and personality, ed. by D. G. Mandelbaum, 160-6. Berkeley: University of California Press.
Whorf, B. L. 1940. "Science and linguistics". Technology Review 42: 227-31, 247-8.Reprinted in Language, thought, and reality: Selected writings of Benjamin Lee Whorf, ed. by J. B. Carroll, 207-19. Cambridge, MA: The Technology Press of MIT/New York: Wiley. 1956.

"A Chegada" (Arrival 2016), Galícia, lingua portuguesa, Caetano Veloso, Uxia, Zeca Afonso e Camões

Do filme "A Chegada" à Caetano Veloso, Uxia, Zeca Afonso e Camões

https://www.facebook.com/caetanodable/videos/10211528206183827/



“Hoje vamos falar sobre o português e de por que soa tão diferente em relação a outras línguas românicas. A história do português teve o seu início no Reino da Galiza na Idade Média. Daquela a língua considerava-se uma expressão artística.”

https://www.youtube.com/watch?v=Llrb00WMNRA

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Caetano Veloso em entrevista ao programa Roda Viva:

"A minha ambição seria a de tomar posse da civilização, porque acho que há dados universais ligados à convivência social. E acho que são dados definitivos e que esses dados devem ser compartilhados por todos os seres humanos, que devem se colocar na posição de poder compartilhá-los."

"(...) uma cultura como a nossa, que está – sob todos os pontos de vista – como que jogada fora da área de dominação, das vantagens da civilização moderna, porque está no hemisfério sul, porque é mestiça, porque fala português, não apenas uma língua latina do sul da Europa, mas justamente o português, a menos prestigiada de todas elas, entendeu? Enfim... Um país pobre e, sobretudo, injusto socialmente. Então, todas essas desvantagens, de uma certa forma, deveriam criar em nós uma mera depressão em relação à perspectiva histórica, em relação a prospecções. E, no entanto, a gente tem alguma coisa de alegria e de entendimento da vida, alguma riqueza no modo de ser, que é perceptível, inclusive, para os estrangeiros, que diversas vezes se manifestam a respeito do que eles percebem de interessante, de sugestivo no modo de ser do Brasil e dos brasileiros. E isso é um dado cultural, não é um valor universal, não é algo abstrato. É um dado cultural, qualitativo do nosso modo de ser. O que desejo não é que isso seja possivelmente fundido com o que chamamos de civilização. Acho que o que desejo mesmo é que esse nosso modo de ser tome conta, tome em suas mãos os dados abstratos, universais da civilização e faça deles algo que não tenham feito ainda, entendeu?

http://brainstormtche.blogspot.com.br/2014/04/os-tropicos-utopicos-tomando-posse-da.html

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'Verdes São Os Campos' é um poema de Luís de Camões, poeta português do século XVI, musicado por Zeca Afonso e interpretado por Uxía (ambos artistas gauleses)

Aqui, Uxia canta "Verdes são os Campos" no Festival Cantos na Maré, que é um festival internacional da cultura lusófona celebrado na Galicia (Pontevedra) desde 2003.

https://www.youtube.com/watch?v=JaqUohzuxZo


Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gado que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis,
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

https://enredversados.wordpress.com/2016/11/15/verdes-sao-os-campos-luis-de-camoes/
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Obs:
A lingua portuguesa teve sua origem na região da Galícia na Península Ibérica.

As línguas galaico-portuguesas (também galego-portuguesas ou portugalegas) são uma subdivisão dentro das línguas ibero-ocidentais. Compreendem as línguas originadas na região ocidental da península Ibérica, que têm o protogalego-português (ou galego-português, simplesmente) como a protolíngua.

Pertencem a este grupo as seguintes línguas:
Galego
Galego da Estremadura
Galego de Asturias
Judeu-português
Português

https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguas_galaico-portuguesas

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O Cinema de Kore-Eda e seus adoráveis personagens imperfeitos

Kore-Eda e seus adoráveis personagens imperfeitos. Mal começou a Mostra e já tem gente dizendo que dificilmente aparecerá filme tão bom quanto Depois da Tempestade, do grande diretor japonês. Calma, vem muita coisa por aí. Mas a verdade é que é difícil ficar indiferente a este Ryota (Abe Hiroshi), protagonista do novo filme de Hirokazu Kore-Eda.

Ryota é um escritor e chegou a publicar um romance de sucesso. Como as letras não lhe garantem subsistência, exerce o ofício de detetive particular. Pratica atividades sórdidas, como vigiar esposas infiéis e fornecer provas aos maridos traídos por ocasião dos divórcios. Ryota está separado de uma mulher adorável e tem um filho, que vê de vez em quando. Ryota também tem uma mãe idosa, que se preocupa, com certa dose de razão, com o futuro do filho. Ryota bebe e é viciado no jogo. Nada tem de exemplar. Nem tampouco de criminoso. É um homem com defeitos.

Eis aí um pequeno drama familiar, sem nada de ostensivo nem espetacular. Ele culmina quando a família desfeita se reúne na casa da matriarca para um almoço e lá passa a noite por causa de uma tormenta. O “Depois da Tempestade” do título alude ao tornado que se abate sobre a costa japonesa, produzindo destruição mas, neste caso particular, simplesmente reunindo durante uma única noite uma família que estava separada.

É um tanto difícil descrever um filme de Kore-Eda a partir da trama. Contam mais os pequenos gestos, as cenas mínimas do que um enredo. As palavras, aqui, são simplicidade e despojamento. Quem já experimentou a arte, seja fazendo-a seja fruindo-a, sabe que é muito díficil, e exige muito trabalho, atingir o simples. Fazer complicado é fácil, porque apenas reproduz as dificuldades da vida.


Pai e filho. Ryota é um escritor que tem dificuldade para pagar a pensão do garoto
O grande artista que opta pela simplicidade consegue depurar sua arte, reduzindo seu projeto a elementos mínimos, sem, no entanto, aplainar as contradições e complexidades próprias da experiência humana. O complicado está no simples, mas isso é para poucos. É para quem consegue reduzir uma figura humana a poucos traços, sem por isso aviltá-la.

Outro tipo de cineasta poderia impor grandes traços descritivos para apresentar a fascinante mãe de Ryota. Kore-Eda apenas a mostra em seu cotidiano, na maneira minuciosa como cozinha, rega as plantas do terraço, fala de suas recordações, conta como frequenta as aulas de música clássica, etc. Um cotidiano de idosa, jamais empobrecido por eufemismos do tipo “melhor idade” etc. Há nesses gestos uma profunda meditação sobre a vida, a morte, o sentido da existência (ou sua falta de sentido, se preferirem), o que sobra no presente das nossas lembranças no passado, etc.

Tudo isso colocando a velhice e a finitude humana em confronto com uma jovem família, talvez desfeita, talvez não, mas que tem, como se diz, a vida diante de si. Ryota é esse personagem da dúvida, da hesitação, que flerta um pouco com o caos, ao contrário da ex-esposa adorável, de gestos serenos, com os cabelos arrumados, sem um fio fora do lugar.

Nesse tipo de cinema tudo significa, pois o espectador intui que o casamento se desfez porque a esposa muito centrada não combinava com o caráter errático de Ryota. No entanto, como dizia Drummond, de tudo sobra um pouco. De um grande amor, sobra talvez muita coisa, mas isso ficará por conta do espectador especular.

Esse filme gentil e profundo ao mesmo tempo é também construído com leveza e humor. Em sua linguagem cinematográfica, Kore-Eda espelha esse despojamento de que fala a história. Não há plano ou movimento de câmera que seja excessivo ou ostentatório. Tudo está lá para dizer o máximo com o mínimo de recursos.

Grande arte, que se disfarça de pequena.

Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,em-depois-da-tempestade-hirokazu-kore-eda-opta-pela-simplicidade,10000084123
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Hirokazu Kore-eda: ‘They compare me to Ozu. But I’m more like Ken Loach’

The Japanese auteur talks about his Cannes-competition drama Our Little Sister, absences in families, and his TV-movie and fast-food childhood

Hirokazu Kore-eda.
 ‘When something is missing in a family, we always try to take over’ … Hirokazu Kore-eda. Photograph: Juan Naharro Gimenez/Getty Images
When I meet the Japanese auteur Hirokazu Kore–eda, it is in a shady and pleasant Cannes garden, where he sits next to his interpreter, through whom questions and answers must be channelled: a set-up that creates an unmistakably courtly atmosphere of reverence – not inappropriate.
We meet after the premiere of his latest film, Our Little Sister. It is a drama of sweetness and delicacy derived from the manga Umimachi Diary by Akimi Yoshida, about three adult sisters who have lived together in a house belonging to their grandmother after their parents’ divorce, and who agree to take responsibility for their 13-year-old half-sister after their father’s death.
This is another of the heartfelt, painful “family dramas” in which Kore-eda now seems to specialise – such as the baby-swap film Like Father, Like Son (2013), I Wish (2011), in which two young siblings live apart after their parents’ marital breakdown, Still Walking (2008), in which a family is tormented by the loss of a son killed saving another boy from drowning and, indeed, Nobody Knows (2004), in which a 12-year-old kid has to look after his younger siblings when their mother walks out. The pathos and poignancy has led Kore-eda to be compared to the great master Yasujiro Ozu. I have loved Kore-eda’s work since I saw his strange cult movie After Life (1998), about an imaginary place in which we can choose our happiest memory, and live in it for ever after we die.
I ask Kore-eda about the importance of absences in families: the painful gaps. “I loved making a story about this,” he replies. “It is important to have a story about a family with some family members missing. But someone else is there, trying to take over the role of parents. They try to reconstruct that family bond. I love that sort of story. It affects me a lot.”
He goes on to explain that creating and filling gaps is what families are all about: “In the last 15 years, I lost my father, I lost my mother and I have a daughter. I have become a father. So I have realised that we always try to get ‘in between’. Something is missing, so we always try to take over. From the older generation to the next generation.”
Our Little Sister
 Delicate drama … Our Little Sister
I ask about his own family, and his siblings – two older sisters growing up in 60s and 70s Tokyo. Did his parents like cinema? Kore-eda’s eyes light up. “My mother loved films! She adored Ingrid Bergman, Joan Fontaine, Vivien Leigh. We couldn’t afford to go together to the cinema, but she was always watching their movies on TV. She stopped all family business or discussions to watch these movies. We would watch together. So I adored film – like her.”
I ventured to say that his mother must have been delighted when he told her that he wanted to be a movie director. At this idea, Kore-eda laughs and shakes his head. “No. My mother was really against it when I said I wanted to make films. She said that I should be a civil servant. Because that was safe, and it had security. But my mother was always very proud of my movies, and would give videocassettes of them to all the neighbours.”
And how about his father, I ask. Kore-eda’s smile is replaced with a sombre expression. “My father did not have a lot of security in his life. He did odd jobs. He had a real struggle to make money. He lost a lot of time in his 20s, after the war, because he was sent to a forced-labour camp in Siberia.” Kore-eda’s father was a soldier in the Kwantung army in the Japanese puppet state of Manchuria, defeated by Soviet forces in August 1945, a catastrophe for Japan that, almost as much as Hiroshima, hastened the surrender. Despite this formal capitulation, the Soviets treated captured troops as PoWs rather than civilian internees: Kore-eda Sr was one of approximately 500,000 men sent to labour camps. About a tenth of them died out there, and they were not all finally released until the early 1950s. “When he was drunk,” says Kore-eda quietly, “he would always tell us how horrible the Russians were.”
I ask how he reacts to being compared to Yasujiro Ozu. “I of course take it as a compliment,” he replies carefully. “I try to say thank you. But I think that my work is more like Mikio Naruse [the Japanese director of sombre working-class dramas] – and Ken Loach.”
I can’t resist asking about After Life, and how perplexingly difficult I found it to think of a truly “heavenly” memory in which I might want to spend eternity. Kore-eda smiles and shakes his head a little: “If you can’t choose, it means that you are still alive. Choose, and you’re dead.”
I mention that my favourite line in his works is said by the amiable slacker dad in I Wish: “Not everything has to be significant. Imagine if everything had meaning. You would choke!” It’s a sublime aesthetic credo. Is he aware of attaching significance to detail in his films?
“Details are important in a very small and subtle way,” he says. “In Our Little Sister, food is important: for example, when the women speak about the plum wine and the white fish.”
What food did his mother serve Kore-eda and his sisters? “We used to have prawn tempura: that was my mother’s favourite dish. But she had to go out to work, instead of my father, so she couldn’t find the time to cook nice meals. So we ate more modern food: a lot of frozen and instant food. But I never complained about it to my mother.” It occurs to me that Kore-eda is painting a picture of his home life that is rather different from the formal Ozu-esque poise of his films: the Kore-edas sitting on the couch, eating a ready meal, watching a Joan Fontaine movie on TV.
But, as Kore-eda says when talking about the incidental details in films, you always have to focus what lies beneath: “What are the characters really talking about?” he says. “Not wine or food … but family.”

Fonte: https://www.theguardian.com/film/2015/may/21/hirokazu-kore-director-our-little-sister-interview


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Hirokazu Koreeda is a master of cinema. One of Japan’s foremost auteurs, Koreeda is not interested in creating heroes to star in melodramatic blockbusters. Instead, he excels at capturing the lyrical and poetic elements in everyday life. Often praised for his humanist approach to cinema, Koreeda is consistently willing to provide a platform for traumatized characters, to whom the audience can relate. Here are ten Koreeda movies every film lover should see.

August Without Him (1994)

After studying Literature at Waseda University in Tokyo, Koreeda embarked on a career making documentaries for Japanese television. His background, therefore, has hugely shaped his approach to film-making. Most of Koreeda’s fictional films are rooted in true stories and personal experiences. The acting is always naturalistic, while his films are paced slowly to allow him to explore the characters’ psyche in greater detail and lucidity. The focal point of this documentary is Hirata Yukata, notable for being the first man in Japan to come out as HIV-positive. As an aspiring filmmaker, it was documentaries like August Without Him that made Koreeda realize how inauthentic his scripts were. So the medium of documentary had a profound effect on how Koreeda would later depict characters in film.

Maborosi (1995)

Maborosi is Koreeda’s first dramatic feature film, a visual lyrical poem and a contemplative reflection on loss. The central character Yumiko, is haunted by the death of her grandmother as revealed in a dream sequence at the beginning of the film. Nevertheless, she appears to be living a blissful life with her husband Ikuo. One day this is all brought to a halt by a knock on the door. The police reveal that Ikuo has committed suicide by walking on the tracks towards a moving train. So the focus of Maborosi is Yumiko’s grieving process, as she tries to fathom what caused this inexplicable suicide.
There is hardly any dialogue in Maborosi, instead the audience are immersed into her world. Yumiko’s emotions are clearly hard for her to convey coherently to us. Consequently, it is left to the incredible cinematography to reflect her state of mind. Koreeda decides to use only natural light in the film, so the scenes are often dark. The long, lingering shots of the Japanese landscape makes the world look vast and empty. Furthermore, the constant sound effects during the film convey her futile attempts to find peace. Everything is dark. There is no silence. There is no escape. Maborosi is a serene and poignant work of art.

After Life (1998)

The recently deceased find themselves in purgatory, a realm that seems to resemble a bureaucratic office. Social workers command each dead person to select a memory to keep for eternity. Once chosen, the workers transform into filmmakers, as they go about condensing the memory into a short film. Although the premise is steeped in fantasy, the film itself exudes realism and pragmatism. There are no fancy special effects, instead After Life is shot like a documentary with Koreeda using a hand-held camera. The vast majority of the film consists of interviews, whereby people with no prior acting experience were invited by Koreeda to reminisce about their own lives in front of a camera. It is an intelligent and moving film, compelling the audience to venture into their own bank of memories.

Distance (2001)

Distance, nominated for the Golden Palm award at the 2001 Cannes Film Festival, focuses on the aftermath of a massacre by an apocalyptic religious cult. On the 3rd anniversary of the tragedy, four friends convene at a lake where the ashes of their loved ones are scattered. It is here where they encounter the sole survivor of the cult, who absconded just before the massacre. He gives them a tour round the religious sect’s headquarters and the characters are forced to confront their overwhelming feeling of loss as well as shame. Distance is interspersed with recollections, flashbacks and long, unbroken shots instilling a meditative tone to the proceedings. Ultimately, the film poses the question: can the characters put a distance between themselves and their loved one’s incomprehensible act of violence?

Nobody Knows (2004)

Nobody Knows is about a four young siblings muddling through their adolescence after their single mother abruptly leaves without any warning. Based on a true story, the children are forced to fend for themselves in their cramped Tokyo apartment. It is rare in cinema in general to see a film that portrays a child’s view of the adult world with such aplomb as Koreeda does here. It is heartbreaking gritty realism, with the unobtrusive camera work allowing the story to unfold. Nobody Knows slowly and tenderly paints a devastating portrait of the children’s lives blighted by parental neglect. Koreeda’s intense and empathetic portrayal led to the main actor Yûya Yagira winning the best actor at 2004 Cannes Film Festival – at the age of 14.

Hana (2006)

A slight divergence by Koreeda here as Hana is a period drama about a young samurai in 18th century Japan. However, in typical Koreeda fashion, this is an offbeat samurai film that shuns many of the traditional elements associated with the genre. For example, there is hardly any sword fighting at all in Hana. The main character, Aoki Sozaemon, is not a stereotypical samurai. He is an amiable but meek warrior trying his best to avenge the murder of his father. However, he is not bloodthirsty and struggles with his reluctance to carry out his mission. Koreeda humanizes the samurai, as Sozaemon starts to question his true essence. Koreeda deserves great credit for his originality, making a fresh contribution to what is a well-worn genre.

Still Walking (2008)

‘Still walking, on and on. But I only sway like a little boat’.
The title of the film is lifted from the lyrics of a romantic song called Blue Light Yokohama. The lyrics, heard in the film, takes on an extra poetic meaning in the context of this tragicomedy. The audience are introduced to the Yokoyama family, who come together every year to commemorate the death of the elder son Junpei. He drowned in the sea while saving a boy over a decade ago. There is no melodrama nor hysteria in the film. Instead, it is an understated and yet touching depiction of a family shaped by a tragic event. The naturalistic performances are compelling, with every action and every line utilized to revealing the inner psyche of the characters. Hirokazu has commented on how the film – a direct response to the death of his mother – was an important stepping stone in his career. This is because he was struck by the realization that deeply personal films can actually be extremely resonant. Indeed, there is no measured sense of objectivity in this film. Its sentimental attributes help everyone relate to Still Walking.

Air Doll (2009)

Air Doll is based on the manga series Kuuki Ningyo by Yoshiie Gōda. In the film, a sex toy called Nozomi, played by Bae Doona, somehow magically comes to life. She seeks to immerse herself in new experiences, while trying to make sense of this peculiar world. Nozomi enjoys the sensation of the rain, marvels at babies and gets a job at a video store. Here she forms a relationship with co-worker Junichi. This premise is ripe for exploration on many themes such as alienation, loneliness and feminism – executed with a deft touch by master Koreeda.

I Wish (2011)

Hirokazu manages to expertly capture the essence of childhood in this charming film. Starring real life brothers, Koki and Oshiro Maeda, the two protagonists are geographically separated because of their belligerent parents. The brothers latch onto this idea that if present at the moment when two bullet trains pass each other – at very high speed – then they will be able to have their wishes granted. The brothers take refuge in this miracle, sweetly believing this will save their parent’s marriage. Thematically, the film reflects on childhood dreams and revels in their innate wide-eyed innocence. Ultimately I Wish becomes a pre-teen adventure, as the brothers embark on a pastoral journey with their friends to uncover this miracle.

Like Father, Like Son (2013)

Ryota, an affluent father, has been bringing up Keita very strictly with his wife for six years. Yet they receive incomprehensible news that Keita is not their biological son. He was accidentally mixed up with Ryusei at birth and given to the wrong parents. Consequently, two families from different social classes are forced to come together and make some difficult choices. Koreeda was influenced by his own experience of fatherhood, observing his initial lack of a strong emotional bond with his daughter when she was born. There are many interesting themes in this acclaimed film, such as the nature versus nurture argument, as the two families ponder over whether they should switch the children back. Furthermore, the film provides an intriguing commentary on Japan’s changing attitudes towards fatherhood. For example, Ryota, a detached workaholic, embodies old-fashioned conservative Japan whereby the father’s main role was to solely provide for their family. This is in contrast to the other father, Yudai, who is deeply involved in Ryusei’s life.