terça-feira, 6 de maio de 2014

O Abismo entre os Corpos - Bataille

Há dois corpos. Um homem e uma mulher. Eles se encontram em um bar, eles se fotografam com os olhos, eles ainda estão vestidos. O homem é um corpo. A mulher é outro corpo. Eles se apaixonaram, eles viverão juntos até que a morte os separe.Corta.

Não, não é assim. A morte não irá separá-los. A morte irá colocar fim à descontinuidade entre esses dois seres que se sorriram no bar, sem instaurar qualquer tipo de continuidade ou de suspensão do abismo que os separa. Então…
Então que há o erotismo dos corpos, que é quando os humanos se “cansam de ser a cabeça e a razão do universo” e, transgredindo o interdito, o impossível, fazem do abismo uma possibilidade precária de encontro dos seres, precária porque tal encontro não destruirá a descontinuidade, seus corpos não serão dissolvidos um no outro. Do que Bataille está falando?

Esse homem e essa mulher são, cada um, estruturas fechadas, corpos fechados. Eles se apaixonam e, então, querem violar o corpo um do outro, abri-lo. Tiram a roupa, eis a primeira violação, a violência erótica se põe em jogo com a liberação das aberturas e aperturas dos corpos. O ato decisivo é o de tirar a roupa, ele promove o obsceno, a transgressão do impossível que promoverá o encontro – ainda que precário.

Digamos que a roupa é o biombo móvel que se porta a fim de interditar a encenação visível das regiões secretas do corpo, seus buracos e aclives obscenos, impossíveis ou inaceitáveis no proskénion “das formas de vida social regulares, que fundam a ordem descontínua das individualidades definidas que somos”, isoladas umas das outras por um abismo.

Suspenso o biombo das roupas, dois corpos se invadem, primeiro por intermédio dos olhos, depois utilizando o resto do corpo, ou melhor, o corpo inteiro: “A nudez se opõe ao estado fechado, ou seja, ao estado da existência descontínua”. A nudez é, portanto, a realização relativa da destruição dos contornos do ser, ou, dizendo de outro modo, a realização parcial da impossível continuidade entre um ser e outro, pois a total continuidade equivaleria à destruição dos seres envolvidos na cena erótica.

Assim, a nudez faz com que os corpos se abram “à continuidade através dos canais secretos que nos dão o sentimento de obscenidade”. A obscenidade equivale ao erotismo que perturba e desordena a “posse da individualidade duradoura e afirmada”. O império da descontinuidade, da solidão abismal que separa um indivíduo do outro, é abalado pelo movimento erótico.

Chegamos, então, ao grande paradoxo do espírito humano: sofremos a solidão abismal da descontinuidade implicada no fato de sermos vivos, no entanto, ansiamos a imortalidade, equivalente da prorrogação infinita dessa mesma descontinuidade que nos angustia e nos abisma.

http://revistacult.uol.com.br/home/2013/09/bataille-o-pensador/

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