terça-feira, 20 de novembro de 2012

Tendências da pesquisa em Educação Ambiental


Feb 17, '12 12:15 AM
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Tendências da pesquisa em Educação Ambiental

 


Educação em Revista


Print version ISSN 0102-4698

Educ. rev. vol.25 no.3 Belo Horizonte Dec. 2009


Clarice Sumi KawasakiI; Luiz Marcelo de CarvalhoII

IDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP); Professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP). E-mail:sumi@ffclrp.usp.br

IIDoutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor de Prática de Ensino em CIências e Prática de Ensino em Biologia da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP). E-mail:luiz.marcelo@pq.cnpq.br




Ao recebermos o honroso convite para coordenarmos a edição deste dossiê sobre Educação Ambiental (EA), nossas primeiras indagações voltavam-se para o perfil que buscaríamos dar a esse dossiê temático da conceituada Educação em Revista. Que questões significativas para o campo da pesquisa em Educação Ambiental poderiam nos orientar nas chamadas para artigos, na orientação e na estruturação dos textos? Que questões poderiam ser consideradas relevantes e que poderiam ser levantadas, propostas e exploradas sobre Educação Ambiental, neste final de ano, que anuncia, também, o final da primeira década do século XXI? O que um dossiê sobre Educação Ambiental tem a nos dizer no momento em que comemoramos os 20 anos da queda do Muro de Berlim?

Iniciamos nosso trabalho a partir de algumas constatações sobre o campo da pesquisa em Educação Ambiental. O crescimento numérico das pesquisas em EA, no Brasil, não é mais novidade no cenário da produção científica do país. Trabalhos recentes, divulgados em eventos científicos e periódicos, em especial as áreas da educação e do ensino de ciências, têm apontado este crescimento. Nas Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd, a presença de relatos de pesquisa em EA em diferentes GTs foi tão significativa que acabou se traduzindo na criação de um GT (Grupo de Trabalho) específico de EA, em 2005. Em eventos científicos de ensino de ciências, como nos Encontros Nacionais de Pesquisa em Educação em Ciências - ENPEC, criado em 1997, verificou-se um fenômeno similar que culminou na criação de uma área temática específica denominada "Educação Ambiental e Ensino de Ciências". Neste evento, observou-se o crescimento no número de trabalhos em EA do primeiro ao quinto evento, de 1,44% para 8,66%, havendo decréscimo no sexto evento, que passou para 4,69%, que é um percentual ainda expressivo. A diminuição de trabalhos nesse período coincide com o período em que eventos científicos específicos em EA surgiram no cenário acadêmico (KAWASAKI et al., 2009)1. De fato, o aparecimento de eventos e periódicos específicos da área de EA é, também, forte indício desse crescimento. Os Encontros de Pesquisa em Educação Ambiental - EPEA, a partir de 2001, marcam um momento importante no país, pois congregam pesquisadores dessa área, em eventos bienais. Tais encontros conduziram à criação de um periódico específico na área, a revista Pesquisa em Educação Ambiental, que foi lançada em 2006. A presença constante e crescente de artigos de pesquisa em EA em diferentes periódicos de educação e de ensino de ciências é uma realidade com a qual os editores desses periódicos já aprenderam a conviver. Este dossiê de Educação em Revista é, sem dúvida, uma resposta a essa demanda.

Mais do que o aumento qualitativo dessas pesquisas, há que se destacar a amplitude e a abrangência dessa área de investigação, observável na diversificação de temáticas, linhas de pesquisa, áreas do conhecimento, sujeitos envolvidos, abordagens teóricas e metodológicas e contextos educacionais que, cada vez mais, ampliam-se e ocupam novos espaços sociais e educacionais. São essa realidade e essa condição da pesquisa em EA que nos colocam, nos dias de hoje, frente aos desafios da qualidade dessa produção.

Para compreender as características das pesquisas em EA, é importante situá-la enquanto área de confluência entre o campo ambiental e o campo educativo e, a partir dessa perspectiva, procurar compreender as implicações de cada um desses campos na constituição dessa área inter-disciplinar. A EA, na experiência brasileira, não nasceu no campo educativo, mas parece ser um fenômeno cuja gênese e cujo desenvolvimento estariam mais ligados aos movimentos ecológicos e ao debate ambientalista (CARVALHO, 2001)2. Do campo ambiental, a EA, em sua fase inicial no Brasil, herdou o caráter predominantemente conservacionista ou naturalista de seus movimentos, a presença de práticas educativas desenvolvidas em Unidades de Conservação, a sujeitos de formação, origem e atuação social variados e, sobretudo, a uma postura política, marcada pela forte militância na área ambiental, própria desses movimentos e práticas sociais. Nesse contexto, esteve sempre presente entre nós uma expectativa de que essas práticas pudessem se não resolver, pelo menos minimizar os problemas ambientais, evidenciando o caráter marcadamente instrumental, a visão pragmática e imediatista das práticas educativas, o que revela certa ingenuidade no enfrentamento da complexa temática ambiental e a visão definitivamente caracterizada como de "ilusão ou otimismo pedagógico".

Felizmente, embora de forma gradual e a partir de grandes esforços ainda hoje necessários, novas compreensões e concepções de EA que incorporam novas perspectivas estão aos poucos ganhando espaços, em diferentes ambientes educativos. A constatação quanto à complexidade da temática socioambiental e quanto ao caráter processual da educação tem ajudado a reverter esse quadro de "entusiasmo exagerado pela educação ambiental". Entretanto, é preciso sempre ter em conta que foram as práticas educativas de caráter conservacionista e instrumental que marcaram nossas práticas primeiras de EA, tanto no contexto escolar quanto fora dele.

No caso do contexto escolar, é importante também lembrarmos que a entrada da temática ambiental no currículo não foi resultado de um processo de integração das diferentes disciplinas, mas da responsabilização de algumas disciplinas, sendo que Ciências e Biologia e, em menor medida, Geografia foram vistas como um caminho preferencial pela escola. Essa identificação pode ser compreendida, pelo menos em parte, porque a Ecologia e a Geografia vinham, de certa forma, chamando a atenção para as inter-relações entre seres humanos e natureza. Além disso, a área das ciências da natureza sempre teve sob sua responsabilidade trabalhar com os alunos conceitos relacionados aos meios biofísicos (TRIVELATO, 2001)3. No entanto, quando olhamos para os resultados de muitas pesquisas que analisam essas práticas, fica marcado o caráter conservacionista e naturalista das abordagens realizadas por meio de disciplinas, principalmente Biologia e Ecologia. Sem dúvida, a ênfase na abordagem naturalista, que muitos discursos e práticas mais diretamente vinculados às áreas das ciências naturais ainda hoje reforçam, foi a que deixou marcas mais profundas nas práticas da EA escolar. O caráter instrumental das práticas educativas, um legado do campo ambiental, associado às tendências pedagógicas tradicionais dentro da escola, tomou a forma de uma EA de caráter normativo, resumindo-se a um conjunto de regras daquilo que se deveria ou não fazer em relação ao meio ambiente. De qualquer modo, de um jeito ou de outro, a forte presença de práticas educativas sempre consideradas "inovadoras", tanto nos espaços educacionais formais quanto em espaços informais e não-formais, é uma marca da área de EA no Brasil.

Certamente, a história e a herança dessas primeiras tendências, em relação às práticas de EA, seja relacionada ao contexto escolar seja fora dele, viriam a se refletir na produção da pesquisa dessa área. A disseminação e a proliferação de trabalhos sobre essas práticas educativas, na forma de relatos de experiências pedagógicas e avaliação de programas e projetos em diferentes contextos educacionais, nas pesquisas em EA, é um dado que pode ser verificado em várias pesquisas.

Carvalho, L.M. e outros (2009)4, ao analisarem a produção da pesquisa em EA nos "Encontros de Pesquisa em Educação Ambiental", verificam que a maioria dos trabalhos encontra-se na categoria de relatos de pesquisas empíricas, sendo estes relacionados às práticas educacionais dentro e fora do contexto escolar. Trabalhos relacionados ao contexto escolar são predominantes em relação aos não-escolares, mas, tanto em um contexto quanto em outro, as práticas educativas e os projetos e programas são as temáticas predominantes. Resultados de pesquisa sobre a contribuição da EA em eventos científicos da área de ensino de ciências, nos ENPEC, mostram-nos o predomínio de trabalhos que se referem a contextos escolares em relação a trabalhos referentes a contextos não-escolares, corroborando a tendência apontada na pesquisa anterior. Foi nesse cenário que as pesquisas de natureza empírica foram privilegiadas, já que estas respondiam mais adequadamente às experiências concretas que os diferentes atores vivenciavam nessas práticas educativas em EA. Entretanto, observou-se que muitas dessas pesquisas de natureza empírica relacionavam-se a relatos de experiências pedagógicas, sendo estes, em grande parte, descrições simples de situações e práticas educacionais, sem qualquer análise sistematizada e crítica, ou seja, sem a dimensão da pesquisa. Identifica-se aqui a dificuldade em desenvolver pesquisas em EA a partir de práticas educativas, já que tais trabalhos não conseguem superar a condição de um simples relato da experiência concreta para realizar reflexões mais aprofundadas e teorizações sobre essa experiência, aumentando o fosso existente entre a teoria e a prática nesse contexto de pesquisa.

Analisando essas pesquisas em EA sob outro prisma, verifica-se que elas refletem as características das áreas em que se realizam, herdando suas formas de organização do conhecimento, principalmente na escolha das linhas de pesquisa, das temáticas e de grande parte de suas abordagens teórico-metodológicas. Em reuniões da ANPEd anteriores a 2003, quando ainda não havia um GT específico em EA, foram identificados trabalhos de EA em praticamente todos os grupos de trabalho, revelando grande variedade em relação às diferentes linhas de pesquisa em educação. Após 2003, quando foi criado o GE em EA, e a partir de 2005, quando ele se transformou em GT, tais relatos migraram para esse grupo de trabalho, mas mantiveram a mesma característica mencionada. Em encontros científicos da área de ensino em ciências naturais, os ENPEC, apesar de revelarem comportamento similar aos trabalhos da ANPEd, pois a área de ensino é um ramo da área educacional, os trabalhos em EA revelaram características outras, próprias da área de ensino de ciências. Observou-se, por exemplo, nas pesquisas apresentadas no ENPEC, a preocupação com temáticas diretamente vinculadas a Biologia e Ecologia, com abordagem marcadamente naturalista e conservacionista. Certamente, o recorte dado pelas áreas específicas do conhecimento traz o viés de cada uma delas para o campo da EA, mas é sobretudo essa diversidade com a qual convive a pesquisa na área que precisa ser compreendida a partir de seus potenciais (KAWASAKI et al., 2009)5. O que se pode depreender das análises dos trabalhos de EA apresentados no ENPEC é que essas pesquisas ainda se colocam como investigando práticas de educação ambiental que se caracterizam por abordagens vinculadas a componentes curriculares diversos, mas em perspectiva multi-disciplinar.

Passos em direção à superação desses impasses já podem ser percebidos, sobretudo em eventos e periódicos específicos da área da pesquisa em EA. Apesar de ainda haver a predominância de pesquisas relacionadas às práticas educativas e de natureza empírica nos EPEA e Reuniões da ANPEd, percebe-se um número crescente de pesquisas de natureza teórica, sobretudo aquelas relacionadas aos fundamentos teóricos e metodológicos da educação e da EA (CARVALHO, L. M. et al., 2009 e CARVALHO, I. C. M., 2009)6. O mesmo acontece com os artigos publicados nos cinco números (desde seu início, em 2006, até 2008) da Revista de Pesquisa em Educação Ambiental. Nessa revista, entre os artigos submetidos pelos autores, há oito de natureza teórica e oito de natureza empírica; e entre os artigos de autores convidados, há 21 de natureza teórica e onze de natureza empírica, demonstrando que mesmo entre os artigos de demanda espontânea esse crescimento vem se concretizando. Porém, esses dados numéricos devem ser aprofundados para que se possa aferir a qualidade dessas pesquisas.

Partindo desse quadro e dos dados já sistematizados sobre a pesquisa em EA no Brasil, além de motivados pelas discussões que vinham sendo propostas em outros espaços, como na organização do V EPEA - Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental7, consideramos oportuno tomar a questão relativa à pertinência de pensarmos em um campo da pesquisa em EA como orientadora para a estruturação deste dossiê. Assim, nossa decisão foi a de trabalharmos em duas frentes que consideramos complementares.

A primeira delas consistiu em um convite a alguns pesquisadores internacionais e nacionais que vêm se dedicando a analisar a produção da pesquisa em EA para colaborar com o dossiê, sistematizando, em um artigo, dados coletados e reflexões elaboradas sobre "pesquisa em Educação Ambiental". A outra frente foi a de solicitarmos àEducação em Revista que divulgasse o convite para o encaminhamento por demanda espontânea de artigos de pesquisa em EA, com o intuito de buscarmos, nesse conjunto de artigos, algumas indicações quanto a tendências que nos poderiam ser reveladas com esses relatos.

Apresentamos, assim, com grande prazer e expectativa quanto a sua repercussão junto à comunidade de educadores em EA, os artigos dos pesquisadores que aceitaram o convite para escrever sobre tendências e perspectivas da pesquisa em Educação Ambiental.

Assim, os quatro primeiros artigos apresentados oferecem algumas respostas a questões sobre tendências e perspectivas para a pesquisa em EA a partir da experiência de países do continente americano. O primeiro artigo, que nos foi gentilmente encaminhado por Paul Hart (University of Regina, Canadá), expõe um quadro instigante sobre a pesquisa em EA no Canadá e levanta questões sobre as quais os pesquisadores brasileiros encontram-se, em nossa avaliação, em condições de estabelecer um diálogo profícuo e de aprendizado mútuo entre os países dos eixos sul e norte deste continente.

Edgar González-Gaudiano, em pareceria com Leonir Lorenzetti, responderam prontamente ao nosso convite e nos oferecem um retrato bastante amplo da pesquisa em EA em países da América Latina, revelando um quadro marcado por grande diferença em relação ao desenvolvimento das pesquisas na área, no qual se destacam México e Brasil. No entanto, os autores apontam para algumas possibilidades de trabalho em outros países e, sem dúvida, para a necessidade de maior intercâmbio de nossas experiências e de colaboração mútua entre os pesquisadores de diferentes países.

Além desses dois artigos, que mostram um panorama do continente americano sobre a pesquisa em EA, responderam muito positivamente ao nosso convite as professoras da Universidade Brasília Claudia Pato, Laís Mourão Sá e Vera Lessa Catalão, que se dispuseram a sistematizar o trabalho encomendado em 2008 pelo GT 22 de Educação Ambiental, no qual o grupo faz uma análise das pesquisas apresentadas no GE e, depois, no GT 22, no período de 2003 a 2007, quando das Reuniões Anuais da ANPEd. Com o mesmo entusiasmo, tivemos a resposta ao convite encaminhado a Juliana Rink e Jorge Megid. A partir da dissertação de mestrado de Juliana Rink, que analisa os trabalhos de pesquisa publicados nos Anais dos Encontros de Pesquisa em Educação Ambiental (EPEA), realizados no período de 2001 a 2007 (quatro primeiros encontros), o texto, elaborado em parceria, reforça alguns resultados enfatizados no artigo que analisa os trabalhos apresentados na ANPEd e levanta algumas questões quanto aos limites e à possibilidade de um evento como o EPEA, em termos de representatividade da pesquisa na área em nosso país.

Outro conjunto de sete artigos que compõem este dossiê foram espontaneamente encaminhados por pesquisadores(as) de várias regiões do país, como resposta ao convite de Educação em Revista. É interessante observar que, quando analisados em seu conjunto, esses trabalhos guardam algumas características que, se puderem ser tomadas como indícios de novas tendências, estariam sinalizando possíveis mudanças no recente cenário da pesquisa em EA no Brasil. Tais características, que já vinham sendo observadas em pesquisas desenvolvidas e divulgadas em eventos e periódicos específicos da área de EA, apontam para um quadro um pouco diferente do que aquele mostrado em alguns estudos sobre as tendências da pesquisa em EA no Brasil, principalmente quando esse quadro refere-se ao período anterior a 2004. Vejamos.

Os quatro primeiros artigos deste dossiê dedicam-se a revisitar, articular e reconstruir teorias, conceitos, quadros de referência, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos. Tais pesquisas não implicam imediatamente a intervenção da realidade, mas possuem papel decisivo na criação de condições para essa intervenção.

O primeiro deles, "Individuação, percepção, ambiente: Merleau-Ponty e Gilbert Simondon", discute conceitos e ideias complexas, específicas do campo da filosofia, particularmente da fenomenologia, fazendo uma reflexão sobre as ideias desses dois importantes filósofos franceses contemporâneos para o campo da EA, em especial para as pesquisas em percepção ambiental. Parte-se da premissa de que estudos sobre percepção ambiental, desenvolvidos no campo da EA, têm buscado superar discursos que reproduzem posturas cientificistas e tecno-desenvolvimentistas, próprias da modernidade clássica. A partir dessas composições teóricas, são criados outros espaços de reflexão para as pesquisas em percepção ambiental, suscitando novas abordagens para esses estudos e inspirando novas possibilidades no domínio da EA.

Na sequência da apresentação, o artigo "Horizontes de diálogos em Educação Ambiental: a unidade Homem-Natureza", constitui-se em um ensaio teórico que aponta um ineditismo ao articular os pensamentos de três teóricos de campos distintos (Geografia, Filosofia e Educação), mas que se conectam com a EA. Propõe um diálogo interdisciplinar entre os pensamentos político e pedagógico de Milton Santos, Jean-Jacques Rousseau e Paulo Freire, para fazer uma análise crítica da sociedade atual e propor uma nova perspectiva de análise para a EA; perspectiva esta que busca superar os dualismos enraizados culturalmente, passando de uma formulação natureza-ser humano para sociedade-meio geográfico. Afirma-se que esta é uma tarefa que cabe ao processo educativo, seja escolar, familiar, formal ou não-formal, sugerindo uma educação socioambiental.

O terceiro artigo desta série, "A questão ambiental e o papel da educação: um estudo fundado na ontologia marxiana", é uma reflexão sobre a questão ambiental e sua inserção no âmbito da educação e da EA, no quadro da perspectiva da ontologia marxiana. A partir da avaliação dos paradigmas e políticas educacionais de um projeto educacional, oferece elementos críticos para o tratamento conferido de forma dominante à questão da crise ambiental e seus desdobramentos na educação para o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, apresenta, em linhas gerais, o que de mais recorrente se encontra sobre a problemática ecológica, revisitando acontecimentos expressivos da agenda ambientalista e pontuando, nesse contexto, o papel atribuído à educação. Traz contribuições significativas para a área da pesquisa em EA, à medida que oferece, de modo mais sistemático, elementos introdutórios a uma crítica marxista sobre o tratamento vigente atribuído à sustentabilidade ambiental e seus desdobramentos na educação.

Na busca de uma articulação entre epistemologia e política implícita nas práticas pedagógicas, o texto"Educação, meio ambiente e cultura: alquimias do conhecimento na sociedade de controle" procura respostas com base em dois grandes eixos: um em torno da disciplina corporal ligado mais particularmente às exigências do processo de industrialização; outro em torno da autonomia do sujeito ligado à formação dos Estados Nacionais. A noção dealquimia, proposta por Popkewitz, é retomada para compreender como as práticas pedagógicas traduzem saberes disciplinares em conteúdos psicológicos que são inseparáveis de contextos políticos mais amplos; esse aspecto confere à pedagogia uma dimensão estratégica que deve ser levada em conta na análise dos investimentos pedagógicos no presente. Considerando as características que atravessam as práticas sociais de nossos dias, a intervenção de tipo ambiental (Foucault) e a lógica do controle (Deleuze), Educação, Meio Ambiente e Cultura são abordados como domínios de objetos sobre os quais atua o investimento pedagógico hoje.

Em relação aos quinto e ao sexto artigos desse conjunto do dossiê, apesar de serem pesquisas de natureza teórica, possuem vínculos diretos com as práticas educativas, pois buscam analisar criticamente dois tipos de experiências pedagógicas utilizadas com frequência nas práticas de EA: as trilhas interpretativas e a arte-educação, mais especificamente, o teatro. O quinto artigo, "Educação ambiental: tecendo trilhas, escriturando territórios", traz uma abordagem crítica a um instrumento bastante utilizado nas práticas em EA, a trilha interpretativa. Essa prática é desconstruída ao longo do trabalho, a partir dos pressupostos do campo dos estudos culturais, que se preocupam, destacadamente, com os modos como a natureza é culturalmente construída em diferentes instâncias. A partir desse campo, o trabalho discorre sobre as leituras da natureza que estariam sendo construídas em duas experiências de trilhas interpretativas, analisando as práticas e os discursos envolvidos, desde o planejamento até a implantação e o desenvolvimento nos espaços educativos. As perspectivas diferentes e, até mesmo, antagônicas encontradas nessas duas experiências mostram quão divergentes e variados podem ser os caminhos pelos quais as práticas em Educação Ambiental podem ser conduzidas.

O sexto artigo, "A arte do encontro: a educação estética ambiental atuando como o teatro do oprimido", propõe a superação de um modelo de educação engessado, pautado na lógica da racionalidade técnico-científica que permeia toda a sociedade, a partir de um posicionamento ético da EA que busque novas formas de relacionamento entre ser humano e natureza. Para tanto, propõe a educação estética ambiental, que tem o desafio de provocar o reencontro do ser humano com as dimensões sensível, afetiva e poética que o compõem. Nessa busca, apropria-se do campo da arte, mais especificamente do teatro do oprimido, para possibilitar vivências que despertem essas dimensões. Conclui-se que as ações de educação estética ambiental, desenvolvidas conjuntamente com jogos, exercícios e construções do teatro do oprimido, permitem contextualizar e materializar as discussões sobre os limites da educação vigente, especialmente as relacionadas às limitações impostas à criação de novas subjetividades e ao engessamento dos modos de viver dos sujeitos.

Fechando o dossiê, o último artigo, "Educação Ambiental no ensino formal: narrativas de professores sobre suas experiências e perspectivas", o único de natureza empírica, parte de dados sobre perspectivas e experiências de professores para pensar a EA em contexto escolar. A partir do resgate e da sistematização das práticas (bem-sucedidas) dos professores que trabalham a EA, de suas experiências (inclusive as saídas de campo e estudos do meio) e de suas perspectivas com relação a esse contexto, busca-se construir um repertório de conhecimentos sobre a EA formal. O trabalho sinaliza a importância desse conhecimento para a formação desses profissionais e para a pesquisa em Educação Ambiental. Acredita-se que a tomada de consciência, pelo professor, da importância de seu papel como implementador da EA no ambiente escolar pode não só potencializar o estabelecimento dessas práticas, como também colaborar para o estabelecimento de uma identidade profissional docente.

São inúmeras as questões que poderíamos levantar a partir da leitura desses dois conjuntos de textos com abordagens temáticas, teóricas e metodológicas tão diversas e instigantes como as que se apresentam. São muitas e diversas não apenas em termos numéricos, mas também quando consideramos a natureza das possíveis questões.

Não se trata aqui de nos adiantarmos e investirmos em uma tarefa que, para ser bem-sucedida, depende do envolvimento de toda a comunidade de pesquisadores de nosso país, qual seja, a de buscar identificar e explicitar algumas das questões mais significativas e que envolvem o "estado do conhecimento" em Educação Ambiental no Brasil. Por outro lado, não podemos nos furtar, como leitores privilegiados desses textos, de tentar sinalizar para algumas dessas questões com o intuito apenas de convidarmos e instigarmos nossos colegas pesquisadores a participar do debate.

Assim, ao olharmos para o conjunto dos textos sobre tendências e perspectivas para a pesquisa em parte do continente americano, enfatizamos algumas questões que, a partir de nossas leituras, entendemos como significativas para o campo da produção do conhecimento nos próximos anos. Ao analisarmos as tendências apontadas por Paul Hart com base em suas experiências com a pesquisa em EA no Canadá, ficam evidentes aproximações e distanciamentos com as experiências no Brasil, no México e em outros países latino-americanos. O importante é olharmos para essas experiências abertos ao diálogo e ao aprendizado mútuos.

Quanto temos em comum, por exemplo, com o Canadá, que, sendo nação multicultural como a nossa, tem procurado construir um campo da pesquisa em EA, considerando, antes de qualquer coisa, a diversidade dos discursos e das práticas e a variedade de perspectivas em relação às diferentes dimensões da natureza humana? Em que medida estamos abertos, em nossas pesquisas, a enfrentar as ambiguidades próprias das investigações que consideram tal diversidade e que, por isso, exigem metodologias também diversas? Até onde estamos dispostos a, reconhecendo as diferenças, trabalharmos em um ambiente cooperativo, de complementaridade de análises e de modelos interpretativos, abertos a perspectivas de pesquisa que não nos são familiares, a análises de múltiplas perspectivas, ou seja, nas palavras de Hart, sermos mais generosos, sem perdermos a condição de críticos reflexivos? Quanto estamos dispostos a, fazendo uso dessas análises mais críticas, submeter à crítica nossos discursos e práticas sobre a temática ambiental e sobre a Educação Ambiental, procurando identificar os recursos retóricos dos quais temos nos apropriado para construir o campo?

Da mesma forma, quanto temos a compartilhar com o México, que, ao reconhecer a fragilidade do campo da pesquisa em EA naquele país, busca mecanismos de legitimação e politização, numa luta marcada para sair da condição de marginalidade? E quando olhamos mais especificamente para a realidade brasileira: quais têm sido os nossos esforços para a maior democratização, tanto em relação ao próprio processo de produção do conhecimento em EA, quanto aos mecanismos de divulgação da produção científica da área? O que podemos fazer para incentivar a divulgação dos conhecimentos produzidos nas diferentes regiões brasileiras, procurando evitar a concentração tão definida dessas experiências no eixo Sul-Sudeste? Que caminhos de formação para pesquisadores em EA podem ser pensados e experimentados no sentido de garantir um tratamento teórico-metodológico consciente e coerente, evitando as tendências percebidas em nossos trabalhos de, muitas vezes, negligenciar essas dimensões do trabalho da pesquisa?

Considerando os dados apresentados nos textos sobre áreas temáticas que têm sido mais exploradas nos relatos de pesquisa divulgados em eventos de EA, algumas delas podem hoje ser caracterizadas como áreas silenciadas. Os dados apresentados por Rink e Megid, por exemplo, evidenciam o quanto aspectos relativos à história da EA, às políticas públicas para a área e às políticas curriculares, além da dimensão interdisciplinar, têm sido negligenciados nos textos divulgados em um dos eventos da área. Que políticas de produção do conhecimento em EA estamos traçando com o intuito de enfrentar essas ausências?

Quando nos voltamos para o conjunto dos trabalhos incluídos no dossiê e que nos foram encaminhados por demanda espontânea, algumas características podem ser identificadas. A primeira refere-se à predominância de trabalhos de natureza teórica (sete) em relação aos trabalhos de natureza empírica (um), contrariando a tendência da pesquisa na área, principalmente nas décadas anteriores, na qual esses últimos trabalhos sobrepujam numericamente os primeiros. Entende-se por trabalhos de natureza empírica aqueles que, sem necessariamente abrirem mão da problematização, caracterizam-se por manter mais proximidade com as práticas e experiências dos atores. Já os trabalhos de natureza teórica podem ser compreendidos como aqueles que, mesmo quando se referem a experiências concretas, buscam construir modelos explicativos de maior alcance, construindo diálogos e interlocuções com autores e campos disciplinares diversos. Essa característica muito forte nos ensaios teóricos aponta para outra particularidade dos trabalhos encaminhados para o dossiê e que agora apresentamos - sua natureza interdisciplinar.

De fato, a segunda característica refere-se à ampliação e à diversificação de áreas do conhecimento presentes nesses artigos, buscando um diálogo interdisciplinar. Isso fica evidente sobretudo ao olharmos as temáticas e os autores dos trabalhos. Esta, por sua vez, traz novas abordagens ao conhecimento e ao objeto de estudo da EA, para além daquelas que tradicionalmente são encontradas na área, como as abordagens clássicas das ciências naturais, do meio ambiente e da educação.

A partir dessas considerações, parece-nos oportuna a pergunta: o crescimento das pesquisas de natureza teórica e da diversificação das áreas do conhecimento e formas de abordagem da pesquisa estaria indicando uma nova tendência no cenário atual da pesquisa em EA no Brasil? É possível arriscar a possibilidade de estarmos vivendo um momento de transição no campo da pesquisa em EA, em que partimos de modelos multidisciplinares, centrados nesta ou naquela área/disciplina, para modelos interdisciplinares, que guardam mais proximidade com as perspectivas da EA? Qual o significado desses movimentos para essa área da pesquisa? Embora seja um caso isolado, são questões que merecem ser investigadas e ressituadas no conjunto das tendências atuais da pesquisa em EA.

A partir dessa análise inicial dos artigos deste dossiê, é possível afirmar que eles contribuem positivamente para a evolução do campo da pesquisa em EA. Destaca-se a busca por um diálogo interdisciplinar, articulando contribuições teóricas de diferentes áreas do conhecimento, tais como: Filosofia (artigos 1 e 2), Geografia Humana (1 e 2), Sociologia (1 e 4), Política (3 e 4), Epistemologia (4), Meio Ambiente (4), Cultura (4,5), Ecologia (4), Arte/teatro/poesia (6) e Educação/formação de professores (7). O diálogo interdisciplinar, por sua vez, traz outra contribuição: a de possibilitar o questionamento dos paradigmas científicos e educacionais vigentes, propondo a superação de dualismos entre homem-natureza, sociedade-meio ambiente, educação-meio ambiente, teoria-prática, velhos impasses colocados pela área da EA e da pesquisa em EA que ainda se encontram sem respostas.

De qualquer modo, tais discussões vêm revelar a existência, no Brasil, de uma comunidade nascente de pesquisadores envolvidos na produção do conhecimento relacionado à EA. Há quem aposte na emergência de um campo de pesquisa em EA. De um lado, encontramos Paul Hart, que admite a possibilidade de falarmos hoje em um campo "green" de investigação no Canadá, que poderia oferecer caminhos para a investigação de uma variedade ampla de temas, tanto do ponto de vista conceitual quanto do ponto de vista metodológico. De outro, temos, no texto de González-Gaudiano e Lorenzetti, a compreensão de que o campo da pesquisa em EA no México continua sendo emergente e encontra-se em processo de constituição.

Considerando que a realidade brasileira está muito mais próxima da realidade mexicana, o que nos parece fundamental, e que esteve muito presente nas discussões do V EPEA - que tinha como tema central exatamente a constituição do campo da pesquisa em Educação Ambiental - é que movimentos como esses exigem necessariamente esforços de construção de identidades e delimitação de espaços teóricos e políticos. No entanto, fica também evidente que, em uma área marcada pela complexidade temática, a necessária diversidade metodológica se impõe. Isso nos coloca no exercício de buscarmos nossa identidade e, ao mesmo tempo, nos engajarmos em processos de desconstrução dos "Muros de Berlim" que construímos ao longo de nossas histórias e experiências com os processos de construção de conhecimentos sobre o mundo.


Notas

1 KAWASAKI, C.S. et al. A Pesquisa em Educação Ambiental nos ENPECs: contextos educacionais e focos temáticos. Anais do VII ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisadores em Educação em Ciências, UFSC, Santa Catarina, 2009.         [ Links ]

2 Refere-se à EA na confluência do ambiental e do pedagógico definida por CARVALHO, I.C.M. Educação Ambiental e Movimentos Sociais: elementos para uma história política do campo ambiental. Educação: teoria e prática, Rio Claro, UNESP-IB, p. 46-56, 1993.         [ Links ]

3 TRIVELATO, S.L.F. O Currículo de Ciências e a Pesquisa em Educação Ambiental. Educação: teoria e prática, Rio Claro, UNESP-IB, p. 57-61, 1993.         [ Links ]

4 CARVALHO, L.M. et al. Meetings in Environmental Education Research: routes (2001-2008) and tendencies in research related to school and comunity context. In: 5 World Environmental Education Congress - 5 WEEC, 2009, Montreal - Canadá. Anais do 5 WEEC: Montreal, Canadá, 2009.         [ Links ]

5 KAWASAKI, C.S. et al. A Pesquisa em Educação Ambiental nos ENPECs: contextos educacionais e focos temáticos. Anais do VII ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisadores em Educação em Ciências, UFSC, Santa Catarina, 2009.         [ Links ]

6 A primeira referência está citada na nota (4). A segunda refere-se a CARVALHO, I.C.M.; SCHMIDT, L.S. A. Pesquisa em Educação Ambiental: uma análise dos trabalhos apresentados na ANPEd, ANPPAS e EPEA de 2001 a 2006. Pesquisa em Educação Ambiental, Ribeirão Preto, São Carlos, Rio Claro: USP, UFSCar e UNESP, v.3, n.2, p. 147-174, 2008.         [ Links ]

7 V Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental, realizado na UFSCar, no final de outubro de 2009.

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