domingo, 26 de junho de 2016

“NÃO HÁ RELAÇÃO SEXUAL”

“NÃO HÁ RELAÇÃO SEXUAL”

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Mais uma das grandes polêmicas instauradas por Lacan. Polêmica que tentarei transmitir a partir do que pôde ser transmitido a mim por Ana Laura Prates ao longo dos anos em que me deito em seu divã, sem o que, todo meu estudo não teria servido para nada.
O sujeito encontra seu lugar num aparelho simbólico pré-formado que instaura a lei na sexualidade. E essa não permite mais ao sujeito realizar sua sexualidade senão no plano simbólico. É o que quer dizer o Édipo, se a análise não soubesse disso, ela não teria descoberto absolutamente nada. (LACAN, As psicoses, 1955-56)
O que está dito aí, é que não se trata mais de um simples fenômeno natural de copulação. Quando dois humanos se relacionam, o que está em jogo não é o instinto, mas a representação simbólica dessa origem instintual, aquilo a que os psicanalistas chamam de pulsão. Trata-se de dizer que a experiência humana da sexualidade está sempre submetida a uma interdição, ou seja, que não pode ser realizada de maneira direta, que é necessária uma representação simbólica que possa distanciar o humano de experimentar diretamente o mundo, é necessário um aparato muito pessoal, singular, para experimentar o mundo sem enlouquecer, ou perder-se num gozo letal. E essa maneira singular é construída nas tramas da linguagem, é escrava do significante. O significante não é feito para as relações sexuais. Desde que o ser humano é falante, está ferrado, acabou-se essa coisa perfeita, harmoniosa, da copulação. (LACAN, O avesso da psicanálise, 1969-70)
O humano não é capaz de viver seu gozo nas relações sem uma mediação da palavra, sem fazer disso um discurso, sem montar todo um aparelho para gozar apoiado na linguagem. E não se trata apenas de dizer do ato sexual, mas das relações de amor em geral. O que Lacan nos mostra é que não há nenhuma possibilidade de completude. Não existem tampas e panelas.
Quando Lacan falou das diferenças entre uma posição masculina e feminina, inaugurou um problema absolutamente sem solução. Conseguiu situar logicamente a maneira pela qual o sujeito constrói sua posição na partilha dos sexos precisando, nesse processo, renunciar ao gozo e entrando no campo do desejo (lembrando que em lacanês, desejo = falta).
No psiquismo não há nada pelo que o sujeito se pudesse situar como ser macho ou fêmea (…) o que se deve fazer como homem ou como mulher, o ser humano tem sempre que aprender, peça por peça do Outro. (LACAN, 1989, livro 11: 197)
Aqui, é necessário lembrar que a experiência com o Outro é sempre a construção mítica de um equívoco. Trata-se de uma maneira bastante única, de uma perspectiva absolutamente singular, por meio da qual apreendemos o contato com o mundo e damos alguma significação ao contato com isso. Significação que não encontrará nenhum par, jamais, por ter sido construída de um lugar absolutamente ímpar.
Mas é óbvio que esse é justamente o maior drama humano. Aquele capaz de levar aos mais profundos estados de angústia. Aquele que provoca a mais severa sensação de desespero. Esse é o motivo pelo qual todo humano vai precisar escolher uma posição em sua paixão (pathós) para lidar com a vida, para fugir dessa encruzilhada.
Assim se constrói uma Neurose (não apenas) que no fim das contas impede o sujeito de amar. Que vai tentar reconstruir na fantasia a relação sexual que é impossível. E daí surgem todos os grandes e excruciantes mal-entendidos dos quais tratamos quando alguém nos procura.
Mas não se trata de uma teoria do fim, da desesperança. O caminho de uma análise é justamente a travessia dessa fantasia fundamental. Travessia nos dois sentidos: quando o sujeito a atravessa, é atravessado por ela – que o corta ao meio. Mas ao abandoná-la poderá amar… não completamente, pois não se trata de completude, mas sinceramente, sem a necessidade de recusar limites.
*Referências retiradas do livro “Feminilidade e Experiência Psicanalítica” de Ana Laura Prates.

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fONTE: https://poiesispsicologia.wordpress.com/2013/02/09/nao-ha-relacao-sexual/

Um comentário:

  1. Jacques Lacan, seminário de 9 de janeiro de 1979, em Le séminaire, livre XXVI: la topologie et le temps (não publicado).
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    Lacan, bem no fim de seus ensinamentos, chegou a um impasse em que, de modo autenticamente trágico, teve de confessar:

    A metáfora do nó borromeano é, em seu estado mais simples, inadequada. É um abuso de metáfora, por que realmente não há nada que dê suporte ao Imaginário, ao Simbólico e ao Real. Essencial naquilo que digo é que não há relação sexual. Não há relação sexual porque há um Imaginário, um Simbólico e um Real, é isso que não ousei dizer. E, não obstante, eu disse. É evidente que eu estava errado, mas simplesmente me deixei levar. É perturbador e, sobretudo, irritante. É assim que as coisas me parecem hoje, e é isso que tenho para lhes confessar. Tudo bem!



    https://www.youtube.com/watch?v=amJyIPGltSA

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