segunda-feira, 13 de julho de 2015

Washington Novaes: Cláudio Abramo, o revolucionário

http://observatoriodaimprensa.com.br/marcha-do-tempo/claudio-abramo-o-revolucionario/

Cláudio Abramo, o revolucionário

Por Washington Novaes em 04/07/2005 na edição 336
Quando Cláudio Abramo morreu, há quase 20 anos, escrevi, emocionado, um artigo sobre ele, para um jornal que já não existe. Mas nada mudou substancialmente, desde então – a não ser a saudade, que não pára de aumentar. Transcrevo o artigo:
‘Na noite de 31 de março de 1964, sentado debaixo da mesa da sala de jantar da casa do jornalista Cláudio Abramo, em São Paulo, eu tentava captar, num radinho de pilha que teimava em só funcionar ali, notícias sobre o golpe militar, em alguma rádio que ainda não estivesse sob censura. Nas poltronas ao lado, Cláudio, sua mulher, Radha, e o diretor de teatro Flávio Rangel, todos muito nervosos, sofriam e torciam as mãos.
Flávio declamava trechos de O Grande Ditador, de Chaplin, e dizia que gostaria de ter em mãos uma metralhadora. Cláudio lamentava não estar em uma redação de jornal. Era um dos momentos de ostracismo que sofreu em sua longa e brilhante carreira. Havia deixado O Estado de S.Paulo, onde comandara uma revolução que tornara o velho matutino o melhor jornal paulista – com uma redação onde escreviam Lívio Xavier e Bráulio Pedroso, Delmiro Gonçalves e Décio Almeida Prado, Vladimir Herzog e Fernando Pacheco Jordão, Perseu Abramo e Fernando Pedreira, Oliveiros S. Ferreira e Thomaz Souto Correa, Diogo Pacheco e Alexandre Gambirasio, Hélio Bicudo e Luiz Weis, além de Ruy Mesquita e Gianino Carta, que comandavam a editoria de notícias internacionais, e Frederico Heller, editor de Economia.
Amargurado com a deslealdade de companheiros a quem dera a mão no jornal, com as dificuldades financeiras que enfrentava (sobrevivia quase só fazendo capas para a revista Visão, a convite de seu amigo Hideo Onaga), Cláudio antevia a falta de perspectivas na ditadura que se inaugurava.
Esse foi o tema recorrente nas conversas em sua casa, nos meses que se seguiram, quando por lá desfilaram muitos dos foragidos e perseguidos pela ditadura – Paulo Francis, Tarso de Castro, Paulo Silveira, Antônio Maria (que ajudava Radha a fazer sopa de cebola, para poder ‘chorar sem vergonha’). Muitos.
Cláudio também temia ser preso, por causa de seu passado político trotskista. Mas isso só viria a acontecer 12 anos depois, nos porões do DOI-CODI paulista. E não foi pelo passado. Radha e Cláudio viveram momentos de terror por não renegarem um amigo comunista perseguido e preso. De qualquer forma, o episódio acabaria custando caro: nos meses que se seguiram, a corporação dos porões intensificou as pressões sobre a Folha de S.Paulo, que Cláudio secretariava e dirigia desde 1965 e havia colocado na liderança do mercado editorial paulista. Acabou deixando a direção da Folha, triste, para tornar-se correspondente na Europa.
A carreira brilhante, a liderança do mercado em dois jornais, nada disso era fruto do acaso ou circunstância. Além de homem da prática, da ‘cozinha’ de jornal, Cláudio era um estudioso do jornalismo. E embora sua formação intelectual e política estivesse muito mais ligada aos autores europeus (menos na science fiction, uma de suas paixões), era o jornalismo norte-americano que ele mais admirava e conhecia e tentava transformar em modelo nas redações por que passou.
Já no final da década de 50, o Estadão, tal como os grandes jornais norte-americanos, era todo pré-diagramado por volta das 18 horas, muito antes que os redatores e repórteres começassem a escrever suas matérias – num tempo em que sequer existia telex e as matérias das sucursais e correspondentes eram recebidas pelo telefone. O próprio Cláudio diagramava as páginas mais importantes. E quem trabalhava a seu lado aprendeu a dar a uma página o equilíbrio gráfico e o bom-gosto que só um talento plástico como o dele era capaz (Cláudio ganhara um prêmio nacional de desenho, anos antes; foi para a Europa, passou um tempo e voltou dizendo que não havia nada mais para desenhar, tudo já fora feito pelos grandes mestres; a partir daí, nunca mais desenhou; e enquanto conversava, rabiscava intermináveis redes de canos que se interligavam).
Ele se orgulhava de sua capacidade de planejar o jornal. E, principalmente, de um episódio em que essa capacidade foi posta à prova no limite.
Era 1959. O presidente Eisenhower, dos Estados Unidos, resolvera visitar Brasília, que ainda não passava de um acampamento de obras, sem qualquer espécie de comunicação com o resto do país: não havia estradas de rodagem nem aviões de carreira, nem telefone nem telex. Nada.
Estadão fretou um avião, um velho Convair. E saímos de manhã, uns 15 repórteres e fotógrafos.
Já dentro do avião, cada um de nós recebeu um envelope onde se descrevia a tarefa para que fora designado, o local onde deveria ficar, o número de linhas a escrever, quantas fotos precisaria escolher para ilustrar sua matéria, a quem deveria encaminhar outras notas interessantes sobre fatos que presenciasse e o que fazer em qualquer situação de emergência.
Fui designado para a rampa do Palácio do Planalto, ainda em construção, onde se postavam mais uns 10 ou 12 jornalistas, entre eles o então jovem Carlos Lemos, que era do Jornal do Brasil. Vi o presidente norte-americano chegar, com sua cara de doente, apesar das bochechas rosadas, assustado com o poeirão e com as pessoas que tentavam agarrá-lo. E o vi subir e descer a rampa, de braço com Juscelino Kubitschek.
No avião, de volta a São Paulo, recebemos, cada um, outro envelope com novas instruções: como deveria ser o título das matérias (quantas linhas, quantas letras), que instruções deveriam ser marcadas no texto para orientar a composição nas oficinas (que compunham em linotipos), o número de caracteres de cada legenda de foto etc.
Diante da poltrona de cada um de nós, uma máquina datilográfica. Na frente do avião, no lugar reservado à copa, fora montado um pequeno laboratório fotográfico, onde Oswaldo Palermo revelou os filmes e fez as cópias das fotos em tamanho pequeno, para permitir a escolha e ampliação das que seriam publicadas.
Quando chegamos à redação do jornal, por volta das 8 horas da noite, estavam prontas – escritas, diagramadas, legendadas e marcadas para a oficina – 12 páginas de jornal. Só faltava fazer a cópia ampliada das fotos e escolher uma delas para a primeira página.
Cláudio Abramo decidira aproveitar a visita de Eisenhower para quebrar uma tradição do jornal. Até ali, só eram publicadas na primeira página notícias do exterior (a primeira página nacional na verdade era a última do jornal). Mas como se tratava de um presidente dos Estados Unidos, havia um bom pretexto para quebrar a tradição – que nunca mais foi restaurada.
Cláudio morreu sem fortuna, como sempre vivera. De seu, só tinha o apartamento onde morava. Num tempo em que o jornalismo tanto serviu e tem servido de gazua, a morte digna volta a realçar o comportamento de toda uma vida.
Ele, Cláudio, talvez recebesse com uma frase sarcástica – uma de suas marcas – uma observação dessa natureza. Não importa. Debaixo do sarcasmo que ajudava a enfrentar a crueza e rudeza do mundo do jornalismo, morou sempre uma alma gentil e leal, que lutou até o último dia para fazer de sua profissão o que dela esperam seus semelhantes. Principalmente os mais necessitados.
Talvez num futuro próximo se venha a reconhecer que o jornalismo não é profissão que se exerça em nome próprio, e sim por representação da sociedade, a quem pertence a informação. Talvez nesse futuro a sociedade exija eleger, ela mesma, os seus representantes (jornalistas), em eleição direta, por voto secreto.
Pena que nesse dia Cláudio Abramo não esteja vivo. A sociedade teria com certeza um bom candidato, provado em décadas de fidelidade ao social.’
Foi esse o artigo que escrevi por ocasião da morte do Cláudio. Poderia acrescentar muito mais. Falar de sua importância na abertura política promovida pela Folha de S.Paulo e que teve profunda influência nos rumos políticos do país. Poderia falar da reforma que empreendeu no jornal durante uma década – a partir de 1965, quando Pimenta Neves, Aloysio Biondi, Alexandre Gambirasio e o autor destas linhas fomos seus assistentes. Poderia falar da sua ‘ética do marceneiro’, que não diferiria da ética do jornalista. Mas não é preciso. Além do mais, agravaria a saudade já insuportável.
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Jornalista, articulista do Estado de S.Paulo, comentarista da TV Cultura e supervisor do programaRepórter Eco

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A ENTREVISTA COMO MÉTODO: Coutinho, Abujamra...



Estava querendo diagnosticar na maneira como o Eduardo Coutinho entrevistava as pessoas um diálogo que talvez tivesse momentos "hiperdialéticos".

Isso se encaixa na parte da minha dissertação em que tento mapear o imaginário social dos brasileiros sobre ciência. Sobre isso, aliás, me animo muito com este sujeito aqui: http://slideplayer.com.br/slide/352029/

A ideia era aproveitar isso na parte final da minha dissertação quando tentarei propor uma outra comunicação pública de ciência: que não se limite a transposições e simplificações didáticas, mas que aponte os paralelismos existentes entre o pensamento investigativo de pessoas comuns e dos cientistas. Em síntese: comunicacional, ao invés de apenas informacional.

Depois, se tivesse fôlego, iria unir isso um texto que escrevi para a disciplina "Visões do Brasil" onde tentei compilar através de alguns autores um perfil de identidade do brasileiro.
Ah, sobre identidade do brasileiro, um clip publicitário que o Fernando Meireles fez para o Banco do Brasil. Interessante...




Voltando ao Coutinho...Tive esse insight quando esbarrei nesse livro em uma biblioteca:



http://www.historiadocinemabrasileiro.com.br/livro-o-documentario-de-eduardo-coutinho-televisao-cinema-e-video/

E claro, também embalado por tudo que o João Moreira Salles sempre falou sobre ele em todas as entrevistas que dava... hehe

Aqui, algo mais pontual: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642009000100008

Por essas e outras que andei te pedindo algumas coisas sobre linguagem da ultima vez que nos vimos. =)

Pensei em  fazer um paralelismo "provocador" na apresentação que faria (antes de entrarmos em greve) na disciplina "Ciências Quadro a Quadro" entre a "violência" das perguntas em aberto que o Coutinho usa para jogar alguns entrevistados de cara com a própria dor (acho que o mais forte é no "As Canções") e a representação de diálogo feita pelo Svankmajer nessas animações: www.youtube.com/watch?v=DmqL8L0Heps
Ando brincando de tentar entrevistar as pessoas "a la Coutinho" em eventos voltados a divulgar o universo científico a um público leigo.

Online e na mão agora, tenho essa entrevistas que fiz na "Expo Se Liga: Arte Imaginação e Ciência" no CCBB:

http://youtu.be/UnFpP4vfzsc
http://youtu.be/LnBp-D0t2c0
http://youtu.be/6J4J7LGn4Zo
http://youtu.be/MOC3oj-8aRg
http://youtu.be/Q0HGc08GIp0
http://youtu.be/UfJc3Dcfsxw
http://youtu.be/gs3HJ_pemSc
http://youtu.be/PxJBFDTHp7Q
http://youtu.be/OqSBYD-awXE
http://youtu.be/8W3fMn-Bpm8 
https://youtu.be/sAFd8rIjYo0
Acho que dá samba esse negócio das entrevistas mesmo... Algo que está (e só está) na linguagem falada, na conversa informal, nos gestos, nos sorrisos, nos olhos... que valida, desvalida e/ou ressignifica o discurso formal...

Algo na linguagem está nos enunciadores e receptores que é independente do discurso... (sei q tem algumas teorias sociais e linguistas que vão longe nisso) talvez uma abordagem interessante possa ser nessa fronteira de arte-ciencia onde as duas bebem juntas no mesmo riacho simbólico da imaginação/abstração...

Ideias não faltam, só tempo e foco para viabilizar algumas! rsrsrs

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Referências:


Heródoto Barbeiro
no programa Provocações
https://www.youtube.com/watch?v=EjPN9tL5SHU

"O jornalismo é o exercício diário de inteligência e a busca cotidiana do caráter." - Cláudio Abramo

http://observatoriodaimprensa.com.br/marcha-do-tempo/claudio-abramo-o-revolucionario/
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Eu acho que quem tem que fazer a cabeça das pessoas são as pessoas e não os jornalistas.
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Eu sou pior do que outros jornalistas quando eu vejo que outros tem qualidades que eu não tenho; por exemplo: eu gostaria de ter a coragem do Mínio Carta, a sensação ética do Alberto Dines, a coerência do Clóvis Rossi.
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"A liberdade de expressão na verdade é a soma das nossas dificuldades: eu não posso falar mal do meu patrão, mas você pode; o cidadão lá não pode falar mal do bispo, mas eu posso. No conjunto dessas limitações, elas acabam escapando. E quando você tem um estado democrático, você sabe que hoje ninguém mais consegue segurar notícia. É burrice. Não só porque é um estado democrático, mas porque agora nós temos um instrumento que aprofunda a democracia d comunicação que é a internet."

Hoje somos emissores (regurgitadores) e não mais apenas receptores de notícias.

> Abu: Guy de Maupassant dizia que grandes figuras são aquelas que impõe aos outros sua ilusão particular. É o seu caso?

> Heródoto: Não, eu acho que não. Pode ser... se você chamar de ilusão particular, eu chamo de ideal, de utopia, eu chamo de crença daquilo que a gente acha que tem que fazer na vida. Mas eu acho que cada um tem o direito de ter a sua e os demais aceitam ou não dependendo do seu senso crítico.






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Sobre Entrevistas
http://sobrentrevistas.blogspot.com.br/

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A entrevista como método: uma conversa com Eduardo Coutinho



http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642009000100008


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LIVRO – O Documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo



Acompanhando 40 anos da trajetória de Eduardo Coutinho, mestre do cinema documental no Brasil, Consuelo Lins analisa nesse livro todos os filmes do diretor, desde o premiado Cabra marcado para morrer (1964-84) até Peões (2004). Esse estudo cronológico passa por Edifício Master (2002) e ainda pelo Globo Repórter dos anos 70 e 80, onde o cineasta desenvolveu uma forma específica de fazer documentários “com os outros, e não sobre os outros”.
O tema desse livro é a investigação dos procedimentos de criação, métodos de trabalho, condições de realização, posturas éticas e opções estéticas e técnicas de Coutinho, que pode provocar transformações nas idéias preconcebidas que todos nós — público e personagens — construímos a respeito do mundo em que vivemos.
Trata-se de uma reflexão teórica muito bem fundamentada sobre um conjunto de obras que resiste às tentativas de uniformização.
Leitura obrigatória para os amantes e os estudiosos de cinema, televisão e vídeo, sendo indispensável para todos aqueles que se interessam pela história e a cultura no Brasil.
“Não há melhor guia para a obra de Coutinho do que Consuelo Lins (…) com clareza e brilho põe a nossa disposição não apenas a sua inteligência teórica, mas também as lições aprendidas no campo, no convívio com Coutinho durante as filmagens. O resultado final é extraordinário.” (do prefácio de João Moreira Salles)

http://www.historiadocinemabrasileiro.com.br/livro-o-documentario-de-eduardo-coutinho-televisao-cinema-e-video/


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Série "Encontros" reúne entrevistas de grandes nomes das ciências humanas e outros intelectuais

http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/sociologia-e-antropologia/colecao-resgata-pensadores-do-brasil/

https://becodoazougue.wordpress.com/lancamentos/colecao-encontros/

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Abu! ele adora, ele odeia
http://www.opovo.com.br/app/opovo/paginasazuis/2008/11/09/noticiasjornalpaginasazuis,834239/abu-ele-adora-ele-odeia.shtml

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ABUJAMRA, DOWNEY JR. E O GÊNERO ENTREVISTA AMEAÇADO DE EXTINÇÃO

http://quadrisonico.com.br/2015/05/02/abujamra-downey-jr-e-o-genero-entrevista-ameacado-de-extincao/

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Relembre algumas entrevistas de Antonio Abujamra com autores da Boitempo no Provocações

http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/28/relembre-algumas-entrevistas-de-antonio-abujamra-com-autores-da-boitempo-no-provocacoes/


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O uso de entrevista, observação e videogravação em pesquisa qualitativa

http://www.unisc.br/portal/upload/com_arquivo/1350501221.pdf

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Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais

https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/viewFile/18027/16976

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A entrevista como método de pesquisa com pessoas em situação de rua: questões de campo

A metodologia utilizada articula a observação participante, a participação observante e a realização de entrevistas aprofundadas. As reflexões aqui apresentadas centram-se na discussão da aplicação de entrevistas semidiretivas, com o objetivo de apreender a opinião daqueles sujeitos sobre os serviços dos quais são usuários. Com a análise sobre a recusa à entrevista, sua aceitação ou situações intermediárias, aponta-se que a entrevista pode ser um método efetivo para se aproximar do ponto de vista dessa população.

http://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/499










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http://sobrentrevistas.blogspot.com.br/

Roda Viva: a gente que tem voz ativa

É através da brecha que o veículo televisão proporciona ao personalizar o articulador, que passa-se a criar um modelo próprio de entrevista, muitas vezes resultando em programas individuais do gênero, famoso e apreciado pelos espectadores brasileiros. Os entrevistadores experientes têm todo um leque pessoal de artimanhas para conduzir uma entrevista, sabendo focar e insistir no que é interessante e importante para seu público, ao mesmo tempo deixando sempre seu interlocutor o mais confortável possível, para este que se sinta, de maneira até ilusória, com pleno domínio do andamento de seu diálogo.

Um dos grandes expoentes dentre os programas de entrevistas, que obedece com fidelidade canina a uma linha de valores jornalísticos, é o Roda Viva. No ar na TV Cultura há 20 anos, o programa criou todo um modelo diferenciado de entrevista de muito sucesso no meio intelectual.

Trazendo sempre pessoas notáveis e abordando assuntos relevantes e atuais para a sociedade, o Roda Vida tem uma estrutura hierárquica, em que o entrevistado fica no centro de uma grande roda em uma cadeira giratória, e um grupo de entrevistados, individualmente representando os maiores meios de comunicação do país, se acomodam em camadas externas da roda, próximas ao convidado. Em uma esfera mais exterior, localizam-se os grupos de espectadores, normalmente estudantes universitários, que também participam da entrevista com algumas perguntas esporádicas. O público também pode participar, com entrevistas gravadas que entram no ar durante a sabatina, ou através de questões enviadas pela internet, selecionadas e lidas pelo diretor e mediador da roda, atualmente, o jornalista Paulo Markun. A cereja desse bolo, nem sempre saborosa, são as charges feitas ao decorrer do programa pelo cartunista Paulo Caruso.

Esse padrão praticamente imortalizado pelo programa se consagrou no início da liberação político-democrática do Brasil, e ao longo dos anos com entrevistas de grande repercussão nas mídias. O Roda Viva é reconhecido por praticar entrevistas francas, desafiadoras até para os convidados mais preparados e por muitas vezes proporcionar entrevistas de alto grau intelectual, tornando-se claramente um produto diferenciado dentro da massificação da televisão aberta desse país. Recentemente, os casos de maior repercussão foram as entrevistas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governante venezuelano Hugo Chavez e o goleiro tri-campeão mundial Rogério Ceni.

No link de vídeo, duas das entrevistas mais clássicas do Roda Viva, repercutidas anos e anos devido à situação conturbada presenciada entre entrevistados e entrevistadores: a troca de ofensas entre o repórter do jornal O Estado de São Paulo Rui Xavier e o ex-governador paulista Orestes Quércia, acompanhada da cômica discussão entre Leonel Brizola e o falecido jornalista Lenildo Pessoa.

Programa do Jô - não vá para cama sem ele?



Ao se falar em entrevista na TV, um dos primeiros nomes que vem à mente é Jô Soares. Não é à toa: o humorista apresenta um dos mais duradouros programas do gênero, um talk-show inspirado em referências norte-americanas como Jay Leno e David Letterman.


Hoje transmitido pela Rede Globo de Televisão, o 
Programa do Jô inicialmente chamava-se Jô Soares Onze e Meia e era exibido na concorrente SBT. Esta primeira fase começou em 16 de agosto de 1988 e durou até 30 de dezembro de 1999, quando aconteceu a mudança. São já 18 anos e milhares de entrevistados.


O conceito de talk-show, a princípio, consiste na discussão de um tema ou questão por um grupo de convidados e/ou especialistas, liderados por um apresentador. Esta definição genérica abrange programas de discussão política, esportiva (como as mesas-redondas), 'popular' (cujo exemplo é o Superpop, de Luciana Gimenez) e ainda de variedades, como ocorre com Jô.


E, em se tratando de um programa de variedades, a pauta não poderia ser repetitiva. São convidados personalidades da política, do esporte, do entretenimento; especialistas em temas econômicos, sociais, lingüísticos, culturais, históricos, tecnológicos; músicos, escritores, arquitetos, atores, personagens, comediantes, desenhistas, pintores; e ainda, figuras pitorescas como o homem mais alto do mundo ou a nutricionista Ruth Lemos, famosa após protagonizar um
vídeo de 'humor involuntário'.


Todos os entrevistados ainda concorrem com a própria personalidade de Jô. Fluente em 6 idiomas, com 3 romances publicados, diretor teatral, o apresentador tem o hábito de fazer auto-referências e (tentar) corrigir informações dadas por seus convidados. Além disso, abusa das auto-referências, com diversas histórias/anedotas que muitas vezes intercala com as perguntas.
Além disso, compõem o programa outros personagens muito recorrentes, como o mordomo chileno Alex e os integrantes do sexteto responsável pelo acompanhamento musical. Eles são chamados a intervir freqüentemente, e já protagonizaram cenas de humor dirigidas por Jô que remetem à época em que era apenas humorista.


Todas essas características aproximam a produção de Jô da categoria do infotainment, ou entretenimento informativo. Grosseiramente, é o tipo de manifestação midiática que mescla elementos jornalísticos com o interesse em distrair o público e atrair audiência para patrocinadores; exemplos televisivos mais ou menos graduados são as mesas-redondas de futebol e os quadros em dominicais como o
Domingo Legal.



O site YouTube tem vários fragmentos do
talk-show de Jô. Para ilustrar essa descrição, é interessante mostrar alguns exemplos, tanto da fase do SBT quanto da fase da Globo:


Provocações

Não poderia haver nome mais adequado para esse programa de entrevistas criado por Antonio Abujamra e Gregório Bacic, que vai ao ar nas quartas à noite, na TV Cultura.
A maioria das perguntas feitas pelo entrevistador (Abujamra) a um convidado são exatamente isso: provocações. Abujamra parece querer o tempo todo extrair algum tipo de reação do convidado, seja uma resposta cínica, um escárnio, uma gargalhada, uma declaração emocionada. A parte objetiva da entrevista parece ter menos importância.
Os convidados do programa são personalidades, mas nem sempre celebridades. Não são necessariamente pessoas que estão sempre na mídia, mas muitas vezes são intelectuais, artistas, políticos. Parecem ser escolhidos a dedo pelos criadores do programa (Abujamra, muitas vezes, dá sinais de que conhece os convidados de outros carnavais) por ter algo interessante a dizer (e a provocar). A dinâmica do programa consiste justamente em cutucar o entrevistado até que ele diga algo interessante (e, às vezes, surpreendente).
O clima do programa é de uma certa ironia da liberdade. Abujamra passa a impressão de poder sempre falar o que quer em seu programa (o que é diferente de falar sempre a verdade) e também costuma abrir espaço para que o convidado diga o que quer: Olhe para aquela câmera e diga o que você sempre quis falar mas nunca teve coragem. Enforque-se na corda da liberdade!, costuma dizer, com certo sarcasmo, para o convidado. Os convidados nunca recusam, mas é provável que passem muito tempo se preparando para o que dizer nessa hora. Liberdade coisa nenhuma.
O programa alterna, assim, intimidade com uma certa perturbação. Grande parte dessa sensação se deve à câmera, que passa boa parte em close, enquadramento comprovadamente incômodo.
A Estrutura do Programa
Provocações tem um estilo mais ou menos fixo de programa (o que não impede que o conteúdo varie bastante de acordo com o convidado).
Começa geralmente com um close no rosto de Abujamra, que faz alguma citação ou uma breve apresentação do entrevistado, e logo parte para a entrevista em si. Entrecortam a entrevista, pequenas vinhetas chamadas vozes da rua: pequenas "declarações" de pessoas que vivem na rua, sobre assuntos variados e ligeriamente filosóficos. No final da entrevista, Abujamra faz uma espécie de "ping-pong" com o convidado, mas de maneira um pouco inusitada. Ao invés de categorias como "um sonho", "um defeito" e "quem você levaria para uma ilha deserta", o que Abujamra pergunta são coisas como "me arrependo e não fiz", "quem me faria atravessar a rua", "uma vida ou um destino humano".
Além dessas perguntas, algumas falas do Abujamra constituem uma espécie de ritual que faz parte da entrutura do programa. Além do famoso "enforcamento na corda da liberdade", a entrevista encerra com o clássico abraço, "a única coisa falsa desse programa", nas palavras do apresentador.
Link
O site de Provocações possui uma boa quantidade de conteúdo, além de ser bem-organizado. Nele é possível saber praticamente tudo que já foi conteúdo do programa, desde quem foram os convidados (com um breve perfil) até quais foram os textos recitados por Abujamra. Destaque para a seção Vozes das ruas, que possui arquivos disponíveis para download e para a seção Ler, ver ouvir..., com dicas de livros e filmes dos criadores do programa.

Segunda etapa do trabalho

A partir desse momento, a análise passa para outro estágio, adotamos um texto com maior carga descritiva para tratarmos da entrevista em programas de televisão.

A importância do meio


Retomo uma entrevista no formato escrito, publicada na revista EntreLivros. Em contraposição a de João Gilberto Noll, que é feita por email, essa ocorre pessoalmente, numa dinâmica que se aproxima da entrevista veiculada em programas de televisão e até mesmo rádio. Novamente há uma caracterização do entrevistado, porém, nesse caso, acredito que houve um subaproveitamento da entrevista.
Trata-se de uma das primeiras edições da EntreLivros, que traz uma entrevista com Isabel Allende, a renomada escritora chilena que, na época, acabara de lançar um novo livro sobre o legendário personagem Zorro. Ao contrário do que se poderia imaginar, a conversar gira mais em torno de questões pessoais do que políticas ou profissionais.

A conversa acontece na casa da escritora, nos Estados Unidos, durante um dia comum. A tentativa, ao que parece, é mostrar outro lado da escritora: mãe, avó, etc. Com isso, as interrupções que ocorrem são registradas nas páginas da revista, como uma estratégia para desmistificá-la, tornando-a uma pessoa “normal” e mais próxima do leitor. O problema, no entanto, na minha opinião, é que o entrevistador deixa em certo ponto de explorar a obra de Isabel ou de mantê-la como pano de fundo, fazendo com que ela pareça muito comum: uma dona de casa dedicada apenas à família.

A situação da entrevista e a forma como ocorre parece, apesar disso, refletir um momento pelo qual a escritora passa. Alguns anos após a perda de sua filha, Isabel acabara de tornar-se “avó” – seu genro (marido da falecida) tivera um filho com a nova esposa – e sua relação com a família e sua espiritualidade perpassa toda a conversa.
Acredito que assim ela queria ser retratada, como uma mulher que ama sua família e a ela se entrega, por ela se sacrifica. No entanto, o entrevistador não soube, na minha opinião, conduzir a entrevista, explorar questões existências, por exemplo, a relação com Isabel me pareceu mais superficial do que deveria, já que a entrevista ocorre na casa da entrevistada, em um momento de intimidade. Isso tornou a conversa um pouco artificial, parecendo que as respostas já haviam sido treinadas antes – problema bastante comum quando se entrevista uma personalidade que é comumente abordada pela imprensa.

No entanto, caso a entrevista fosse veiculada em um programa de televisão ou rádio, esse problema poderia ser evitado, já que a naturalidade seria garantida pela presença do entrevistado: sua forma de falar, suas expressões, a interação com o entrevistado. Esse tipo de coisa fica omisso num texto escrito, principalmente após a edição. É difícil manter a espontaneidade do discurso gravado e uma entrevista que foi ótima pode acaber tornando-se medíocre devido à inadequação ao veículo. Pensando por esse lado, a entrevista com Noll - e muitos outros escritores, já que trata-se de uma estratégia recorrente na revista - por email já vêm adaptada ao meio escrito, como ele próprio pontua, e parece mais interessante ao leitor, já que as estratégias de interação, por exemplo, são garantidas pelo próprio entrevistado em suas respostas.

Playboy


A revista masculina mais famosa do Brasil tem, em sua sessão de entrevistas, uma credibilidade e um prestígio enormes, suficientes para ter acesso a praticamente todo o universo de personalidades nacionais e internacionais. Ao lado de suas reportagens, as entrevistas de Playboy são o principal convite ao nicho de leitores que não teriam motivo para comprar uma revista recheada de fotos pornográficas. Isso fica claro tanto na posição de chamadas na capa quanto nas três informações básicas que são mostradas da lateral da publicação: a estrela do mês, a matéria principal e a personalidade entrevistada. 

As entrevistas são sempre conduzidas por outra personalidade, o que poderia dar um tom bilateral à conversa. Entretanto fica evidente, quando analisadas ao longo de um período, um padrão tanto nas perguntas quanto nos assuntos abordados. As entrevistas de Playboy têm um caráter especial não só pela temática sexual pela qual as perguntas sempre passam, mas pelo tom pessoal com que são conduzidas. Perguntas sobre drogas são recorrentes, assim como sobre o cotidiano da profissão. Já a questão política é questionada superficialmente.

Playboy – Você disse que fez voto de castidade. Você é virgem?

Frei Betto – Não. Não sou virgem.

Playboy – Ué, mas que voto de castidade é esse?

Frei Betto – Quando fiz o voto de castidade, já tinha tido experiência sexual, até de uma maneira muito precoce...


No início da sessão destinada à entrevista a publicação apresenta um longo histórico da personalidade, na maior parte das vezes com grande euforia, glorificando o entrevistado. Não raramente a revista exagera nas descrições e comentários.

“Mesmo no universo volátil da televisão, em que o esquecimento não tarda a devorar os heróis e as heroínas mais apaixonantes, não será preciso um grande esforço para lembrar outras personagens a que Carolina Ferraz deu vida” (...) ”A tentação seria enveredar por uma Teoria Geral do Riso de Carolina Ferraz que catalogasse as múltiplas formas com a alegria põe à mostra os dentes muito brancos desta goiana paulistanizada e, ultimamente, carioquizada. Um deles, o segundo incisivo lateral superior direito, é um dente de leite que não quis abandonar a dona e lá está até hoje, vestida com uma delicada jaqueta”.

As entrevistas sempre começam de forma impactante, com perguntas sobre assuntos do momento ou curiosidades genéricas com relação ao entrevistado.

[início]

Playboy – Por que você se irrita quando perguntam se já tem planos para parar de correr?

Emerson Fittipaldi – Pela nossa cultura, o brasileiro, o latino, acho que o europeu, em geral, cresce com aquele sonho: quando eu vou me aposentar? É estranho.

As fofocas são pautas recorrentes dos entrevistados, assim como perguntas banais sobre a profissão – e as respostas não são menos banais:

Playboy: Como é que ele [marido] reage quando vê você beijando na novela?

Carolina Ferraz: Quando chega o roteiro, eu digo: “Olha, vai ter uma cena, no capítulo tal, em que ela encontra com ele, aí ele pega ela, leva pra varanda, aí ela vira pra direita, ele beija, depois eles entram na sala e tudo acontece. Ta bom?” (...).


Apesar de dar muitas informações a respeito da vida do entrevistado, a trajetória da personalidade também é muito valorizada ao longo da conversa. Outra forte característica da sessão é a constante atualização, dentro desta publicação entre colchetes, dos gestos e características do humor do entrevistado ao longo da conversa, aproximando cada vez mais o leitor da personalidade.

A astrologia de SET: as estrelas em evidência


A Revista SET reina absoluta em seu nicho. Única grande publicação brasileira exclusivamente voltada para cinema e DVD, há 20 anos no mercado, detém prestígios e autoridade tanto entre leitores quanto entre a mídia internacional e as estrelas de Hollywood. Tamanha inserção permite-a explorar o enorme leque de possibilidades de entrevistas existente nesse universo cultural, já que possui praticamente o mesmo grau de acesso a atores e diretores que qualquer outro veículo da imprensa norte-americana.

Suas entrevistas podem ser classificadas entre três tipos. A começar pela última página editorial, que é sempre destinada a um breve bate-volta, chamado de Ponto Final, com algum nome de relevância no cinema. Não são feitas mais que cinco curtas perguntas, respondidas do mesmo modo sucinto. Em outubro, por exemplo, o convidado foi o novato comediante Justin Long. A segunda possibilidade, muito comum nas edições de SET, são entrevistas dentro de grandes reportagens sobre algum filme-lançamento, onde são apresentadas as opiniões e experiências dos principais atores, diretores e produtores participantes daquela película, em poucas e objetivas perguntas. Na edição do mês de julho, em decorrência do lançamento do blockbuster Piratas do Caribe II, compuseram a matéria principal pequenas entrevistas com Keira Knightley e Orlando Bloom, protagonistas ao lado do astro Johnny Depp. Já na divulgação do premiadíssimo último capítulo da saga Senhor dos Anéis, O Retorno do Rei, a revista trouxe entrevistas de uma página cada com os seis principais nomes do elenco. 

O último caso, registrado em uma freqüência menor, se trata de entrevistas-manchetes, onde a sabatina, e ela por si só, é matéria de destaque na revista. Usualmente o escolhido também está presente em um filme que acaba de chegar às telas, mas necessita de ser um dos grandes nomes dessa indústria, como foi o caso de Angelina Jolie (agosto de 2003), Hugh Jackman (abril de 2004) e Fernando Meirelles (outubro de 2005). Para as preliminares do Oscar de 2006, SET publicou na mesma edição, de fevereiro, entrevistas com Joaquin Phoenix, Charlize Theron e Heath Ledger, todos concorrentes ao prêmio por suas atuações.

Independente da variação do tipo da entrevista, pode-se constatar que o perfil do selecionado varia muito pouco. Sempre os escolhidos são nomes famosos, “ativos” no mundo cinematográfico, principalmente se estiverem presentes em um filme recente. O lançamento pode ser só um pretexto para uma entrevista com alguém bastante popular, mas na maior parte das vezes, a motivação é a inversa, e o gancho da entrevista surge como um complemento a uma matéria maior. Em um texto acadêmico, ou mesmo em um reportagem jornalística, chama-se analiticamente de argumento de autoridade. Só que esse tipo de citação não deixa de aparecer no corpo de texto da reportagem, continua lá, e a entrevista surge como uma nova execução, uma retranca de valor qualitativo e atrativo para o leitor, familiar com os nomes sabatinados.

Nas raras vezes em que não há um lançamento referido, até pelo fato dos atores estarem constantemente envolvidos com novos projetos, a motivação aparece pelo valor individual do entrevistado: ou ele é um grande nome do meio, como o diretor Werner Herzog, ou alguém que está aparecendo, e que apresente potencial midiático, como o já mencionado Long, o humorista Steve Carell ou o ator-diretor Jon Favreau, todos exemplos recentes que figuraram na secção Ponto Final.

Nomes brasileiros também constam nesse perfil da revista, como os atores Daniel de Oliveira, a pseudo-atriz Gisele Bundchen e os diretores Breno Silveira e Beto Brant. Mas conforme ocorre na indústria cinematográfica, o produto brasileiro ainda é muito menos valorizado do que qualquer aparição norte-americana ou européia.

Uma característica marcante das entrevistas de SET, evidenciada principalmente quando o espaço de texto é extenso e privilegiado, é o tom íntimo utilizado nas conversas. Não se vê um tipo de entrevista cientifica ou mesmo estritamente séria. O produto editorial frisa a proximidade do repórter com seu entrevistado na hora do bate-papo, e o andamento sempre marcado por momentos de descontração, como perguntas inusitadas e cômicas, quebrando o ritmo ordinário de uma entrevista e servindo também para humanizar aquele que é ídolo de muitos, tido como intocável. 

No que diz respeito ao conteúdo das entrevistas, não há como fugir de uma linha óbvia de raciocínio. Se o caso é o de um lançamento, o ator é questionado sobre suas experiências na produção, sobre qual é o valor de se trabalhar com um ou outro diretor, sobre as características do personagem que interpreta. Exemplificando com algumas perguntas feitas para Bloom:Como está o clima da continuação?, Como seu personagem Will evoluiu? ou Qual a importância de Piratas no Caribe para sua carreira?. Em outro caso, sem esse mote explícito, a única mudança significativa se dá pela abrangência das questões, que passa a englobar toda a carreira e as particularidades e preferências da celebridade, como pode-se ilustrar pela entrevista de Theron: Ser uma mulher linda em Hollywood, facilita na hora de conseguir papéis? e Há como escolher um favorito entre sua lista de longas?.

O site da revista, em processo de rehospedagem, éhttp://www.setonline.com.br/

Trip - Jorge Mautner



Na edição de novembro, a Trip publicou em suas Páginas Negras uma entrevista de 4 páginas com Jorge Mautner - escritor, músico, ativista político, exilado da ditadura, tropicalista, entre outros infinitos adjetivos possíveis.

A rica biografia de Mautner é, possivelmente, a principal razão que pautou sua escolha para a entrevista: esta é uma edição temática - sobre liberdade - de uma revista com um foco bem definido - a busca da felicidade. Sua fala solta e suas experiências únicas lhe atribuem autoridade sobre ambos os assuntos.

Para o leitor, porém, isto pode não estar claro a princípio. É por isso que o texto começa com uma descrição cuidadosa da biografia de Mautner, com destaque para passagens inusitadas de sua vida - o judeu criado pela babá ialorixá, o Prêmio Jabuti aos 19 anos, o tropicalismo. Segue trecho:
"São raras as pessoas que podem colocar para dançar na mesma frase Wittgenstein, Lao Tsé, Monteiro Lobato, o Corinthians e os Panteras Negras. Mais raras ainda as que transitam da sede da Unesco aos inferninhos de Nova York, no meio tempo gastando horas a lavar pratos num restaurante tosco até terminar o dia descansando na mesma rede que foi de Dorival Caymmi. Figurinhas carimbadas as que podem num dia tramar a luta armada com um físico comunista próximo de desvendar a bomba atômica e, no dia seguinte, papear com militares num spa sobre filosofia grega. Quando essa pessoa junta pansexualismo, judaísmo, cristianismo, marxismo, tropicalismo e outros ismos em estado de óvni (claro... gente assim também já viu discos voadores), seu nome pode ser substituído por um substantivo abstrato: liberdade. Ou pode ter por alcunha Henrique George Mautner."
É uma abertura diferente, por exemplo, da última entrevista da Trip com os Beastie Boys. Lá, a curta narrativa que tenta ambientar o leitor na conversa já pressupõe um conhecimento prévio dos entrevistados - seja pelo sucesso do trio de hip hop, seja pela mirada num público setorizado. As duas abordagens parecem ter sido pertinentes e bem-sucedidas, ao menos na minha leitura.

A entrevista, em si, repete uma característica da edição passada, com o que podemos delinear um perfil da própria revista: temos uma conversa solta e agradável entre as partes, o que as aproxima e permite um aprofundamento dos temas. Aprofundamento, este, não no sentido de detalhes, mas sim quanto ao tema - felicidade, liberdade, ou seja, discussões filosóficas e existenciais. Esta é uma tentativa que agrega muito valor ao texto, que pode servir como peça de reflexão e foge então do destino de grande parte da produção jornalística, condenada a uma leitura breve e o posterior esquecimento.

Uma característica de Mautner chama a atenção num ponto. Apesar dessa proximidade com os entrevistadores, ele se recusa a abordar temas de sua intimidade, como sexo e casamento. Ele se defende: "A vida pessoal é uma questão de cavalheiros, não interessa a ninguém". É uma marcação de espaço que assegura privacidade a Mautner sem prejudicar sua opinião sobre os temas universais - e não particulares - que verdadeiramente importam ao texto.

O link para um trecho dessa entrevista é o seguinte:
http://revistatrip.uol.com.br/150/negras/home.htm .

Caros Amigos - Links



A Caros Amigos possui uma coleção chamada Grande Entrevistas. Trata-se de uma reedição de algumas das mais importantes entrevistas já publicadas pela revista.

Para a coletânea, foram dispensados os tradicionais rótulos de Explosiva ou Risonha e Franca. Dessa forma, o foco do leitor recai diretamente sobre a personalidade entrevistada, sem antes passar por um filtro indicativo do tom da entrevista.

Das cinco edições já lançadas, algumas entrevistas podem ser lidas no site. São entrevistas com Leonardo Boff,Marcelo Rubens PaivaLulaTom Zé, entre outros.

As Entrevistas de Veja: cores de vanguarda

A revista semanal de maior circulação do país reserva suas primeiras páginas editoriais para sua sessão regular de entrevistas. Conhecidas por Páginas Amarelas, recebem evidente destaque nesta que é uma das publicações mais lidas pelos brasileiros, pelo seu espaço privilegiado e por sua cor diferenciada, obviamente, amarela.

Se a revista Veja é com freqüência questionada por assumir uma linha editorial estrita e evidente em seus textos, as Páginas Amarelas poderiam circunstancialmente ser colocadas de lado nessa polêmica. Diversas vezes, possivelmente na maior parte delas, a temática da entrevista nem possibilita um direcionamento editorial tão contundente quanto aquele observado em matérias, artigos e colunas da revista.

Será possível traçar um perfil de entrevistado? Na melhor das hipóteses, pode-se imaginar duas linhas de escolha. Em uma delas, menos freqüente, Veja entrevista personalidades famosas que se relacionem diretamente com alguma situação recente do país, como foi o caso de Dunga, logo após ser indicado para o cargo de técnico da seleção de futebol, e do senador baiano Antônio Carlos Magalhães, logo após perder uma hegemonia política de 16 anos no controle do governo estadual. Ambos os fatos ganharam lugar de destaque na mídia nacional, e os textos da revista contribuíram para o enriquecimento de suas coberturas. E mesmo quando a escolha se dá deste modo, não há divulgação privilegiada dentro da publicação, como algum tipo de anúncio na capa. Muito provavelmente porque a real e majoritária identidade das Páginas Amarelas atuais está na entrevista com especialistas em áreas ou assuntos específicos, independente de sua fama. Por específicos entenda-se tanto complexas discussões científicas, teorias comportamentais, novas inserções no campo filosófico, relatos de culturais exóticas ou mesmo análises de como devemos agir na hora da conquista sexual, envolvidos de modo costumeiro ao lançamento de um livro ou filme autoral sobre o assunto. Quanto não há essa relação com outra forma de publicação textual, freqüentemente o tema é alavancado por ser mote de debates atuais. Um amálgama entre essas duas possibilidades de motivação aconteceu no mês de outubro, quando o tema da preservação ambiental surgiu com a entrevista do cientista James Lovelock, criador da Hipótese Gaia, segundo a qual o planeta se comporta como um organismo vivo, e algumas edições depois retornou com o ex-presidenciável norte-americano Al Gore, que lança o filme “Uma Verdade Inconveniente”, no qual alerta para os perigos iminentes do aquecimento global. Em ambas entrevistas houve inclusive um embate de opiniões entre essas duas frentes de pensamento sobre o mesmo assunto.

O desenvolvimento da entrevista segue uma lógica simples e explícita, guiada, ao menos na edição final, pela defesa, ou melhor, orientação de um diálogo continuado, proporcionando uma certa liberdade para o andamento do encadeamento de raciocínios. Costuma-se iniciar uma entrevista com perguntas introdutórias ao tema, exemplificadas em setembro com Arne Seierstad, jornalista norueguesa que relata sua experiência de três meses vivendo junto a uma família afegã, no livro O Livreiro de Cabul. As perguntas iniciais foram: Quais foram suas primeiras impressões no Afeganistão? e Por que a senhora decidiu escrever um livro sobre ele?.
Caso o tema no qual o entrevistado é especialista seja “acessível” ao conhecimento público, a seqüência de perguntas se desenvolve de maneira mais coloquial, com perguntas mais dinâmicas e exatas, como Existem mentiras razoáveis? e Onde se mente mais, na política ou no casamento?, feitas na sabatina de David Smith, filósofo que prega a mentira como característica inata do ser humano. Em outro caso, Greg Behrendt, consultor do famoso seriado Sex and the City, discorre sobre o sofrimento feminino nos relacionamentos, estimulado por questões como O senhor já usou alguma desculpa para dispensar uma garota? e Por que tantas mulheres inteligentes e bem-sucedidas se envolvem com homens errados?. No âmbito do supérfluo fica evidente uma intimidade do interlocutor com o entrevistado, já que volta à tona o discurso coloquial, com maior força do que em outras situações.

Outras vezes, ao lidar com assuntos mais complexos e até pouco compreensíveis sem estudos prévios, o entrevistador adota perguntas mais retóricas, leigas, que estimulem respostas bem desenvolvidas, sem a necessidade da indução do convidado a discursar sobre sua área de conhecimento. O físico-pesquisador Carlos Henrique Cruz é em certo momento abordado, na mesma entrevista: Como incentivar a inovação no Brasil e atrair mais cérebros para a indústria?Em que direção o Brasil deve seguir?(referindo aos rumos tecnológicos) e O Brasil investe pouco em pesquisa e desenvolvimento? São perguntas visivelmente semelhantes, possivelmente desnecessárias de serem feitas juntas em uma mesma entrevista sobre um tema mais “leve”.

Ressalta-se que isso não implica na falta de preparo ou de pesquisas por parte do jornalista, muito pelo contrário: retrata, de maneira positiva uma humildade (em oposição à pretensão) diante de alguém que sabe muito mais sobre o tema. Como esquiva, há o recurso de explicitar essa pesquisa prévia, utilizando-se de referencialismos, como na questão feita a Dick Pound, presidente da agência mundial antidoping : A revista inglesa The Economist chamou-o de “idealista nos moldes vitorianos”. Sua luta não é utópica?. A mesma prática aparece na entrevista de Lovelock: Alguns cientistas dizem que suas opiniões são apocalípticas e por isso não podem ser levadas a sério. O que o senhor diz a eles?.



Falsos diálogos

As entrevistas da revista EntreLivros, publicação mensal da Duetto Editorial, são bastante particulares, se comparadas às das demais revistas aqui analisadas. No entanto, tais diferenças devem-se mais às adaptações da linguagem ao público para o qual se destina e a temática tratada.Cada edição da revista traz uma entrevista no estilo pergunta/resposta, de em média duas páginas, com algum escritor de prestígio na literatura. O entrevistado de outubro, por exemplo, foi João Gilberto Noll, escritor gaúcho que eu particularmente não conhecia. Ela me chamou bastante atenção pois, da mesma forma que Mike D dos Beastie Boys questiona a estrutura da entrevista, Noll e seu entrevistador, Michel Laub, a discutem em determinado momento.
“Se a entrevista convoca minha escrita, como deixar de ser escritor aí?”
A entrevista é feita por e-mail, o que fica claro em sua pequena introdução. Com isso, um leitor que busque analisar a estrutura da entrevista, como eu, quando comecei minha leitura, espera um diálogo mais frio: o repórter envia as perguntas, o entrevistado as responde e tem-se uma entrevista. No entanto, não é isso o que ocorre. A relação criada entre os dois dá a impressão de que estão cara a cara e as questões levantadas dialogam diretamente com as respostas de Noll, de modo que o método utilizado nesse caso, certamente não foi o imaginado por mim quando pensei em uma entrevista por e-mail.
A problemática levantada em um determinado momento e que levou Noll a fazer a indagação acima foi sobre a separação ou a ligação entre o discurso do escritor e o de suas narrativas.
Entrelivros – Mesmo fazendo a distinção necessária entre suas criaturas e você mesmo, você tem consciência de que seu discurso como escritor tem muitos pontos em comum com o deles?Esta entrevista está sendo feita por escrito, e alguns trechos de suas respostas são ilustrativos disso...
Noll – Eu repito, sou um ativista da linguagem, um quadro militante da expressão. Mesmoressalvando que eu não seja o meu protagonista, para mantê-lo entre um livro e outro, trago-o no corpo. Quando faço as minhas falações para um público, eu sempre digo: “O que tentarei aqui é um exercício de literatura, de ficção”. Eu não estou exilado da minha narrativa quando falo num evento. É ela que eu trago no peito. Então abro o jogo com relação à tremenda dificuldade que é dar asas à expressão. Sei que minha vocação está mais enraizada nessa dificuldade, , cheia de percalços de arrebentar a aura gramatical e tudo. Da mesma forma, se a entrevista convoca a minha escrita, como deixar de ser escritor aí? Escrita não tem nada a ver com beletrismo, é claro, mas tem a ver com ritmo, com a melodia sinuosa da sintaxe, com o amor a quem está no outro lado de mim enquanto escritor. O ponto alto, então, vai para o atrito de todas as linguagens. Afloram as diversas tendências.
A preocupação de Noll em manter esse diálogo com o leitor, talvez seja o que permita a fluidez da entrevista via e-mail. É interessante notar que durante todo o tempo, por mais que se trate de um texto escrito, ele mantém estruturas e expressões da linguagem oral, interagindo com seu interlocutor virtual, da mesma forma que eu, ao escrever sobre ele, dialogo artificialmente com meus possíveis leitores (que poderão nunca existir).

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http://www.opovo.com.br/app/opovo/paginasazuis/2008/11/09/noticiasjornalpaginasazuis,834239/abu-ele-adora-ele-odeia.shtml
Ele estava sentando em um sofá no hall de um hotel na Beira Mar, sozinho como uma esfinge de cabelos cinza e impaciente: decifra-me ou eu te fodo. Um velhaco a coser labirintos de enigmas. "Daqui eu não me levanto", falou dando nome aos bois, o que naquela hora pareceu certa extravagância para arrefecer tensões - engano. "Se quiser tirar foto, te vira", disse ao fotógrafo Rodrigo Carvalho, a quem mostraria ao longo da entrevista seu lado demoníaco em caretas debochadas. Um bruxo corcunda de suspensórios ou, com menos firula, Abujamra.
Aos 76 anos, esperava o café da manhã. Depois de uma noitada longa, acordou numa manhã de sexta para fazer uma das coisas que mais odeia: ser entrevistado. Ao menos é o que sempre diz nas que concedeu. Não poupa vitupérios aos inquiridores, fazendo questão de deixar claro os papéis a serem interpretados. O dele, o do humor, nunca perde.
Antes mesmo de chegar a Fortaleza, havia gentilmente confirmado por e-mail a entrevista: "OK.", apenas. Chegamos com o recato de um respeito medroso, depois de conversas em que tentávamos remediar pela imaginação as prováveis respostas, incontornáveis, becos sem saída. Além dos dois repórteres e do fotógrafo, a estudante Natasha Farias acompanhava a equipe. Mais um pretexto para Abujamra tripudiar sobre a imaturidade, como se se vingasse da juventude, enquanto reclamava do sanduíche e das batatas fritas frias.
No começo da noite anterior, ele havia apresentado na cidade seu monólogo O Provocador, espetáculo em que faz uma versão teatral de seu programa de mesmo nome na TV Cultura, no ar há 8 anos. Um dos maiores diretores e atores do Brasil (para pôr-lhe no pescoço dois de seus superlativos), Abujamra foi aplaudido de pé pela platéia presente ao teatro:
"Ontem, depois que terminou o espetáculo, as pessoas tavam aplaudindo demais, me deu uma vontade de falar assim: 'De joelhos! De pé eu não quero mais!', mas não tive coragem. Era muito bonito, nera?"
O POVO - Por que você queria que te aplaudissem de joelho?
Antonio Abujamra - Humor! Humor! Você conhece essa palavra? Vem de humour. Queria fazer isso só por humor mesmo. Gritar 'De joelhos, de pé eu não quero mais!'. Olha aqui, se você fizer perguntas babacas, eu te arrebento e caiu de pau em você. Você já fez uma. Essa pergunta 'por que você queria que te aplaudissem de joelho?' é babaca. Você não entendeu a piada! Se a pessoa não entende a piada, eu posso cair em cima. Você pode ficar vermelho, constrangido. Pode se abanar. Mas você deve perguntar só coisas boas. A juventude tem que ter talento, tem que ter coragem e ser boa, mas podem perguntar o que vocês quiserem. (Se dirige para a Natasha e aponta o dedo: 'você pára de ser imprensa marrom e ficar escrevendo essas coisas aí. Isso aqui é uma conversa sexual entre homens).
OP - A gente veio no carro discutindo o medo que a gente sente em entrevistar o senhor...
Abujamra - Eu não acredito nisso! Não tenham medo! Não tenham medo de errar! Caminhem no incerto. Aí vocês me vêm com essa de ter medo de entrevistar um cara igual a vocês? Um velho acabado, sem ter onde cair morto. E vocês querem ficar impunes? Que não aconteça nada com vocês? Como vai ter medo de me entrevistar, meu amor? Explica para mim! Se você tiver medo, eles vão te estraçalhar. Estão todos procurando os medrosos para jogar em cima deles as suas frustrações irremediáveis. Não tenham medo de nada! Não tenham medo! Vão para puta que pariu! Vamos passar para um outro assunto.
OP - Você tem medo de alguma coisa?
Abujamra - Blá! Blá! Blá!
OP - O seu personagem provocador não tenta um pouco assustar as pessoas?
Abujamra - Fala mais alto! Eu sou surdo. Além de tudo isso, eu sou surdo.
OP - O seu personagem provocador não tenta um pouco assustar as pessoas?
(O garçom serve o café da manhã de Abujamra: misto quente, com batata-fritas e suco de laranja)
Abujamra - Pode servir! A única coisa boa da entrevista até agora é isso aqui... O provocador na televisão tem oito anos. Já não agüento mais aquela minha cara dizendo poemas. Eu já chego e nem leio mais poemas. Já mando colocar no teleprompter e pronto! Eu faço provocações como qualquer programa de televisão. Se vocês perguntarem quem foi que você entrevistou melhor nesse tempo, eu respondo: a rua. Sempre na rua são os melhores entrevistados. Você vai na rua e eles falam coisas maravilhosas, sem nenhum erro. Vocês estão servidos? (Oferece o café da manhã). Eu acordei agora. Bora! A entrevista é de vocês, coragem! Marchem!(Se dirige ao fotógrafo) Não fotografe enquanto eu mastigo.
OP - Voltando ao programa Provocações, você sempre se diz ser muito provocado. Você se lembra quando você foi provocado pela primeira vez?
Abujamra - É só andar pela rua. Ande em seu país e veja o que acontece. Pegue um ônibus! Veja a camisa suada do cara na sua frente. Que tecido era a camisa? De onde era? Por quê? Tudo isso me provoca. Pega um jornal e abre. Nós somos provocados constantemente. O país finge que está bem. Todo mundo sabe disso. Não sei... Talvez em Fortaleza vocês estejam bem mesmo. Ser provocado é isso. É só sair na rua. É só olhar para as pessoas. É só perguntas para as pessoas, assim: o que você faz? Pronto! Você nunca percebeu isso?
OP - Percebo.
Abujamra - Então para que você está me perguntando?
OP - Mas a pergunta era para saber se houve uma primeira provocação?
Abujamra - Teve sim! Eu tinha um ano de idade, eu acho. Hoje eu tenho 77. De lá até aqui, eu só vi provocações. Eu vejo que as coisas não andam. Veja, por exemplo, a educação. As coisas não mudam em mais de 30 anos. Isso é uma provocação! Como é que nunca foi feito um projeto de educação neste País? Nunca! Tanto dinheiro que não vai para a educação. Isso tudo é batido, meu amor! Você não acha? Faz assim. Escreve o que você acha e diz que fui eu que falei.
OP - O Abujamra provocador existe desde muito antes do que o programa?
Abujamra - Eu passei 25 anos pensando em fazer esse programa. Ele começou com uma entrevista com um cara, um físico, ele chegou e perguntou para mim: você não acha erótico um setentão soltar uma bomba? Não! Eu acho mais erótico fazer outro tipo de trabalho. Arrebentei com o cara. Então eu tive a idéia de fazer um programa com essas pessoas que acham que sabem tudo para a gente desmontar isso.
OP - Mesmo assim as pessoas topam participar do programa?
Abujamra - Eu sei lá porque isso acontece. Tem uma fila querendo participar do Provocações. Tem gente que não acaba mais. Acho que eles vão com a ilusão de resolver os seus problemas. Ou os meus. Ou os do mundo. Sei lá. Eu não perco mais tempo com eles. Mas tomara que ninguém leia isso em São Paulo. Se eu perder o emprego, eu dou uma porrada em vocês.
OP - Seria mais um emprego que você perderia, né?
Abujamra - Já me expulsaram três vezes da TV Cultura, quatro vezes da bandeirante, cinco vezes da Globo. E agora eu vou fazer novela na Record. Não posso mais falar mal do Bispo Macedo. E ontem, no meu espetáculo, eu falei mal dele. Não consigo. Eu vou ser um mafioso nessa nova novela. Um mafioso! É muito chato ficar comendo e dando entrevista.
OP - Você quer parar a entrevista para poder comer?
Abujamra - Eu queria mesmo que vocês fossem embora. O que vocês querem ainda saber de mim?
OP - Sobre esse mafioso que você fará na Record...
Abujamra - Não tem nada certo ainda. Eu só sei que eles vão me contratar, agora o que eu vou fazer eu não sei ainda.
OP - Como é essa sensação de você a voltar a fazer novela?
Abujamra - Eu sou um ator! Faço cinema, televisão, teatro, michê. Eu sou ator. Vou lá e faço o trabalho. Na televisão, é todo mundo igual, né? Tem coisa diferente na televisão?
OP - Por que o senhor começou a fazer televisão, então?
Abujamra - Porque é do meu tempo! As coisas do meu tempo eu tenho que usar. Não sei. Eu não posso ficar longe dessa comunicação de massa. Vamos fazer! E subverter quando estiver lá. A Globo não me agüentou! Não é assim, vocês são maquiavélicos. Eu incomodo, entendeu? Por isso eu sou expulso. Vamos ver o que acontece na Record agora. Você vai fazer uma exposição, para quando eu morrer, é isso? (Pergunta para o fotógrafo)
OP - E por que você acha que a televisão ainda vai atrás de você?
Abujamra - O achismo me enche muito o saco! Eu acho, eu acho, eu acho! Me enche o saco também a palavra importante. Eu sempre tento tirar essas palavras das pessoas que conversam comigo. Eu não quero saber do achismo. Eu sou um ator! Quando eu sou diretor de uma emissora, como eu fui diversas vezes, havia várias pessoas na minha sala pedindo emprego. Por que eu, ator desempregado, não vou pedir também? Eu vou pedir! Se não me dão emprego, o problema é deles. Mas eu vou pedir sempre emprego. Na televisão eu peço: quero fazer novelas! Não deixam. Viadinho! (Dirigi-se ao fotógrafo) Uma frase para do Dostoiévski para você: "O casamento é a morte de qualquer alma". Não fala isso para a sua mulher! (Dirigi-se para a Natasha) Vou falar uma para você para consolar. "O mais importante não é o amor. O mais importante é a gentileza". Bonito, né? Já chega! Vão embora!
OP - Abujamra, você se considera um homem de frases feitas?
Abujamra - O que quer dizer frases feitas? Por exemplo, se eu falo "ser ou não ser, eis a questão". É uma frase feita? Ou é uma das melhores a que a gente pode falar numa conversa, em vez de perguntar "como você vai?". O que é melhor: você ter as grandes frases dos grandes autores ou falar da mesmice que a gente fala todo dia? O que é melhor: você descobrir frases onde a sua vida está incluída ou você ficar falando "ih... o preço do tomate aumentou". O que é melhor? Vou dizer uma frase que define isso. Tudo o que foi bem escrito ou dito é meu. Eu posso usar o que eu quiser. Frase feita é uma agressão na pergunta. Essa foi uma pergunta agressiva. Eu uso frases feitas no meu espetáculo? Eu não sei! Se usei frases feitas é porque eu precisava usar. Não sei o que significa uma frase feita. O que é uma frase feita para você?

OP -
 Frases decoradas...
Abujamra - Uma frase decorada? Eu sei muito texto de Shakespeare, do Tennessee Williams (dramaturgo estadunidense, 1911-1983, autor de clássicos do teatro como Gata em Teto de Zinco Quente e Um Bonde Chamado Desejo), do Fernando Pessoa. Eu sei decorado esses textos, que são bem melhores do que eu falo, na verdade... E bem melhor do que a fala de qualquer jornalista babaca.
OP - Mas você não acha que o Abujamra se repete quando diz não conseguir completar um minuto de coisas boas feitas por ele na televisão? O Abujamra seria um fingidor ou um repetidor?
Abujamra - Sei lá. Eu dirigi muito tempo televisão. Dirigi demais. O que você tem de bom na televisão? Alguns segundos: só! Alguns segundos. A televisão está virgem. Ela tem que ser descoberta. Tem que acreditar na comunicação de massa. Tentar melhorar as pessoas. Mas a televisão quer piorar as pessoas sempre.
OP - E o teatro tenta melhorar as pessoas?
Abujamra - O teatro? (pausa) Não sei. Faço isso só há 58 anos. Eu acho melhor do que britar pedras na rua, né não? Então eu prefiro fazer teatro. Não sei se isso é uma frase feita. Televisão é uma coisa, teatro é outra coisa, cinema é outra coisa. Eu sou ator de teatro, televisão, de cinema, de michê. (Risos) Não sei se a palavra michê existe em Fortaleza!
OP - Na hora de uma entrevista, você é um ator também?
Abujamra - Vai tomar no teu cu, antes que eu me esqueça. Eu sei lá se eu sou ator ou se eu não sou. Se eu sou isso ou se eu sou aquilo. Você acha o que você quiser que eu não dou a mínima importância. Fale o que você quiser. Ele finge! Ele não finge! Eu sei lá o que eu sou. Sei lá. Tenho 77 anos de idade, eu sei lá o que eu vou fazer depois. Tem horas que eu trabalho, tem horas que eu não trabalho. Eu sou um fudido privilegiado, que pensa em fazer o Rei Lear, mas não faz. Sou um fodido privilegiado, porque de repente me chamam para fazer um trabalho. Vocês são insuportáveis. E ainda me perguntam as coisas que me perguntam há 50 anos. As mesmas coisas. Eu queria que vocês caminhassem no incerto, como pede Pascal. Tudo bem, vocês nunca leram Pascal, mas saiam aí nas ruas e sintam-se mais inseguros. Agora vocês chegarem para mim e perguntar essas coisas que vocês me perguntam. Eu se fosse chefe de vocês colocava vocês na rua. Tem que ser outra coisa. É outro conceito. Tem que mudar. Pegar essas informações da internet e usar. Tem que fazer isso. Eu estou agredindo muito vocês. Eu espero que essa agressão mereça uma atenção, para quando vocês forem falar com outras pessoas, não façam perguntas vulgares e ridículas como essas que vocês estão fazendo para mim. Estou sendo chato?
OP - Não!
Abujamra - Não é possível que eu não esteja chato! Vocês vieram aqui mesmo para apanhar. São masoquistas, é isso?
OP - Qual seria uma boa pergunta para fazer para você?
Abujamra - A que vocês descobrissem.
OP - O que foi que o senhor sonhou esta noite?
Abujamra - Sonho não deve passar de uma noite, meu amigo. Sonho não me interessa. Não quero que ninguém sonhe na minha frente. Sonho não deve passar de uma noite e acabou! Não tem importância. Ninguém tem que sonhar. Sonho só dá esperança, e a esperança já fodeu com a América Latina inteira.
OP - Você não tem mais esperanças?
Abujamra - Nenhuma. Eu quero que a esperança vá tomar no olho do cu dela. Não tem mais nenhuma.
OP - Acabou em 68?
Abujamra - Principalmente. Acho que nem tinha já naquela hora. Tchau! Vocês podem ir embora. Vão! Eu ainda não comi esse meu café. Vocês ainda me fazem comer frio. Olha a crueldade.
OP - A entrevista está chata?
Abujamra - Uma das piores que eu já dei na minha vida. O que essa menina faz? (Aponta para a Natasha. Ela responde: eu sou aprendiz de jornalismo). Belos professores você tem. Ouça mais a mim do que eles. Falem, seus viados.
OP - Quando você percebeu que estava velho?
Abujamra - Eu devia ter uns 15 anos. Eu sou um velho. Eu lia demais. Eu ficava lendo, lendo. Por isso envelheci. Eu sei lá quando eu era velho. Velho é quando começa a baixar o pau. Sei lá, um dia eu sentei nas bolas e percebi que estava velho. Eu sei lá quando a gente fica velho. Eu levo a minha vida. Faço as minhas coisas. Agüento uma porção de gente. Acabou a entrevista?
OP - Ainda não!
Abujamra - Então, escreve tudo o que você quiser no seu jornal. Para mim, não tem a menor importância o que você vai escrever. Fale tudo o que você quiser e diga que eu falei. Isso não me importa. (Olha para o fotógrafo) O Cartier Bresson, você vai encher muito meu saco ainda? (Pega uma batata-frita e a coloca na altura do pênis e posa para o fotógrafo). Gosto de fazer caretas.
OP - Por que você odeia tanto as coisas?
Abujamra - Quem disse que eu odeio? Não é assim, eu odeio as coisas. Eu sempre fui bem claro. Eu odeio tudo. Não é algumas coisas. Odeio o mar, o ar, vocês. Acho tudo uma bosta nesse país, um lixo. Eu acho odiar uma coisa bem menor do que a vingança. Eu devia me vingar das coisas que acontecem nesse país. Eu só digo que odeio porque as pessoas acreditam que eu odeio.
OP - Quem odeia ama?
Abujamra - Mas é cada pergunta! Vocês tão querendo, né? Vocês vão piorando cada vez mais. Quem odeia ama sim. Ama, trepa, odeia. Ama de novo. Exatamente o que você acha da vida é o que acontece. Gostou? Porra! Tem muita coisa que a gente não sabe responder. Dá para vocês irem embora? A melhor coisa da entrevista até agora foi a batata frita. Geralmente me fazem só três perguntas. Vocês trouxeram um livro. Vão embora!
OP - A gente combinou ser uma hora de entrevista...
Abujamra - Então eu vou dormir aqui. Quando der o tempo, vocês me acordam. Vai seu viadinho, pergunta logo!
OP - Queria voltar ao Provocações. Você disse que é um personagem que você não suporta mais...
Abujamra - Eu sou o rei da incoerência. Eu adoro o Provocações. Eu também odeio o Provocações. E agora? Tô louco para faze-lo de novo. Sexta-feira, eu gravo. Adoro provocações. Entende? Não façam perguntas em que as respostas sejam definitivas. Nada o que eu falo é definitivo. Eu idolatro a dúvida. Não dá. Você acha que eu vou falar claro e eficiente para os jornais, respondendo as perguntas? Não falo! Perguntam se eu odeio, eu respondo: odeio. Eles publicam "O Abujamra odeia". Aí, no outro jornal, eu respondo: eu adoro. Aí o pessoal publica: "O Abujamra adora". Isso não quer dizer nada. O jornalismo brasileiro não tem ética. Você vai chorar com isso? Agora acabou mesmo!
OP - Você se acha superior a outras pessoas?
Abujamra - Acha? Eu não quero achismo.
OP - Desculpa. Você se considera superior a outras pessoas?
Abujamra - Superior? Eu não sou superior a nada. Eu sou um bosta igual a todos. Só que eu vejo as coisas que não me agradam e eu falo. Fui jornalista, fui crítico, fiz tudo na minha vida. Trabalhei em todas as televisões. Fiz 127 peças de teatro. Eu lá vou saber responder essas coisas. Vocês são muito metidos. Aliás, o Ceará é muito metido, sabia? E não tem porra nenhuma. Chega alguém e diz: esse escritor escreveu esse livro recente e é melhor que o Guimarães Rosa. Aqui no Ceará se escreve um poema e acham que mudaram a poesia. Aí eu viajo e comento com alguém. Os caras lá no Ceará escrevem um livro e acham que mudaram a literatura. Alguém responde: "Eles estão certos". (risos)
OP - Você falou da precisão da palavra. De eliminar o achismo...
Abujamra - Eu fiz um dogma. Tinha um grupo chamado os Fodidos Privilegiados, no Rio de Janeiro. Vamos fazer um dogma. Vamos parar de falar a palavra importante. Nada é importante. Vamos parar de falar a palavra humano. A barbárie tem o gosto humano. Vamos deixar de falar achismos. Eu acho é uma chatice. Vamos parar de falar uma porção de palavras. No final, a gente quis tirar o verbo ser e a gente se perdeu. Não dava mais para conversar.
OP - Essa experiência com a palavra veio da convivência com o João Cabral de Melo Neto?
Abujamra - Claro! Esse sabe as coisas. Esse é um gênio. Esse é o melhor poeta da poesia brasileira. E daqui a 20 anos todo mundo vai dizer que ele foi o maior poeta do Brasil. João Cabral é fantástico. Era a palavra precisa. Ele era capaz de escrever um verso, deixar na gaveta seis meses e tirar para saber se ainda cabia num poema. É outra coisa, né meu amigo? Toda palavra é fascista, já dizia Roland Barthes. Será que é? Será que a palavra não é uma coisa muito clara? As pessoas não sabem falar. Elas falam de coisas que não sabem falar e não buscam. Não lêem. Não estudam. Peguem um grande livro, um Joyce, um Kafka, um Proust, um Beckett. Aprendam a ler! Se não dá para não ir ao passado, pega o presente. Existem novos filósofos brasileiros? Não têm! Ou seja, fodam-se. Não me encham o saco. (Pega o gravador e joga longe do local da entrevista. O repórter o recolhe de volta). Levantem-se. Vão embora. Estagiária, vai também. Tchau. Não vou responder mais nenhuma pergunta.
OP - Por que você topou dar essa entrevista, então?
Abujamra - Canalhas! Eu disse "não" 40 vezes. Aí me encheram o saco. "Precisa dar entrevista. É Fortaleza. Blá Blá Blá". Eu odeio, recusei outra entrevista. Não sei onde apaga essa porra do teu gravador. (Joga de novo o gravador)
OP - Existe alguma...
Abujamra - Vai tomar no cu. Acabou a entrevista. Eu agora só vou responder assim: vão tomar no cu!
OP - Mas tem uma frase...
Abujamra - Vão tomar no cu!
OP - Mas acabou mesmo a entrevista? Queria perguntar mais.
Abujamra - Vai tomar no cu! Nunca falei tanto para jornalista. Lê as outras entrevistas, copia. Tchau! Você é um ridículo fazendo essas perguntas.
OP - Você mesmo disse que tinha ir no incerto, errar?
Abujamra - Deve usar, inclusive só as erradas.
OP - Essa entrevista deu certo ou deu errada?
Abujamra - Você começou a entrevista de novo? Você pode ir embora, eu quero ler os jornais. Tenho 77 anos e não tem entrevista próxima. Eu vou morrer.
OP - Te incomoda a morte?
Abujamra - Eu não agüento vocês. Me incomoda muito. Não, não! Não me incomoda nada. As duas estão certas e aí? Eu não quero responder essas coisas. Tudo o que eu falar, pode escrever o contrário. Não tem importância. Vieram me provocar, então podem ir embora. (A equipe se levanta e segue para fora do hotel. Abujamra grita com os braços erguidos Aleluia! Aleluia! Por favor, terminem a reportagem assim. Aleluia! Aleluia! Aleluia!)
>> Durante a infância, Antonio Abujamra morou em Porto Alegre, onde estudou para se tornar padre ou militar. Possivelmente não foi um bom aluno de matemática. Ele afirmou ter 77 anos, mas nasceu em 15 de setembro de 1932, na cidade de Ourinhos, interior de São Paulo.
>> Em Porto Alegre, graduou-se, em 1957, em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul de Porto Alegre. Era o curso mais curto que existia. Logo em seguida, iniciou a trajetória de crítico.
>> O programa Provoações vai ao ar, às sextas-feiras, às 22h10, na TV Cultura. Há uma reprise, na madrugada de sexta para sábado, às 2h30. Talvez seja um dos motivos para a baixa audiência.
>> No espetáculo A Voz do Provocador, em cartaz no dia 02 de outubro em Fortaleza, após divagar sobre educação, ele lança para a platéia a seguinte provocação: "cadê essa juventude para nos desrespeitar e dizer que nós não servimos mais para nada?".
>> A entrevista aconteceu na manhã do dia 03 de outubro. Na mesma noite, ele apresentou, ao vivo, o Provocações, no teatro Celina Queiroz. Abujamra entrevistou o ator Ricardo Guilherme. A primeira pergunta para o teatrólogo cearense foi: "o que é a vida?".
>> Após a apresentação a apresentação do Provocações, ao vivo, na sexta-feira, Abujamra fez o que não teve coragem no dia anterior. Pediu para a platéia aplaudi-lo de joelho. "De joelhos, de pé eu não quero mais", pediu.
>> Apesar de ser mais conhecido como ator do que diretor, Abujamra, quando voltou da Europa, influenciou nomes do teatro brasileiro que ganharam projeção na divulgação de seus trabalhos. São eles: José Celso Martinez, Augusto Boal e Oduvaldo Viana Filho.
>> Abujamra, ao longo de toda a entrevista, sem estar teorizando sobre o "achismo", conjugou o verbo achar 17 vezes.
>> Abujamra não cansa de repetir algumas frases. Entre as suas prediletas estão de a televisão ainda é virgem e precisa ser descoberta. Ele sempre diz também que odeia tudo. No entanto, afirma gostar do seu neto. É o único homem que mexe com a sua cabeça.
>> Atualmente, Antonio Abujamra atua e dirige o espetáculo Começar a Terminar, em cartaz, em São Paulo, no Teatro João Caetano. O texto traz como tema a velhice. Uma crítica na revista Bravo! deste mês, comenta que "o melhor e o pior da peça se devem ao egocentrismo do ator principal".
Ele não cabe em um texto
O ator, diretor e produtor Antonio Abujamra, em sua trajetória, orgulha-se por ter assinado obras-primas e grandes-fracassos, tanto no teatro, quanto na televisão brasileira. O grande público o conhece principalmente pelo personagem Ravengar, da novela Que rei sou eu?, exibida pela Rede Globo, em 1989. Com o papel, ele recebeu o prêmio de melhor ator da Associação Paulista de Crítica de Arte (APCA).
Da televisão brasileira, ele participa desde sua fundação. No final da década de 60, participou da produção do programa Divino, Maravilhoso, na TV Tupi, que revelou nomes da Tropicália. O currículo divide espaço com fracassos homéricos, como a desastrosa novela Os Ossos do Barão, exibida pelo SBT, em 1997, da qual ele foi diretor.
No teatro, o desequilíbrio produtivo se repete. É um personagem paradigmático. Na década de 50, ganhou uma bolsa de estudos para Madrid. Aproveitou para conhecer toda a Europa e parte da África. Quando estava totalmente sem dinheiro, pediu abrigo ao poeta João Cabral de Melo Neto, na época, embaixador brasileiro na Espanha. No período de 28 dias, aprendeu mais poesia do que em cinqüenta anos de universidade brasileira.
Após sua estada na Europa, onde trabalhou com Roger Planchon (dramaturgo e cineasta francês) e Jean Villar (ator e diretor francês), trouxe para o Brasil não só estas referências como difundiu o método brechtiano de fazer teatro. São mais de 100 espetáculos com a sua participação, sempre com autores clássicos: Ionesco, Gogol, Beckett, Shakespeare, Dias Gomes, Garcia Lorca, Millor Fernandes, Moliére, entre muitos outros.
Uma de suas peças mais ousadas foi Hamlet é Negro, em 2003. Ele reuniu 19 atores negros e montou um clássico do teatro ocidental. Quando questionado pela mídia, na época, sobre as interferências no texto do dramaturgo inglês, Abujamra respondeu que poderia se mexer o quanto quisesse em Shakespeare e ele continuaria sendo Shakespeare.
Quando o programa Provocações foi ao ar pela primeira vez em 2000, o projeto tinha a intenção de ficar na TV por apenas três meses. A justificativa, na época, difundida pelo idealizador Antonio Abujamra dizia que o formato do programa se esgotaria antes mesmo de concluir o terceiro mês. Ao longo de quase 20 anos, o programa recebeu um "não" de todas as emissoras comerciais, até cair na porta da TV Cultura que apostou no Abu (com é conhecido). Passaram-se oito anos, e o programa de entrevistas permanece com a mesma audiência de quando começou: 1%.
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Caros Amigos entrevista
Antônio Abujamra

www.youtube.com/watch?v=mYqRCgbQjfk

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Relembre algumas entrevistas de Antonio Abujamra com autores da Boitempo no Provocações

abujamra
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ABUJAMRA, DOWNEY JR. E O GÊNERO ENTREVISTA AMEAÇADO DE EXTINÇÃO

Postado por Márcio Padrão em mai 02, 2015 às 9:00 am
http://quadrisonico.com.br/2015/05/02/abujamra-downey-jr-e-o-genero-entrevista-ameacado-de-extincao/
Anteontem morreu Antônio Abujamra, renomado ator, diretor e apresentador do programa de entrevistas “Provocações”, da TV Cultura. Alguns dias antes, Robert Downey Jr.abandonou a sala onde concedia uma entrevista a Krishnan Guru-Murth, do canal de TV britânico Channel 4 ao ouvir perguntas inesperadas sobre sua intimidade.
Você deve estar se perguntando por que eu juntei esses dois temas no mesmo parágrafo. Eu na verdade não quero focar em nenhum dos dois, mas em uma inquietação profissional minha que acaba reverberando nesses dois casos: a entrevista enquanto gênero, que anda precisando de uma injeção de espontaneidade.
Abujamra ficou mais conhecido popularmente pelo bruxo Ravengar da novela “Que Rei Sou Eu?”, mas foi no “Provocações” que ele se revelou um mestre no ofício da entrevista televisiva. O ator tinha grande bagagem teatral – era representante do método de Bertolt Brecht, que foi um dos dramaturgos com maior viés sociológico dos nossos tempos. Trouxe isso para seu pouco convencional estilo de entrevistar, no qual incorporava um tipo Lex Luthor meets Marília Gabriela e fazia perguntas a personalidades que ninguém tentava ou ousava fazer, mas que engenhosamente dialogavam muito bem com a psique dos entrevistados. Estes, por sua vez, de cara estavam cientes de seu antitrião-personagem, aceitavam a brincadeira e na maioria dos casos esse método rendeu excelentes conversas. Abujamra decifrava as pessoas não pelos seus centros nervosos, mas por suas arestas e tangentes.
Robert Downey Jr. é o maior astro do cinema atual após ter caído nas graças da Marvel no papel de Tony Stark/Homem de Ferro, mas nem todo mundo lembra que nas décadas anteriores ele se meteu em vários problemas com drogas, prisões e relacionamento com o pai, o também ator Robert Downey Sr. Mas Krishnan Guru-Murth lembrava, e tentou transformar uma entrevista de divulgação de “Vingadores: A Era de Ultron” em uma chance para questionar Downey Jr. sobre seu passado negro, sem aviso prévio ao astro. O resultado você pôde conferir no vídeo acima.
Os dois casos mostram as duas pontas do tortuoso processo que é a recuperação da sinceridade e da descoberta em entrevistas. Cada vez mais as assessorias de imprensa do Brasil e do mundo blindam seus clientes de modo a que eles só respondam ao que lhes interessa, com respostas prontas, e se esquivem de tudo que possa manchar sua carreira. A morte de Abujamra é uma grande perda nesse sentido, pois o estilo de entrevista do ex-Ravengar era o extremo oposto desse cabresto. Já o britânico que irritou o Homem de Ferro é até jornalisticamente bem intencionado ao não querer seguir o sistema engessado das “junkets” (rodadas de entrevistas curtas com o propósito único de promover filmes), mas pecou na execução atrapalhada de seu propósito, igual ao que fez com Quentin Tarantinohá um tempo.
Foram dois eventos isolados que ocorreram com diferença de dias e que dizem muito sobre o estado atual do ofício da entrevista. Krishnan Guru-Murth depois tentou dar seu ponto de vista sobre o que ocorreu com Downey Jr. em um texto para o “Guardian” chamado “Astros e jornalismo devem percorrer caminhos opostos?” e desta vez ele foi cirúrgico ao definir a raiz da questão. “‘Estamos promovendo um filme?’, perguntou Robert Downey Jr, evidentemente surpreso com o caminho que a entrevista estava tomando. ‘Você está, mas eu não’, é talvez o que eu deveria ter dito para esclarecer a confusão”.
Agora faltam as duas partes quererem a mesma coisa sem precisar de camisas-de-força que travem o diálogo. Como Abujamra e Guru-Murthy bem sabem, um possível ponto de partida para se chegar a isso é provocar.

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http://anotacoescinefilo.com/2014/02/02/coutinho-na-paisa/#more-1808

Coutinho na Paisà

O Fim e o Princípio (2005)
O Fim e o Princípio (2005)
Como o arquivo da Paisà segue fora da web reproduzo aqui os três artigos sobre Eduardo Coutinho que foram publicados na revista. O primeiro é a minha crítica para O Fim e o Principio na edição zer0 da revista (que calha em também ser meu único texto sobre ele para além de alguns comentários aqui no blog) . Depois o texto do Francis sobre Peões e Entreatos quando dos seus lançamento em DVD no #6. Por fim, a bela crítica do Francisco Guarnieri para o nosso site quando do lançamento de Jogo de Cena.
O Fim e o Principio
por Filipe Furtado
Nas entrevistas que Eduardo Coutinho concebeu à época do lançamento de Edifício Master era possível notar uma preocupação sobre o que viria a seguir na sua obra, um reconhecimento de que se tornava cada vez mais difícil escolher delimitações para os seus filmes. Temos então O Fim e o Principio (Peões, o filme de transição realizado entre eles foi um projeto oferecido ao cineasta por seu produtor João Moreira Salles) e logo nos primeiros minutos a voz em off do próprio Coutinho nos instaura na crise: descobrimos que o cineasta partiu para o filme sem tema, sem planejamento, sem suas habituais entrevistas prévias, o único elemento certo é uma cidade da Paraíba aparentemente escolhida de forma aleatória.
Essa falta de planejamento é bastante clara na tela. Pode-se dizer que o dispositivo-Coutinho, que vinha se desenvolvendo desde Santo Forte, é propositalmente desgastado aqui já que o jogo entre o cineasta e seus personagens, que era permitido pelas pré-entrevistas, inexiste. Não há em O Fim e o Principio os pontos altos dos trabalhos anteriores, as entrevistas não rendem tanto, os personagens não são tão cativantes, etc. Em suma, num exame apressado poder-se-ia dizer que o filme deu errado. Mas estamos bem longe disso. Um ponto de comparação útil seria Dez de Kiarostami, outro exemplo de filme em que um mestre propositalmente se limita ao abrir mão dos elementos mais reconhecíveis do seu cinema, de forma a melhor valorizar o que é central nele (há outras similaridades, como na forma com que ambos jogam com a tensão do que é acidental ou planejado). Talvez não exista na obra de Coutinho momento mais revelador do que seja o seu cinema que a sequencia em que um dos velhos redireciona a construção da cena ao pedir que o cineasta o filme por outro ângulo.
O Fim e o Principio é o mais rigoroso dos filmes de Coutinho. Sua construção progride com exatidão, de uma aparentemente completa falta de foco da meia hora inicial até as sequencias de despedida no final, quando temos a sensação de que cada imagem só pode suceder aquela imediatamente anterior.  No inicio, Coutinho e sua equipe têm apenas uma guia e o distrito de Araças, mas logo fecham o foco sobre os idosos do local. A forma como a vida lentamente se extingue se torna cada vez mais o centro do filme, menos pelas histórias de vida que Coutinho recolhe do que pelo que sua câmera capta. Imagem por imagem, é provavelmente o filme mais expressivo do diretor (e o trabalho de câmera de Jacques Cheuiche é um primor). Porque possui o que torna seu cinema único (um lembrete deque documentário não é mera peça de informação): a sua capacidade para captar um rosto, um local. O que nos fica de O Fim e o Principio é justamente a nossa experiência diante de uma face enrugada, diante das salas dos casebres  de Araças. Com suas imagens, Coutinho põe em ação o velho ditado de Jean Cocteau – “o cinema capta a morte em ação” –, mas também o seu oposto, ao imbuir essa morte de vida continua contida em cada plano.


Entreatos/Peões
por Francis Vogner dos Reis
Para começo de conversa, convém separar Peões de Eduardo Coutinho e Entreatos de João Moreira Salles do grosso da produção de cinema-documentário no Brasil: hoje, “documentário brasileiro” é um sub-gênero que se legitima pelo seu caráter de “serviço”. É barato e com uma clara contraproposta social que é a de informar, educar e apoiar causas nobres, como se assim, justificasse o gasto de dinheiro público. Peões e Entreatos não podem ser enquadrados na mesma lógica, sobretudo porque são realmente projetos de cinema, de rigor formal e com propostas estéticas muito bem urdidas. Hoje em dia, é raro ver, não só documentários, mas filmes brasileiros que buscam se relacionar de modo tão direto com a história quanto Peões e Entreatos, e, sobretudo, defender posturas estéticas tão fortes. Ambos têm um vínculo estreito com o episódio “Luis Inácio Lula da Silva” na nossa história recente.
A câmera de João Moreira Salles entra no olho do furacão e acompanha o então candidato do PT à Presidência da República. Candidato que vinha de três candidaturas derrotadas e no caso, em 2002, tinha larga vantagem contra o adversário José Serra. O objetivo do diretor é buscar o personagem Lula entre os atos oficiais da candidatura de 2002, daí o nome Entreatos, que,
se parece um princípio ilusório de atingir a verdade do personagem ao buscar uma dimensão mais íntima (no barbeiro, nos bastidores dos debates, na casa do candidato em São Bernardo do Campo, nas conversas com os companheiros de partido), consegue tirar dessa mesma opção de registro sua força e seu grande trunfo, porque a performance de Lula não tenta ocultar que tudo ali é feito para a câmera do diretor. Lula se transformou num grande personagem de cinema, autoconsciente de sua imagem e co-criador do próprio mito. Não importa a João Moreira Salles se a figura do presidente é uma imagem que simboliza valores positivos e autênticos ou se tudo não passa de mais um episódio de mero populismo latino-americano. Seu objetivo é o exame dessa imagem, que antes nos era conhecida quase que exclusivamente por intermédio de imagens de arquivo do sindicalista, do marketing político das campanhas e das entrevistas concedidas à TV.
Se Entreatos é um exame das imagens, Peões é uma investigação. Peões tem uma operação estética muito mais sofisticada, o que resulta num dos melhores trabalhos de Eduardo Coutinho. A procura é pelas figuras anônimas que participaram das greves e testemunharam de perto a ascensão de Lula como líder da classe trabalhadora. Durante a busca de alguns personagens, o cineasta recorre à imagens do passado: fotos das greves, assim como documentários realizados na época das greves do sindicato dos metalúrgicos em São Bernardo, entre 1978 e 1980. Nos depoimentos, nos gestos, na rememoração por meio das conversas, dos videos e das fotografias, se estabelece uma tensão entre as imagens do passado e do presente. Lula é uma eminência parda, menos como personagemsímbolo e mais como uma referência na qual convergem as histórias dos entrevistados como trabalhadores relativamente anônimos que participaram ativamente daquele momento. Relativamente porque, no início de Peões, em uma reunião com os ex-companheiros de Lula, a equipe de Coutinho coloca videos das greves para que estes identifiquem conhecidos e lhe dêem nomes. Como Coutinho sempre se interessou mais por indivíduos do que pela idéia de “povo”, “massa” ou “classe”, ele recorre a imagens da história oficial para tirar delas histórias particulares. O cineasta sabe que uma imagem não é somente o que se vê dela, mas que inevitavelmente ela se multiplica para muitas outras. O que interessa, absolutamente, são os detalhes. Guardadas as devidas diferenças, essa investigação não é lá muito diferente do que a que Dario Argento realiza em Prelúdio para Matar e que Brian DePalma faz em Olhos de Serpente. Todos eles fazem uma cartografia das imagens.
Tanto Peões quanto Entreatos não são filmes de homenagem ou revisão, não pretendem só registrar ou interferir na história, a proposta é antes de tudo entender o mundo que há por meio das brechas da história oficial.

Jogo de Cena
por Francisco Guarnieri
“Se você é mulher e quer participar de um documentário…”. Logo de início Coutinho escancara a cena; o primeiro plano, com o recorte de jornal, é a declaração de um dispositivo utilizado. E o filme, a todo momento, declara – ou declama! – os seus artifícios. Na verdade, ele vai além; Coutinho explicita, repensa e reflete profundamente acerca de seu próprio ofício de fé.
A seqüência de abertura é sintoma da gama de possibilidades que o filme possui. Vemos o filme – sua produção – ali escancarada; equipe técnica, diretor, equipamentos, disposição de tudo no espaço, tudo nos é mostrado logo de cara. Segue-se, então, um depoimento onde várias das grandes questões do filme são levantadas. Uma mulher (atriz conhecida) entra nesse espaço cênico; mas o que, a princípio, parece uma certeza – ela ser uma das atrizes que interpretarão depoimentos de mulheres anônimas – é colocado em dúvida. O depoimento de Mary Sheyla causa confusão e reflexão. Confusão pelo conteúdo do que é dito; fatos a respeito do início de sua carreira como atriz fazem com que qualquer certeza vá por água abaixo, já que história da atriz e do que, supostamente, ela está encenando parecem convergir para o mesmo lugar. E reflexão acerca das intenções do filme por logo no primeiro depoimento termos uma atriz (e a essa altura já não se pode mais afirmar com certeza sobre a posição nela no documentário) interpretando – dentro do que pode já ser uma interpretação – uma outra personagem.
Não importa quem é “real” ou quem é “atriz”. Pouco importa, também, a confusão em si; mas sim, e muito mais, o que se cria a partir dela. É o fato do filme deixar bem claro que entre um depoimento dito real e uma atriz encenando algo não há um mais sincero, mais documental, mais revelador de nuances individuais. Os limites desaparecem. Ou não. Não estamos reféns de um dispositivo que nos manipule. Temos a liberdade de saber – ou supor – a respeito de realidade/encenação ou da existência de alguma diferença entre esses dois conceitos (duas realidades?); afinal, há atrizes famosas, elas falam sobre a encenação em si, a montagem nos contrapõe, em alguns momentos, os dois “depoimentos”. Cabe ao espectador decidir o quão dentro do jogo ele quererá estar.
Mas, assim como o espectador não se torna refém do dispositivo, as personagens também não. De forma alguma Coutinho comete a atrocidade de submete-las ao artifício do filme. As figuras daquelas mulheres são o que há de mais importante para o olhar da câmera e toda a disposição e escolha do espaço a ser filmado nos indica isso. As personagem sentam em frente a câmera, olhando para o diretor, tendo seus rostos dominando o quadro. O grande encantamento dos quadros está justamente nesses rostos; em cada movimento, cada feição, cada mínima reação que a câmera consegue captar dessas mulheres. E elas têm atrás somente uma platéia, assim como na frente (a sala de cinema onde o filme está sendo projetado), criando algo como uma “arena”, onde elas são o centro, admiradas por todos os lados por, novamente, duas situações que parecem não aceitar o limite entre realidade e ficção; afinal, a platéia real (aquela em que estamos) e a projetada (a do Teatro Glauce Rocha) estão voltadas pro mesmo local de interesse, fazendo parte da mesma interação.
E essas mulheres fazem o tal “jogo de cena” acontecer. Como na “interpretação” de Marília Pêra, que parece ser algo caótico como um processo absoluto de representação; mas que, no filme, acaba sendo algo importantíssimo. Ela interpreta num registro de total exagero. Há uma constante necessidade de passar todos os sentimentos a cada palavra, de sentir o que a “personagem real” teria sentido a cada expressão facial; assim, acaba-se voltando a atenção para a própria questão da representação. Do artifício utilizado para se chegar a um pretenso ideal de encenação e assim, ressaltando que o que está se buscando ali não é uma verdade da representação, muito longe disso. A busca é o encontro; aquele momento único onde câmera e personagem trocam olhares. Ou quando a hesitação de Fernanda Torres parece claramente fruto da representação propriamente dita, mas logo descobrimos que não, que ali nascera outra questão, a da atriz e sua crise na interpretação (então, ela, que interpretava o depoimento de uma mulher sobre sua crise, cria, a partir disso, sua própria crise, tornando-se personagem tanto quanto a que ela interpretava). Ou ainda quando alguém (atriz, personagem, os dois?), quase não se contendo de aparente ansiedade e nervosismo fala: “já estou calma”; e, também, Fernanda Torres: “fiquei com vergonha de estar diante de você” e “representar dá vergonha”.
“A transgressão é o questionamento da fronteira, o que está em questão é o limite mais do que a identidade cultural” (Michel Foucault)
E no fim, no ultimato representativo de uma personagem, há a volta de uma das mulheres; o motivo é que teria ficado tudo muito trágico até ali. Trágico, clássico da dramaticidade… Tudo é representação? O ápice dramático é atingido com o choro, a não contenção da explosão sentimental e com o canto, extravasando sensorialmente essas emoções. Canto que proporciona o encontro, de fato, de personagem e atriz; as vozes juntas definem, sem volta, que o limite foi transgredido. Transgressão essa, realizada numa operação pura e totalmente cinematográfica.

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Série "Encontros" reúne entrevistas de grandes nomes das ciências humanas e outros intelectuais

http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/sociologia-e-antropologia/colecao-resgata-pensadores-do-brasil/

Coleção resgata pensadores do Brasil

Série "Encontros" reúne entrevistas de grandes nomes das ciências humanas e outros intelectuais
Por: Rachel Rimas
Publicado em 23/11/2006 | Atualizado em 20/10/2009


Depoimentos que merecem ser lembrados e reproduzidos. Reflexões que evidenciam a opinião de importantes pensadores sobre grandes – e pequenas – questões brasileiras. Lançada recentemente pela Azougue Editorial, a coleção Encontros traz livros que reúnem, cada um, entrevistas de grandes nomes da intelectualidade do país. Em destaque na primeira leva da série, estão duas figuras de peso das nossas ciências sociais – Darcy Ribeiro e Milton Santos.

Um dos mais importantes antropólogos brasileiros, Darcy Ribeiro (1922-1997) dedicou grande parte de sua vida à defesa das causas indígenas e à educação. Foi um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB), em 1962, e um dos criadores dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEPs), no governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro. Contemporâneo de Darcy Ribeiro, o geógrafo Milton Santos (1926-2001) foi o único brasileiro a receber, em 1994, o Prêmio Vautrin Lud, a mais importante láurea internacional de sua disciplina. Santos é o autor de mais de 40 livros, dentre os quais o mais conhecido é O espaço dividido, de 1979, que analisa o desenvolvimento urbano nos países subdesenvolvidos.

Cada livro da coleção Encontros traz cerca de dez longas entrevistas – inéditas ou originalmente veiculadas no rádio, na televisão, em jornais ou revistas. Cada volume apresenta ainda uma introdução e uma cronologia da vida do pensador em foco. É possível ouvir, por exemplo, uma formulação do próprio Milton Santos para o conceito que ele chamou de globalitarismo: 

“Eu chamo a globalização de globalitarismo porque estamos vivendo em uma nova fase de totalitarismo. O sistema político utiliza os sistemas técnicos contemporâneos para produzir a atual globalização, conduzindo-os para formas de relações implacáveis, que não aceitam discussão, que exigem obediência imediata”, declarou Santos em entrevista publicada em 1999 na revista Teoria & Debate. 

O volume dedicado a Darcy Ribeiro manifesta sua avaliação crítica sobre o sistema educacional brasileiro. “A grande revolução educacional é lavar os olhos e ver que nossa escola é uma droga”, disse ele, sobre a criação dos CIEPs, em entrevista publicada na revista Leia, em março de 1986, quando era vice-governador e secretário da cultura do Rio de Janeiro. ”O capitalismo fez escolas muito boas e eu quero obrigar o capitalismo daqui a fazer boas escolas aqui”, continua o antropólogo. “No socialismo eu vou fazer muito mais. Agora, é o capitalismo que tem que dar a escola que estou querendo, aqui e agora, para a criançada daqui e de agora”.

Dois dos volumes da primeira fornada de lançamentos da coleção Encontros, da Azougue Editorial. 
Pensadores do Brasil 
A agenda de lançamentos da coleção prevê volumes dedicados a outros grandes nomes das ciências sociais brasileiras. Para o ano que vem está previsto o lançamento da coletânea de entrevistas do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dos sociólogos Florestan Fernandes (1920-1995) e Octavio Ianni (1926-2004) e do historiador Gilberto Freyre (1900-1987).

A lista de perfilados da coleção não se limita, porém, a nomes das ciências sociais. Entre os cinco volumes que inauguraram a coleção, há ainda livros dedicados ao poeta e compositor Vinicius de Moraes (1913-1980), ao cineasta Rogério Sganzerla (1946-2004) e ao músico e compositor Jorge Mautner. A lista de futuros lançamentos inclui também um livro dedicado ao físico Mario Schenberg (1914-1990).

“Queríamos fazer uma coleção multidisciplinar, que reunisse diferentes posições políticas e estéticas formadas por grandes expoentes brasileiros provenientes das mais diversas áreas do conhecimento, como teatro, antropologia, sociologia, cinema, ciência e outros”, explica o editor Sergio Cohn, idealizador e um dos organizadores do projeto.

“As entrevistas são um gênero muito interessante. Nelas o autor conta sua própria história em primeira pessoa. No livro, é muito interessante observar como o olhar de um pensador sobre determinado assunto se modificou ao longo do tempo”, destaca Cohn. “Além disso, a entrevista apresenta a intervenção direta de um intelectual sobre o que está acontecendo no país e no mundo. Por ter uma linguagem mais acessível, a visão de um pensador na entrevista é facilmente compreendida pelo público”. 
Coleção Encontros Rio de Janeiro, 2007, Azougue Editorial
Tel.: (21) 2240-8812
R$ 19,90 (cada livro)


Rachel Rimas  

Ciência Hoje On-line
23/11/2007
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Conversa com Sergio Cohn, poeta e editor, sobre Jorge Mautner e sua obra, organizada por ele
https://www.youtube.com/watch?v=eg8Z_fMQ1Cs
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O homem existe para si em e por seu canto, ele mesmo é o seu próprio canto: eu canto, logo existo. Ora, é evidente que se a linguagem sob a forma do canto, se designa ao homem como o lugar verdadeiro de seu ser, não se trata mais da linguagem como arquétipo da troca, uma vez que é precisamente disso que se quer liberar. Em outros termos, o próprio modelo do universo da comunicação é também o meio de escapar dele. Uma palavra pode ser ao mesmo tempo uma mensagem trocada e a negação de toda mensagem, ela pode se pronunciar como signo e como o contrário de um signo.

CLASTRES. Pierre. O arco e o cesto 

http://brainstormtche.blogspot.com.br/2014_06_01_archive.html
CLASTRES. Pierre. O arco e o cesto