Uma Introdução ao rock progressivo italiano
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Por Fernando Bueno
O chamado rock progressivo ficou conhecido mundialmente a partir de inúmeras bandas clássicas como Yes, Genesis, King Crimson, Pink Floyd, Gentle Giant, Van der Graaf Generator, Emerson Lake and Palmer e muitas outras. Quando se fala em rock progressivo é muito provável que essas bandas citadas sejam as primeiras que venham à mente de todos, exceção feita apenas entre aqueles que sentem orgulho de só gostar de grupos obscuros. Porém, além do reconhecimento, esses nomes citados têm outro ponto em comum, a sua nacionalidade britânica.
É inegável que o rock progressivo da Grã-Bretanha seja o mais conhecido entre todos os amantes do estilo, uma vez que os medalhões são todos de lá. Isso também acontece com muitos dos subgêneros do rock. Porém a palavra que usei foi “conhecido”, pois para uma parcela dos fãs a vertente preferida vem de outro país, a Itália. Se existiu alguma outra nação que pôde na época confrontar os ingleses em termos de número e qualidade de bandas de rock progressivo, esses eram os italianos.
No final dos anos 60 a Itália ainda não tinha tradição dentro do rock em geral. O clima político no país era pesado, já que a influência da ala esquerdista nos assuntos internos estava se tornando muito grande. Alguns grupos extremistas foram responsáveis por uma série de violentos ataques e desordem, em um período que ficou conhecido como “Anni di Piombo”, ou Anos de Chumbo. Essa turbulência política teve influências nos direcionamentos artísticos de diversas áreas. Os jovens estavam desejando mudanças e esse desejo atingiu dos compositores populares até alguns estudantes de conservatório, para ficarmos apenas na seara musical. O rock foi absorvido à cultura do país e logo se tornou símbolo de protesto do mesmo modo que aconteceu em diversos outros países.
Aqueles que começarem a ouvir o rock progressivo italiano vão perceber logo no início que o estilo é cheio de nuances e peculiaridades e, no fim das contas, que a música desses grupos é o resultado de música clássica tocada como rock, diferente das bandas inglesas, como o Yes, que faziam o contrário, ou seja, tocavam rock à moda da música clássica. Outro modo de dizer é que na Itália foi o rock que influenciou o clássico e não o contrário. Outro ponto característico é o fato da música ter um grande caráter nacional, com elementos barrocos e também uma enorme influência das óperas.
Na primeira audição o ouvinte não acostumado notará imediatamente outra peculiaridade, o idioma italiano. Sempre quando apresento alguma banda de RPI para alguém, a questão da língua é a primeira a ser comentada. Todos os fãs de rock estão habituados ao inglês e muitos não escutam música em outras línguas. Comparações como “não há samba em alemão ou japonês, do mesmo modo que rock tem que ser em inglês” são muito comuns. Para aqueles mais bitolados, talvez esta seja a maior barreira a ser vencida para se tornar um ouvinte do prog italiano, mas um pouquinho de cabeça aberta vai ajudar a vencer todos esses obstáculos.
Este texto é endereçado para aqueles que ainda não são familiarizados com o gênero. A ideia é ajudar o interessado a conhecer e saber por onde iniciar. E nada melhor do que começar pelas bandas mais importantes. Afinal, elas são importantes acima de tudo pela sua qualidade musical. Dentre os inúmeros grupos desse país existem três que podem ser chamadas de “a santíssima trindade do rock progressivo italiano”, do mesmo jeito que o Deep Purple, o Led Zeppelin e Black Sabbath são frequentemente conhecidas como a “santíssima trindade do rock”. Essas bandas são: Premiata Forneria Marconi, Banco Del Mutuo Soccorso e Le Orme.
Nesta primeira oportunidade para falar a respeito do assunto, listarei cinco álbuns dessas três grandes bandas que serão um ótimo cartão de visitas para essa vertente musical tão importante. No futuro poderemos enveredar por outros caminhos, outras bandas menos conhecidas, porém também importantes, além daquelas mais obscuras que fazem a cabeça de todo entusiasta. Não posso deixar de falar que a intenção não é listar os cinco melhores discos do estilo e sim bons álbuns para iniciar-se, conhecer as bandas e certamente começar a se aprofundar. Espero que essas dicas sejam aceitas por muitos e já aviso, esse é um caminho sem volta, uma vez fã não há como deixar de sê-lo.
Premiata Forneria Marconi – Storia de Um Minuto [1972]
Esse foi o primeiro álbum que escutei de RPI. Foi um enorme choque para mim apesar de na época eu já ouvir muito rock progressivo, mas estava acostumado com os discos dos medalhões britânicos. A sonoridade, o som focado mais nas melodias do que em riffs, os silêncios no meio da música e principalmente a voz foi o que me chamou a atenção. Mesmo estranhando, em um primeiro momento é impossível não reconhecer a boa música feita pela banda. “Impressione di Settembre” é talvez a música que define o progressivo italiano com suas viagens de mellotron. “Dove...Quando... (Parte 1)” é mais leve e calma enquanto “Dove...Quando...(Parte 2)” é totalmente jazzística da mesma forma que "Grazie Davvero", que é a música mais difícil de se ouvir num primeiro momento. “É Festa” lembra um pouco “Hocus Pocus” dos holandeses do Focus. E para quem gosta de King Crimson e Genesis do início de suas carreiras vai gostar de “La Carrozza Di Hans". Excelente disco para começar a jornada no RPI.
Le Orme – Felona e Sorona [1973]
Álbum conceitual sobre dois planetas gêmeos Felona e Sorona que ficam nos extremos do cosmos para manter o equilíbrio do universo. Viagem? Pode ser, mas a viagem musical que ajuda a contar essa história é o que vale a pena. O trio é baseado nos teclados fazendo as comparações com o ELP um tanto óbvias. Até a presença das guitarras é utilizada em poucas passagens, assim como nos discos dos ingleses. O final do disco tem um gran finale maravilhoso. Talvez o som do disco pudesse ser um pouco melhor. Às vezes parece que ele é magrinho, mas é perceptível que trata-se nada mais do que falta de uma gravação, uma produção ou até de um estúdio melhores. Mas isso não atrapalha a audição dessa que é uma das obras primas do RPI. Esse disco foi também regravado em uma versão em inglês (Felona and Sorona) e o responsável pela tradução e adaptação foi nada menos que Peter Hammil do Van der Graaf Generator, que na época era tratado como messias na Itália. Porém, se você puder escolher, ouça na língua original. A versão em inglês não ficou tão boa quanto a italiana.
Banco Del Mutuo Soccorso – Darwin [1972]
Já li um crítico falar que encontra nesse álbum a melhor mistura entre a complexidade e beleza musical. Dentre as três bandas citadas aqui, essa é a que menos gosto, e para ser sincero é a que menos conheço também. Por outro lado, considero esse disco o melhor já feito no estilo. Eu falei que “Impressione di Settembre” do PFM define o estilo, mas “L’Evoluzione” é provavelmente a melhor música feita por uma banda italiana entre todos os estilos. Quase 14 minutos de teclados maravilhosos, guitarras delirantes e a voz fantástica de Francesco DiGiacomo. Falando dos teclados, podemos identificar um pouco de Emerson Lake and Palmer em algumas passagens, mas a originalidade da banda é notável, estão longe de ser meras cópias. Escutem “750.000 Anni Fa....L’Amore” e “Miserere Allá Storia” e se deliciem com a dramaticidade da voz e percebam porque eu disse no início do texto que as bandas italianas têm influencia de ópera. Disco fantástico, mas se alguém se interessou e nunca ouviu o RPI sugiro começar por algum dos discos do PFM e aí sim ouvir esse.
Premiata Forneria Marconi – Per Un Amico [1972]
Esse disco, junto ao Storia Di Un Minuto eL’Isolda Di Niente são os preferidos dos fãs do Premiata Forneria Marconi. Possui uma variação que vai dos violões acústicos e guitarras limpas a passagens pesadas de mellotron, isso sem esquecer das flautas, pianos, violinos e outros instrumentos. Aliás, é uma característica de várias bandas no RPI o fato de seus integrantes serem multiinstrumentistas. Foi lançado no mesmo ano que Storia Di Un Minuto e é mais complexo que este primeiro. “Apenna Un Po” tem influências claras de Emerson Lake and Palmer e Gentle Giant enquanto “Il Banchetto” assemelha-se muito aos trabalhos de voz de Crosby, Stills, Nash and Young. Um ano depois eles regravaram algumas músicas desse álbum juntamente com algumas do primeiro para o álbum Photos of Ghosts, cuja tradução foi feita por Peter Sinfield, que na época era letrista do King Crimson. Porém, não se trata de apenas uma simples tradução, mas de praticamente uma nova criação, matando o espírito das músicas segundo alguns. Na audição dessas músicas em inglês chama a atenção o sotaque carregado na interpretação dos italianos.
Le Orme – Elementi [2001]
Depois de muitos anos parados, a banda voltou em 1996 com um disco fraco chamado Il Fiume, mas em 2001 eles gravaram um disco que certamente faz jus ao material lançado nos anos 70. Porém, eles não se copiaram ou tentaram manter uma fórmula. Fizeram um disco moderno, com efeitos modernos, mas com o clima dos melhores discos do RPI setentista. Elementi fala dos quatro elementos: água, fogo, terra e ar. As 14 músicas do álbum são divididas em quatro partes, cada uma delas falando de um desses elementos. Cada parte possui uma identidade, mas quando você ouve o disco todo percebe que ele tem uma unidade incrível. Algumas melodias são repetidas em várias músicas apenas com variação do tempo ou ritmo, expediente muito utilizado no progressivo em geral, principalmente em álbuns conceituais. O resultado dessa unidade entre as músicas é certamente proposital, afinal temos que levar em consideração que o disco fala sobre os quatro elementos que, segundo os pesquisadores antigos, eram a base de todas as outras coisas da terra. Então a unidade entre os elementos, e no caso as músicas, deveria ser esperada. Resumindo, é o melhor disco de RPI lançado depois de 1979.
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Realmente as bandas escolhidas são as mais representativas do estilo, mas nem por isso são as melhores. Tem muita "banda de um disco só" (ou no máximo dois)que fez um trabalho maravilhoso. Quero ler sobre elas, combinado?
É interessante notar que a Itália dava muito valor a algumas bandas prog que na Inglaterra não conseguiam o mesmo destaque, como o Van Der Graaf e o King Crimson, que eram Deuses no país da bota mas apenas "mais um" na ilha britânica...
E também que na Itália o instrumento mais "presente" nas músicas era o teclado, com a guitarra quase sempre em segundo plano ou ausente mesmo, muitas vezes substituída pelo violão... Talvez por essa falta da guitarra (que daria uma pegada mais "roqueira" à música), além das letras em italiano, que tanta gente tenha dificuldade em assimilar o progressivo da Itália...
E, das citadas, minha preferida sem dúvida é o PFM, pelo menos até o disco "Cook" (ou "Live in USA"). Depois fica um pouco mais difícil de encarar...
Agora que venham Quella Vecchia Locanda, Museo Rosenbach, Terra In Bocca, Formula 3, Generazioni, Malibran e tantos outros...
Pode deixar que teremos pelo menos uma segunda parte. Muitas dessas características que vc citou também serão abordados.
Diogo
O Goblin foi uma banda que conseguiu se diferenciar na cena exatamente por trabalhar com as trilhas. Mas muita gene não tem paciência de ouvir trilhas...Eu mesmo não gosto...
Só gosto da trilha do "O Exorcista"....que na verdade é o disco Tubular Bells do monstro Mike Oldfield...
Os ingleses criaram o futebol e nem por isso batem a melhor bola do mundo. Criaram também o rock progressivo e algumas de suas bandas permanecem insuperáveis no estilo. Mas ao criar o prog, mostraram as regras do jogo, aquela mistura de clássico e folk ao rock e ao jazz. Ora, cada país europeu tem sua própria escola erudita, desenvolvida de acordo com a alma e a personalidade de cada povo. Cada um deles tem também sua tradição folk. Então é mais do que natural que apresente sonoridades próprias (não só no progressivo) e enriqueça, cada um do seu jeito, o estilo como um todo. A questão da voz é fascinante. Ela não apenas revela uma mensagem, é também um instrumento. E quando se expressa em seu próprio idioma, torna-se talvez o instrumento mais nobre e característico de um país.
Os ingleses criaram o futebol, mas quem joga mesmo é um time brasileiro com inspirações inglesas...
Abraços
No entanto discordo um pouco das indicações. PFM e Banco foram bem indicados, mas discordo do Le Orme. Colocaria tanto pela importância, quanto pela qualidade o Zarathustra do Museo Rosembach,que é quase unanimidade quando se fala de melhor disco de PI. Outro que poria era o Il Balletto di Bronzo com o disco Ys, um discaço pesado e desafiador perfeito para se introduzir no prog italiano. Se fosse citar um disco do Orme, citaria o Uomo di Pezza de 1972.
Outros discos recomendados:
Banco - Io Sono Nato Libero
Il Roveschio Della Medaglia - Contaminazione
Il Bacio Della Medusa - Discesa Agl'inferi D'un Giovane Amante
Semiramis - Dedicato A Frazz
PFM - L'isola Di Niente
Area - Arbeit Macht Frei
Se bem que o Area podia mesmo ter aparecido... mas é só o primeiro post de uma série, vamos aguardar.
Valeu
O problema é que o próximo post vai acabar ficando sem surpresas de tanto que são citadas bandas aqui...hehehe.
Por isso a segunda parte terá um critério diferente para apresentar os discos...
Esperem
Abs
Zarathustra é realmente muito bom, mas ninguém bate o Banco del Mutuo Soccorso em Darwin! Aliás, o Banco é minha banda favorita de prog italiano! Fico na dúvida apenas quanto à melhor música, se é a citada "750.000 Anni Fa...L'Amore" ou "Metamorfosi", suite fantástica que os caras conseguiram fazer já no primeiro disco!
Não acho que o prog italiano bata o inglês. São bandas absurdamente ricas mas que não me parecem diferenciar-se o suficiente cada uma das demais.
Quanto ao Goblin, eu não gostei muito da trilha de Profondo Rosso, pq o filme é fudidamente massa, e a trilha não é lá muito aterrorizante... Mas devo levar em conta que ela foi na verdade composta por otro cara, que não lembro o nome agora.
Uma banda de um disco só que eu gosto PAKAS é o Murple, mas acho que o disco Io Sono Murple entra na sessão "Discos que parece que só eu gosto"! xD
Parabéns pela matéria.
P.S.: Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath não são a santíssima trindade do rock! =P
Dos anos 70 e do que veio depois é essa a santissima trindade, mas sei que vc falou isso por que acha que esse título deveria ir para The Beatles, Rolling Stones e The Who...
Prgmaniac
Eu não conheço nada do atual prog italiano. O último disco que escutei foi o Elementi que entrou na matéria...
Mas tô mais pro que o Gaspari disse. Essas convenções, essas 'grandes verdades', essa linha única da história da música, isso tudo é um saco! MINHA Santíssima Trindade são o Yes, o Magma e o Pink Floyd, com menção honrosa aos Rolling Stones, como Lúcifer.
P.S.: Na primeira trindade que o Gaspari citou, eu substituiria Elvis pelo Little Richard!
Abraço!
Ronaldo
Abraços
Acho que a discussão está dispersando. A matéria não se trata da ST...e sim do RPI. Alguem aí seguiu as indicações e ouviu os discos? Para os "iniciados" esses discos poder ser óbvios, apesar do Elementi não ser nada obvio, mas gostaria de saber dos que nunca tinham ouvido nada.
Desses ai eu prefiro o Storia de Um Minuto. Discaço!!!
Grande abraço
http://oldishpsychprog.ucoz.com
Sou absolutamente analfabeto em prog italiano... irei utilizar a lista pra conhecer o ABC da cena....
Parabens fernando, e quem sabe sai um rock progressivo brasileiro em breve!
Dos obscuros gosto do Raccomandata Ricevuta Ritorno, excelente banda!Recomendo o disco de 1972, Per... Un Mondo Di Cristallo.
Ultima Spiaggia - varios discos bons
Reale accademia di musica - realle accademia di musica
Blocco mentale - pioa
Capitolo 6 - Frutti Per Kagua
Juri Camisasca - La Finestra Dentro
Il Canzoniere Del Lazio - Quando Nascesti Tune
Jacula - In Cauda Semper Stat Venenum
Jumbo - Vietato Ai Minori Di 18 Anni
E por ai vai
A frança tb tinha altas bandas prog, como Malicorne, Ange e Cano
O Jacula é bem diferente devido à atmosfera macabra.
Tem também as bandas italianas mais hard como Campo di Marte, Corte Dei Miracoli, Il Rovescio della Medaglia, Biglietto per L' Inferno...
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http://lounge.obviousmag.org/encruzilhada/2014/04/darwin-uma-joia-do-rock-progressivo-italiano.html
O início é arrebatador com L’Evoluzione, quase 14 minutos do que parece ser uma síntese do que de melhor existe no rock progressivo/sinfônico italiano: teclados ora pomposos, ora em combinações impressionantes com as guitarras, estas muitas vezes valendo-se de efeitos, e vocais muito bem interpretados por Francesco. Ela começa como uma singela balada e se transforma numa canção cheia de groove; energética é a palavra para esta mudança. Não há como não colocar esta música em destaque no álbum, sensacional! Outro destaque positivo é o trabalho de teclados dos irmãos Nocenzi que protagonizam duelos sensacionais de Hammond, além de passagens lentas inspiradíssimas.
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