sexta-feira, 23 de agosto de 2013

ADORNO, T. - Resumo sobre a Indústria Cultural - Résumé über Kulturindustrie (1963)

Résumé sobre indústria cultural*
Theodor W. Adorno



Parece que a expressão "indústria cultural" foi empregada pela primeira vez na Dialética do esclarecimento**, que Horkheimer e eu publicamos em 1947, em Amsterdam. Em nossos esboços se falava em "cultura de massas". Substituímos esta expressão por "indústria cultural", para desliga-la desde o início do sentido cômodo dado por seus defensores: o de que se trata de algo como uma cultura que brota espontaneamente das próprias massas, da forma que assumiria, atualmente, a arte popular. Dela a indústria cultural se diferencia de modo mais extremo. Ela combina o consuetudinário com uma nova qualidade. Em todos os seus setores são fabricados de modo mais ou menos planejado, produtos talhados para o consumo de massas e este consumo é determinado em grande medida por estes próprios produtos. Setores que estão entre si analogamente estruturados ou pelo menos reciprocamente adaptados. Quase sem lacunas, constituem um sistema. Isto lhes é permitido, tantos pelos hodiernos instrumentos da técnica, como pela concentração econômica e administrativa. Indústria cultural é a integração deliberada, pelo alto, de seus consumidores. Promove também uma união forçada das esferas de arte superior e arte inferior, que permaneceram separadas durante milênios. Para prejuízo de ambas. A superior com a especulação sobre o efeito, perde a sua seriedade; e a inferior, com a domesticação civilizatória, perde a indomável força de oposição que possui até o momento em que o controle social não era total. Se de um lado, a indústria cultural especula inegavelmente sobre o estado de consciência e de inconsciência de milhões de pessoas a que se dirige, por outro lado, as massas não são o elemento primário, mas um fator secundário, compreendido no calculo: um apêndice do mecanismo. O consumidor não é, como a indústria cultural gostaria de fazer acreditar, o soberano, o sujeito desta indústria cultural, mas antes o seu objeto. A palavra mass-media, que a indústria cultural cunhou para si, desloca o seu acento para o inofensivo. Aqui não se trata em primeiro lugar das massas, nem das técnicas de comunicação enquanto tais, mas do espírito que estas técnicas insuflam, a voz de seus senhores. A indústria cultural abusa na sua consideração para com as massas a fim de duplicar, consolidar e reforçar sua mentalidade pressuposta como imutável. Tudo que poderia servir para transformar esta mentalidade é por ela excluído. As massas não são o critério em que se inspira a indústria cultural, mas antes a sua ideologia, dado que esta só poderia existir, prescindindo da adaptação das massas. 

As mercadorias culturais da indústria se orientam, como já disseram Brecht e Suhrkamp há trinta anos, pelo princípio da sua valorização, e não pelo seu próprio conteúdo e da sua forma adequada. A práxis conjunta da indústria cultural transfere a motivação pelo lucro, tal qual as criações do espírito. A partir do momento em que foram introduzidas como mercadorias no mercado, propiciando sustento a seus autores, estas participam de algum modo daquele caráter. Mas elas ambicionam o lucro apenas imediatamente, conservando a sua essência autônoma. Novo na indústria cultural é, pelo contrário, o primado imediato e descoberto do efeito que ela calcula com precisão nos seus produtos mais típicos. Se é certo que a autonomia da obra de arte em estado puro raramente se afirmou e esteve sempre atravessada pela busca do efeito, pela indústria cultural esta é tendencialmente acantonada com ou sem a vontade consciente dos seus promotores. Que podem ser tanto órgãos executivos como detentores de poder. E que, no plano econômico, estão ou estavam a busca de novas possibilidades de valorização do capital nos países economicamente mais desenvolvidos. As velhas possibilidades tornam-se sempre mais precárias em razão do mesmo processo de concentração sem o qual a indústria cultural como instituição onipresente seria impossível. A cultura que na sua acepção mais verdadeira não se limitou nunca a obedecer aos homens, mas que também sempre levantou um protesto contra as condições enrijecidas em que os homens viviam e de tal modo as respeitou, adaptando-se totalmente às condições dos homens. Os produtos do espírito estilizados pela indústria cultural não são também mercadorias, mas são já mercadorias de cima a baixo. O deslocamento é qualitativamente tal, que provoca fenômenos absolutamente novos. Finalmente, a indústria cultural não tem mais necessidade de perseguir diretamente e em qualquer lugar o lucro para o qual nasceu. Este interesse se objetivou na sua própria ideologia; as mercadorias culturais que devem ser engolidas em qualquer caso, podem também emancipar-se da obrigação de serem vendidas. A indústria cultural transforma-se em public relations, em produção de good will pura e simplesmente. O cliente é procurado para um consentimento geral e acrítico; faz-se reclame para o mundo, assim como cada produto da indústria cultural é seu próprio reclame. 


Mas os traços, que desde que desde o início eram próprios à transformação da literatura em mercadoria, são conservados. Se há algo no mundo que possui a sua ontologia, esse algo é a indústria cultural com a sua estrutura de categorias fundamentais rigidamente conservadas e já reconhecíveis, como por exemplo, no romance comercial inglês do final do século XVII e do princípio do século XVIII. O que na indústria cultural se apresenta como progresso, o continuamente novo que ela exibe, continua sendo o revestimento de um sempre igual; em todos os lugares a verdade esconde um esqueleto que não mudou mais do que não mudou o próprio móvel do lucro, desde que este passou a dominar a cultura. 


A expressão "indústria" , contudo, não deve ser tomada ao pé da letra : ela se refere à estandardização da própria coisa, por exemplo, à estandardização dos filmes western, familiares a todo freqüentador de sala de cinema, e a racionalização das técnicas de divulgação; não ao processo de produção no sentido estrito. Se de fato no setor central da indústria cultural, o filme, sob muitos aspectos é um procedimento técnico, dada a generalizada divisão do trabalho, o amplo emprego de máquinas e a separação dos trabalhadores dos meios de produção - separação esta que se exprime no eterno conflito entre os artistas ocupados na indústria cultural e os detentores de poder decisório - não impede que se conservem formas individuais de produção. Todo o produto se oferece como individual; a individualidade mesma, suscita a aparência de que o inteiramente reificado é pelo contrario um asilo de imediaticidade e de vida, se presta ao reforço da ideologia. Hoje como ontem a indústria cultural consiste em "serviços" a terceiros e assenta a sua afinidade com o velho processo de circulação de capital - com o comércio - de que se origina. A sua ideologia se serve sobretudo do starsystems, tomado de empréstimo da arte individualista e da sua exploração comercial. Quanto mais seu funcionamento e conteúdo são desumanos e mais insistente e exitosa a publicidade que faz pretensas grandes personalidades, tanto mais bonachão é o tom que assume. E indústria mais no sentido da assimilação - freqüentemente contestada pela sociologia - às formas organizativas da indústria que subsistem também onde não se produz - que se recorde a racionalização dos serviços de escritório - que no sentido de uma verdadeira produção tecnológico racional. Em correspondência com isso, desmedidos são os investimentos equivocados da indústria cultural e numerosas as crises, raramente portadoras de um melhoramento, em que se encontram os seus setores sempre superados por técnicas mais recentes. 


O conceito de técnica na indústria cultural tem somente o termo em comum com seu correspondente na obra de arte. Aqui a técnica se refere à organização da coisa em si, à sua lógica interna. A técnica da indústria cultural, pelo contrário, sendo a priori uma técnica de distribuição e de reprodução mecânica, permanece sempre externa à própria coisa. A indústria cultural encontra um suporte ideológico precisamente no fato de que cuida em bem aplicar, com total consequência, suas técnicas aos produtos. Ela vive por assim dizer como parasita de uma técnica extra artística, da técnica de produção de bens materiais, sem dar-se conta, do que a objetividade desta comporta para a forma intra artística, e além disso, para a lei formal da autonomia estética. Daí resulta o pastiche (Gemisch), essencial a fisionomia da indústria cultural, de streamlining, de solidez, e precisão fotográfica, de um lado, e de resíduos individualistas - atmosfera, romantismo confeccionado e racionalmente dosado - de outro. Se se assume a "aura" de Benjamim - a presença do não presente - como fator determinante da obra de arte tradicional, a indústria cultural é definida pelo fato de que ela não contrapõe ao princípio da aura um princípio diverso, mas conserva a aura, putrificada, como atmosfera nebulosa. Assim se denuncia a si mesma imediatamente de sua própria aberração ideológica. 


Em tempo o alerta para não subestimar a indústria cultural, vista a sua grande importância para a formação da consciência, se tornou um lugar comum entre os políticos da cultura e também entre os sociólogos. Devemos levá-lo a sério e colocarmos de lado a nossa soberba intelectual. De fato, a indústria cultural, enquanto elemento de mentalidade dominante, é importante. Seria ingênuo quem quisesse por ceticismo ignorar sua influência em relação ao que ela propicia aos homens; mas a advertência é ambígua. Evidencia-se a sua importância social ou oculta-se - ou de algum modo se eliminam da assim chamada sociologia da comunicação - questões fastidiosas acerca da qualidade, verdade ou falsidade, ao nível estético daquilo que é comunicado. Reprova-se ao crítico, entrincheirar-se num arrogante esoterismo. Mas seria necessário antes de tudo destacar o duplo significado que se insinua, sorrateiramente, do conceito de significação (Bedeutsamkeit). A função de uma coisa, mesmo se uma função que concerne a vida de inumeráveis indivíduos, não é garantia de sua qualidade. A confusão do estético com os seus desperdícios comunicativos não coloca a arte enquanto algo social em uma justa posição diante da pretensa soberba dos artistas; freqüentemente serve, pelo contrário, para sustentar algo de funesto precisamente nas suas conseqüências sociais. A importância da indústria cultural na economia psíquica das massas não a dispensa - e tanto menos dispensa uma ciência que se considera pragmática - do refletir sobre sua legitimação objetiva, sobre seu em-si : antes jamais o exige. Levá-la a sério, como a sua incontestável importância requer, o que significa levá-la a sério criticamente, não prostrar-se diante do seu monopólio. 


Entre os intelectuais favoráveis ao compromisso, que buscam conciliar as reservas diante do fenômeno com o respeito pelo seu poder, se usa - a menos que eles não queiram fazer da regressão (Regression) em curso um novo mito do século XX - um tom de indulgência irônica. É conhecido, dizem eles, que fotonovelas e filmes feitos em série, ciclos de transmissão de TV para famílias e programas musicais, sessões de consulta psicológicas e horóscopo, são inócuos. Tudo isto é inócuo e, além disso, democrático, na medida em que responde a uma exigência ainda não fomentada. Sem contar toda uma série de vantagens: por exemplo a divulgação de informações, conselhos e modelos liberadores de comportamento; sem dúvida as informações - demonstra-o qualquer pesquisa sociológica sobre um tema elementar como o da situação da informação política - são miseráveis ou insignificantes : os conselhos são insignificantes, banais ou pior; e os modelos de comportamento despudoramente conformista. 


Mas a ironia enganadora nas considerações da indústria cultural não se limita a categoria dos intelectuais domesticados. É lícito supor que a consciência dos próprios consumidores esteja dividida entre o divertimento prescrito e subministrado pela indústria cultural e a dúvida quase pública sobre seus benefícios. O dito segundo o qual o mundo quer ser enganado se tornou mais verdadeiro que nunca. Não apenas os homens caem - como se costuma dizer - de vertigem, desde que isto lhes proporcione uma ainda que efêmera gratificação; querem freqüentemente o engano que eles próprios intuem; tem os olhos tenazmente fechados e aprovam como em uma espécie de autodesprezo aquilo o que lhes sucede e do qual sabem porque é fabricado. Mesmo sem admiti-lo, tem o sentido de que a sua vida se tornaria absolutamente insuportável quando deixassem de agarrar-se a satisfações que não são satisfações. 


Mas o argumento mais exigente na defesa da indústria cultural é aquele que glorifica seu espírito e que se pode chamar tranqüilamente de ideológico, como fator de ordem. A indústria cultural daria aos homens, em um mundo que se presume caótico, algo como critérios de orientação, e só isto seria um fato apreciável. Mas aquilo que eles ilusoriamente acreditam que seja salvaguardado pela indústria cultural, é por ela tanto mais radicalmente destruído. O tecnicolor demole a velha morada acolhedora, mais que a demoliria um bombardeio: extirpa-lhe até sua imagem. Não há pátria que sobreviva à manipulação dos filmes que a celebram e reduzem a genérico todo o inconfundível de que se alimentam. 


Aquilo que sem retórica poderia se chamar cultura, pretendia manter a idéia de uma vida justa como expressão de sofrimento e contradição e não apenas representar a mera existência e as categorias de ordem convencionais e não agregadoras que a indústria cultural ornamenta sobre a mera existência, como se esta fosse a vida justa e aquelas categorias sua medida. Se os defensores da indústria cultural respondem que aquilo que ela fornece não tem nada a ver com a arte, também esta é ideológica, pois pretende declinar a responsabilidade precisamente daquilo sobre o que se trabalha. Nenhuma infâmia é melhorada pelo fato de reconhecer-se como tal. 


Invocar a ordem pura e simples sem a sua determinação concreta; invocar a difusão de normas sem que estas devam se legitimar na coisa ou diante da consciência, não serve para nada. Uma ordem objetivamente agregadora como aquela que se quer dar aos homens quando estes estão em falta, não tem razão de ser se não se justifica em si mesma e diante dos homens, o que é precisamente aquilo que o produto da indústria cultural tenta fazer bem. Os conceitos de ordem que ela inculca são de qualquer maneira os do status quo: assumidos adialeticamente, sem verificação e análise alguma, nem por isso possuem, contudo, uma substância para todos aqueles que se as deixam impor. O imperativo categórico da indústria cultural, diferente do kantiano, não tem mais nada em comum com a liberdade. Ele reza : deves adaptar-te, sem especificar ao que: adaptar-te àquilo que imediatamente é, e aquilo que, sem reflexão tua, como reflexo do poder e da onipresença do existente, constitui a mentalidade comum. Através da ideologia da indústria cultural a adaptação toma o lugar da consciência : a ordem que daí emerge não é nunca confrontada com aquilo que ela pretende ser ou com os reais interesses dos homens. Mas a ordem em si não é um bem; o seria unicamente se fosse justa. O fato de que a indústria cultural não se preocupe com isto, que vanglorie a ordem em abstrato, atesta somente a impotência e a falsidade das mensagens que transmite. Na medida em que pretende ser guia dos desorientados e simula conflitos que eles deveriam trocar pelos próprios, tais conflitos ela resolve só aparentemente, de modo tal que na realidade da sua vida dificilmente poderiam ser chamados soluções. Nos produtos da indústria cultural os homens encontram dificuldades somente para que possam sair delas sem nenhuma perturbação, graças, além do mais, aos representantes de um coletivo que é bom por definição, e assim, em fútil harmonia, subscrever aquele universal cujas exigências eles tinham antes tido que experimentar como inconciliáveis com os seus interesses. Com este objetivo a indústria cultural elaborou os temas que atingem também campos longínquos da abstração conceitual como a música ligeira; e aqui o jam ou certos problemas rítmicos são logo desembaraçados com o triunfo da boa batuta. 


Mas nem mesmo os defensores gostariam abertamente de contradizer Platão quando afirma que aquilo que é objetivamente, em si, falso, não pode ser subjetivamente bom e verdadeiro. O que a indústria cultural trama é que não existem regras para uma vida feliz, nem uma nova arte que adote responsabilidade moral, mas antes exigências a adaptar-se aquilo que propicia vantagens aos mais potentes interesses. O consenso que ela propagandeia, reforça uma cega, irracional autoridade. Se se medisse a indústria cultural conforme o lugar que ocupa na realidade e as pretensões que oferece, não a partir de sua própria substancialidade e lógica, mas a partir de seu efeito, se se preocupasse seriamente com aquilo que ela continuamente se remete, o potencial de efeito que exerce deveria precisamente nos alarmar. Me refiro ao incremento à exploração do eu-débil (Ich-Shwäche) - a quem a sociedade atual, com a sua concentração de poder -, condena além disso os seus membros que deles são privados. Sua consciência é depois regredida. Não por acaso pode-se ouvir na América o cínico produtor cinematográfico dizer que os seus filmes devem ser acessíveis a uma criança de onze anos. Desse modo o seu ideal seria o de rebaixar o nível mental dos adultos aquele de uma criança de onze anos. 


Entretanto, aqui se cuida para dar uma demonstração incontestável, baseada em uma pesquisa acurada, do efeito regressivo dos produtores singulares da indústria cultural; diretivas experimentais providas de um pouco de fantasia chegariam certamente a este resultado com mais facilidade do que seria aceito pelos financiadores interessados. Mas não há dúvida que a gota d´água fura a pedra, e que a fura em profundidade, visto que o sistema da indústria cultural acossa as massas e não tolera desvios dos esquemas de comportamento que incessantemente propõe. Somente a profunda desconfiança inconsciente - último resíduo que o seu espírito conserva da separação entre arte e realidade empírica - como todos não tenhamos já acabado por aceitar o mundo tal como é preparado pela indústria cultural. Que, posto também que as suas mensagens seriam tão inócuas como se pretendem - e inócuos o são tampouco, por exemplo, os filmes que, com dois ou três toques incitam a caça aos intelectuais hoje em voga - : é tudo menos inócua em relação à atitude que geram. Se um astrólogo exorta os seus leitores a guiar com prudência em um dia determinado, isso certamente não causa mal algum: mas não a estupidez inerente à pretensão de um bom conselho que um dia qualquer se deva evocar as estrelas. 


Dependência e servilismo dos homens como objeto último da indústria cultural, não poderiam ser respondidos mais fielmente do que o são na resposta a uma pesquisa de opinião americana, segundo a qual as dificuldades de nossa época deixariam de existir se as pessoas se decidissem simplesmente a fazer tudo aquilo que personalidades eminentes sugerem. A satisfação substitutiva que a indústria cultural procura com o sentimento confortante que o mundo seja ordenado precisamente do modo que ela sugere, engana os homens em relação à felicidade de que elas lhes simula. O efeito global da indústria cultural é o de um antiiluminismo; nela o iluminismo (Aufklärung), como Horkheimer e eu tomamos o progressivo domínio técnico da natureza, torna-se engano das massas, meio para sujeitar as consciências. Impede a formação dos indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e se decidir conscientemente. Pois bem, estes seriam os pressupostos de uma sociedade democrática que somente indivíduos emancipados podem manter e desenvolver. Se se engana as massas, se pelo alto se as insulta como tal, a responsabilidade não cabe por último à indústria cultural; é a indústria cultural que despreza as massas e as impede da emancipação pela qual os indivíduos seriam maduros como permitem as forças produtivas da época.
______________________________________________

*Originalmente este ensaio "Résumé über Kulturindustrie" foi uma conferência radiofônica pronunciada por Adorno na Internationalen Rundfunkuniversität des Hessischen Rundfunk de Frankfurt, de 28 de Março a 4 de Abril de 1963, depois incluído no livro Ohne Leitbild. Parva Aesthetica. Frankfurt. Suhrkamp, 1967. Tradução de Carlos Eduardo Jordão Machado do original alemão e cotejada com a tradução italiana (Parva Aesthetica. Milano. Einaudi, 1979). Anita Simis e Marcos Costa colaboraram na edição final do texto.

** Dialética do esclarescimento. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, Zahar ed., 1985

(NdT).
Fonte:
http://www.nupese.fe.ufg.br/uploads/208/original_ADORNO_-_R%C3%A9sum%C3%A9_sobre_ind%C3%BAstria_cultural_-_Adorno.htm?1349567486

domingo, 18 de agosto de 2013

Noam Chomsky: 10 Estratégias de Manipulação Midiática

Noam Chomsky: 10 Estratégias de Manipulação Midiática

 
O lingüista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.

Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.

Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o individuo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.

No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.

“Você quer mesmo ser cientista?” - Uma reflexão sobre a pós graduação e profissionalização da ciência

“Você quer mesmo ser cientista?”
Uma reflexão sobre a pós graduação e profissionalização da ciência

Nas últimas semanas, a proposta de regulamentação da profissão cientista assumiu uma ampla dimensão. De acordo ou não com a proposta de profissionalização, ela é uma realidade. Uma vez que essa questão não foi ao menos discutida seriamente sob a perspectiva das transformações no modo de produção científica, conceitos fundamentais estão sendo completamente ignorados. Sentimos, portanto, que é importante expor essas questões e colocá-las para reflexão e debate.

Grande parte dos pós-graduandos acredita que a profissionalização é a solução para a melhoria de suas condições de trabalho e é importante, portanto, ressaltar que essa proposta propõe uma separação entre a ciência e pós-graduação. Ou seja, a profissionalização do cientista é uma questão, enquanto a melhoria de condições do pós-graduando é algo completamente diferente do que está sendo discutido na proposta de profissionalização. É importante que isso fique claro.

De acordo com a proposta de profissionalização, cientistas profissionais serão trabalhadores em ciência, com carteira assinada, enquanto os pós-graduandos serão aqueles que realmente querem se dedicar à carreira científica e acadêmica, e não somente trabalhar em ciência. Dessa forma, uma vez formados em qualquer curso de graduação, os recém graduados poderão escolher entre: (a) fazer uma pós-graduação stricto sensu ou (b) seguir a carreira de cientista (trabalhador em ciência). Alguns afirmam que, com essa separação, a pós-graduação ficará reservada para as pessoas que realmente demonstrarem autonomia intelectual e capacidade de eventualmente liderar um laboratório, enquanto quem não possui esses atributos poderá se tornar cientista.

Naturalmente, com essas afirmações, surge a questão do que é ser cientista?

Essa é uma pergunta complexa, com diversas respostas e que envolve diversos pontos de vista. Mas, principalmente, essa pergunta possui diferentes significados em diferentes momentos da ciência e, portanto, é importante contextualizar esse processo historicamente.

A ciência pós-acadêmica

Durante os séculos XVI-XVIII, os cientistas eram indivíduos com perguntas e financiamentos próprios que dedicavam suas vidas em busca de respostas. Sabemos que essa não é a realidade atual e que a ciência adquiriu um novo modo de produção. Atualmente, ela é financiada em grande parte pelo governo, que por sua vez é regido pelas grandes corporações. Quando o financiamento passa a ser restrito por determinadas agências, até mesmo a ciência mais básica não pode ser mais considerada isoladamente.

O físico e epistemólogo, John Ziman descreveu ainda na década de 90 o processo de transição no modo de produção científica (transformação do modo I para modo II de produção de conhecimento) e denominou essa transição de “ciência pós-acadêmica”. Uma vez que na ciência acadêmica assume-se que os cientistas são livres para escolher suas próprias questões de investigação, com alguns limites razoavelmente estipulados, na ciência pós-acadêmica, espera-se que os cientistas trabalhem em problemas que eles não criaram pessoalmente, dentro de um grupo de pesquisa voltado para uma determinada investigação.

De maneira importante, ao se alterar o modo de produção do conhecimento, o próprio conhecimento produzido é alterado. Além disso, através da renúncia de valores ligados a uma cultura acadêmica e à adoção de valores ligados a uma cultura empresarial, o valor atribuído ao conhecimento também se altera.

Ainda que essas questões não sejam tão evidentes para nós pós-graduandos, os argumentos para melhorias de condições de pesquisa são legítimos e precisam ser atendidos.

Bastante preocupante, porém, é o fato de, indignados com as condições de trabalho e estudo, nos agarrarmos à primeira proposta de profissionalização, sem nem ao menos questionar a existência de melhores caminhos. Afinal, o papel do cientista não é questionar?

Alguns pontos importantes para a profissionalização do cientista

Antes de prosseguirmos com os argumentos da profissionalização, vale ressaltar que a profissão pesquisador já existe e você pode ser um pesquisador em diversas instituições de pesquisa (ex. Fiocruz, IDOR, Einstein, UNESP, EMBRAPA, EMBRAER, etc). Porém, essa posição não existe na maioria das Universidades, e os pesquisadores/cientistas da Universidade são oficialmente professores universitários concursados.

Mas, como ressaltamos inicialmente, por mais controversa que a proposta seja, ela é uma realidade. E, como realidade, diversos pontos importantes acerca dessa nova profissão precisam ser levantados.

1. Direitos e deveres. Todos falam muito dos direitos que os cientistas merecem, mas quais seriam exatamente os seus deveres trabalhistas? Ao nosso ver, a utilização de horas trabalhadas através de presença (bater ponto) não é apropriada, uma vez que o trabalho científico envolve competências intelectuais que não são restritas a períodos de horas trabalhadas formalmente.

2. Questão salarial. Enquanto muitos acreditam que o salário irá melhorar com a profissionalização, uma matemática básica permite um grande ceticismo em relação ao aumento salarial. Com o desconto mensal de tributos na folha de pagamento de aproximadamente 11% para contribuição previdenciária e 15% de imposto de renda (valores divulgados para 2013) o cientista contratado poderá receber um salário líquido não muito diferente do valor estipulado para a bolsa de doutorado atualmente.

3. Quadro universitário de contratações. Uma nova profissão foi criada! Agora, onde e como esses novos cientistas irão se inserir? Uma vez que a Universidade não possui um quadro de contratações (tudo ocorre somente através de concursos), essa inserção na pesquisa dentro da Universidade provavelmente será realizada via agências de fomento. Em umas das propostas, sugere-se que a verba das agências de fomento passem a ser gerenciadas por fundações (muitas delas já existentes inclusive). Pensamos que isso pode ampliar um passo na burocracia universitária e tirar a autonomia do pesquisador em gerenciar sua própria verba de pesquisa, como já acontece em algumas universidades. Portanto, devemos encarar a questão de terceirização da administração de recursos de pesquisa com cautela.

Mas afinal, se no final de toda a legislação e burocracia, retornaremos às agências de fomento, por que não criar um caminho diretamente por elas? É ingenuidade pensar que ao encaminhar propostas de mudança de legislação o problema será resolvido rapidamente. Existem projetos que tramitam há mais de 20 anos e até agora não possuem sequer menção de ser votados (tomemos o exemplo do ato médico, no qual primeiro texto foi encaminho em 2002 e só agora há homologação da proposta).

Ainda, uma vez que a profissão cientista seja criada, de forma adequada ou não, rápida ou demorada, a pós-graduação continuará na mesma situação. E é por isso que os pós-graduandos precisam buscar uma alternativa de melhorias, que não possui relação alguma com a profissionalização discutida acima.

Por uma melhoria na pós-graduação

Entendemos que a estrutura da pós-graduação no Brasil possui diversos problemas, porém, alguns de solução mais simples, não necessitando de um projeto de lei. Por exemplo, regimentos internos associados a contratos de bolsa (especificando direitos e deveres mais detalhadamente) podem ser negociados diretamente através das agências públicas de fomento (CAPES, CNPq, FAPs). Reforçamos que a criação de uma proposta de lei é algo muito demorado e pode inclusive comprometer uma tentativa de proposta diretamente com essas entidades de fomento.

Descobrimos recentemente que um projeto de lei regulamentando o salário e direitos dos pós-graduandos à classe de pesquisadores-docentes foi enviada ao congresso em 2003. Essa proposta assume uma integração entre os pós-graduandos e os pesquisadores-docentes, ao invés de propor uma separação entre eles, como na proposta atual de profissionalização. Acreditamos que devemos nos posicionar, juntamente com a classe dos docentes-pesquisadores, para mudar a realidade de docência e pesquisa nas universidades.

Porém, muitos aspectos discutidos entre os pós-graduandos como sendo necessidades urgentes são de fácil resolução, bastando incluir um contrato de bolsa mais claro e contemplando nossos direitos e deveres. A questão da carga horária, por exemplo. Por mais que esteja escrito que é regime de dedicação exclusiva (na academia, geralmente 40h), precisamos tornar essas horas explícitas. O direito a férias, licença maternidade (ponto que acreditamos que deve ser melhor discutido e pensado em relação a estratégias mais humanistas), devem estar contemplados explicitamente no contrato de bolsa seja ela federal (CNPq, CAPES) estadual (FAPs) ou agências privadas de fomento.

Ainda, é importante não focarmos a questão da ciência e da pós-graduação somente nas ciências experimentais. As ciências humanas e artes possuem inúmeros programas de pós-graduação de qualidade altíssima e possuem uma forma diferente de tratar suas questões e de olhar para suas perguntas. E não são menos ciência do que as ciências biológicas. Entretanto, é fato que em diversos desses programas, não há trabalho de bancada e sim muita leitura, disciplinas, cursos e pesquisas de campo, entre outros métodos de pesquisa adequados à essa área do conhecimento humano. Como esses estudantes seriam contemplados nessa proposta?

Acreditamos que a pós-graduação é um momento de formação e, de fato, não deve ser encarado como um emprego, pois não é. Portanto, a luta por melhorias em nossa formação são pungentes e precisamos urgentemente fortalecer os programas de pós-graduação no que se refere à qualidade dos mesmos.

Ressaltamos novamente que não há necessidade de criação de projetos de lei para resolvermos muitos de nossos problemas. Precisamos de algo muito mais urgente e de fácil resolução, caso contrário ficaremos muito mais tempo na mesma situação. Isso não é o que todos nós queremos.

Considerações finais sobre cientistas e ciência

Por fim, é um pouco desestimulante ver tamanha mobilização dos pós-graduandos para as questões de profissionalização, enquanto questões altamente relevantes para a prática científica são pouco consideradas pelos mesmos. Por exemplo, a qualidade da ciência tem sido sabidamente prejudicada com o viés de publicação em massa, no qual somente resultados positivos e novos são publicados, em detrimento de princípios básicos do método científico, como reprodutibilidade e ética. Ainda que excelentes iniciativas estejam em andamento (ex. reproducibility project; pré-registro de estudos científicos) e discussões a respeito de seleção estatística dos resultados tenham sido levantadas pouca atenção tem sido dada a essas questões no âmbito da pós-graduação.

Se o que buscamos é uma melhoria na produção de ciência e não somente das nossas próprias condições de trabalho, uma maior atenção deveria ser dada aos mecanismos vigentes de produção científica, ao invés de priorizar uma grande luta para nos adequarmos a eles. O novo modo de produção de ciência, no qual se enquadra a discussão sobre a profissionalização do cientista, ao nosso ver, não deve priorizar um trabalho intelectualmente estreito e puramente técnico sob uma bandeira de uma grande revolução da carreira científica.

Não sabemos qual será o resultado dessa iniciativa, mas pensamos ser importante discutirmos coletivamente a fim de melhorar a questão da pós-graduação, com maturidade, bom diálogo e sem decisões precipitadas. Estamos vivendo um momento importantíssimo para a ciência e precisamos nos unir para ampliar o debate acerca do rumo que queremos para a ciência brasileira.

| 11 de agosto de 2013

http://blog.sbnec.org.br/2013/08/voce-quer-mesmo-ser-cientista-uma-reflexao-sobre-a-pos-graduacao-e-profissionalizacao-da-ciencia/

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O AMOR NATURAL: POEMAS PORNOGRÁFICOS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

O AMOR NATURAL:

POEMAS PORNOGRÁFICOS 

DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Oh! Sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
Que o nosso avô português?
 Carlos Drummond Andrade Poemas Pornografia Poesia Erotismo Literatura
Das infinitas faces que um poeta pode ter, Carlos Drummond de Andrade, de muito bom grado, dispôs-se a mostrar-nos ao menos sete. Sacramentadas. Esses lados, essas faces, não são simples traços de estilo, certamente nem convicções quanto às formas, são algo além disso: o homem Drummond, o corpo além do poeta e, como todos os demais corpos, susceptível às passagens, mudanças e afetos do tempo. Sua passagem nos recoloca, nos re-escreve e, no poeta mineiro, haveria de fazê-lo admitir uma derrota diante de suas consumições eróticas. Nos conflitos entre as dores, a morte e a vida, o sexo aparece como peça atraente, extrapolação da vida em direção ao fim sem que necessite ser, de fato, o fim. É dessa forma que melhor se compreende a conversão do comedido mineiro em militante póstumo da sacanagem.
"O Amor Natural" não nasceu de um desvario momentâneo. O livro de poemas pornográficos, lançado em 1992, choque entre as mocinhas e senhores desavisado, expôs contornos radicais do poeta, mas o assunto já costumava aparecer em um ou outro poema, insinuadamente, fosse no embalo da união amorosa, fosse nos tons de poesia-piada, usuais no Modernismo (Era manhã de Setembro/ e/ ela me beijava o membro). Mas nesse há um desfile pelas páginas, uma galeria recheada de vulvas, línguas, falos, lambidas, pêlos.... O que mais houvesse para haver na cama entre homens e mulheres, está lá. Mas como? Aquele velhinho...?
Mario de Andrade costumava dizer que a culpa era toda da timidez. Faz todo sentido. Mas é igualmente coerente acreditar que as mudanças de comportamento que viu observar - naqueles anos de 1950, os comerciais já expunham muito mais pedaços de pele que na época dos bondes, nos anos 20, quando um tornozelo de fora era o auge do erotismo público - somadas ao avanço da idade, tenham feito nosso poeta alargar as brechas para o erotismo que já cultivava desde sempre. Mas, apesar disso, fato é que Drummond preferiu-se, num pedido compreendido e atendido, morto à época da publicação do livro. Morto quando admitisse que a pornografia venceu. Melhor assim que deixar-se entrever à frente de todos seus acessos delirantes por contornos passantes em bondes, camas ou moitas, de coxas, pernas e peitos femininos, sempre femininos. Sobre dores do ser, sobre a política e sobre as palavras, estaria a glória de um convulsivo orgasmo.
É assim que no livro, escrito em meado dos anos setenta, Drummond rende-se a produção de poemas que vão do erótico ao pornográfico, passando pelo completo despudor; versos milvalentes onde ato sexual não eleva nem rebaixa, mas sim, aceita exultante a condição simples, o exposto cru, bastante cru, de ser humano. Animal sem meias palavras: ato, suor, lugar, sémen, gemido, mamilos, modo. Uma pequena amostra dessas poéticas paixões carnais estão aqui nesta pequena seleção de cinco poemas de puro gozo retirados d´O Amor Natural.

Sugar e ser sugado pelo amor
Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
Que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.

A língua lambe
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

A castidade com que abria as coxas
A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.
Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.

Mimosa boca errante
Mimosa boca errante
à superfície até achar o ponto
em que te apraz colher o fruto em fogo
que não será comido mas fruído
até se lhe esgotar o sumo cálido
e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,
mas rorejando a baba de delícias
que fruto e boca se permitem, dádiva.
Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar e clausurar
inteiro, em ti, o talo rígido
mas varado de gozo ao confinar-se
no limitado espaço que ofereces
a seu volume e jato apaixonados
como podes tornar-te, assim aberta,
recurvo céu infindo e sepultura?
Mimosa boca e santa,
que devagar vais desfolhando a líquida
espuma do prazer em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta qual se fossem
a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,
oh chega, chega, chega de beber-me,
de matar-me, e, na morte, de viver-me.
Já sei a eternidade: é puro orgasmo.

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
de magnificar meu membro.
Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos
em posição devota.
O que passou não é passado morto.
Para sempre e um dia
o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.
Hoje não estás nem sei onde estarás,
na total impossibilidade de gesto ou comunicação.
Não te vejo não te escuto não te aperto
mas tua boca está presente, adorando.
Adorando.

Nunca pensei ter entre as coxas um deus.



http://obviousmag.org/archives/2008/04/o_amor_natural.html

Octavio Paz - entrevista na íntegra com o autor mexicano

A psicanalista Betty Milan lança este mês A Força da Palavra, uma versão ampliada da coletânea de entrevistas publicada em 1996. O livro traz depoimentos de 32 intelectuais à autora, entre eles o sociólogo Gilberto Freyre e o filósofo Jacques Derrida. Confira abaixo a entrevista na íntegra com o autor mexicano Octavio Paz (foto).

OCTAVIO PAZ
Poeta e ensaísta, Octavio Paz foi Prêmio Nobel de Literatura em 1990. Nasceu no México em 1914 e passou a infância nos Estados Unidos com a família. De volta ao México, formou-se em direito e fez especialização em literatura. Lutou na Espanha, em 1937, do lado dos republicanos, mas nunca abraçou o comunismo. De 1946 a 1951, viveu em Paris, onde se ligou a André Breton e frequentou o grupo surrealista, no qual encontrou o poeta Benjamin Péret, que viveu no Brasil e no México e foi seu tradutor para o francês. Além de escritor e tradutor, Octavio Paz foi diplomata. Demitiu-se do cargo de embaixador de seu país na Índia em protesto contra o massacre da praça das Três Culturas (Tlatelolco, 1968), no qual morreram mais de cem estudantes mexicanos.
Comentando sua morte em 1998, o escritor peruano Mario Vargas Llosa o qualificou como “a consciência viva de sua era”. É conhecido no Brasil sobretudo por seus ensaios, como O arco e a lira, Signos em rotação, O labirinto da solidão, entre outros.
À jornalista que perguntou a Octavio Paz se ele acaso não temia ficar colado à imagem que a notoriedade lhe dava, ele respondeu: “Não acredito nessas consagrações. A única consagração é um leitor capaz de dialogar com a gente. Não, eu não penso que esteja impressionado com os meus sucessos. A vida inteira, as minhas opiniões foram minoritárias”.
Precisamente por querer o diálogo ou o encontro, ele lançou um ensaio sobre o amor, A dupla chama, que não cessa de reenviar o leitor à sua própria experiência e de fazê-lo considerar, através desta, as diferentes ideias do texto.
Escrito para nos convencer do caráter historicamente subversivo do amor, que, contrariando a tradição ocidental, enobreceu o corpo, o livro é um ensaio de poeta. Por isso mesmo, a chama que ele acende não vai se apagar. “O amor é uma flor sangrenta e é também um talismã: a vulnerabilidade dos amantes os protege”, escreve Octavio Paz. E quem poderá se esquecer do que ele diz da pessoa amada: “Terra a descobrir e casa natal”?
Tendo em vista A dupla chama, fui ter com Paz no Hotel Lutétia, onde, apesar da minha oposição inicial, ele deu a entrevista num salão repleto. As idas e vindas das pessoas em momento algum o molestaram, e eu, que temia não compreender o seu espanhol, logo fiquei à vontade. Só quando eu não ouvia ou não entendia, Octavio Paz passava do espanhol para o francês, a língua em que eu lhe fazia as perguntas, não por ele desconhecer o português, mas por conhecer menos o português do que o francês, a segunda língua dos escritores latino-americanos da sua geração.
Depois da entrevista, Paz me convidou para tomar um café.
Contou-me, durante a conversa, que fora tradutor de Fernando Pessoa e falou com admiração de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.

Betty Milan: O senhor diz na introdução ao livro A dupla chama que, antes de escrevê-lo, hesitou muito, mas não teve como não escrever este livro sobre o amor e fez isso com um “desespero alegre”. Que relação o senhor estabelece entre a escrita e o amor?
Octavio Paz: Há uma relação íntima quando se trata de um certo tipo de escrita, a escrita literária, a poesia ou o romance. Há muitas formas de escrever. Quando a gente quer expressar algo de muito profundo, escreve um poema ou um romance, procura assim objetivar a paixão. Em geral, a escrita nasce de uma vocação, a pessoa está condenada a escrever sobre certos temas. Você, que é escritora, sabe disso. Acontece a mesma coisa no amor, que começa com uma atração involuntária – a que a gente está destinada – e depois se converte, através do livre-arbítrio, numa forma de liberdade.

BM: O senhor utilizou a palavra “condenada”. Em que medida existe um livre-arbítrio?
PAZTrata-se de uma questão tão antiga quanto a filosofia. Não há resposta, e as que eu encontrei me parecem igualmente insatisfatórias. Há uma eterna relação entre a palavra “destino” e a palavra “liberdade”. Os gregos viram isso muito bem. Para que o destino se realize, é necessário que ele conte com a cumplicidade dos homens. Para que Édipo cumpra o seu trágico destino, ele tem que escolher voluntariamente, sem saber o que está fazendo, claro. Quero dizer que em cada ato humano há uma dose de determinismo, mas este não pode se realizar sem a liberdade, que, por sua vez, necessita do destino para se realizar. Podemos dizer que, se a liberdade é uma condição da necessidade, o inverso também é verdadeiro. Não há como considerar separadamente a palavra destino e a palavra liberdade. Os dois termos estão perpetuamente em luta; e um não vive sem o outro.

BM: Agora que o senhor já escreveu o livro com um “desespero alegre”, talvez seja possível me dizer por que escolheu o amor como tema.
PAZ: Eu o escrevi com um “desespero alegre” porque o fiz no final da minha vida. Mas o que importa é que o escrevi. E por quê? Desde que comecei, quisera ser, quisera ter sido... a gente até começa a falar no passado... bem, quisera ter sido poeta. Os meus melhores poemas foram de amor. Às vezes, foram poemas eróticos. O tema do amor é uma das minhas obsessões, um dos eixos em torno dos quais giraram a minha vida pessoal e também a minha vida intelectual.

BM: Sim, mas por que o senhor escreveu um ensaio?
PAZ: Porque queria explicar o amor para mim mesmo. Quando comecei a escrever poemas, eu me disse que precisava escrever algum ensaio para justificar o ato aparentemente absurdo de escrever poemas. O mesmo ocorreu com o amor.

BM: O senhor afirma que Platão teria ficado escandalizado com o que nós chamamos amor. Seria possível comentar
essa frase?
PAZ: Para Platão, o amor não tinha o sentido que damos a ele, e que surgiu na Idade Média com a poesia provençal. O amor, para Platão, era o erotismo, a ação de Eros, o deus da luz e da escuridão, o mensageiro, força atuante. Platão concebia o amor como um desejo de beleza que terminava na contemplação das ideias eternas. Ademais, o amor não se dirigia a uma mulher, e sim aos efebos. O amor de que falamos, e que hoje pode ser homossexual, nasceu como uma paixão heterossexual. Nele, existe um gosto pelo sofrimento, pela tragédia – como em Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta–, que teria escandalizado Platão. O amor também escandalizou os cristãos, pelo fato de se colocar numa criatura humana o que é próprio da divindade.
Lope de Vega diz que, no amor, a gente busca o eterno no que é perecível. O amor é uma blasfêmia para a Igreja; é subversivo diante da filosofia e da religião.

BM: O senhor diz que o amor é uma aposta extravagante na liberdade, pois o livre-arbítrio transforma uma atração involuntária entre duas pessoas em união voluntária. Isso é bastante claro quando pensamos em Tristão e Isoldaou em Romeu e Julieta. Mas o romance História de O não é uma aposta extravagante na servidão?
PAZ: A questão é muito interessante. Mas decide, por amar René, que deseja se deixar escravizar. Os estoicos pensavam que só se pode afirmar a liberdade dentro dos limites do destino. Epicteto dizia que o escravo tem a liberdade, pelo menos no seu interior, de dizer “não”.
O mesmo ocorre com O, que é uma mulher livre e se vale da liberdade para se converter numa escrava.

BM: Cabe perguntar se O teria podido dizer que não queria ser escrava ou, em outras palavras, se teria tido a possibilidade subjetiva de escolher a posição de quem não é escrava.
PAZ: Sim, poderia ter recusado o amor. Falei algumas vezes com Paulhan sobre isso. No meu livro sobre Sade, eu desenvolvo a ideia. O livro se chamaUm mais além erótico: Sade, e também acaba de sair pela Gallimard. Contém um poema e dois ensaios. A parte final trata da História de O. Creio que Oescolhe a servidão porque está apaixonada. Todos os apaixonados, no fundo, seguem O, na medida em que todos aceitam a servidão. Na poesia provençal, que codificou o amor, afirma-se que o apaixonado é um vassalo e a amada, uma senhora. Mas o apaixonado decidiu se converter em vassalo, por estar apaixonado, não nasceu escravo. A origem de se encontra na poesia provençal. Se fosse somente masoquista, seguiria suas inclinações eróticas e ponto final, mas ela está apaixonada.

BM: O senhor não acha que o amor implicaria uma revisão completa da noção de escolha?
PAZ: Sim, porém o amor lança luz sobre a relação entre necessidade e liberdade, sobre o livre-arbítrio, o grande tema do teatro espanhol.

BM: O amor move o sol e as estrelas, mas não se dissocia do ódio e pode se tornar mortífero. Por que o senhor só fala do amor como um bem?
PAZ: Mencionam com frequência o caráter mortífero do amor. Possivelmente, eu falo dele sobretudo como um bem por uma reação contra essa predileção do século XX, predileção pelos lados negros do amor. Trata-se também de uma reação contra a exaltação do marquês de Sade... Mas eu penso que o ódio é inseparável do amor.

BM: Existe até o conceito de hainamoration, em Lacan.
PAZO quê?

BMHainamoration, um neologismo que junta o ódio (haine) e o amor (amour).
PAZOs psicólogos dizem de modo mais ou menos pedante o que os poetas dizem de forma simples. Catulo diz, num poema famoso: “Amo e odeio ao mesmo tempo/Por quê?/Não sei, mas eu disso padeço”. É magnífico, em quatro versos diz o que os psicólogos e os psicanalistas precisam de mil páginas para dizer.

BM: (Risos) O senhor diz, no seu livro, que o amor é incompatível com a infidelidade. Isso significaria que a revolução erótica deste século XX não mudou em nada a noção tradicional de infidelidade?
PAZA revolução erótica nos trouxe uma ideia mais limpa do corpo... O amor não existe sem a liberdade feminina. Por isso, desde sempre, os grandes períodos do amor coincidiram com a liberdade da mulher ou com a sua rebelião. Afinal de contas, Isolda se rebelou, Julieta também...

BM: Voltando à questão anterior, eu lhe pergunto se um simples encontro erótico é um ato de infidelidade.
PAZSim, em geral sim, porque o amor está fundado na união do corpo e do espírito. No passado, havia o problema da paternidade. Hoje, a infidelidade é menos grave, porque não interfere na procriação; mas o amor parte da decisão de que “iremos juntos até o final”.

BM: Será mesmo que a revolução erótica não implica que possa haver fidelidade do espírito e liberdade do corpo?
PAZParece complicado. As experiências dos que tentaram esse tipo de amizade amorosa não deram certo. É muito difícil evitar o sofrimento do companheiro. A infidelidade, em si mesma, poderia não ser grave, mas fere profundamente o outro. Isso todos nós sabemos pela experiência.

BM: Os autores árabes celebram os amores castos. Qual a diferença entre a erótica árabe e a platônica?
PAZA ideia da castidade é muito antiga. No Oriente, nasce do conceito de que toda descarga sexual implica perda de vida. É preciso ser casto para conseguir mais vida. A castidade é uma receita de imortalidade. No taoísmo e na ioga, a castidade existe para que o sujeito tenha mais controle sobre si mesmo. No caso de Platão, a castidade está ligada ao dualismo do corpo e da alma e à necessidade de salvar esta última. Cada ato sexual, para ele, é uma queda no explicar isso?

PAZ: Toda a doutrina da beat generation parte da espontaneidade da escrita, que é uma ideia dos surrealistas.
BM: Obrigada pela entrevista.

PAZ: Você quer tomar um café?

A IMAGINAÇÃO PORNOGRÁFICA - Susan Sontag

"a avaliação e o exame racionais da pornografia são efetuados firmemente no interior dos limites do discurso empregado pelos psicólogos, sociólogos, historiadores, juristas, moralistas profissionais e críticos sociais. A pornografia é uma doença a ser diagnosticada e uma ocasião para julgamento. É alguma coisa frente à qual se é contra ou a favor. E a tomada de posição sobre a pornografia dificilmente é o mesmo como ser contra ou a favor da música aleatória ou da arte Pop, mas é um pouco como se posicionar sobre o aborto legalizado ou a ajuda federal às escolas paroquiais. Com efeito, a mesma abordagem fundamental do tema é partilhada por eloqüentes defensores recentes do direito e da obrigação da sociedade em censurar livros sujos (como George P.Elliott e George Steiner) e por aqueles (como Paul Goodman) que ante vêem as conseqüências perniciosas de uma política de censura, muito piores que qualquer dano causado pelos próprios livros. Tanto os libertários como os presumidos censores concordam em reduzir a pornografia a um sintoma patológico e a uma mercadoria social problemática. Existe um consenso quase unânime sobre o que a pornografia é – sendo identificada com noções sobre as fontes do impulso de produção e consumo desses curiosos bens. Quando enfocada como um tema para análise psicológica, a pornografia raramente é vista como mais interessante que textos que ilustram uma interrupção deplorável no desenvolvimento sexual do adulto normal. Nesta visão, tudo oque a pornografia significa é a representação das fantasias da vida sexual infantil, editadas pela consciência mais treinada, menos inocente, do adolescente masturbador, para ser comprada pelos chamados adultos.Enquanto fenômeno social (por exemplo, o surto na produção de pornografia nas sociedades da Europa e nos Estados Unidos a partir do século XVIII), a abordagem não é menos inequívoca e clínica: a pornografia torna-se uma patologia de grupo, a doença de toda uma cultura, sobre cujas causas existe uma concordância geral."

Susan Sontag
A IMAGINAÇÃO PORNOGRÁFICA

35 livros para uma biblioteca erótica - Um guia de literatura erótica em edições nacionais.



35 livros para uma biblioteca erótica

Um guia de literatura erótica em edições nacionais. 
Por Eliane Robert Moraes



História da literatura erótica, Sarane Alexandrian (tradução de Ana Maria Scherer e José Laurênio de Mello). Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

“A imaginação pornográfica”, Susan Sontag. Ensaio publicado em A vontade radical. Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

“O ensaio interroga a ‘imaginação pornográfica’
como uma forma particular de consciência que abre ao pensamento
a possibilidade contínua de alargar a escala humana
para além da vida em sociedade.”

*

Eros, tecelão de mitos: a poesia de Safo de Lesbos, Joaquim Brasil Fontes. São Paulo: Iluminuras, 2003.

“Escritos na idade de ouro do lirismo grego,
por volta de 600 a.C., os versos de Safo de Lesbos
fundam a poesia amorosa do Ocidente,
fazendo reverberar um Eros meditativo.”

Falo no jardim – priapeia grega, priapeia latina, João Ângelo Oliva Neto (organizador e tradutor). São Paulo: Ateliê/Editora da Unicamp, 2006.

Satíricon, Petrônio (tradução de Cláudio Aquati). São Paulo: CosacNaify, 2008.

Sonetos luxuriosos, Pietro Aretino (tradução, introdução e notas de José Paulo Paes). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

“Entre os humanistas do Renascimento que se lançaram
à ousada tarefa de desvendar os mistérios do mundo,
Aretino ocupou um lugar único. Sua obra licenciosa
tornou-se a principal fonte do moderno erotismo literário.”


A invenção da pornografia: a obscenidade e as origens da modernidade (1500-1800), Lynn Hunt (tradução de Carlos Szlak). São Paulo: Hedra, 1999.


*

Moqueca de maridos: mitos eróticos, Betty Mindlin e narradores indígenas. Rio de Janeiro: Record/ Rosa dos Tempos, 1997.

Crônica do viver baiano seiscentista, Gregório de Mattos. Rio de Janeiro: Record, 1999.

Poesias eróticas, burlescas e satíricas, Manuel Maria Barbosa Du Bocage. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999.

*

A filosofia na alcova, Marquês de Sade (tradução de Contador Borges). São Paulo: Iluminuras, 2000.

“Escrito em 1795, o livro associa, desde o título,
a reflexão filosófica às práticas libertinas,
já que não se trata de uma filosofia da alcova, e sim na alcova.
A diferença é sutil, mas essencial: aqui o filósofo desloca-se para o boudoir libertino, o que é bastante distinto da atitude de refletir
sobre a alcova a partir do gabinete,
como fizeram muitos contemporâneos do marquês.
Quando a reflexão e a paixão se fundem,
estabelece-se uma unidade entre pensamento e corpo, à qual o
libertino dá o nome de ‘filosofia lúbrica’”.

Um mais além erótico: Sade, Octavio Paz (tradução de Wladyr Dupont). São Paulo, Mandarim, 1999.


“Ensaio de 1961 de Octavio Paz, testemunho da inquietação
de uma geração de intelectuais, compelida a repensar
as bases de um humanismo que a Segunda Guerra Mundial
havia colocado em xeque.”

Esses livros que se lêem com uma só mão. Leitura e leitores de livros pornográficos no século XVIII, Jean-Marie Goulemot (tradução de Maria Aparecida Corrêa). São Paulo: Discurso Editorial, 2000.

Fanny Hill ou Memórias de uma mulher de prazer, John Cleland (tradução de Eduardo Francisco Alves). São Paulo: Estação Liberdade, 1997.

Os segredos do Amor e de Vênus de Luisa Sigea, Nicolas Chorier (tradução de J. M. Bertolote). São Paulo: Degustar, 2007.

“O livro é apresentado como a tradução latina de obra erótica
criada pela poeta espanhola Luisa Sigea.
Uma fraude como essa, além de preservar a reputação do autor,
também divertia o erudito magistrado, que se deleitava em
compartilhar textos clandestinos com uma reservada
elite intelectual do século XVII.”

A Vênus das Peles, Leopold Sacher-Masoch (tradução de Saulo Krieger). São Paulo: Hedra, 2008.

Três filhas da mãe, Pierre Louys (tradução de Denise Coutinho e Michel Colin). Salvador: Ágalma, 2001.

*

Contos eróticos, Dalton Trevisan. Rio de Janeiro: Record, 2002.

O amor natural, Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Record, 1992.

Poesia digesta (1974-2004), Glauco Mattoso. São Paulo: Landy, 2004.

Tripé do tripúdio e outros contos hediondos, Glauco Mattoso. São Paulo: Tordesilhas, 2011.

Pornopopeia, Reinaldo Moraes. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

O caderno rosa de Lori Lamby, Hilda Hilst. São Paulo: Globo, 2005.

“Disfarçado de pornografia, o texto é uma fina reflexão
sobre o ato de escrever como possibilidade de jogar
com os limites da linguagem.
Trata-se, para Lori Lamby, de conhecer o funcionamento da língua,
no seu duplo registro: falar, narrar, fabular – assim como
lamber, chupar e sugar –, exigem um aprendizado sutil e interminável,
pois os prazeres da boca se desdobram em muitas modalidades.
Não por acaso, a autora dedica o livro ‘à memória da língua’”.

Bundo: e outros poemas, Valdo Motta. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

A casa dos budas ditosos, João Ubaldo Ribeiro. Rio de Janeiro, Objetiva, 1999.

*

História do olho, Georges Bataille (tradução de Eliane Robert Moraes). São Paulo: CosacNaify, 2010.

O erotismo. Georges Bataille (tradução de Fernando Scheibe). Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

Poesia erótica em tradução, vários autores (organização e tradução de José Paulo Paes). São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

“A antologia traz poemas da antiguidade helênica e latina,
versos satíricos da Idade Média, trovas provençais do século XIII,
exemplares do barroco espanhol, passando pela poesia libertina
setecentista, pelo folclore da Calábria do século XIX,
até a produção dos surrealistas franceses.
As impecáveis traduções de José Paulo Paes
dão a conhecer as formas poéticas da erótica ocidental, revelando
as marcas que a história e a cultura imprimem na experiência carnal.”

*

Poesia erótica e satírica, Bernardo Guimarães (prefácio, organização e notas, Duda Machado). Rio de Janeiro: Imago, 1992.

Risos entre pares: poesia e humor românticos, Vagner Camilo. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial/Fapesp, 1997

A carne, a morte e o diabo na literatura romântica, Mario Praz (tradução de Philadelpho Menezes). Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

Leituras do desejo: o erotismo no romance naturalista brasileiro, Marcelo Bulhões. São Paulo: Edusp, 2003.

Eros travestido: um estudo do erotismo no realismo burguês brasileiro, Lúcia Castello Branco. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1985.

Páginas de sensação: literatura popular e pornográfica no Rio de Janeiro (1870-1924), Alessandra El Far. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

A linguagem proibida: um estudo sobre a linguagem erótica, baseado no dicionário moderno de Bock de 1903, Dino Preti. São Paulo: T. A Queiroz, 1983.


- - - 
Eliane Robert Moraes é professora de literatura brasileira na Universidade de São Paulo. Autora de diversos ensaios sobre o imaginário erótico na literatura, publicou, entre outros: Sade: a felicidade libertina (Imago, 1994), O corpo impossível (Iluminuras/Fapesp, 2002), Lições de Sade: ensaios sobre a imaginação libertina (Iluminuras, 2006) e Perversos, amantes e outros trágicos (Iluminuras, 2013).