domingo, 30 de junho de 2013

Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo. (Clarice Lispector)


E eis que em breve nos separaremos

E a verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia

Eu agora sei, eu sou só

Eu e minha liberdade que não sei usar

Mas, eu assumo a minha solidão

Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa

Guardo teu nome em segredo

Preciso de segredos para viver

E eis que depois de uma tarde de quem sou eu

E de acordar a uma hora da madrugada em desespero

Eis que as três horas da madrugada, acordei e me encontrei

Fui ao encontro de mim, calma, alegre, plenitude sem fulminação

Simplesmente eu sou eu, e você é você

É lindo, é vasto, vai durar

Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida

Mas, por enquanto, olha pra mim e me ama

Não, tu olhas pra ti e te amas

É o que está certo

Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca

E tudo isso ganhei ao deixar de te amar

Escuta! Eu te deixo ser… Deixa-me ser!



Clarice Lispector

Livro - Água Viva

Um comentário:

  1. https://www.facebook.com/caetanodable/videos/10210474437320264/
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    Bergman, Wenders, Pina, Codax, Pederneiras, Wisnik e Caetano: mortes, lutos, relacionamentos e alvoradas.
    Em texto escrito, a mesma ideia seria algo por aqui:
    Quando a hora dobra em triste e tardo toque
    E em noite horrenda vejo escoar-se o dia,
    Quando vejo esvair-se a violeta, ou que
    A prata a preta tempora assedia;
    Quando vejo sem folha o tronco antigo
    Que ao rebanho estendia a sobra franca
    E em feixe atado agora o vejo trigo
    Seguir o carro, a barba hirsuta e branca;
    Sobre tua beleza então questiono
    Que há de sofrer do Tempo a dura prova,
    Pois as graças do mundo em abandono
    Morrem ao ver nascer a graça nova.
    Contra a foice do tempo é vão combate
    Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.
    -
    [Soneto 12 - William Shakespeare]
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    E eis que em breve nos separaremos
    E a verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia
    Eu agora sei, eu sou só
    Eu e minha liberdade que não sei usar
    Mas, eu assumo a minha solidão
    Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa
    Guardo teu nome em segredo
    Preciso de segredos para viver
    E eis que depois de uma tarde de quem sou eu
    E de acordar a uma hora da madrugada em desespero
    Eis que as três horas da madrugada, acordei e me encontrei
    Fui ao encontro de mim, calma, alegre, plenitude sem fulminação
    Simplesmente eu sou eu, e você é você
    É lindo, é vasto, vai durar
    Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida
    Mas, por enquanto, olha pra mim e me ama
    Não, tu olhas pra ti e te amas
    É o que está certo
    Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca
    E tudo isso ganhei ao deixar de te amar
    Escuta! Eu te deixo ser… Deixa-me ser!
    -
    [Trecho do final do livro "Água Viva" de Clarice Lispector.]
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    AURORA
    O poeta ia bêbedo no bonde
    O dia nascia atrás dos quintais
    As pensões alegres dormia tristíssimas.
    As casas também iam bêbedas
    Tudo era irreparável.
    Ninguém sabia que o mundo acabaria
    (apenas uma criança percebe mas ficou calada),
    que o mundo ia acabar às 7 em ponto.
    Últimos pensamentos! último telegramas!
    José, que colocava pronomes,
    Helena, que amava os homens,
    Sebastião, que se arruinava,
    Artur, que não dizia nada,
    embarcam para a eternidade.
    O poeta está bêbedo, mas
    escuta um apelo na aurora:
    Vamos todos dançar
    entre o bonde e a árvore?
    Entre o bonde e a árvore
    dançai, meus irmãos!
    Embora sem música
    dançai, meus irmãos!
    Os filhos estão nascendo
    com tamanha espontaneidade
    Como é maravilhoso o amor
    (o amor e outros produtos).
    Dançai, meus irmãos!
    A morte virá depois
    como um sacramento.
    -
    [Aurora in Brejo das Almas - Carlos Drummond de Andrade]
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    A Vigília de Hero

    Tu amarás outras mulheres
    E tu me esquecerás!
    É tão cruel, mas é a vida.
    E no entretanto
    Alguma coisa em ti pertence-me!
    Em mim alguma coisa és tu.
    O lado espiritual do nosso amor
    Nos marcou para sempre.
    Oh, vem em pensamento nos meus braços!
    Que eu te afeiçoe e acaricie...

    Não sei porque te falo assim de coisas que não são.
    Esta noite, de súbito, um aperto
    De coração tão vivo e lancinante
    Tive ao pensar numa separação!
    Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.
    Queria ver-te... estar ao pé de ti...
    Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me!

    É como uma corrida, em minhas veias,
    De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos
    Que queriam tomar tua cabeça amada,
    Afagar tua fronte e teus cabelos,
    Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

    Oh, quisera não ser tão voluptuosa!
    E todavia
    Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!
    Mas faz sofrer... inquieta...
    Ah, com que poderei contentá-la jamais?
    Quisera calmá-la na música...
    Ouvir muito, ouvir muito...
    Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!

    Possui-me como sou na ampla noite pressaga!
    Sente o inefável!
    Guarda apenas a ventura
    Do meu desejo ardendo a sós
    Na treva imensa...
    Ah, se eu ouvisse a tua voz!
    ---
    Manuel Bandeira

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